Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório
No recurso de contra-ordenação que correu termos Tribunal Judicial da Comarca de Évora - Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Novo, J2 - com o número supra indicado, AA que havia sido condenada, por decisão de 19-08-2022, pela Câmara Municipal de Vendas Novas, pela prática, de 1 (uma) contraordenação prevista no artigo 30.º e 34.º do Regulamento do Serviço de Distribuição de Água do Município de Vendas Novas - RSDAMVN - Regulamento n.º 350/2012, de 9/8), punível nos termos do artigo 65.º do mesmo diploma e ainda nas custas do processo (processo n.º 30/2021), impugnou judicialmente a decisão invocando:
- Adquiriu a residência em 1993 ou 1994, já com o contador de água instalado;
- Nos últimos anos deixou de residir na casa apenas indo a Vendas Novas de vez em quando, habitualmente ao fim de semana, fazendo curtas visitas;
- Só em 2021 é que a arguida voltou a residir regularmente na sua casa de Vendas Novas;
- Nas suas ausências, a casa estava desabitada, estando fora de questão a arguida ou alguém da sua família ter manipulado o contador.
Interposto recurso e verificando-se a existência de uma alteração não substancial dos factos deu-se cumprimento ao disposto nos artigos 358.º, n.º 1 e n.º 3 do Código de Processo Penal ex vi artigo 41.º do RGCO nada tendo sido requerido quanto à alteração prosseguindo os autos.
Realizada a audiência de julgamento, veio o tribunal recorrido a decidir – por sentença de 09-01-2023 - julgar improcedente o recurso de impugnação interposto pela recorrente AA, e, em conformidade, condenar a recorrente AA, pela prática de 1 (uma) contraordenação prevista e punida pelo disposto nos artigos 30.º e 34.º do Regulamento do Serviço de Distribuição de Água do Município de Vendas Novas - RSDAMVN - Regulamento n.º 350/2012, de 9/8), punível nos termos do artigo 65.º do mesmo diploma na coima de € 1500,00 (mil e quinhentos euros).
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Inconformada com uma tal decisão, dela interpôs a arguida o presente recurso pedindo seja concedido provimento ao mesmo no sentido de revogar a decisão recorrida, com as seguintes conclusões:
1. As questões trazidas ao conhecimento deste Venerando Tribunal assentam essencialmente em erro notório na apreciação da prova, ao abrigo da al. c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP.
2. De acordo com o disposto no n.º1 do art.º 124.º do CPP, “Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido…”
3. Por sua vez, dispõe o art.º 127.º do CPP, “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência…”
4. Neste caso, não foram considerados os factos juridicamente relevantes para a inexistência da contraordenação.
5. Assim como a prova não foi apreciada segundo as regras da experiência.
6. A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo foi o culminar de vários erros cometidos ab initio no processo administrativo, quer aquando da intervenção dos serviços da Câmara Municipal de Vendas Novas, quer na produção de prova após o recurso/impugnação judicial e, finalmente, na fase na apreciação da prova produzida em julgamento aquando da prolação da sentença.
7. Foi sustentada em factos que não podem ser dados como provados, nem são relevantes ou suficientemente indiciários para levar a uma indubitável condenação.
Se não, vejamos:
8. Os factos relevantes remontam a 23 de setembro de 2021, quando o assistente operacional, BB, que desempenhava funções de canalizador, foi verificar o contador.
9. Segundo aquele assistente operacional, o contador estava colocado a funcionar em sentido inverso ao do normal funcionamento, tendo sido por ele instalado, nesse momento, em sentido normal de funcionamento.
10. Porém, não cuidou de mostrar a dita anormalidade a quem estava na habitação, nem a qualquer outra pessoa, efetuando a operação sem que a mesma fosse presenciada por alguém.
11. Não efetuou qualquer teste, tendente a verificar se o contador estava a contar, uma vez que não pediu a ninguém para abrir torneiras no interior da habitação, de modo a confirmar tal facto.
12. Também não comunicou previamente aos serviços de fiscalização da Câmara Municipal para fazerem a recolha da prova.
13. Apenas relatou ao fiscal municipal, CC, aquilo que diz ter visto e feito no local da instalação do contador, quando regressou às instalações da Câmara Municipal, entregando-lhe a fotografia que consta na participação.
14. A Câmara Municipal não retirou o contador, nem o submeteu a qualquer peritagem.
15. No que respeita à manipulação do contador, não foram produzidas quaisquer provas que possam sustentar uma decisão condenatória.
16. Tal como também não foi provado, que a instalação do contador em sentido inverso ao do seu normal funcionamento gerou contagem negativa e deturpação nos consumos favoráveis ao consumidor/utilizador.
17. É das regras da experiência que a uma contagem negativa corresponde um valor inferior ao anteriormente contado.
18. Pois se um contador de água for instalado ao contrário, conta, forçosamente ao contrário e esse registo não foi comprovado com números concretos.
19. Nos mapas de consumo não há valores negativos das contagens.
20. Os baixos consumos, ou ausência de consumo, não podem ser usados como prova a uma eventual manipulação do contador e muito menos quando a casa esteve vários anos desabitada, ocorrendo apenas visitas casuais.
21. Apesar de não ter residido em permanência entre 2014 e 2021, a recorrente pagou sempre água.
22. O aumento da contagem de água a partir de janeiro de 2022 deveu-se ao facto da recorrente ter passado a residir na habitação em questão com mais 3 filhos.
23. O Tribunal a quo errou na apreciação da prova e fê-lo de forma notória na extensa motivação de facto, onde é evidente o realce dado às declarações das testemunhas arroladas pelo Ministério Público e a relativa desvalorização das declarações das testemunhas apresentadas pela recorrente.
24. Utiliza reiteradamente frases menos precisas, como, por exemplo, “interior da habitação”, referindo-se ao sítio onde está colocado o contador, dando a entender que o mesmo estava em local só acedido pelos residentes, quando ficou bem claro que estava dentro da propriedade, mas colocado no exterior da habitação.
25. Da prova produzida não resulta, sem margem para dúvidas, que o contador foi manipulado pela recorrente ou por qualquer pessoa da sua família.
26. Por essa razão, devia o Tribunal a quo ter absolvido a recorrente por falta de prova, admitindo-se, contudo, em face das circunstâncias, a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Termos em que deve o presente recurso ter provimento e em consequência ser revogada a decisão, absolvendo-se a recorrente por falta de prova.
Caso assim não se entenda, deverá ser aplicado o princípio in dubio pro reo.
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O Digno Procurador da República respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, com as seguintes conclusões:
1. A sentença proferida no dia 09 de Janeiro de 2023, julgou improcedente o recurso de impugnação interposto, condenando a Recorrente pela prática de uma contraordenação, prevista pelo disposto nos artigos 30.º e 34.º, ambos do Regulamento do Serviço de Distribuição de Água do Município de Vendas Novas – RSDAMVN, Regulamento n.º 350/2012, de 09 de Agosto, e punível nos termos do artigo 65.º do mesmo diploma, na coima de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
2. A Recorrente invoca, como fundamento para o seu recurso, o erro notório na apreciação da prova, adindo, que, “apesar do n.º 1 do art.º 75º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, restringir a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, de acordo com o n.º 2 do art.º 410º do CPP, aplicável ex vi art.º 41º do referido Decreto-Lei, “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, designadamente, o “Erro notório na apreciação da prova”.”
3. De facto, de acordo com o artigo 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, referido pela Recorrente, “(…) a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”, o que impossibilita, neste conspecto, o recurso, dito, amplo, da decisão sobre a matéria de facto.
4. O Tribunal da Relação, face ao disposto no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, pode ser confrontado, no âmbito contraordenacional, com os vícios e nulidades aí mencionados, contudo, a invocação de tais vícios não pode ser utilizada para, de forma encapotada, recorrer da decisão sobre a matéria de facto.
5. Os vícios da sentença, enunciados no artigo 410.º, do Código de Processo Penal têm de se manifestar expressamente do texto da decisão recorrida, sem que se possa deitar mão a qualquer outro elemento exterior à mesma (como sejam, por exemplo, quaisquer meios de prova carreados para os autos).
6. A Recorrente AA limita-se a invocar o vício de erro notório na apreciação da prova, fazendo alusões abstractas ao conceito, sem, contudo, explicitar de que forma entende que, em concreto, o dito vício inquina a sentença recorrida
7. Constata-se, da leitura da motivação do recurso a que ora se responde, que a Recorrente não se atém ao texto da decisão recorrida, para demonstrar que, da mera leitura da mesma, resulta que o tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova, como se impunha que fizesse, o que afasta liminarmente a existência do mencionado vício decisório.
8. A Recorrente socorre-se da prova oralmente produzida em audiência, pelo que se conclui que, o que a Recorrente questiona, é o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida, ou seja, o uso que fez do princípio da livre apreciação da mesma, o que lhe é vedado, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações.
9. Considera-se que há erro notório na apreciação da prova quando o Tribunal dá factos como provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.
10. Para caracterizar o erro notório na apreciação da prova importa desde logo referir que erro é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. E só é notório o erro ostensivo, evidente, que não passaria despercebido à generalidade das pessoas ou seria facilmente detectado por uma pessoa comum, de modo que, se na posição do juiz, o detectaria sem qualquer esforço.
11. Erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis. Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.
12. Diferente ainda é a situação, como a dos autos, em que, na verdade, do que se trata é de uma diferente convicção da Recorrente e consequente valoração das provas produzidas na audiência em relação ao que foi feito pelo Tribunal.
13. Para que haja erro notório na apreciação da prova é necessário que a decisão do julgador, que foi fundamentada na sua livre convicção, seja uma decisão, de entre as possíveis, aquela que é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum; isto é, que fossem dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que fossem dados como provados factos contrários à prova produzida.
14. De uma leitura, ainda que mais desatenta, da sentença ora em crise com facilidade se constata que a mesma não padece do invocado vício.
15. A Recorrente, sob o manto do vício de erro notório na apreciação da prova, pretende, outrossim, a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, deitando, para o efeito, mão da prova produzida em julgamento, e não se atendo ao texto decisório.
16. A douta sentença em crise não merece qualquer reparo, não padecendo do vício mencionado pela Recorrente.
17. A sentença condenatória explicitou, deforma fundamentada e convincente, a avaliação da prova produzida à luz das regras da lógica e da experiência comum, pelo que se conclui que a Recorrente, nas suas motivações de recurso, se limitou a contrapor à convicção alcançada pelo Tribunal, a sua própria convicção, resultante de uma pessoal análise dos meios de prova.
Termos em que, não deve ser concedido provimento ao recurso interposto pela Recorrente AA e, consequentemente, deve ser mantida a sentença proferida em 09 de Janeiro de 2023, e que julgou improcedente o recurso de impugnação, condenando a Recorrente pela prática de uma contraordenação, prevista pelo disposto nos artigos 30.º e 34.º, ambos do Regulamento do Serviço de Distribuição de Água do Município de Vendas Novas – RSDAMVN, Regulamento n.º 350/2012, de 09 de Agosto, e punível nos termos do artigo 65.º do mesmo diploma, na coima de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
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Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.
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B.1 - Fundamentação:
B.1.1 – O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. No dia 23 de setembro de 2021, o serviço de fiscalização municipal foi informado verbalmente pelo assistente operacional do município com o n.º 4856, da existência de modificação de posição num contador em sentido inverso ao do seu normal funcionamento situado no (…) do qual é titular AA, NIF (…), com residência na referida morada.
2. Na data e local referido em 1. verificou-se que o contador havia sido colocado a funcionar em sentido inverso ao do normal funcionamento, sem que por parte de AA, com o NIF (…) - enquanto proprietária do edifício e utilizadora do serviço abrangido por sistema público e titular do contrato de fornecimento de água - tivesse sido requerida à entidade gestora (Município de Vendas Novas) a respetiva ligação.
3. O assistente operacional a exercer funções de canalizador funcionário n.º 4856, no dia 23 de setembro de 2021 deslocou-se à morada referida em 1. para verificação do contador, a pedido do serviço de águas.
4. Na ocasião referida em 3. o funcionário n.º 4856 verificou que o contador se encontrava instalado em sentido inverso ao modo normal de funcionamento.
5. Resultou ainda que o acesso ao contador nessa data lhe foi facultado por uma residente, em virtude de o mesmo não estar acessível pelo exterior.
6. Na data 23 de setembro de 2021, por aquele funcionário n.º 4856 foi instalado o contador no sentido normal de funcionamento.
7. Em consequência do referido em 1. e 2. no mês de junho de 2021, o valor de consumo de água por referência à residência identificada em 1. cifrou-se em € 7,17 tendo os meses seguintes até dezembro de 2021 mantido a mesma leitura (419) circunstância que a arguida enquanto proprietária do edifício e utilizadora do serviço abrangido por sistema público e titular do contrato de fornecimento de água representou e com a qual se conformou, não tendo adoptado a sua conduta a evitar tal resultado.
8. Após janeiro de 2022, foram realizadas leituras ao contador, das quais resultam um aumento progressivo ao longo dos meses seguintes e com um acréscimo de 100% em comparação ao período homologo no ano de 2021.
9. No período compreendido entre os meses de junho e julho foram efetuadas leituras ao contador, sendo as restantes até dezembro de 2021 sido efetuadas por estimativa dada a falta de acesso ao contador.
10. A instalação do contador no sentido inverso ao do seu normal funcionamento referido em 1. e 2., gerou contagem negativa, deturpação na medição de consumos favoráveis ao consumidor/utilizador, cujo início do período de duração não foi possível apurar.
11. A arguida agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou com interesse para os autos que:
12. A arguida não tem antecedentes contra-ordenacionais.Do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa:
13. A arguida tem 80 anos de idade.
14. Os serviços da Câmara Municipal de Vendas Novas instalaram o contador n.º 823418 na residência identificada em 1. em 24/03/2012.
15. A arguida em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2014 deixou de residir a título permanente na casa identificada em 1. passando a residir na localidade do Seixal na casa da filha.
16. No período referido em 15. a arguida deslocava-se à residência identificada em 1. habitualmente ao fim de semana, onde pernoitava acompanhada do filho DD.
17. Entre final de dezembro de 2021 e princípio de janeiro de 2022 a arguida voltou a residir acompanhada dos seus filhos de forma permanente na residência referida em 1.
18. No período referido em 15. e 16. nas ausências da arguida a casa identificada em 1. encontrava-se desabitada e encerrada.
19. Entre setembro de 2019 e fevereiro de 2021 os valores de leituras registadas por referência ao contador sito na morada identificada em 1. são positivos.
20. Foi efectuado pela arguida pagamento no valor de € 197,58 em 4/5/2021 por conta de serviço de água.
21. Em 31/1/2022 a arguida pagou mais € 20,14 referente a períodos dos meses de abril de 2021 e janeiro de 2022.
22. A arguida tem o pagamento do consumo de água regularizado.
23. A arguida aufere mensalmente a quantia de € 281,53 a título de pensão social de velhice.*
B.1.2 – E como não provados os seguintes:
a) A arguida adquiriu a residência identificada em 1. em 1993 ou 1994 já com o contador de água instalado.
b) A arguida não manipulou o contador.
c) Alguém da família da arguida manipulou o contador.
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B.1.3 – E apresentou as seguintes razões na fundamentação factual:
«Resultaram fundamentais para a formação da convicção do Tribunal a análise conjugada e crítica da prova produzida em audiência de julgamento, prova esta que foi concatenada com as regras da experiência comum, e apreciadas ao abrigo da livre apreciação de prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal (ex vi artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82).
No caso vertente o Tribunal teve em consideração a participação de fls. 1 a 2, a qual certifica que efectivamente no dia 23 de setembro de 2021 foi atestado de forma directa por parte dos serviços Câmara Municipal de Vendas Novas que no interior da residência da arguida/recorrente se encontrava um contador de água instalado/montado em sentido inverso ao do seu normal funcionamento ostentando contagem decrescente, importando ter em atenção que as próprias testemunhas arroladas pela recorrente - EE e DD -, não infirmaram este trecho fáctico.
Inquirido DD em audiência de julgamento (não obstante a sua ligação familiar próxima à arguida, respectivamente, filho) asseverou sem qualquer contradição susceptível de colocar em causa a sua credibilidade que se encontrava presente na habitação à data em que um funcionário da Câmara Municipal de Vendas Novas esteve presente no interior da residência a proceder à visualização do contador tendo atestado igualmente de forma segura que o mesmo terá verbalizado de forma directa em plena observação do contador que este se encontrava instalado em sentido inverso, manuseando o mesmo, sem conseguir, contudo, concretizar em que se traduziu a intervenção do funcionário da Câmara Municipal.
Veja-se que a impugnação formulada pela Recorrente se atém ao facto de nos últimos 8 (oito) anos ter deixado de residir na residência em alusão admitindo apenas pequenas deslocações à mesma habitualmente ao fim de semana, sendo que na sua ausência o imóvel se encontrava desabitado (alegação que neste concreto ponto resultou corroborada pelo depoimento das testemunhas EE e DD), negando a restante factualidade constante da decisão administrativa, nomeadamente, no que respeita à autoria/conhecimento da inversão de posição do contador, assim como afastando qualquer manipulação veiculada por si ou por qualquer elemento da sua família - que só concebe como sendo um erro dos serviços da Câmara Municipal de Vendas Novas.
Efectivamente as testemunhas EE e DD por reporte ao período em alusão foram consentâneas em negar ter manipulado o contador - corroborando a versão apresentada pela própria arguida, que neste tocante, reitera-se, afasta qualquer possibilidade de familiares terem veiculado tal prática -, sendo certo que também afirmaram perentoriamente a inexistência de qualquer introdução na habitação - que não pela arguida/recorrente e DD (únicas pessoas que frequentaram a casa por reporte ao hiato temporal em alusão)- confirmando ser do seu conhecimento pessoal que o acesso ao contador apenas se efectua através do interior da habitação sendo certo que ninguém para além da arguida/recorrente detinha a chave do imóvel, afastando, igualmente, de forma segura, porquanto, atestaram conhecer bem a tipologia da habitação e a vivência da arguida, a existência de qualquer cenário quer de arrendamento, ocupação indevida, furto, vandalismo do imóvel ou mesmo avaria do contador, sendo mesmo perentórios em afirmar que a moradia se encontra cercada por portões e rede insusceptível de permitir o seu acesso sem consentimento/permissão da proprietária.
Enquanto elemento adicional que igualmente antagoniza a versão fáctica carreada pela recorrente a propósito da inexistência de manipulação do contador é de atentar ao depoimento das testemunhas BB, GG, HH e CC, respectivamente, funcionários à data dos factos da Câmara Municipal de Vendas Novas que em depoimentos objectivos, serenos, pormenorizados sem qualquer incoerência susceptível de colocar em causa a sua credibilidade merecendo assim o crédito do Tribunal pela isenção demonstrada, referiram de forma unânime que os presentes autos tiveram início com uma fiscalização levada a cabo pelo serviços da Câmara Municipal de Vendas Novas ao contador de água instalado e utilizado no interior da habitação propriedade da arguida/recorrente na sequência de detecção pelos serviços camarários de alteração significativa do padrão de consumo, como sejam contagens em branco e num valor muito inferior ao normal o que suscitou o alerta dos serviços.
As testemunhas BB, GG, HH e CC foram consentâneas em frisar por referência ao alerta gerado nos serviços quanto às leituras/consumos irregulares da arguida aquilo que descreveram ser dois possíveis cenários - avaria ou manipulação com alteração de posição de contador – confirmando que de imediato foram encetadas diligências tendentes a apurar o ocorrido, nomeadamente, através do envio dos serviços à residência em alusão, concretamente da testemunha BB na qualidade de canalizador.
Precisamente a testemunha BB (a desempenhar funções de canalizador no Município de Vendas Novas à data) confrontado com o teor da participação de fls. 1 e 2, confirmou de forma espontânea e circunstanciada no tempo e no espaço que se deslocou à habitação em alusão a fim de proceder à verificação de contador de água, corroborando ser procedimento normal/habitual em tais cenários de alteração de padrão de consumo o canalizador se deslocar presencialmente ao local de modo a confirmar a ocorrência.
BB foi convicto no seu relato ao confirmar de forma segura que o acesso ao contador se situava no interior da habitação da arguida tendo o mesmo sido facultado à data da sua deslocação por uma residente de sexo feminino tendo visualizado de forma directa aquilo que descreveu como sendo o contador instalado em sentido inverso ao do seu normal funcionamento - circunstancialismo que por si só gerava contagem em sentido decrescente (negativa), ou seja, aquilo que explicitou tratar-se da passagem da água realizada sem qualquer obstáculo o que determina o registo de um valor de consumo inferior ao real.
Mais referiu BB, que na data indicada e face ao cenário encontrado, procedeu nos termos habituais em tais ocorrências, como sendo colocar o contador na posição correcta de funcionamento - o que assevera que fez - sendo ainda perentório em afirmar sem qualquer margem para dúvida, uma vez que tal serviço foi por si pessoalmente executado, contando já com vários anos de experiência na área em alusão que não só o contador não apresentava a esfera aposta (o que necessariamente teria que ter sido retirado por mão humana) como a seta no visor se encontrava em sentido inverso o que claramente indiciava a manipulação do mesmo (pormenor corroborado pela testemunha GG (a desempenhar funções de Coordenador Técnico no Balcão Único de Atendimento do Município de Vendas Novas) que explicitou que o modelo de contador em alusão tem aposta seta no visor que deve correr no sentido da água e sair para a instalação sendo um mecanismo que funciona por turbina).
Também a testemunha HH (instrutora do processo em exercício de funções na Câmara Municipal de Vendas Novas) transmitiu de forma precisa e sem qualquer incoerência suscetível de colocar em causa a sua credibilidade que lhe foi transmitido - por participação - que na morada da arguida titular do contrato de fornecimento de água estaria colocado o contador de forma inversa ao sentido normal de funcionamento tendo sido exibidas, nesse sentido, a HH fotografias comprovativas do alegado por BB -, sendo que da observação directa das mesmas a presente testemunha atesta que conseguiu aferir que a seta aposta no visor do contador se encontrava em sentido inverso ao do seu normal funcionamento o que determina a necessária passagem da água no sentido inverso ao normal e a consequente contagem decrescente/negativa da água (depoimento corroborado pela testemunha CC (fiscal em exercício de funções na Câmara Municipal de Vendas Novas) que atestou que foi o responsável pelo levantamento da participação de fls. 1 e 2, tendo-lhe sido igualmente exibidas fotografias por BB onde conseguiu certificar de forma directa e segura que o contador em referência se encontrava instalado em sentido inverso ao normal com números/registos negativos).
Alude ainda HH ser do seu conhecimento pessoal em virtude das funções que exerce que o contador em alusão não se encontrava em local de livre acesso pelo que qualquer manipulação/mexida no mesmo implica ter sido efectuado no interior da residência da arguida - explicitando de forma pormenorizada que os serviços camarários só pelo decorrer do tempo - subsequentes leituras - é que percebem através da mudança de padrão de consumo plasmada nas leituras se o contador tem problemas enviando técnico ao local para despistar avaria ou manipulação.
HH foi mesmo perentória em afirmar que os contadores são de fácil manipulação sendo que no caso não foi comunicada qualquer anomalia/avaria por banda da arguida, o que sempre se diga, resultou afastado pela presença de BB no local que conforme se aludiu supra atestou de forma segura, porquanto, viu de forma directa, tratar-se de mudança de posição do contador em sentido inverso ao do seu normal funcionamento.
Veja-se que neste tocante resultando da documentação junta aos autos ser a arguida/recorrente a titular do contrato de fornecimento de água e frequentadora da residência por referência ao período em alusão [cf. se aludiu supra e para cuja fundamentação se remete] vendo o decréscimo substancial do valor da conta da água por referência a períodos em que igualmente não se encontrava na casa a tempo inteiro - cf. listagem de fls. 14 e ofício com a ref.ª citius 3466743 e 3467159 -, não logrou cuidar de perceber o porque dessa variação de valor, o que se estranha, não vivendo na casa desde 2014, e só se compreende, porquanto, bem sabia da mudança de posição/manipulação do contador.
Nem se diga que podia a arguida desconhecer tal circunstancialismo - mudança da posição do contador com subsequente faturação de valores de água abaixo do valor real de consumo -, porquanto, na qualidade de titular do contrato de fornecimento de água recebeu a facturação e procedeu aos pagamentos conforme decorre quer do depoimento de HH e EE, quer da documentação junta aos autos, nomeadamente, recibos de pagamentos de fls. 9, 9(v), 10, 10(v), 34, 34(v), 35, 36.
Igualmente do teor do ofício datado de 15/12/2022, ref.ª citius 3466743 e 3467159 -histórico de consumos referente à titular do contrato de fornecimento de água a aqui arguida/recorrente - consta que desde 24/03/2012 o contador n.º 823418 se mantém até à presente data instalado na residência da arguida, resultando assim afastada, sem qualquer margem para dúvida, a hipótese aventada pela mesma em sede de impugnação judicial de terem sido os próprios serviços da Câmara Municipal de Vendas Novas a proceder à montagem em sentido inverso, por lapso, de novo contador (o que aliás resultou afastado pelo depoimento de BB conforme se aludiu supra e para o qual se remete e do próprio circunstancialismo de a arguida apenas em 2014 ter deixado de residir a título permanente na residência em alusão).
Resultando de forma segura excluída a hipótese de mudança ou avaria do contador -, cf. asseverou a testemunha BB na qualidade de canalizador experiente que procedeu à visualização directa do contador e viragem do mesmo para a posição normal de funcionamento - também o teor do relatório de consumos da arguida/recorrente junto a fls. 14 e ofício com a ref.ªs citius 3466743 e 3467159 são consentâneos quanto à existência de mudança de posição/manipulação do contador, porquanto, da leitura atenta dos mesmos é possível aferir da existência de leituras/consumos em branco, assim como, valores que atestam um padrão de consumos irregular muito abaixo do consumo normal por referência ao período em alusão e por confronto com os períodos anteriores a 2019 e posteriores a 2022.
Vejamos.
Confrontada a testemunha GG com o teor do relatório de consumos da arguida/recorrente junto a fls. 14, no que respeita à ausência de consumos no período compreendido entre os meses de junho de 2021 a dezembro do mesmo ano, referiu GG de forma pormenorizada, que foram efetuadas duas leituras de valor semelhante correspondentes aos meses de junho e julho, sendo as restantes até dezembro efetuadas por estimativa, o que justifica de forma assertiva terem ocorrido devido à falta de acesso ao contador.
Questionado GG quanto à análise da contagem de fls. 14 asseverou de modo detalhado que por referência aos meses setembro, outubro, novembro e dezembro de 2021 - média zero -, porquanto, o contador apresentava valores negativos -inferiores a 419 (valor de leitura).
Atestou GG que no mês de janeiro de 2022 (valor de leitura 430) foi a primeira vez que os serviços camarários conseguiram ler o contador instalado na residência da arguida justificando as diferenças de registo no facto de a aplicação não aceitar que se coloquem valores inferiores/negativos (indo ver as duas últimas lidas).
Refere GG que quando as contagens eram negativas não eram lançadas no mapa sendo que a última leitura a contar normalmente data de maio de 2021 (401-419) existindo até dezembro várias leituras, aparecendo em janeiro de 2022 valor de leitura de 430.
Refere GG de forma explicativa e com o conhecimento e experiência que lhe advém do seu exercício de funções, diariamente habituado a fazer este tipo de leituras de listagens/mapas de consumos que entre maio 2021 e dezembro 2021 cerca de 8 meses o contador associado ao contrato titulado pela arguida/recorrente se encontrou a contar de forma negativa o que associa de forma segura à manipulação com mudança de posição do mesmo por banda da arguida.
Veja-se que da simples leitura/análise da contagem de fls. 14 resulta precisamente uma abrupta alteração do padrão de consumo com consumos/leituras a zero e abaixo do padrão normal de consumo registado por referência a meses anteriores, sendo certo que quer EE, quer DD atestaram com grau de segurança que a casa continuava a ser habitada aos fins de semana com consumos de água fornecida pela “companhia”, em clara alusão aos serviços municipalizados.
Após janeiro de 2022 - já após a colocação do contador no seu sentido normal de funcionamento por parte dos serviços da Câmara Municipal de Vendas Novas -, resulta da leitura do mapa de consumos de fls. 14 um aumento progressivo ao longo dos meses seguintes com um acréscimo de 100% em comparação ao período homologo no ano de 2021.
Não se ignora que a arguida se instalou por referência a janeiro de 2022 na residência em alusão a titulo permanente.
Todavia, também não se olvida que só no mês de janeiro de 2022 - cf. decorreu do depoimento de GG, HH e CC - foi possível realizar leituras ao contador, assim como por referência aos períodos anteriores meses de setembro de 2020 ou agosto de 2019 hiatos temporais em que a arguida já não residia a título permanente na residência em alusão também se verificaram valores mais elevados.
Em virtude da sua experiência na qualidade de funcionários da Câmara Municipal de Vendas Novas habituados a lavrar participações como a de fls. 1 e 2, as testemunhas BB, GG, HH e CC conseguiram atestar de forma unânime e sem quaisquer incongruências suscetíveis de colocar em causa a sua credibilidade quer da razão para a existência de fiscalização (cf. listagem de fls. 14 devidamente explanada em juízo), quer da ausência de qualquer outra instalação de contador na residência em alusão levada a cabo pela Câmara Municipal de Vendas Novas - cf. ref.ªs citius 3466743 e 3467159 - , afastando assim, qualquer hipótese de equívoco/troca no preenchimento da participação de contraordenação lavrada, sendo claros por referência à data, intervenientes, aludindo à experiência profissional da testemunha BB, na qualidade de canalizador neste tipo de processos, ao que acresce o depoimento das testemunhas HH e DD (filhos da arguida/recorrente) que foram unânimes em afastar a prática de qualquer manipulação da sua parte do contador, sendo igualmente seguros em garantir que o acesso ao contador se efectua no interior da habitação e da inexistência de qualquer entrada na habitação para além da arguida/recorrente [pormenores que aumentam o grau de credibilidade das presentes testemunhas] e que refutam a versão aventada pela arguida.
Não obstante a testemunha EE ter aludido de forma vaga à existência de um poço/furo de água no exterior da residência, DD foi perentório em afirmar que dentro da casa a água utilizada era da “companhia” referindo-se claramente ao abastecimento municipal.
Veja-se que a hipótese de uma eventual manipulação ter ocorrido pela mão de alguém exterior à família da arguida, ou mesmo da família reitera-se resultou afastada pelo depoimento das testemunhas EE e DD que foram claras em atestar que apenas a arguida tinha a chave da residência excluindo qualquer cenário de vandalismo, furto ou entrada indevida na habitação ou mesmo o uso de água do poço/furo existente na moradia, resultando mesmo tal hipótese refutada pela versão das testemunhas GG, HH e CC que se tiveram por credíveis e que asseveraram de forma convicta que lhes foram exibidas por BB fotografias que atestavam a contagem decrescente, assim como a própria testemunha BB foi clara em atestar ter avistado o contador virado no sentido inverso ao do seu normal funcionamento tendo procedido à sua correcta posição afastando qualquer cenário de nova instalação de novo contador o que resulta corroborado pelas leituras e facturação ocorrida nos meses posteriores à intervenção juntas aos autos e de onde decorre a retoma do padrão de consumo normal - cf. leituras a partir de janeiro de 2022 (fls. 14) e anteriores a 2019 (ref.ªs citius 3466743 e 3467159).
Não conseguiu a arguida/recorrente explicar de forma minimamente credível e lógica o motivo pelo qual se verificaram as contagens em branco e diferenças nos padrões de consumo [cf. fls. 14 por exemplo por referência aos meses de setembro, outubro, novembro, dezembro de 2021], assim como não conseguiu através da prova por si apresentada explicar do porquê de a testemunha BB, - que no actual momento, veja-se, nem mantém vínculo laboral com a Câmara Municipal de Vendas Novas - sendo assim claro o seu desinteresse no desfecho do presente processo -, nem lhe sendo conhecido qualquer relação de inimizade quer com a aqui arguida, quer com qualquer dos seus familiares, sendo mesmo profissional experiente na área da canalização, habituado a intervir e testemunhar em sede de processos semelhantes aos presentes autos - lhe iria imputar falsamente os factos constantes da decisão administrativa.
Veja-se que os depoimentos das testemunhas GG, HH e CC, por seu turno, foram totalmente coincidentes e por tal credíveis, por coerentes e lógicos e consentâneos com as regras da experiência comum não se lhe tendo denotado no correspondente depoimento qualquer animosidade ou conflitualidade prévia a propósito da arguida/recorrente, daí que se tenha tal relato ainda como suficientemente distanciado para que possa influenciar a convicção do Tribunal, resultando em tudo corroborado pela documentação a que se aludiu supra - cf. fls. 14 e ref.ªs citius 3466743 e 3467159 - e que permite a inferência lógica da manipulação do contador, face à alteração aí inscrita de padrão de consumo, contagens em branco, sem qualquer justificação que não fosse a manipulação, ainda para mais quando as testemunhas EE e DD foram consentâneas em afirmar o uso da casa aos fins de semana, com pernoita, uso normal de água, quer pela arguida, quer por DD por referência ao hiato temporal em alusão.
Veja-se que a versão plasmada em sede de recurso de impugnação pela arguida fica pautadas por imprecisões e incoerências lógicas, pois não parece consentâneo com as regras da experiência comum que estando a casa totalmente fechada, com portões, sem qualquer existência de incidente ou mesmo entrada indevida de estranhos, que não a arguida e o seu filho DD - por referência a esse hiato temporal -, ou mesmo, conforme atestado pela própria arguida em sede de impugnação e confirmado pelas testemunhas EE e DD seus filhos, inexistência de qualquer manipulação levada a cabo por qualquer familiar seu que funcionários da Câmara Municipal de Vendas Novas tenham intervenção inspectiva junto de si sem motivo que a determine como tentou a arguida justificar aludindo a “erro”/”lapso” em sede de impugnação judicial, que foi claramente afastado por BB, que na qualidade de profissional experiente aludiu à inexistência de avaria, antes procedendo a viragem do contador no sentido normal de funcionamento em virtude de se encontrar em sentido oposto.
Assim quer a declarações das testemunhas EE e DD arroladas pela arguida, quer as hipóteses aventadas pela arguida em sede de recurso de impugnação judicial não se revelaram susceptíveis, por si só, de infirmar a veracidade quer do auto de participação (prova legal plena que só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não serem verdadeiros os factos que dela forem objeto - cf. o artigo 347.º, 363.º, n.º 2, do Código Civil e artigos 99.º e 169.º do Código de Processo Penal), quer do declarado pelas testemunhas BB, GG, HH, CC e da restante prova documental junta (ofício com a ref.ª citius 3466743 e 3467159, listagem de consumo de fls. 14), uma vez que a versão da arguida não se aferiu por consentânea com tais elementos de prova - que se tiveram por credíveis -tendo mesmo ficado pautada – reforça-se - por incoerências e imprecisões que não se afiguram de acordo com as regras da experiência comum, como seja a inexistência de qualquer entrada indevida de estranhos por referência à sua habitação – sem ser a arguida e o seu filho DD, que a própria afasta como mentor da manipulação do contador -, ou de qualquer outro familiar ou montagem de contador em sentido inverso pela própria Câmara Municipal de Vendas Novas há mais de 10 anos, uma vez que tais alterações de padrão de consumo nas leituras não se reportam à última alteração de contador efetuada pelos serviços da Câmara Municipal e que resulta atestado pelo ofício com a ref.ª citius 3466743 e 3467159.
Com efeito, conforme se aludiu supra e que se reitera, é de ter em mente que temos provada então a existência da presença por parte da arguida na residência em alusão por reporte ao hiato temporal em alusão, com consumos de água, onde posteriormente foi encontrado no seu interior o contador da água virado em sentido inverso ao do seu normal funcionamento, uma vez que a própria arguida afasta a manipulação do contador por parte de qualquer familiar sendo que as testemunhas EE e DD corroboraram não ter alterado o contador na sua posição, nem ter a residência sido alvo de arrendamento, introdução indevida de terceiros, ou qualquer pessoa que não a arguida por reporte ao hiato de tempo em alusão].
Uma vez que não só a arguida não comunicou à entidade gestora qualquer avaria (tendo pago todas as faturas emitidas, não se encontrando devedora de qualquer quantia) como a mesma foi afastada por canalizador experiente da Câmara municipal de Vendas Novas que se deslocou ao local e atestou que o contador se encontrava virado no sentido inverso ao do seu normal funcionamento, não tendo procedido à mudança de contador mas tão só à mudança do sentido da posição do mesmo [o que logo teve reflexos na listagem de consumos de fls. 14 por referências aos meses seguintes (janeiro de 2022) à intervenção dos serviços da Câmara Municipal de Vendas Novas e por confronto com os meses anteriores a dezembro de 2019].
Face ao exposto, a conclusão é clara, o funcionamento da presunção judicial também a colocação do contador na posição inversa ao do seu normal funcionamento na decisão administrativa foi efectuada pela arguida - proprietária, utilizadora e titular do contrato de fornecimento de água em alusão.
Face a todo o exposto, entende o Tribunal ser inequivocamente de afastar o recurso ao princípio in dúbio pro reo, relembrando-se que a sua utilização somente se impõe quando o julgador seja confrontado com a dúvida acerca da verificação de determinado facto, o que, reafirma-se, não sucede no caso em apreciação.
Assim sendo, o Tribunal reitera que adquiriu a convicção segura de que efetivamente a arguida praticou os factos mencionados na decisão administrativa.
Ora, da ponderação conjugada do depoimento das testemunhas BB, GG, HH, CC, EE e DD com toda a prova documental junta aos autos, mormente com participação de fls. 1 e 2, fotografia de fls. 1(v), listagem de leituras fls. 14, recibos de pagamento, ofício ref.ª citius 3466743 e 3467159 conclui-se sem quaisquer margens para dúvidas pela verificação da factualidade descrita nos pontos 1. a 11. e 13. a 22. dos factos provados, ou seja, que a arguida/recorrente procedeu à manipulação do contador em alusão na qualidade de titular do contrato de fornecimento de água tendo-se conformado com as contagens daí resultantes, sendo certo que não as podia desconhecer, quer pela qualidade de titular do contrato de fornecimento de água, quer por ter efetuado/regularizado precisamente os pagamentos por reporte a esse período temporal, nunca tendo reportado qualquer avaria aos serviços da Câmara Municipal de Vendas Novas como era sua obrigação legal na qualidade de proprietária e utilizadora do serviço de água municipalizado.
A factualidade atinente ao elemento subjectivo e à consciência da ilicitude resulta consolidada por via da apreciação dos restantes factos provados (os respeitantes ao elemento objectivo do tipo de crime) em consonância com as regras da experiência comum.
A ausência de anteriores contraordenações e as condições económicas atinentes à arguida/recorrente resultam da documentação junta aos autos com a ref.ª citius 3469936, de 19/12/2022 e ref.ªs citius 349937, de 19/12/2022 que neste tocante mereceram a credibilidade do Tribunal não tendo sido objecto de impugnação o teor dos mesmos.
No que concerne à matéria de facto não provada constante das alíneas a), b) e c) não se realizou qualquer prova em audiência susceptível de dar por provados os referidos factos, uma vez que a prova produzida se revelou insuficiente ou em sentido inverso conforme se aludiu supra e para a qual se remete, não sendo de molde a criar no julgador a convicção da respectiva verificação».
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B.2 - Cumpre decidir.
O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal - não estando o tribunal de recurso impedido de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.
Por outro lado, nos termos do art. 75º nº1 do DL nº 433/82, de 27/10, nos processos de contra-ordenação a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista.
Nas suas motivações, a recorrente assenta o seu recurso em existência de erros de facto, os previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, aplicável ao processo contra-ordenacional e em violação do princípio in dúbio pro reo.
Quanto a estes fundamentos de recurso, o seu objecto é a inconformidade sobre a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido (erro na apreciação da prova) e a alegação de “falta de prova para a condenação” e, caso assim se não entenda, a aplicação do princípio in dubio pro reo.
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B.3 – Quanto às razões de inconformidade da recorrente convém começar por esclarecer que a decisão sob recurso é a decisão judicial e não a decisão administrativa, essa já apreciada pelo tribunal recorrido, sendo certo que não vem alegada qualquer razão que imponha conhecer da decisão administrativa por ter esta transmitido qualquer vício insanável à decisão sob recurso.
O mesmo se diga quanto aos invocados erros na apreciação da prova eventualmente cometidos pela sentença recorrida, sendo certo que nem os pontos de facto que entende inaceitáveis a recorrente indica, limitando-se a invocar regras de apreciação probatória e a invocar de forma genérica a violação de regras de experiência comum.
Lido, o texto da sentença recorrida não revela, por si e em associação com as regras de experiência comum, nada revela ou sugere a existência de erro na apreciação da prova.
Tanto assim é que a recorrente se vê obrigada a recorrer a elementos exteriores ao texto da sentença recorrida – análise de regras probatórias quanto à inexistência de exame, que “a decisão proferida pelo Tribunal a quo foi o culminar de vários erros cometidos ab initio no processo administrativo, quer aquando da intervenção dos serviços da Câmara Municipal de Vendas Novas, quer na produção de prova após o recurso/impugnação judicial e, finalmente, na fase na apreciação da prova produzida em julgamento aquando da prolação da sentença”, que a “A Câmara Municipal não retirou o contador, nem o submeteu a qualquer peritagem”, que “No que respeita à manipulação do contador, não foram produzidas quaisquer provas que possam sustentar uma decisão condenatória”, assim como “também não foi provado, que a instalação do contador em sentido inverso ao do seu normal funcionamento gerou contagem negativa e deturpação nos consumos favoráveis ao consumidor/utilizador”, para argumentar com a existência desses erros.
Ou seja, toda a argumentação do recorrente se centra na apreciação da prova realizada pelo tribunal recorrido, pelo que se trata de um mero pretexto para interpor recurso da decisão recorrida em matéria de facto.
Como se constata das suas conclusões e das motivações, o recorrente apenas suscita questões associadas à invocação de violação do princípio da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, com vários argumentos de apreciação probatória. Mas da sua argumentação não decorre a existência de qualquer dos vícios típicos da revista alargada e denota a sua intenção de expor ao tribunal de recurso a “sua” convicção quanto à produção da prova. Ou seja, pretende que o tribunal de recurso homologue a sua visão dos factos em substituição da convicção alcançada pela primeira instância.
A pretensão é legítima mas está vedada em sede de recurso de contra-ordenação.
Não há, pois, erro na apreciação da prova nem violação do princípio da livre apreciação da prova, sequer se demonstra a necessidade de recurso ao princípio do in dubio pro reo.
Questão está em saber se essa verdade judicial, essa probabilidade que roça a certeza existe no caso dos autos ou se, ao invés, não estaremos já no campo de exclusão do “meramente possível”.
Neste campo, a fundamentação factual do tribunal recorrido permite-nos reafirmar que a sua convicção se forma na credibilidade atribuída aos depoimentos prestados com exclusão das declarações da arguida.
Não se revela nos autos que a aplicação do princípio in dubio pro reo se imponha, pois que, avaliada a prova segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduziu à dúvida no espírito do tribunal sobre a existência do facto.
A circunstância de existirem duas versões dos factos e de o tribunal recorrido ter fundado a sua convicção em prova de cariz pessoal não autoriza a conclusão de que existe violação do princípio in dubio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a
A diversidade das versões expostas não faz, necessariamente, operar o princípio in dubio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório. O que não ocorre no caso em apreço.
Entende-se, portanto, que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Não há, pois, que censurar o tribunal recorrido na apreciação e fundamentação da prova por ele efectuada e pela não aplicação do princípio in dubio pro reo.
Por tudo é o recurso totalmente improcedente.
***
C - Dispositivo
Face ao que precede, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora negam provimento ao recurso.
Notifique.
Custas pela recorrente com 3 (três) Ucs. de taxa de justiça.
Évora, 06-06-2023.
(processado e revisto pelo relator).
João Gomes de Sousa
Carlos Campos Lobo
Ana Bacelar