Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
572/14.2TBPTG-B.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: EXECUTORIEDADE DE DECISÕES DE ESTADO MEMBRO
EXEQUATUR
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: RELATOR
Texto Integral: S
Sumário: Os Títulos Executivos Europeus (TEE) abrangidos pela aplicação do Regulamento (CE) nº 805/2004, e emitidos em conformidade com o anexo I desse Regulamento, dispensam o exequatur para os créditos não contestados – sem prejuízo da possibilidade de o beneficiário da decisão optar pelo regime de reconhecimento e execução da decisão.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 572/14.2TBPTG-B.E1-2ª (2015)
Reclamação (artº 643º – NCPC)
(Acto processado e revisto pelo signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC)
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Vistos os autos:

Na presente acção executiva que (…) e (…) intentaram contra Herança de (…), (…) e (…) (a correr termos na Secção Cível da Instância Local de Portalegre da Comarca de Portalegre), em que se pretende dar à execução Título Executivo Europeu (TEE), emitido pelo «Tribunal d’Instance de 16e arrondissement de Paris», para cobrança da quantia global de 26.901,59 €, vieram os executados (…) e (…) apresentar um requerimento, dirigido a este Tribunal da Relação, sob a designação de «Recurso da Decisão sobre o Pedido de Reconhecimento da Executoriedade» (cfr. fls. 32-45).

Nesse requerimento, e sob a forma de alegações de recurso, invocam a aplicabilidade in casu dos Regulamentos (CE) nº 44/2001, de 22/12/2000 (in JO L 12, de 16/1/2001), e nº 1215/2012, de 12/12/2012, que revogou o anterior (in JO L 351, de 20/12/2012), de que resultaria, no seu entendimento, a possibilidade de impugnação da decisão de tribunal francês que serviu de base à emissão do TEE (e que caracterizam ainda como «decisão proferida sobre o pedido de declaração de executoriedade»), ao abrigo do artº 43º, nº 2, do primeiro Regulamento citado, e perante tribunal português (que seria este Tribunal, segundo o Anexo III desse Regulamento), impugnação essa que se fundaria na violação, pelo tribunal francês, dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (por alegadamente ter proferido decisão sem ter dado conhecimento do processo e oportunidade de defesa aos executados), em ofensa da ordem pública internacional do Estado Português, e que visa a declaração de nulidade do TEE.

Sobre esse requerimento veio a recair despacho do tribunal de 1ª instância (cfr. fls. 113), no sentido da não admissão do recurso, em que se argumentou, essencialmente, o seguinte: o título oferecido à execução é um TEE, emitido ao abrigo do Regulamento (CE) nº 805/2004, de 21/4/2004 (in JO L 143, de 30/4/2004), que criou o título executivo europeu para créditos não contestados; no presente caso, o TEE teve por base decisão condenatória dos executados, proferida por tribunal francês; não se aplica aos TEE o Regulamento (CE) nº 44/2001, mas antes o citado Regulamento (CE) nº 805/2004, segundo o qual a decisão certificada como TEE não pode ser revista quanto ao mérito no Estado-Membro da execução, conforme artº 21º, nº 2, desse Regulamento, sendo isso precisamente o que visam os executados com o pedido de declaração de nulidade do presente TEE; as questões suscitadas pelos executados (quanto a inexistência de citações ou notificações e nulidade do título) teriam de ser colocadas perante o tribunal de origem, mediante pedido de revogação da certidão de TEE, nos termos do artº 10º, nº 1, al. b), do Regulamento (CE) nº 805/2004, e não perante o tribunal da Relação; e, nessa base, julgou-se verificada a incompetência dos tribunais portugueses para conhecer do recurso interposto pelos executados (o que configura a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal) e não se admitiu tal recurso.

Desta decisão vêm agora os executados apresentar reclamação para esta Relação, nos termos do artº 643º do NCPC (cfr. fls. 157-159), cujos fundamentos se reconduzem à reiteração da argumentação, já expendida no recurso, segundo a qual se aplicam in casu os Regulamento (CE) nos 44/2001 e 1215/2012, que admitem a recusa de reconhecimento de decisão estrangeira com base na cláusula de ordem pública (conforme artº 45º, nº 1, al. a), do segundo Regulamento) – a que se adita a alegação de que o tribunal a quo antecipou a decisão sobre o mérito do recurso, sem invocar fundamento que levasse à recusa da sua admissão.

O despacho reclamado não foi objecto de reforma pelo tribunal a quo (cfr. despacho de fls. 162) e os exequentes sustentaram a manutenção da decisão reclamada na resposta à reclamação deduzida (cfr. fls. 163-165).

Cumpre apreciar e decidir.
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Como se disse, na presente execução foi, pelos exequentes, apresentado à execução um Título Executivo Europeu (TEE), emitido pelo «Tribunal d’Instance de 16e arrondissement de Paris», e documentado a fls. 22-24 (com tradução a fls. 26-28) – sem que ofereça qualquer dúvida, nem esta tenha sido suscitada pelos executados, quanto à sua veracidade.

Sendo assim, estamos perante um título abrangido pela aplicação do citado Regulamento (CE) nº 805/2004, e emitido em conformidade com o anexo I desse Regulamento. Tal diploma veio consagrar a supressão do exequatur para os créditos não contestados e tem consequências que vão para além do regime que resultava do Regulamento (CE) nº 44/2001 – sem prejuízo da possibilidade de o beneficiário da decisão optar pelo regime de reconhecimento e execução da decisão ainda nos termos desse anterior diploma. Entre aquelas consequências salienta-se: a certidão de TEE só pode ser revogada perante o tribunal de origem e não perante tribunal do Estado-Membro de execução (artº 10º, nº 1, al. b) do Regulamento (CE) nº 805/2004); a emissão da certidão de TEE não admite recurso (artº 10º, nº 4); a decisão certificada como TEE não pode ser revista quanto ao mérito no Estado-Membro de execução (artº 21º, nº 2); a execução do TEE só pode ser recusada por tribunal do Estado-Membro de execução se houver incompatibilidade com decisão anteriormente proferida e mediante determinados requisitos (artº 10º, nº 1).

No caso dos autos, os exequentes optaram claramente pela obtenção da emissão de TEE, que concretizaram, ao abrigo do Regulamento (CE) nº 805/2004 – e não pelo mecanismo de reconhecimento da decisão do Regulamento (CE) nº 44/2001. É, portanto, aquele e não este diploma comunitário que se aplica ao caso presente – com todas as consequências acima expostas. Ou seja, e in casu: não é admissível recurso contra o TEE, designadamente perante qualquer tribunal do Estado-Membro de execução, que é, neste caso, Portugal; qualquer impugnação que os executados pretendessem formular contra o TEE teriam de a apresentar perante o tribunal de origem; não estando invocada e demonstrada qualquer incompatibilidade com decisão anterior, inexiste fundamento para recusa da execução do TEE por tribunal do Estado-Membro de execução; e está vedado a qualquer tribunal do Estado-Membro de execução pronunciar-se sobre o mérito da decisão do tribunal francês, objecto do TEE. E, por tudo isso, não tinha (e não tem) qualquer cabimento a apresentação, empreendida pelos executados, de um requerimento de recurso em que pretendiam ainda impugnar um pretenso «pedido de reconhecimento de executoriedade»: este pedido só faria sentido se não houvesse já um TEE e o certo é que aquele pedido não foi formulado pelos exequentes na presente execução, em virtude de já estarem na posse de um TEE. Sendo assim, não há sequer objecto do recurso que os executados pretendiam interpor: não há decisão judicial de que recorrer; ou, dito de outro modo, a decisão condenatória proferida pelo tribunal francês já se transformou em título executivo e de um título executivo não se pode recorrer.

De tudo isto se conclui assistir plena razão à M.ma Juiz reclamada no indeferimento do requerimento de interposição de recurso dos reclamantes, por inadmissibilidade, conforme previsto no artº 641º, nº 2, al. a), proémio, do NCPC. Com efeito, a decisão condenatória consubstanciada no TEE não admite recurso: em bom rigor, como se deixou dito, não há sequer decisão (que foi, entretanto, convertida em título executivo) – e, logo, nada há de que recorrer.

E, consequentemente, cumpre rejeitar a reclamação deduzida.
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Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se o despacho reclamado.

Custas pelos reclamantes, fixando-se no mínimo a taxa de justiça (artº 7º, nos 4 e 7, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/2).

Notifique-se.

Évora, 17/12/2015
O Relator,
Mário Mendes Serrano