Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
569/13.0TTSTR-A.E1
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: REMISSÃO ABDICATIVA
Data do Acordão: 04/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O acordo para cessação de contrato de trabalho estabelecido em 9 de abril de 2013 entre o trabalhador, aqui Autor/apelante, B… e a ora Ré/apelada C…, S.A através do documento junto aos autos, mediante o qual se estabeleceu uma compensação global líquida de €8.295,84 (oito mil, duzentos e noventa e cinco euros, oitenta e quatro cêntimos), na qual as partes referem que inclui já todos os créditos vencidos à data da produção dos efeitos desse acordo (01/05/2013) ou exigíveis em virtude da sua celebração, “nada mais havendo a reclamar ou a pagar seja a que título for”, configura uma efetiva renúncia ou abdicação, quer por parte do trabalhador B… em relação a quaisquer outros créditos vencidos e por si exigíveis à sua entidade empregadora C… S.A. à data da cessação do referido contrato de trabalho (01/05/2013), quer da parte desta em relação àquele a partir da mesma data, inferindo-se ainda de um tal acordo que ambas as partes outorgantes do mesmo aceitaram esta mútua renúncia abdicativa.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 569/13.0TTSTR-A.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora.
RELATÓRIO
B…, residente na (…) instaurou no extinto Tribunal do Trabalho de Santarém contra a sociedade C…, S.A. com instalações na (…) Santarém, ação declarativa de condenação, emergente de contrato de trabalho, com processo comum, alegando, em síntese e com interesse, que a Ré se dedica à atividade industrial do transporte rodoviário de mercadorias e que foi admitido ao serviço da mesma antes de Janeiro de 2005, tendo ficado, a partir de então, sob as ordens direção e fiscalização da Ré, no desempenho das funções de motorista, auferindo, como contrapartida, uma retribuição mensal certa, a qual, ultimamente, era de 578,59€ em termos de retribuição base, acrescida de 78,00€ de diuturnidades e ainda outras quantias relativas a trabalho suplementar, trabalho noturno, suplementos e ajudas de custo.
Estando afeto à filial de Santarém, por determinação da Ré realizou trabalho na condução de veículos propriedade da mesma muito para além dos limites máximos de trabalho diários e semanais, sendo que a Ré sempre registou e pagou ao Autor o trabalho suplementar por este realizado, com os acréscimos legais e regulamentares, indicando sempre nos recibos de vencimento os valores a receber e correspondentes ao trabalho suplementar realizado, nada tendo o Autor a reclamar da Ré a esse título.
No entanto, pelo trabalho suplementar realizado pelo Autor, a Ré não lhe deu a gozar o respetivo descanso compensatório e também nunca o pagou, pelo que tem direito a receber a remuneração correspondente aos dias de descanso compensatório não gozados, devendo-lhe a Ré a esse título, a quantia de 3.252,77€.
Para além disso, a Ré, que sempre pagou ao Autor as férias, bem como os subsídios de férias e de Natal somando o valor do salário base com as diuturnidades e o subsídio de agente único, mas não incluiu nesses pagamentos as médias da remuneração do trabalho suplementar, do subsídio noturno (ou trabalho noturno) e ajudas de custo (que não se destinam a custear qualquer despesa do Autor, constituindo antes um complemento salarial), sendo que tais pagamentos são efetuados todos os meses como contrapartida do seu trabalho.
Tem direito a receber, a esse título, a quantia global de 6.953,81€.
Concluiu pedindo que a ação seja julgada procedente, condenando-se a Ré a:
a) Pagar ao Autor a quantia de 3.252,77 a título de retribuição pela falta de gozo do descanso compensatório devido pela realização de trabalho suplementar de janeiro de 2005 a agosto de 2012, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;
b) Pagar ao Autor a quantia de 6.953,81 a título de remuneração das férias, dos subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 2005 a 2012 no que diz respeito á média de pagamentos do trabalho suplementar e trabalho noturno, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.

Contestou a Ré a ação movida por este Autor e por outros trabalhadores, alegando, de interesse que os Autores são ex-trabalhadores da Ré, cujos contratos cessaram, quer por passagem à reforma, quer por situação de invalidez, quer no caso concreto do Autor B… por se ter acordado com ele a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo.
Na verdade, entre este Autor e a Ré foi outorgado um acordo para cessação do contrato de trabalho, para produzir efeitos a 1 de maio de 2013, no qual o Autor aceitou o pagamento da compensação global líquida de 8.295,84€, onde se encontravam incluídos todos os créditos vencidos à data da produção de efeitos do acordo, tendo o Autor declarado, então, nada mais haver a reclamar fosse a que título fosse.
O Autor B… não tem assim direito a qualquer outra quantia por parte da Ré uma vez que se encontra integralmente pago dos seus direitos.
Prosseguiu com a contestação, expondo as razões de facto e de direito por que entende não assistir razão aos Autores na pretensão judicial por eles formulada.
Concluiu que as exceções invocadas devem ser julgadas procedentes absolvendo-se a Ré nos termos legais admissíveis e assim não se entendendo, deve considerar-se a impugnação dos factos deduzida, ordenando-se a produção de prova e julgando-se a final improcedentes os pedidos do Autor.
Responderam os Autores, entre eles o B…, alegando este que o acordo a que se reporta a Ré foi celebrado ainda no decurso da relação laboral (em 9 de abril de 2013) cuja cessação se verificaria apenas em 1 de maio de 2013, pelo que não podia dispor de todos os seus créditos.
Por outo lado, no citado acordo não se especifica quais os créditos que nele se integram e que são abrangidos pela quantia nele indicada, nenhuma referência fazendo as partes a eventuais faltas de gozo de descanso compensatório pela realização de trabalho suplementar ou à não inclusão da média da remuneração do trabalho suplementar no pagamento das férias e dos subsídios de férias e de Natal, que constituem os créditos que estão a ser reclamados pelo Autor B… na presente ação.
O citado acordo não faz qualquer referência à eventual impossibilidade do Autor intentar a referida ação a reclamar tais direitos, pelo que esse acordo não impede o autor de reclamar em tribunal os valores em causa e de intentar a presente ação.

Foi designada uma audiência prévia, na qual se frustrou nova tentativa de conciliação entre as partes e nela foi proferido despacho saneador do processo e, entendendo-se que era possível conhecer da exceção perentória deduzida pela Ré e relativa á extinção dos direitos do Autor B… por alegada remissão abdicativa inserta no acordo de cessação do contrato de trabalho, foi proferida decisão quanto a essa matéria, concluindo-se, a final, que:
«Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, devem ter-se como extintos, por remissão abdicativa, todos os créditos reclamados pelo autor B… e, decidindo em conformidade, absolve-se a ré C…, S.A. dos pedidos contra si formulados por aquele autor.
Sem custas, nesta parte, atendendo à isenção de que goza o autor (artigo 4.º/1, alínea h) do RCP).
Registe e notifique.».

Inconformado com esta decisão, dela interpôs o Autor B…recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Évora, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
1. Nos termos do artigo 863 do CC verifica-se a remissão abdicativa quando o credor, com a aquiescência do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua tutela jurídica os instrumentos que a lei lhe conferia;
2. O documento subscrito pelo A. denominado Acordo para Cessação do Contrato de Trabalho” não pode ser considerado uma verdadeira remissão abdicativa;
3. É certo que o documento foi assinado na sequência ou no âmbito de um acordo de cessação do contrato de trabalho, celebrado entre as partes, tendo estas relegado o seu efeito para a data de cessação do contrato;
4. Ou seja, o documento foi celebrado na vigência da relação laboral embora a produção dos seus efeitos fosse relegada para depois da sua vigência;
5. Tendo o documento sido celebrado e assinado na vigência da relação laboral, não podia o A. renunciar a qualquer direito pois as retribuições são direitos indisponíveis ou irrenunciáveis;
7. Por outro lado, quanto à declaração emitida pelo A. de “nada mais havendo a reclamar ou a pagar seja a que título for” deve considerar-se a sua abstração e carácter profundamente genérico com que o A., na sua óptica, e pelos dados de que dispõe e segundo crê naquele momento, tudo o que lhe era devido está a ser pago;
8. Nenhuma referência explícita ou implícita existe no citado documento relativamente a eventual “retribuição pela falta de gozo do descanso compensatório devido pela realização de trabalho suplementar de Janeiro de 2005 a Agosto de 2012” ou relativamente a “remuneração das férias, subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 2005 a 2012 no que diz respeito à média de pagamentos do trabalho suplementar e trabalho nocturno” que é, no fundo, aquilo que o A. reclama da R. no processo judicial em apreço;
9. Ou seja, quando celebrou o acordo com a R., o A. não estava na posse de quaisquer elementos, por escassos que fossem, que lhe permitissem renunciar aos respectivos direitos, bastando atentar na data de assinatura do acordo (09.04.13) e na data de interposição da acção (07.01.14), mediando entre ambas precisamente nove meses, para se concluir isso mesmo;
10. Donde, não assumindo a declaração em causa a relevância jurídica de remissão abdicativa, não podia o tribunal “a quo” decidir como decidiu, antes deveria ter determinado o prosseguimento dos autos para julgamento, considerando improcedente a excepção peremptória deduzida pela R.
11. A douta decisão violou, por isso, o disposto no artigo 863º do CC, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que conclua como antecede.
Assim se fará a costumada justiça.

Contra-alegou a Ré/apelada, deduzindo as seguintes conclusões:
· Por despacho saneador proferido nos presentes autos foi conhecida e julgada procedente a exceção invocada pela R. quanto ao trabalhador B…, tendo-se como extintos, por remissão abdicativa, todos os créditos reclamados pelo autor e em consequência tendo sido absolvida a ré C…, S.A. dos pedidos contra si formulados por aquele autor.
· A ré pagou ao autor a quantia líquida de €8.295,84 (oito mil, duzentos e noventa e cinco euros, oitenta e quatro cêntimos), que este recebeu, nada tendo reclamado, fazendo sua a quantia recebida, o é legalmente admissível, pois as partes acordaram a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo.
· Neste acordo de revogação convencionaram as partes o pagamento de uma compensação global ao trabalhador. Ora, de acordo com o n.º 4 do artigo 349.º do CT, tal estipulação faz emergir a presunção de que no montante pago pela empregadora ao trabalhador foram incluídos todos os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta cessação, como preceitua o n.º 4 do citado artigo.
· Tal acordo de cessação do contrato, e em concreto o seu teor, deve ser interpretado, à luz dos princípios da boa-fé na negociação dos negócios jurídicos. Em causa está uma declaração que é normalmente emitida aquando do acerto de contas após a cessação do contrato: o empregador paga determinada importância, exigindo em troca a emissão daquela declaração, a fim de evitar futuros litígios e, por sua vez, o trabalhador aceita passar essa declaração em troca da quantia que recebe, evidenciando-se, assim, um verdadeiro acordo negocial, com interesse para ambas as partes.
· Esta remissão abdicativa tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar a cessação do vínculo pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais.
· O Autor estava ciente do documento que assinou, do teor do mesmo e dos efeitos e alcance pretendidos tendo recebido o pagamento, no qual se incluíam todos os direitos vencidos emergentes do contrato de trabalho e exigíveis por virtude da respetiva cessação, nada mais havendo a reclamar, fosse a que título fosse.
· A previsão da compensação de natureza global visou estabilizar e pacificar as relações jurídicas entre Autor e Ré, a fim de evitar futuros litígios.
Nestes termos e fundamentos deverá o recurso interposto improceder,
Assim se fazendo a acostumada justiça desse tribunal.

Admitido o recurso como apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo e organizado este processo em separado foi o mesmo remetido a esta Relação.
Mantido o recurso pelo anterior relator, foi determinado se desse cumprimento ao disposto no art. 87º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido o douto parecer de fls. 115 a 117 no sentido da improcedência do mesmo e consequente manutenção da decisão recorrida.
Redistribuído o processo e distribuído ao ora relator, pelas razões que figuram de fls. 151 foram dispensados os vistos dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.

APRECIAÇÃO
Como se sabe, são as conclusões de recurso que delimitam o respetivo objeto (cfr. artigos 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil e aqui aplicáveis por força do n.º 1 do art. 87º do Código de Processo do Trabalho).
Deste modo e sem prejuízo da análise de questões de natureza oficiosa, que aqui se não detetam, coloca-se à apreciação desta Relação a questão de saber se o documento subscrito em 9 de abril de 2013 entre a Ré/apelada e o Autor/apelante e denominado de “Acordo para Cessação do Contrato de Trabalho” vale ou não como remissão abdicativa de créditos deste sobre aquela e consequências legais daí decorrentes em face da decisão recorrida.

Fundamentos de facto:
Na decisão recorrida considerou-se provado que:
A) Com data de 9 de abril de 2013, o autor B…e a ré C…, S.A. outorgaram um escrito intitulado “Acordo para Cessação do Contrato de Trabalho”, com o seguinte teor:
Entre a C…, S.A., e o seu trabalhador B…, com a categoria profissional de Motorista e 63 anos de idade, portador do Documento de Identificação número (…), é celebrado, nos termos da lei, livremente e de boa fé e com perfeito esclarecimento quanto aos seus motivos e efeitos, o presente acordo para cessação do contrato de trabalho, o qual produzirá efeitos a partir do dia 01/05/2013, o qual ocorre por motivos de inadaptação superveniente ao posto de trabalho.
“Este acordo é celebrado mediante a compensação global líquida de €8.295,84 (oito mil, duzentos e noventa e cinco euros, oitenta e quatro cêntimos) onde se incluem já todos os créditos vencidos à data da produção dos efeitos deste acordo ou exigíveis em virtude da sua celebração, nada mais havendo a reclamar ou a pagar seja a que título for.”; (acordo e documento de folhas 56)
B) A ré pagou ao autor a quantia líquida de €8.295,84 (oito mil, duzentos e noventa e cinco euros, oitenta e quatro cêntimos), que este fez sua. (acordo)
C) Em 7 de janeiro de 2014, o autor B… apresentou neste Tribunal do Trabalho de Santarém ação declarativa laboral sob a forma de processo comum, contra a aqui ré C…, S.A., peticionando a condenação desta a pagar-lhe as seguintes quantias: €3.252,77 (três mil duzentos e cinquenta e dois euros, setenta e sete cêntimos) a título de retribuição pela falta de gozo do descanso compensatório devido pela realização de trabalho suplementar de janeiro de 2005 a agosto de 2012, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento; €6.953,81 a título de remuneração das férias, subsídio de férias e de natal, relativos aos anos de 2005 a 2012 no que diz respeito à média de pagamentos do trabalho suplementar e trabalho noturno, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento. (teor dos autos apensos 569/13.0TTSTR-A)

Dado que esta matéria de facto não foi objeto de qualquer impugnação considera-se definitivamente assente.

Fundamentos de direito.
Como referimos, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação a questão de saber se o documento subscrito em 9 de abril de 2013 entre a Ré/apelada C…, S.A. e o Autor/apelante B… e por eles denominado de “Acordo para Cessação do Contrato de Trabalho” vale ou não como remissão abdicativa de créditos por parte deste e em relação aquela e quais as consequências legais daí decorrentes em face da decisão recorrida.
O documento em causa trata-se do que se menciona na alínea A) dos fundamentos de facto em que assentou a decisão recorrida e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
Em síntese, defende o Autor/apelante B… que, tendo o acordo contido em tal documento sido celebrado na vigência da relação contratual laboral que, ao tempo, existia entre si e a Ré/apelada C…, S.A. e muito embora se tivesse relegado a produção de efeitos do mesmo para a data da cessação dessa relação laboral, não podia o Autor, nesse momento, renunciar a qualquer direito remuneratório, pois, na vigência do contrato de trabalho, as retribuições constituem direitos indisponíveis e, como tal, irrenunciáveis por parte do trabalhador.
Alega, por outro lado, que, relativamente à declaração contida em tal documento de “nada mais havendo a reclamar ou a pagar seja a que título for”, se deve considerar «a sua abstração e carácter profundamente genérico com que o A., na sua óptica, e pelos dados de que dispõe e segundo crê naquele momento, tudo o que lhe era devido está a ser pago», sendo que «[n]enhuma referência explícita ou implícita existe no citado documento relativamente a eventual “retribuição pela falta de gozo do descanso compensatório devido pela realização de trabalho suplementar de Janeiro de 2005 a Agosto de 2012” ou relativamente a “remuneração das férias, subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 2005 a 2012 no que diz respeito à média de pagamentos do trabalho suplementar e trabalho nocturno” que é, no fundo, aquilo que o A. reclama da R. no processo judicial em apreço. Ou seja, quando celebrou o acordo com a R., o A. não estava na posse de quaisquer elementos, por escassos que fossem, que lhe permitissem renunciar aos respectivos direitos, bastando atentar na data de assinatura do acordo (09.04.13) e na data de interposição da acção (07.01.14), mediando entre ambas precisamente nove meses».
Vejamos se assiste razão ao Autor/apelante!
Quanto à remissão, enquanto causa de extinção de obrigações, dispõe o art. 863º n.º 1 do Código Civil que «[o] credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor».
«Na remissão é o próprio credor que, com a aquiescência embora do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse, que a lei lhe conferia», como doutamente ensina o senhor professor Antunes Varela em “Das Obrigações em Geral” – 2ª Edição – volume II – pag.ª 204.
Como decorre do disposto no mencionado preceito legal, a remissão necessita de revestir a forma de contrato, não bastando, portanto, a existência de uma mera declaração abdicativa ou renunciativa da parte do credor para que, por essa via, se possa considerar extinta a obrigação. «Esse efeito só resulta do acordo entre os dois titulares da relação creditória, ainda que a lei seja especialmente aberta à prova da aceitação do devedor (art. 234º)», refere ainda o mesmo professor (ob. cit. pag.ª 207).
Na verdade, a aceitação, por parte do devedor, da declaração abdicativa ou renunciativa feita pelo credor e uma vez que esta não depende da observância de qualquer forma especial, tanto pode ser expressa ou tácita como decorre das disposições conjugadas dos artigos 217º, 219º e 234º, todos do Código Civil.
Importa também ter presente que, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 236º do mesmo Código, «[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele», estipulando-se no n.º 2 do mesmo normativo que «[s]empre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida», sendo que, como referem os senhores professores Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil Anotado – Volume I – 3ª Edição Revista e Atualizada, pag.ª 222, «o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1) ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2)».
Ora, tendo presentes estas considerações jurídicas e sendo incontroverso que, em 9 de abril de 2013, existia entre o aqui Autor/apelante B… e a ora Ré/apelada C… S.A. uma relação contratual de natureza laboral, não há dúvida que, perante o teor do documento subscrito por ambos naquela data e que se mostra reproduzido na alínea A) dos fundamentos de facto em que assentou a decisão recorrida, o mesmo consubstancia um acordo, enquanto convergência de vontades de ambas as partes, quanto à cessação da referida relação contratual laboral com efeitos a partir de 1 de maio de 2013.
Para além disso, tal acordo contem também a expressão mútua da vontade de ambos os outorgantes de que a referida cessação contratual fosse feita mediante a atribuição de uma compensação global líquida por parte da C…, S.A. ao trabalhador B…, no montante de 8.295,84€ (oito mil duzentos e noventa e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos) a qual, na afirmação expressa das partes contratantes, inclui já todos os créditos vencidos à data da produção de efeitos de um tal acordo ou exigíveis em virtude da sua celebração, nada mais havendo a reclamar ou a pagar (um do outro ou um ao outro, entenda-se) seja a que título for. É esta a interpretação que um declaratário normal colocado na posição de real declaratário em face de tal documento, não pode deixar de extrair desta expressão de vontades resultante do mencionado acordo para cessação de contrato de trabalho, na própria expressão das partes contratantes, a qual configura, sem dúvida, uma efetiva renúncia ou abdicação, quer por parte do trabalhador B… em relação a quaisquer outros créditos vencidos e por si exigíveis à sua entidade empregadora C…S.A. à data da cessação do referido contrato de trabalho, quer da parte desta em relação àquele a partir da mesma data, inferindo-se ainda de um tal acordo que ambas as partes outorgantes do mesmo aceitaram esta mútua renúncia abdicativa.
Acresce referir que, tanto quanto decorre dos autos, até à resposta apresentada pelo Autor/apelante à exceção deduzida pela Ré/apelada na sua contestação, com base na celebração de um tal acordo, nenhuma das partes, designadamente o aqui Autor/apelante B…, suscitou a verificação qualquer vício na formação ou na expressão da vontade em termos de formalização e concretização do aludido acordo através da assinatura do mencionado documento em 9 de abril de 2013.
Na sequência dessa resposta, colocou-se, porém, à apreciação do Tribunal a quo e coloca-se agora á apreciação desta Relação a questão de saber se o trabalhador B…, no momento da outorga de um tal acordo, estava em condições, ou seja, se podia emitir a referida declaração de renúncia abdicativa de quaisquer outros créditos vencidos e exigíveis da sua entidade empregadora C…S.A. à data da cessação do contrato de trabalho entre ambos estabelecida (01/05/2013), uma vez que tal acordo foi outorgado em 9 de abril de 2013, isto é, ainda na vigência do contrato de trabalho entre ambos existente.
A este propósito escreveu-se o seguinte na decisão recorrida: «[i]mporta pois, por último aferir da validade da remissão abdicativa protagonizada pelo trabalhador, em virtude da indisponibilidade de alguns créditos laborais durante a pendência da relação de trabalho, questão introduzida em juízo pelo autor no seu articulado de resposta à contestação.
É correto afirmar-se que a declaração de remissão emitida pelo trabalhador durante a plena vigência do contrato de trabalho pode importar a renúncia a direitos que a lei taxa como irrenunciáveis e, como não poderia deixar de ser, tal declaração é nula e nenhum efeito.
Veja-se a este propósito o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de junho de 2011, relatado pelo Juiz conselheiro Sampaio Gomes, disponível em www.dgsi.pt., onde se pode ler “Com efeito, durante a execução da relação de trabalho, o direito à retribuição é um direito indisponível e irrenunciável, como resulta do preceituado nos art. 38º nº 1 da LCT e do art. 381º nº 1 do CT, a propósito da prescrição, segundo os quais a prescrição funciona apenas após a cessação do contrato de trabalho, evidenciando, assim, que os direitos de crédito dos trabalhadores sobre a entidade empregadora são imprescritíveis durante a vigência do contrato.
Acresce, ainda, que a declaração abdicativa foi assinada dois anos antes da cessação efectiva do contrato de trabalho, e não se vislumbra que tivesse como pressuposto o acordo de cessação desse contrato nem que só produziria os seus efeitos na data daquela cessação, aliás muito posterior.
A referida declaração foi obtida, na verdade, durante a execução e na vigência do contrato de trabalho.
O autor, ao emitir a referida declaração encontrava-se ainda, portanto, num situação de subordinação jurídica que lhe seria psicologicamente inibidora da reclamação dos eventuais créditos reclamados nesta acção, razão pela qual se entende não ser válida e eficaz.
E como se diz na decisão recorrida, só depois da resolução do contrato de trabalho desaparece aquele particular estado de sujeição, ou seja, cessa a subordinação jurídica do trabalhador em relação ao empregador que tem sempre a virtualidade de retirar espontaneidade e autenticidade à declaração de vontade através da qual o trabalhador dispõe do direito.”
Já tal indisponibilidade se não verifica quando o trabalhador se predispõe a negociar a extinção do vínculo, como se perfilhou no acórdão do Tribunal Constitucional datado de 12 de outubro de 2004, disponível em http://www.tribunal constitucional.pt/tc/acórdãos/20040600.html, citado no acórdão do STJ de 6 de dezembro de 2006, relatado pelo Juiz Conselheiro Sousa Peixoto, aresto este onde se escreveu: "[não se vê, porém, como é que a possibilidade de o credor remitir a dívida por contrato com o devedor, nessas condições (isto é, por ocasião da cessação do contrato, ou, mais precisamente: antes de operar a caducidade do contrato mas para produzir efeitos depois desta), possa contender com o direito "à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade", consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, mesmo admitindo que, nos termos do (...) artigo 17.º da Lei Fundamental, o regime de direitos, liberdades e garantias lhe seja aplicável.
Aliás, o já referido regime do n.º 4 do artigo 8.º da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho (...) contém, no que importa, uma estatuição de efeitos semelhantes à que ora está em causa, e nunca foi julgado inconstitucional. Precisando melhor, a recondução da declaração de quitação total (...) ao instituto da remissão abdicativa, afastado que foi o seu enquadramento na compensação pecuniária de natureza global prevista naquele dispositivo, em razão de o contrato ter cessado por caducidade (decorrente de invalidez) e não de cessação do contrato por acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, não altera a sua compatibilização constitucional.(...)
Acresce que a protecção dos direitos do trabalhador, que se invoca para pretender excluir a remissão abdicativa da esfera pós-relação laboral, impediria que estes formulassem por si o juízo sobre a celebração da tais contratos, sem que se imponha, legal ou constitucionalmente, qualquer presunção de que o seu juízo livre e informado - quando o não seja a ordem jurídica faculta-lhes mecanismos de invalidação de tais contratos - lhes será necessariamente prejudicial, com a concomitante imposição de uma indisponibilidade restritiva da liberdade contratual de ambas as partes."
E, continua o citado aresto do STJ, “(…)como se disse no acórdão deste tribunal de 11.10.2005 (15), a indisponibilidade dos créditos laborais na vigência do contrato de trabalho não tem aplicação quando o trabalhador se predispõe a negociar a sua desvinculação, como o demonstra o facto de a própria lei (o art.º 394.º, n.º 4 do CT, que, grosso modo, corresponde ao n.º 4 do art.º 8.º da LCCT) permitir que o acordo para a cessação do contrato possa conter, ele próprio, a regulamentação definitiva dos direitos remuneratórios decorrentes da relação laboral.
"Qualquer outro entendimento (diz-se naquele acórdão) levaria ao absurdo de se concluir que os acordos de cessação do contrato de trabalho entre a entidade empregadora e o trabalhador seriam sempre irrelevantes - porquanto o trabalhador nunca poderia dispor dos seus direitos -, isto apesar de estarem expressamente previstos na lei, como uma das modalidades da cessação da relação laboral (cfr. art.ºs 7.º e 8.º da LCCT (16).
Ora, no caso vertente, a declaração de remissão, contemporânea do acordo de cessação do contrato de trabalho outorgado entre as partes, foi emitida em 9 de abril de 2013, sendo que a cessação do contrato foi prevista para ter lugar apenas em 1 de maio de 2013. Logo, ainda que não pudesse produzir quaisquer efeitos durante o tempo restante da relação laboral, sempre teria de se ter por convalidada, finda que se mostrasse a relação laboral e conexa subordinação jurídica.
Só assim não seria se o trabalhador tivesse vindo alegar e demonstrar um vício de vontade imputável à empregadora, pois que se se encontrava livre e esclarecido no momento em que se predispôs a negociar a extinção do vínculo laboral então não poderia eximir-se a negociar a inclusão ou não de cláusulas típicas da remissão abdicativa, usualmente concomitantes ao referido negócio.
Não tendo o trabalhador alegado qualquer vício da vontade, deve ter-se por válida a remissão abdicativa estipulada concomitantemente ao negócio revogatório da relação laboral, para produzir efeitos após a cessação do estado de subordinação jurídica.»
Ora, no que aqui é essencial, em particular na parte em que se alude ao entendimento do Supremo Tribunal de Justiça expresso no seu douto Acórdão de 6 de dezembro de 2006 quanto à circunstância de a indisponibilidade dos créditos laborais na vigência do contrato de trabalho não ter aplicação quando o trabalhador se predispõe a negociar a sua desvinculação, já que, como aí se refere, a própria lei (hoje em dia o art.º 349º n.º 5 do CT/2009 que, grosso modo, corresponde ao art.º 394.º, n.º 4 do CT/2003 e ao n.º 4 do art.º 8.º da LCCT) permite que o acordo para a cessação do contrato possa conter, ele próprio, a regulamentação definitiva dos direitos remuneratórios decorrentes da relação laboral, concorda-se plenamente com a posição assumida sobre a questão em apreço pela decisão recorrida, sendo, de todo redundante, tecer quaisquer outras considerações quanto a essa matéria.
Nem se diga que no momento da celebração do acordo de cessação de contrato de trabalho que estabeleceu com a Ré, ou seja, em 9 de abril de 2013 o Autor não estava na posse de quaisquer elementos que lhe permitissem renunciar aos respetivos direitos e que tal se infere pela circunstância de apenas em 7 de janeiro de 2014 ter proposto contra a Ré a ação de que emerge o presente recurso em separado e a que se alude na alínea C) dos fundamentos de facto anteriormente mencionados. Com efeito, nada impedia que antes da celebração do mencionado acordo e se dúvidas, porventura, tivesse quanto a qualquer dos aspetos atinentes a direitos emergentes da sua relação laboral com a Ré, o Autor Manuel Jorge Cardoso tivesse diligenciado no sentido de, previamente, obter o seu esclarecimento quanto aos mesmos, sendo certo que do acordo firmado entre as partes contratantes consta que o outorgaram livremente, de boa-fé e com perfeito esclarecimento quanto aos seus motivos e efeitos, para além de que se verifica que, certamente após a cessação do contrato de trabalho entre as partes em 1 de maio de 2013, o Autor B… fez seu o montante de € 8.295,84 que a Ré C…, S.A. lhe pagou a título de compensação global pela cessação de tal contrato, como resulta da alínea B) dos fundamentos de facto em que assentou a decisão recorrida, o que revela uma aceitação plena do acordo que firmara com esta.
Por outro lado, também não faz sentido que, ante o estabelecimento da referida compensação de natureza global no mencionado acordo, com a referência expressa de que a mesma incluía já todos os créditos vencidos à data da produção dos efeitos desse acordo ou exigíveis em virtude da sua celebração, fosse de exigir que tal acordo contivesse qualquer referência explícita ou implícita quanto a eventual retribuição pela falta de gozo do descanso compensatório devido pela realização de trabalho suplementar de Janeiro de 2005 a Agosto de 2012 ou relativamente a remuneração das férias, subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 2005 a 2012 no que diz respeito à média de pagamentos do trabalho suplementar e trabalho noturno, como defende o Autor/apelante.
Não merece, pois, qualquer censura a decisão recorrida, a qual, portanto, aqui se mantém.

DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente, confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.
Sem custas atendendo à isenção de que beneficia nos presentes autos o Autor/apelante [art. 4º, n.º 1 al. h) do RCP].

Évora, 14-04-2016
(Relator: José António Santos Feteira)
(1º Adjunto: Moisés Pereira da Silva)
(2º Adjunto: João Luís Nunes)