Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
774/03.7GDLLE.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: ACÓRDÃO PENAL
TRIBUNAL SUPERIOR
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 02/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – O arguido não tem que ser pessoalmente notificado do acórdão proferido em recurso pelos tribunais superiores;
II – O disposto no n.º 9 do art.º 113 do CPP, na parte em que exceciona a necessidade de notificação pessoal do arguido, não tem aplicação nos tribunais superiores.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 774/03.7GDLLE.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Criminal, J6) correu termos o Processo n.º 774/03.7GDLLE, no qual foi decidido, por despacho de 7.07.2017, na sequência do requerimento apresentado pelo arguido (fol.ªs 2231 e seguintes):
- que o arguido não tem que ser pessoalmente notificado do acórdão proferido em recurso pelos tribunais superiores, pelo que a falta dessa notificação não obsta ao trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 10.01.2017, que negou provimento ao recurso interposto pelo arguido BB e manteve integralmente o acórdão condenatório);
- indeferir a invocada prescrição da pena em que foi condenado naqueles autos.
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2. Recorreu o arguido desse despacho - recurso que limitou à questão de saber se o arguido deve ser pessoalmente notificado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação supra mencionado - concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - Entendeu o tribunal a quo que o recorrente não tem que ser notificado do acórdão proferido em recurso pelos tribunais superiores, porquanto, o art.º 113 n.º 10 do CPP apenas se aplica às sentenças, isto é, às decisões finais proferidas em primeira instância e já não por via do recurso, conclusão que - em nossa opinião - é errónea, pois os interesses e valores protegidos aqui em causa - a liberdade da pessoa humana - não se compadecem com menos que uma plena e eficaz garantia de todos os direitos de defesa do recorrente, que se encontra actualmente a cumprir pena de prisão à ordem do presente processo.
2 - E essa garantia efetiva-se com a previsão de todas as possibilidades, incluindo o mau patrocínio, através de mecanismos legais que obstem à preterição do pleno e cabal exercício dos direitos que assistem aos arguidos em processo penal no âmbito das suas garantia de defesa, pois, pese embora os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor que o devem levar a comunicar ao arguido o resultado do decidido no tribunal de recurso, se a comunicação não tiver lugar objectivamente, ficam postergados os direitos de defesa do recorrente, o qual ficou no total desconhecimento dos motivos fácticos ou jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e do nível de imposição de pena.
3 - Importa, por isso, garantir o pleno e cabal exercício dos direitos do recorrente no âmbito das suas garantias de defesa, sendo que para tal é indispensável garantir o conhecimento efetivo das decisões que o afetam e das quais possa recorrer ou deduzir oposição, esgotando todos os meios judiciais que lhe assistem se tal desejar e se mostrar necessário.
4 - Ao não se entender assim viola-se clara e flagrantemente o disposto nos art.ºs 113 n.º 10, 411 n.º 1 e 425 n.º 6 do CPP e, ainda, o art.º 32 n.º 1 do CPP.
5 - Pelo exposto, deve o recorrente ser notificado da decisão do recurso que apresentou da decisão condenatória em 1.ª instância, devendo com tal notificação iniciar-se prazo para a respetiva defesa.
6 - Deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta.
3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
1 - A lei designa como "sentença", quer a decisão provenha de tribunal singular ou colegial, a que, a final, em primeira instância, conheça do objecto do processo, cfr. artigos 365 a 380 do CPP.
2 - O artigo 425º, nº 6, do CPP, sob a epígrafe “Acórdão”, manda, a seu turno, notificar o acórdão proferido em recurso, entre outros, aos recorrentes [“6 - O acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público].
3 - Ora, da leitura conjugada dos enunciados preceitos legais conclui-se que o n.º 6 do artigo 425 constitui a norma que especialmente prevê a notificação de decisões proferidas por tribunais superiores, a qual deve ser interpretada em consonância com o tipo de intervenção que se pede ao arguido nas audiências que ocorrem nos tribunais de recurso.
4 - Não deve ser ignorado, neste contexto, que os arguidos nem sequer são notificados para as referidas audiências – vd. artigo 421 n.º 2 do CPP.
5 - Os atos mencionados no artigo 113 n.º 10 do CPP são reportados à primeira instância. Por certo, a menção da sentença surge ali no meio da que é feita à acusação, decisão instrutória, designação de dia para julgamento, às medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil.
6 - Também não podemos deixar de referir que o arguido está obrigatoriamente assistido por defensor na fase de recurso (alínea e) do n.º 1 do artigo 64 do Código de Processo Penal).
7 - O Supremo Tribunal de Justiça, por diversas vezes, foi chamado a pronunciar-se sobre a questão e, unanimemente, entendeu que o acórdão de um tribunal superior, proferido em sede de recurso, só carece de ser notificado ao advogado ou defensor do arguido.
8 - No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 512/2004 conclui-se que “do disposto no artigo 113 n.º 9 do CPP não resulta a obrigação de notificação de acórdão proferido pelos tribunais superiores ao arguido, como ressalva ao princípio da suficiência da notificação ao advogado”.
9 - Igualmente se sustentou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 667/2014 que “do disposto no artigo 113 n.º 9 do CPP não resulta a obrigação de notificação ao arguido de acórdão proferido pelos tribunais superiores, não colidindo tal interpretação normativa com os artigos 20 e 32 da Constituição”.
10 - Aqui chegados, concluímos, assim, que não resulta da lei a obrigação de notificação pessoal de acórdão proferido pelos tribunais superiores ao arguido. No caso dos autos verifica-se que o acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação de Évora foi regularmente notificado ao defensor oficioso do arguido, nos termos e ao abrigo do artigo 425 n.º 6 do CPP, através carta de notificação enviada em 13 de janeiro de 2017.
11 Face ao supra exposto, entendemos que o tribunal a quo não violou os artigos 113 n.º 10, 411 n.º 1 e 425 n.º 6 do CPP, nem o artigo 32 n.º 1 da CRP, ao indeferir a notificação pessoal do arguido do acórdão proferido em recurso pelo tribunal superior.
12 - Deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
3. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
4. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª b) do CPP).
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5. Para tanto, importa considerar os seguintes factos:
1. No dia 10 de janeiro de 2017, o Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão que negou total provimento ao recurso interposto pelo arguido BB e manteve integralmente o acórdão condenatório recorrido.
2. No dia 13 de janeiro de 2017 foi enviada carta de notificação do acórdão proferido em recurso ao defensor oficioso do arguido/recorrente, Dr. CC.
3. Considerando-se que o referido acórdão (proferido pelo Tribunal da Relação de Évora) transitou em julgado no dia 16 de fevereiro de 2017, no dia 24 de maio de 2017 o arguido foi ligado aos presentes autos para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado.
4. No dia 21 de junho de 2017 foi expedida carta de notificação da liquidação de pena efetuada no âmbito dos presentes autos ao defensor oficioso do arguido e no dia 27 de junho de 2017 o arguido/recorrente foi pessoalmente notificado da liquidação da pena efetuada no âmbito dos presentes autos.
5. No dia 06 de julho de 2017, o arguido/recorrente, através da nova mandatária constituída, dirigiu um requerimento ao processo alegando que “ainda não foi notificado de qualquer acórdão, tal como deveria ser segundo o disposto no art.º 113 n.º 10 do CPP, … podendo concluir-se que o recurso ainda não foi decidido, pelo que não deverá ser apreciada a existência de cúmulo jurídico no âmbito do processo n.º 3040/08.8TAFAR.1”.
6. Esse requerimento foi indeferido, por despacho de 7.07.2017 - o despacho recorrido - em síntese, por se entender que o arguido não tem que ser pessoalmente notificado “do acórdão proferido em recurso pelos tribunais superiores. O normativo invocado pelo arguido (artigo 113 n.º 10 do Código de Processo Penal) apenas se aplica às «sentenças», isto é, às decisões finais proferidas em primeira instância e já não por via de recurso…” (invocam-se nesse sentido os acórdãos do STJ de 10.05.1007, in Col. Jur., 2007, tomo 2, 179, e de 6.02.2002, Col. Jur., 2002, tomo 1, 199, da RC de 13.02.2002, Col. Jur., XXVII, tomo 1, 150, e do TC n.º 59/99, de 2.02.1999).
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6. É sabido, mas não será demais recordar aqui, que motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412 n.º 1 do CPP).
As conclusões do recurso - escreve-se no acórdão do STJ de 4.03.99, Col. Jur., VII, t. 1, 239 –“são, logicamente, um resumo dos fundamentos porque se pede o seu provimento, tendo como finalidade que elas se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal ad quem”.
Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões ou fundamentos em que o recorrente baseia a sua pretensão, ou seja, das razões que, no seu entender, justificam decisão diversa da recorrida, pois são estas – as conclusões da motivação – que delimitam o âmbito do recurso.
Atentas as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo arguido, assim consideradas, e acima transcritas, delas se extrai uma única questão colocada à apreciação deste tribunal, que é a de saber se a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora na sequência do recurso interposto pelo arguido - que confirmou a decisão condenatória proferida na 1.ª instância - deve ser pessoalmente notificada ao arguido.
Esta é, pois, a questão a decidir.
E - diga-se desde já - a resposta não pode deixar de ser negativa, no seguimento da jurisprudência dos tribunais superiores que se tem pronunciado sobre a questão, como se dá conta, quer na decisão recorrida, quer na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público, e foi por nós decidido no acórdão de 18.04.2017, Proc. 106/16.4T9EVR.E1, publicado in www.dgsi.pt.
De facto, e como aí escrevemos, “a lei não impõe a notificação pessoal do arguido recorrente do acórdão que aprecie o recurso por si interposto da sentença condenatória.
… tal não resulta do art.º 425 n.º 6 do CPP, enquanto norma especial, onde se estabelece que «o acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público», norma que deve ser interpretada em consonância com o tipo de intervenção que se pede ao arguido nos recursos interpostos para o tribunal superior, quer sejam decididos em conferência, quer em audiência.
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ, como nos dá conta o acórdão do STJ de 22.01.2009, in www.dgsi.pt, onde se escreveu: «tendo em conta o papel do defensor em processo penal, “um sujeito do processo, um órgão de administração da justiça, atuando embora exclusivamente em favor do arguido”, compete à lei disciplinar os atos em que pode exercer a sua função de representante e nessa medida substituto do arguido, ou em que tem que ser este mesmo a protagonizá-los. “Dentro de tal quadro pode, pois, a lei bastar-se com a sua (do defensor) intervenção em determinados atos processuais, sem a presença ou convocação do arguido…” (ac. do STJ de 6/2/02, Proc. 492/01, in Col. Jur., Ac. STJ, Tomo I, 2002, pág. 201).
Entende-se neste STJ, uniformemente, que a notificação na pessoa do arguido não é aqui exigida e que, portanto, o n.º 9 do art.º 113 do CPP, na parte em que exceciona a necessidade de notificação pessoal do arguido, não tem aplicação nos tribunais superiores…» (aí se dá conta que nesse mesmo sentido opina P. P. Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, pág. 296 e 1166, e se decidiu nos acórdãos do TC de 10/02/99, Proc. 747/98, publicado in DR, II Série, de 15.06.99, e de 2/2/99, Proc. 487/97, in DR, II Série, de 30.03.99).
Neste sentido se decidiu também no acórdão da RP de 7.11.2012, in www.dgsi.pt, destacando - citando o acórdão do TC n.º 59/99, in www.tribunalconstitucional.pt - que «os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa da quele, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado a efeito no tribunal superior.
De harmonia com tais deveres, há-de concluir-se que o arguido, por intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor… ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e da reação, a nível de imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercer o seu jus puniendi»”.
Não vemos razões para alterar tal entendimento, que aí defendemos.
Acresce que o Tribunal Constitucional - como se escreveu na resposta do Ministério Público ao recurso interposto pelo arguido - já se pronunciou várias vezes no sentido de que “as garantias constitucionais de defesa do arguido não exigem que uma sentença ou acórdão sejam sempre e necessariamente a ele pessoalmente notificadas, podendo sê-lo ao seu defensor (ver, entre outros, os acórdãos n.ºs 59/99, 545/03, 512/04, 275/06, 489/08, 399/2009, 667/2014, todos in www.tribunalconstiotuicional.pt)”, e, concretamente no que respeita ao art.º 113 n.º 10 do CPP:
- que “do disposto no art.º 113 n.º 9 (atual n.º 10) do CPP não resulta a obrigação de notificação de acórdão proferido pelos tribunais superiores ao arguido…” (acórdão n.º 512/2004);
- que “do disposto no art.º 113 n.º 9 do CPP não resulta a obrigação de notificação ao arguido de acórdão proferido pelos tribunais superiores, não colidindo tal interpretação normativa com os art.ºs 20 e 32 da Constituição” (acórdão n.º 667/2014).
A decisão recorrida não violou, pois, qualquer dos preceitos invocados, pelo que não nos merece qualquer censura.
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7. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC`s (art.ºs 513 e 514 do CPP e 8 n.º 9 e tabela III anexa do RCP).

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado).
Évora, 20/02/2018
(Alberto João Borges-relator)
(Maria Fernanda Pereira Palma)