Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
13436/14.0T8LSB.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
RESERVA MENTAL
ERRO SOBRE OS MOTIVOS DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - A impugnação da decisão relativa à matéria de facto apenas deve proceder quando o recorrente demonstrar, com evidência, através de um juízo crítico sobre todos os meios de prova produzidos sobre um determinado ponto da matéria de facto - os que fundaram a convicção do Juiz a quo para decidir sobre esse concreto ponto e os que o recorrente entende que também devem ser considerados para decidir, de forma diversa, esse mesmo ponto -, que os mesmos impunham decisão diversa sobre aquele determinado ponto de facto, patenteando assim o erro de julgamento do Tribunal a quo sobre essa concreta matéria.
II - A reserva mental consubstancia-se «em o declarante emitir conscientemente uma declaração discordante da sua vontade real, com intenção de enganar o declaratário. Difere, portanto, da simulação, porque:1) na reserva mental a intenção é de enganar o próprio declaratário; 2) por consequência, não há acordo simulatório. É uma espécie de simulação unilateral, sendo também a simulação, de certo modo, um espécie de reserva mental bilateral.»
III – Se a recorrente tivesse logrado provar – o que não conseguiu - que a localização do imóvel tinha sido essencial para a sua vontade de celebrar o contrato-promessa em causa e que a recorrida, a outra parte no contrato, sabia da essencialidade desse motivo e tinha reconhecido, expressa ou tacitamente, a essencialidade do mesmo, poder-se-ia admitir, em tese, que o alegado circunstancialismo se enquadrasse no erro sobre os motivos determinantes quanto às circunstâncias que constituem a base do negócio, a que alude o n.º2 do art.º 252º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:








Acordam, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. n.º 13436/14.0T8LSB
Apelação
Comarca de Santarém (Santarém-JCCível-J1)
Recorrente: BB - Investimentos Imobiliários, SA
Recorrida: CC – Propriedades, SA
R23.2018

I. CC – Propriedades, SA, propôs a presente Acção Declarativa, com Processo Comum, contra BB - Investimentos Imobiliários, SA, peticionando o seguinte:
a) Que se declare a obrigatoriedade de a Ré celebrar a escritura de compra e venda;
b) E, em consequência, se profira sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré e se condene esta no pagamento da quantia em falta, que ascende ao montante de € 160.764,66, descontando-se o valor de € 7.228,00 inerente ao corte do arvoredo;
c) Em alternativa que o contrato-promessa seja declarado resolvido por incumprimento da Ré e que esta seja condenada a ver perdido o sinal e todas as demais quantias por si entregues em cumprimento do contrato-promessa.
Alegou, em síntese, para o efeito, o seguinte:
(…).

Efectuado julgamento foi proferida Sentença, em que se decidiu o seguinte:
“Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 830.º do CC, julgo suprida a falta de declaração negocial da Ré BB - Investimentos Imobiliários, SA, e em consequência:
- declaro transmitida para esta o direito de propriedade sobre parcela de terreno com a área de 9.646 m2 que integra o prédio urbano sito na Freguesia de Muge, Concelho de Salvaterra de Magos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo 1º, secção G a G-3;
- condeno a Ré BB - Investimentos Imobiliários, SA, a pagar à Autora CC - Propriedades, SA, a quantia de € 153.536,66 (cento e cinquenta e três mil quinhentos e trinta e seis euros e sessenta e seis cêntimos).
…”

Inconformada com tal Decisão, veio a Ré interpor Recurso de Apelação, cujas Alegações terminou com a formulação das seguintes Conclusões:
1. A A/Apelante não se conforma com a douta Sentença proferida nos autos supra referenciados, pelo que vem da mesma recorrer quanto à matéria de facto e de direito;
2. Consideramos existir erro na apreciação da prova produzida que conduziu a errada fixação da matéria de facto não provada;
3. Atendendo à prova testemunhal produzida e aos próprios factos dados como provados pelo Tribunal a quo, este nunca poderia ter dado como não provado que a A./Apelada não criou a aparência de construção de uma zona industrial no terreno adjacente ao prometido vender, com o intuito de sobrevalorizar o imóvel dos autos;
4. Tal facto resulta da prova produzida, e nomeadamente dos depoimentos das testemunhas Álvaro M… e José C…;
5. A A./Apelada reconhece a desvalorização do terreno face à não instalação da zona industrial junto ao prédio prometido-vender;
6. A correcta apreciação das provas produzidas deveria levar o Tribunal a quo a decidir julgar provados os factos respeitantes aos pontos 4 e 5 dos factos não provados;
7. A R./Apelante defendeu-se alegando que o contrato-promessa de compra e venda é nulo porquanto a A./Apelada agiu com reserva mental;
8. A A./Apelada não agiu segundo as regras da boa-fé, não só nos preliminares do negócio mas também aquando da formação do contrato;
9. A A./Apelada usou de reserva mental, apresentado o imóvel de forma e com características diferentes daquelas que se traduzem na realidade, com o objectivo de enganar a R./Apelante, levando-a a celebrar um negócio partindo de pressupostos errados;
10. O Tribunal a quo deveria ter declarado a nulidade do contrato;
11. A R./Apelante invoca ainda a excepção de não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda;
12. O Tribunal a quo não teve em consideração o anteriormente decidido no âmbito do Proc. n.º 2831/10.4TVLSB, e já transitado em julgado, violando o caso julgado material, o que para os devidos efeitos se invoca;
13. Nesta medida, e face ao que supra se explanou, deve a Sentença recorrida ser revogada e consequentemente a acção ser julgada improcedente por não provada e a R./Apelante ser absolvida dos pedidos formulados pela A./Apelada.
Termos em que, a douta decisão recorrida deve ser alterada, …”

A Apelada deduziu contra-alegações, em que pugnou pela manutenção do julgado.

Cumpre decidir.
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:
1. Por escrito de 21 de Junho de 2007 a Autora prometeu vender e a Ré prometeu comprar, pelo preço de € 25 m2, no total de € 241.150, uma parcela de terreno com a área de 9.646 m2 integrada no prédio urbano, de que a Autora é proprietária, sito na Freguesia de Muge, Concelho de Salvaterra de Magos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo …°, secção G a G-3.
2. Com a assinatura do contrato-promessa a Ré pagou à Autora a importância de € 48.230, correspondente a 20% do preço global, e o restante, no valor de € 192.920, seria repartido por 36 prestações mensais e sucessivas no valor de € 5.358,89, cujo pagamento seria efectuado por transferência bancária para uma conta da Caixa Geral de Depósitos de que a Autora era titular.
3. Para além da quantia referida em 2, a Ré pagou à Autora o montante correspondente a 6 prestações, no valor global de € 32.155,34, encontrando-se por pagar o remanescente do preço no valor de € 160.764,66.
4. Autora e Ré acordaram que a escritura de compra e venda seria outorgada no mês respeitante à 36.ª prestação, em dia hora e local a fixar por acordo.
5. Mais acordaram Autora e Ré que, na falta de acordo, a escritura referente ao contrato prometido seria outorgada no dia hora e local que a promitente-vendedora indicasse através de carta registada expedida com pelo menos dez dias de antecedência.
6. Ficou ainda acordado que a existência de sinal não afastava a possibilidade de o promitente não faltoso requerer a execução específica.
7. Em 27 de Dezembro de 2010 a Ré intentou contra a Autora uma acção cível, que correu termos pela 3.ª secção da 12.ª Vara Cível de Lisboa com o nº 2831/10.4TVLSB, pretendendo a resolução do contrato-promessa celebrado por alteração das circunstâncias e a condenação da Autora na restituição da quantia de € 53.615,89 recebida título a de sinal, acrescida de juros de mora ou, em alternativa, a modificação do negócio através da redução do preço para € 10 m2; subsidiariamente, pediu a condenação da Autora na restituição, a título de enriquecimento sem causa, do montante recebido.
8. Nesses autos foi proferida sentença absolvendo a aqui Autora do peticionado pela Ré, declarando a resolução do contrato-promessa por motivo imputável a esta última e reconhecendo o direito da ora Autora embolsar o valor de € 48.230 entregue a título de sinal, com a consequente obrigação de restituir o remanescente à ora Ré no valor de € 32.155,34.
9. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, posteriormente confirmado por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e já transitado em julgado, foi a apelação interposta pela aqui Ré julgada parcialmente procedente e revogou-se a sentença na parte em que declarou resolvido o contrato e se reconheceu à Ré o direito a fazer seu o sinal recebido.
10. Em 20/12/2013 a Autora enviou à Ré carta registada com aviso de recepção a propor que dentro de um prazo de 60 dias lhe fosse comunicado o Cartório Notarial onde a Ré pretendia fazer a escritura, bem como o dia e hora, visto que já tinha sido largamente ultrapassado o previsto no n.º 1 da cláusula 6.ª do contrato-promessa.
11. A esta carta respondeu a Ré por carta de 17/1/2017 dizendo estar disposta a outorgar o contrato definitivo, em data e local a combinar, desde que no remanescente do preço fosse compensado o crédito de € 32.155,34 e se procedesse ao ajuste do valor da propriedade após o corte de eucaliptos.
12. Em 28/1/2014 a Autora, em resposta à carta da Ré, propôs que a escritura tivesse lugar no dia 28/2/2014, solicitando-lhe o envio da documentação necessária para a preparação da escritura.
13. A Ré respondeu em 10/2/2014 informando que estava disponível para combinar a data para a realização da escritura se houvesse entendimento quanto ao pagamento ou à compensação de um crédito que tem sobre aquela no valor de € 32.155,34 e quanto à depreciação do imóvel provocada por um corte de eucaliptos.
14. Uma vez que não existiu acordo quanto à marcação da data e local para a outorga da escritura, a Autora, em 18 de Fevereiro de 2014, comunicou à Ré que iria marcar a data da escritura, facto do qual lhe daria conhecimento.
15. Assim, em 7/3/2014, por carta registada com aviso recepção, a Autora comunicou à Ré que a escritura de compra e venda do terreno prometido comprar estava marcada para o dia 20 de Março de 2014, tendo indicado o Cartório Notarial e a hora.
16. Autora e Ré estiverem presentes no Cartório naquela data, mas o representante da Ré recusou-se a proceder à outorga da escritura, tendo nesse momento apresentado o documento de fls. 111, no qual se pode ler o seguinte:
"Um dos factores que levaram à decisão de celebrar o contrato-promessa por parte da APN, quanto à questão do preço ajustado, foi a existência no terreno objecto da prometida venda, de uma plantação de eucaliptos. Sucede que, sem a concordância da BB, a promitente-vendedora, procedeu ao corte de todos os eucaliptos, a que deu destino, embolsando o valor dos mesmos. O imóvel deveria ser entregue à BB no estado em que se encontrava, no momento da celebração do negócio. Conforme relatório técnico, cuja cópia se anexa, o corte dos eucaliptos diminui o valor da propriedade, em prejuízo da BB, que veio desaparecer um dos factores de valorização que justificou o acordo que deu ao preço convencionado. A promitente-vendedora foi, previamente, notificada deste facto e da intenção da BB só celebrar o contrato-promessa após o reajustamento do preço. Acresce que, por sentença proferida pela 12.ª Vara Cível de Lisboa, foi reconhecida à BB um crédito no montante de 32.155,34€, sobre a promitente-vendedora, o qual, por declaração escrita já efectuada, se pretende compensar no preço final do terreno prometido. A BB, pelo exposto, declara que só outorga a escritura no caso de o preço de venda ser devidamente ajustado em função da depreciação do valor do imóvel e pela compensação de créditos."
17. Em data não concretamente apurada mas entre os meses de Abril e Junho de 2013 a Autora procedeu ao corte de algumas árvores que existiam no terreno.
18. Fê-lo por não querer provocar prejuízo à sociedade DD - Indústria de Argamassas S.A, que a havia interpelado, em 20 de Março e 29 de Abril de 2013, afirmando estar a sofrer contaminações em areias provenientes das árvores que estavam na propriedade da Autora junto à unidade fabril daquela.
19. Se a Ré tivesse adquirido o terreno na data prevista no contrato-promessa, o corte das árvores teria sido efectuado pela Ré.
20. A referida sociedade, devido aos prejuízos que estava a sofrer com as contaminações, procedeu à limpeza das areias e pretendeu imputar à Autora o pagamento da eliminação dos resíduos.
21. A Autora mandou avaliar os prejuízos decorrentes do corte das árvores, tendo sido apurado um valor não superior a € 7.228,00, que aceita deduzir ao preço acordado no contrato-promessa.
22. Com a aquisição do terreno por parte da Ré pretendia-se a ampliação da área industrial da empresa EE.
23. Estava prevista a construção de uma zona industrial em parcelas de um terreno loteado para esse efeito e que se situavam perto do prédio objecto do contrato-promessa.
24. No imóvel identificado em 1. estava prevista a instalação de um ramal ferroviário, tendo a Ré assumido a obrigação de permitir o seu uso por parte da Autora e de futuros adquirentes da área restante desse prédio.
25. A construção deste ramal implicava o corte de árvores existentes no imóvel.
26. A construção e a venda do loteamento industrial foram anunciadas mediante colocação de um cartaz de grandes dimensões em local bem visível da E.N. 118, dois anos antes da celebração do contrato-promessa, tendo apenas sido retirado cerca de 2 anos após a celebração do contrato-promessa.
27. A ré vendeu ao Município de Salvaterra de Magos, em Julho de 2009, o terreno, sem árvores, onde era suposto construir a zona industrial pelo preço de € 10 m/2.
28. Este preço do m2 foi calculado tendo em atenção a não concretização da zona industrial.
29. Em 8/8/2013 e em 19/9/2013 a sociedade DD - lndústria de Argamassas S.A enviou à Ré as cartas juntas a fls. 118 e 119, nas quais comunicou o risco de ruína de um muro sua propriedade como consequência dos trabalhos de corte de árvores.
30. Com a carta datada de 19/9/2013 foi anexado o relatório técnico de fls. 120 a 133 e solicitou-se a execução de medidas necessárias à resolução do problema.

E como não provada a seguinte matéria de facto:
- que a existência de árvores no terreno foi tida em consideração na fixação do preço;
- que em reunião havida em momento anterior à data marcada para a outorga da escritura, a Autora procurou entendimento junto de representante da Ré para que se realizasse a escritura na data que já estava marcada e que era já do conhecimento desta, uma vez que o contrato se mantinha e não tinha havido lugar à rescisão do mesmo;
- que a Ré desconhecia a espécie de árvores existentes na parcela de terreno prometida comprar, pois referia sempre e apenas eucaliptos, que eram
os mais visíveis, ignorando por isso a existência de pinheiros bravos;
- que a Autora criou a aparência de construção de uma zona industrial no terreno adjacente ao prometido vender unicamente com o intuito de sobrevalorizar o imóvel dos autos, pois cerca de dois anos após a celebração do contrato-promessa, com a venda do imóvel adjacente ao dos autos ao Município de Salvaterra de Magos, tal projecto foi definitivamente abandonado;
- que ao ter agido daquela forma a Autora criou na Ré a expectativa, que sabia que não iria concretizar, de construção da zona industrial no terreno adjacente ao dos autos unicamente com o intuito de o sobrevalorizar;
- que, uma vez afastada a utilização do imóvel dos autos para fins industriais, em face do abandono do projecto de zona industrial, poderia ainda ser rentabilizado como exploração florestal;
- que o corte de todas as árvores e posterior venda da madeira cortada retirou a rentabilização da madeira cortada e de produções florestais futuras, ao que acresce o custo de limpeza dos cepos;
- que a produção florestal existente no imóvel antes do abate por parte da Autora sempre valorizaria o imóvel, já que poderia ser rentabilizado com essa produção e com produções futuras;
- que o contrato-promessa foi celebrado também tendo em vista a rentabilização do imóvel mediante exploração florestal e outras possíveis utilizações;
- que as árvores existentes no imóvel podiam coexistir, se não totalmente, mas parcialmente com o ramal ferroviário;
- que a existência de exploração florestal valoriza o imóvel.
***
III. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do N.C.P.C., o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

As questões a decidir resumem-se, pois, a saber:
a) Se deve ser alterada a Decisão relativa à matéria de facto quanto aos Pontos n.ºs 4 e 5 dos Factos Não Provados;
b) Qual a solução a dar ao pleito em face da matéria de facto dada por assente.

No que respeita à primeira questão, impugna a Apelante a Decisão sobre a matéria de facto, quanto aos Pontos n.ºs 4 e 5 dos Factos Não Provados que entende que devem ser dados como provados.

Os Pontos em apreço, respeitam à seguinte matéria de facto:
- que a Autora criou a aparência de construção de uma zona industrial no terreno adjacente ao prometido vender unicamente com o intuito de sobrevalorizar o imóvel dos autos, pois cerca de dois anos após a celebração do contrato-promessa, com a venda do imóvel adjacente ao dos autos ao Município de Salvaterra de Magos, tal projecto foi definitivamente abandonado;
- que ao ter agido daquela forma a Autora criou na Ré a expectativa, que sabia que não iria concretizar, de construção da zona industrial no terreno adjacente ao dos autos unicamente com o intuito de o sobrevalorizar;

Entendeu o Tribunal “a quo” dar como não provada a matéria constante desses pontos, pelos seguintes fundamentos:
Em relação aos factos não provados, dir-se-á, por um lado, que não foi produzida qualquer prova sobre os mesmos, fosse ela pessoal, documental ou pericial, e, por outro lado, que resultou demonstrado precisamente o contrário, daí a enunciação dos factos provados.
Relevando para a apreciação dessa matéria (não prova dos Pontos 4 e 5 dos Factos Não Provados), a seguinte prova que o Tribunal “a quo” atendeu para fundamentar a sua convicção de dar como provados os factos acima enumerados:
A) Depoimentos das testemunhas Álvaro M… e José C…, que foram administradores da autora e nessa qualidade tiveram conhecimento pessoal e directo dos factos sobre que depuseram, nomeadamente tudo o que sucedeu antes e depois da celebração do contrato-promessa, o conteúdo das negociações estabelecidas entre as partes, a fixação pela própria Ré do valor de € 15 por cada m2 e do valor final do preço do imóvel, o destino que se pretendia dar ao mesmo, as condições de pagamento, a circunstâncias que precederam a marcação da escritura de compra e venda e a sua não realização em face da recusa da ré. De forma coerente, objectiva e revelando isenção estas testemunhas depuseram no essencial no mesmo sentido e identificaram com acentuado pormenor todo o circunstancialismo que rodeou a celebração do contrato-promessa e a postura que Autora e Ré assumiram desde então, identificando concretamente quais os objectivos que presidiam à intenção aquisitiva por parte desta, e que não passavam pela exploração florestal do prédio, algo que nunca foi negociado nem tido em consideração na fixação do preço, mas sim pelo aumento da exploração industrial de uma outra empresa. Mais esclareceram que o corte de árvores existentes no prédio prometido vender surgiu na sequência de queixas apresentadas por uma empresa vizinha no sentido de estar a sofrer prejuízos e que a venda da área loteada ao Município de Salvaterra de Magos pelo preço de € 10 m2 se deveu à circunstância de não se ter concretizado a instalação da zona industrial.
B) Depoimento da testemunha Matias M…: esclareceu que foi contactado por um representante da Ré no sentido de proceder à venda do prédio identificado em 1. dos factos assentes. Por nesse momento já não ser proprietário, encaminhou o assunto para a Autora e pôde constatar que a Ré não pretendia fazer exploração florestal do prédio. Mais referiu que procedeu ao corte de árvores existentes no local a pedido da Autora.
C) Depoimento da testemunha Pedro J…, que exerceu o cargo de director geral da Ré de 1996 a 2015. No que diz respeito aos contornos do negócio e às razões para a não celebração da escritura de venda, depôs essencialmente no mesmo sentido das testemunhas identificadas em A): por um lado, esclareceu que o prédio não se destinava a exploração florestal, mas a uso industrial (logístico), tendo-se previsto que nele se construiria um ramal ferroviário; por outro lado, identificou os motivos invocados pela Ré para a não celebração da escritura de compra e venda e que foram exarados no documento de fls. 111, que a própria testemunha apresentou na data prevista para a sua realização. Quanto à fixação do preço, divergiu do que havia sido pelas testemunhas Álvaro M… e José C…, pois afirmou que foi a própria Autora que o determinou. Dado o conteúdo dos documentos de fls. 237 (fax enviado pela Ré à Autora datado de 14/11/206 contendo a proposta de aquisição do terreno) e 238 (aceitação da Autora), esta parte do depoimento da testemunha não mereceu credibilidade. Com efeito, e como inequivocamente resulta daqueles documentos, o preço do m2 foi avançado pela Ré, circunstância que foi relatada pelas supra referidas testemunhas, não tendo sido produzida qualquer prova que corroborasse o que a Ré veio alegar no requerimento de fls. 243-verso/244 (ref. 26056023), ou seja, que foi a própria Autora a estabelecer o preço do m2.”

Pelo contrário, entende a Apelante que a matéria dos Pontos 4 e 5 dos Factos Não Provados deve ser dada como provada, atento o seguinte arrazoado:
“Porém, o Tribunal a quo considerou facto provado que “A construção e a venda do loteamento industrial foram anunciadas mediante a colocação de um cartaz de grandes dimensões em local bem visível da E.N. 118, dois anos antes da celebração do contrato-promessa, tendo apenas sido retirado cerca de dois anos após a celebração do contrato-promessa.”, (ponto 26 dos factos provados), sublinhado nosso.
O Tribunal a quo considerou ainda facto provado que “Estava prevista a construção de uma zona industrial em parcelas de um terreno loteado para esse efeito e que se situavam perto do prédio objecto do contrato-promessa.”, (ponto 23 dos factos provados).
Mais considerou o Tribunal a quo facto provado que “A ré vendeu ao Município de Salvaterra de Magos, em Julho de 2009, o terreno, sem árvores, onde era suposto construir a zona industrial pelo preço de € 10 m/2.”, (ponto 27 dos factos provados), e ainda “Este preço do m2 foi calculado tendo em atenção a não concretização da zona industrial.”, (ponto 28 dos factos provados).
Nesta medida, atendendo à prova testemunhal produzida e aos próprios factos dados como provados pelo Tribunal a quo, este nunca poderia ter dado como não provado que a A./Apelada não criou a aparência de construção de uma zona industrial no terreno adjacente ao prometido vender, com o intuito de sobrevalorizar o imóvel dos autos.
Resulta da prova produzida que antes da celebração do contrato-promessa foi anunciada a criação de uma zona industrial junto ao terreno prometido-vender, tendo, pouco depois da venda, o projecto sido abandonado.
São as próprias testemunhas da A./Apelada – Álvaro M… e José C… que o dizem quando referem que “(…) a venda da área loteada ao Município de Salvaterra de Magos pelo preço de € 10 m2 se deveu à circunstância de não se ter concretizado a instalação da zona industrial.
É a A./Apelada que reconhece a desvalorização do terreno face à não instalação da zona industrial junto ao prédio prometido-vender.
O que antes a A./Apelada vendia por € 25,00 m2 face à construção da zona industrial, passou a vender por € 10,00 m2, face ao abandono daquele projecto.
Daqui só pode resultar que a A./Apelada agiu com o propósito de sobrevalorizar o terreno em causa nos presentes autos, tendo criando na R./Apelante a expectativa de criação de uma zona industrial junto ao mesmo. A A./Apelada sabia que tal projecto nunca se viria a concretizar, facto que se veio a provar pelo negócio que mais tarde fez com a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos.
Existe, assim, um manifesto erro na apreciação das provas produzidas, o que conduziu a errada fixação da matéria de facto não provada.
A correcta apreciação das provas produzidas deveria levar o Tribunal a quo a decidir julgar provados os factos respeitantes aos pontos 4 e 5 dos factos não provados.”

Comecemos por uma nota introdutória sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o seu ritual processual, os fundamentos da pretensão e o erro de julgamento.
No que respeita à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o art.º 640º, n.º1, do NCPC, determina que o Recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de gravação, que impunham decisão diversa da recorrida;
c) A decisão, que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da matéria de facto que impugna.
Acrescentando o n.º2 desse preceito que, no caso previsto na alínea b) do seu n.º1, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de, se assim o entender, poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Quer isto dizer que, tendo em conta que na fundamentação de facto da sentença, devem ser considerados os factos dados como provados e não provados em função da prova produzida em audiência de julgamento, mas também os provados por acordo, confissão reduzida a escrito ou por documentos (n.º 4 do art.º 607º do NCPC), deve o Recorrente na sua alegação de recurso especificar em relação à matéria de facto dada como provada e não provada na sentença, as concretas alterações a que, em seu entender, se deve proceder, especificando-as, indicando ainda as provas atinentes à sua pretensão que impunham decisão diversa e, tendo estas provas sido gravadas, as particulares passagens que suportam a sua pretensão, isto para além de, se assim o entender, transcrever as passagens dos depoimentos que entenda por relevantes.

Importa realçar, que o legislador, ao impor ao Apelante que impugne a decisão relativa à matéria de facto, com base em prova gravada, indique, com exactidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, visa permitir que o Tribunal “ad quem” faça uma apreciação liminar da bondade da prova invocada tendo em vista o desiderato do Apelante, por referência à documentação oficial dessa prova exarada na gravação CITIUS, não bastando assim a mera transcrição do depoimento invocado pelo apelante, uma vez que essa transcrição é efectuada pela parte, sem garantias de reproduzir com fidelidade a gravação do depoimento em apreço.
Será pois em face dessa apreciação liminar das passagens da gravação do depoimento, que o Tribunal “ad quem” deverá rejeitar liminarmente esse meio de prova enquanto suporte da pretensão do apelante, se essa passagem do depoimento não respeitar ou não relevar quanto à matéria de facto impugnada, ou, pelo contrário _ e sem prejuízo do que abaixo diremos sobre a expressão da lei “que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnadas diversa da recorrida”, _tendo interesse e relevância, passar à fase seguinte, de apreciação dos meios de prova produzidos sobre esse ponto de facto, em particular os meios de prova que suportaram a convicção do Tribunal “a quo” para dar como provado ou não provado o facto impugnado e ainda os meios de prova invocados para o efeito pelo apelante.

No entanto, o STJ tem vindo a entender que, em casos pontuais, mesmo não tendo o apelante indicado, com exactidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, deve o Tribunal “ad quem”, dentro do circunstancialismo que delimita, apreciar os meios de prova gravados invocados pelo apelante.
Nesse sentido vai o Acórdão do STJ de 19/02/2015, proferido no Proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes, que nos diz o seguinte:
“Em face disso, afigura-se que a sanção prescrita no n.º 2, alínea a), do art.º 640.º do CPC deverá ser aplicada com algum tempero, em termos de só se justificar quando, perante extensos depoimentos a abarcar matéria bastante diversificada - a maior parte dela não impugnada -, a omissão ou inexatidão na indicação das passagens tidas por relevantes dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso.”
Confessamos que, em nosso entender, esta tese do STJ não resulta da norma invocada, até porque não permite ao Tribunal “ad quem”, sem ouvir todo o depoimento invocado em abono da pretensão do apelante, efectuar a apreciação liminar do interesse ou da relevância das concretas passagens da gravação do depoimento para suportar a pretensão do apelante.
De qualquer forma, por uma questão de justiça relativa, temos seguido esta tese do STJ, em casos muitos pontuais, nomeadamente nos casos em que, pese embora o apelante não indique as exactas passagens da gravação do depoimento em que funda a sua pretensão, transcreve as mesmas, o que permite ao Tribunal “ad quem”, embora sem a certeza do rigor da transcrição, efectuar uma apreciação liminar do interesse ou da relevância para o caso dessas passagens do invocado depoimento, a confirmar por via da sua audição.

Por outro lado, importa sublinhar, no que respeita à particular expressão da lei “que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnadas diversa da recorrida”, consagrada na alínea b), do n.º1 do art.º 640º do NCPC, que cabe ao Apelante fundamentar, devidamente, porque razão, em seu entender, a decisão do Juiz “ a quo” sobre determinado ponto da matéria de facto deve ser alterada, efectuando necessariamente uma apreciação valorativa das provas que fundaram a convicção do Juiz do Processo e as que em seu entender imporiam decisão diversa _ que aliás podem ser, parcial ou totalmente, as mesmas _ por forma a demonstrar a bondade da sua tese.
Daí que não baste ao Apelante, para preencher o aludido ónus e fundamentar a sua pretensão, alegar que a testemunha A ou B, prestou o seu depoimento num determinado sentido, revelando determinados factos que enuncia, ou que do documento X ou Y constam determinados factos que elenca, cabendo-lhe para o efeito efectuar um exercício crítico de toda a prova atinente a esse facto _ a que fundou a convicção do Juiz do Processo e a que fundamenta a sua pretensão _ por forma a evidenciar que a prova em que sustenta a sua pretensão deveria ter conduzido a decisão diversa sobre esse concreto ponto da matéria de facto.
Concluindo, exige a lei, neste particular aspecto, que o Apelante demonstre ao Tribunal “ad quem” que o juízo crítico que elabora sobre os meios de prova produzidos quanto a determinado ponto da matéria de facto _ sublinhamos novamente, sobre os meios de prova que fundaram a convicção do Juiz “a quo” para decidir sobre esse concreto ponto de facto e sobre os que o Apelante entende que também devem ser considerados para decidir, de forma diversa, esse mesmo ponto da matéria de facto _, conduziria, com evidente razoabilidade, a uma decisão diversa sobre essa matéria, evidenciando assim o erro de julgamento do Tribunal “a quo” sobre esse ponto de facto.

A propósito do erro de julgamento, no segmento que aqui abordamos, convém distinguir duas realidades diversas, que muitas das vezes conduzem a uma errada interpretação do fito da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a saber o erro de julgamento e a diferente percepção pelas partes, nomeadamente pelo recorrente, da realidade demonstrada pelos meios de prova ao dispor do Tribunal num determinado processo.
O que o legislador procurou, em nosso entender, ao facultar às partes a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, foi, estritamente, conceder-lhes a possibilidade de demonstrar que o Tribunal “a quo”, ao avaliar os meios de prova produzidos, no âmbito dos seus poderes de livre apreciação, fez uma incorrecta análise dos mesmos, o que coloca a questão no domínio do erro do julgamento, e não permitir ao recorrente explanar que seria também plausível uma outra avaliação desses mesmos meios de prova, matéria que equaciona a questão num domínio completamente diverso, o da particular percepção das partes quanto à prova produzida.
Em suma, o que a lei visa ao permitir às partes ao facultar-lhes a possibilidade processual de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, no segmento que vimos a analisar, é a correcção, pelo Tribunal “ad quem”, do erro de julgamento quanto a um determinado ponto de facto, por a prova produzida, como expressamente nos diz a lei, impor decisão diversa à encontrada pelo Tribunal “a quo”.

Aliás, atentos os meios técnicos em que são documentados os depoimentos prestados em julgamento, não poderia o legislador ter outro desiderato, ao facultar às partes a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, de que restringir essa impugnação aos erros de julgamento.
Na verdade, do teatro do julgamento, o Tribunal “ad quem” apenas tem acesso à sua versão radiofónica, o que não lhe permite uma avaliação cabal do desempenho dos diversos actores, dado que, como sabemos, a expressão corporal desses actores é importante, não a só por si, mas na interligação com os restantes actores processuais, para a avaliação do seu desempenho no âmbito dos poderes de livre apreciação destes meios de prova pelo Tribunal “a quo”.
E, como sabemos, cada vez mais, os Srs. Juízes da 1ª Instância, evidenciam a importância da análise comportamental dos depoentes e da sua interligação com os restantes actores processuais, para avaliarem a relevância de um determinado depoimento, no âmbito do cômputo geral da apreciação dos meios de prova produzidos.
Ora, a percepção desta face de um depoimento, muitas das vezes tão importante para a sua valorização, está vedada ao Tribunal “ad quem”, que não tem acesso à visualização dos depoimentos produzidos, o que vem reforçar a tese restritiva que vimos equacionando quanto ao âmbito e limites da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Concluindo a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, apenas deve proceder, quando o recorrente demonstrar, com evidência, através de um juízo crítico sobre todas as provas produzidas sobre um determinado ponto de facto _ sublinhamos novamente, sobre os meios de prova que fundaram a convicção do Juiz “a quo” para decidir sobre esse concreto ponto de facto e sobre os que o Apelante entende que também devem ser considerados para decidir, de forma diversa, esse mesmo ponto da matéria de facto _, que esses meios de prova impunham decisão diversa sobre aquele determinado ponto de facto, patenteando assim o erro de julgamento do Tribunal “a quo” sobre essa concreta matéria.

Tal como acima referimos, ao introduzir o tema da impugnação da Decisão relativa à matéria de facto, a este Tribunal cabe apenas alterar a Decisão prolatada pela 1ª Instância, no que respeita à matéria de facto, quando o apelante demonstrar a evidência do erro de julgamento do Tribunal “ a quo”.

No caso em apreço, pretende a Apelante que se dêem como provados os factos acima enunciados (Pontos 4 e 5 dos Factos Não Provados) que, em seu entender, suportarão a sua tese de que o contrato-promessa celebrado com a ora Apelada, é nulo por esta ter actuado com reserva mental na celebração do referido contrato-promessa.
O que em seu entender, resulta da conjugação dos factos dados como provados sob os Pontos 23, 26 e 28, com as declarações das testemunhas Álvaro M… e José C…, ao referirem que “a venda da área loteada ao Município de Salvaterra de Magos pelo preço de € 10 m2 se deveu à circunstância de não se ter concretizado a instalação da zona industrial.”

Ora, o que realmente resulta da referida matéria dada como provada, é que “Estava prevista a construção de uma zona industrial em parcelas de um terreno loteado para esse efeito e que se situavam perto do prédio objecto do contrato-promessa” (Ponto 23), “A construção e a venda do loteamento industrial foram anunciadas mediante colocação de um cartaz de grandes dimensões em local bem visível da E.N. 118, dois anos antes da celebração do contrato-promessa, tendo apenas sido retirado cerca de 2 anos após a celebração do contrato-promessa.” (Ponto 26), “A ré vendeu ao Município de Salvaterra de Magos, em Julho de 2009, o terreno, sem árvores, onde era suposto construir a zona industrial pelo preço de € 10 m/2. “ (Ponto 27) e “Este preço do m2 foi calculado tendo em atenção a não concretização da zona industrial. “ (Ponto 26), que está conforme com as declarações das referidas testemunhas.
Não resultando do seu depoimento, nomeadamente da passagem que a Apelante indica, qualquer prova que suporte a pretensão da ora Apelante.
Pelo que improcede o presente recurso quanto à impugnação da Decisão relativa à matéria de facto, dando-se por assente a matéria de facto dada por provada pela 1ª Instância.

Prende-se a segunda questão, com a decisão a dar ao pleito.
Nesta vertente, o recurso da Apelante tem por fundamentos, por um lado a nulidade do contrato-promessa devido a reserva mental da ora Apelada, ao celebrar o mesmo, por outro a excepção de incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, e por fim os efeitos da Decisão final proferida no Proc. n.º 2831/10.4TVLSB.

No que respeita à alegada reserva mental, diz-nos a Apelante o seguinte:
A R./Apelante defendeu-se alegando que o contrato-promessa de compra e venda é nulo porquanto a A./Apelada agiu com reserva mental. A A./Apelante baseia a sua fundamentação no facto de a R./Apelada ter criado uma aparência de construção da ampliação de uma zona industrial no terreno adjacente ao prometido vender. Com tal circunstância a A./Apelada pretendeu apenas sobrevalorizar o imóvel em causa nos presentes autos, pois cerca de dois anos após a celebração do negócio o projecto foi definitivamente abandonado, com a venda do terreno adjacente aos dos autos ao Município de Salvaterra de Magos. Tal projecto foi anunciado dois anos antes da celebração do contrato-promessa, através da colocação de um cartaz de grandes dimensões em local bem visível na E.N. 118.
A A./Apelada não agiu segundo as regras da boa-fé, não só nos preliminares do negócio mas também aquando da formação do contrato. Com a sua conduta a A./Apelada criou na R./Apelante a expectativa, que sabia que não iria concretizar, de construção da zona industrial no terreno adjacente aos dos autos, unicamente com o intuito de o sobrevalorizar.
A A./Apelada usou de reserva mental, apresentado o imóvel de forma e com características diferentes daquelas que se traduzem na realidade, com o objectivo de enganar a R./Apelante, levando-a a celebrar um negócio partindo de pressupostos errados.
Determina o disposto no artigo 244.º, n.º 1 do Código Civil: “Há reserva mental, sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário.”
No caso dos presentes autos, tal reserva mental traduz-se na declaração emitida pela A./Apelada feita com o objectivo de enganar a R./Apelante, quando prometeu vender o terreno em causa nos presentes para exploração industrial, sabendo de antemão que a zona industrial não iria ser construída, unicamente com o intuito de sobrevalorizar o imóvel.
Ora, a reserva mental tem os mesmos efeitos da simulação, ou seja, a nulidade (artigos 244.º e 240.º, n.º 2 do C.C.).
Face ao que se expõe, o Tribunal a quo deveria ter declarado a nulidade do contrato.”

Cremos que a Apelante lavra, desde logo, num erro sobre o conceito de reserva mental.
Apelando ao ensinamento do Prof. Manuel de Andrade, a págs. 215 do Vol. II, da sua Teoria Geral da Relação Jurídica, a reserva mental consubstancia-se “em o declarante emitir conscientemente uma declaração discordante da sua vontade real, com intenção de enganar o declaratário. Difere, portanto, da simulação, porque: 1) na reserva mental a intenção é de enganar o próprio declaratário; 2) por consequência, não há acordo simulatório. É uma espécie de simulação unilateral, sendo também a simulação, de certo modo, um espécie de reserva mental bilateral.
A relevância jurídica da reserva mental depende do conhecimento de que dela tenha o declaratário. O que se passa no foro íntimo do declarante não prejudica a declaração, embora ela não corresponda à vontade real subjacente. Se a reserva for, porém, conhecida do declaratário, já a divergência entre a vontade real e a vontade declarada produz a nulidade da declaração, como se a divergência resultasse de um acordo e se tratasse de um acto simulado, embora nenhum acordo exista em tal sentido.(Antunes Varela, Cód. Civ. Anotado, Vol. I, em nota ao art.º 244º).
Em suma “a noção parece clara: há declaração com mero intuito interior de enganar o declaratário, não pretendendo o declarante aquilo que declara querer. Pode distinguir-se a reserva absoluta da relativa, consoante o declarante não pretenda negócio nenhum ou antes queira um negócio diferente do declarado”. (Menezes Cordeiro, Tratado, Vol. I, T. I, págs. 383 e sgs.)

Ora, no caso em apreço, mesmo no quadro do alegado pela ora Apelante na sua Contestação, não existe qualquer declaração da ora Apelada, ao subscrever o contrato-promessa em apreço, que se possa subsumir à figura da reserva mental, pois o que resulta do texto do referido contrato-promessa é que a ora Apelada quer celebrar um contrato de compra e venda do prédio acima identificado, nos termos e condições que resultam do referido contrato-promessa, não resultando dos autos que não seja essa a vontade da ora Apelada.

A figura jurídica em que, em nosso entender, se poderia enquadrar o alegado (e não provado) pela ora Apelante, seria a do erro sobre os motivos determinantes da vontade da ora Apelante para a celebração do contrato-promessa, a que alude o disposto no art.º 252º do Cód. Civ., no caso do erro da ora Apelante sobre o circunstancialismo envolvente do negócio, mais propriamente sobre o facto de o prédio objecto do negócio estar próximo de uma zona industrial a implementar nos terrenos próximos, o que poderia exponenciar as potencialidades do prédio prometido comprar.
Na verdade, não se trataria aqui de um erro que atingisse os motivos determinantes da vontade para a celebração do contrato-promessa quanto ao objecto do negócio, em si, mas quanto às potencialidades advindas da localização do terreno junto a uma zona industrial a construir futuramente.
Para o efeito, teria a Apelante que ter demonstrado (provado), que tal localização tinha sido essencial para a sua vontade de celebrar o contrato-promessa em apreço e que a ora Apelada, a outra parte no contrato-promessa, sabia da essencialidade desse motivo para a ora Apelante celebrar tal contrato, e tinha reconhecido, expressa ou tacitamente, a essencialidade desse motivo (art.º 251º, n.º1, do Cód. Civ.).

Poder-se-ia admitir mesmo, em tese, que o alegado circunstancialismo se enquadrasse no erro sobre os motivos determinantes quanto às circunstâncias que constituem a base do negócio, a que alude o n.º2, do art.º 252º do Cód. Civ., entendendo-se o conceito de base do negócio como “uma representação duma das partes, conhecida da outra parte e relativa a certa circunstância basilar atinente ao próprio contrato e que foi essencial para a decisão de contratar(Menezes Cordeiro, Tratado, Vol. I, T. I, págs. 622).
Integram a “base do negócio” os elementos essenciais para a formação da vontade do declarante e conhecidos pela outra parte, os quais, por não corresponderem à realidade, tornam a exigência de cumprimento do negócio concluído gravemente contrário aos princípios da boa fé(Menezes Cordeiro, Tratado, Vol. I, T. I, págs. 623, citando a jurisprudência que elenca sobre a matéria).
Enquadramento jurídico em que não se mostra despiciendo qualificar o alegado pela Apelada.

No entanto, qualquer que seja o enquadramento jurídico do alegado pela ora Apelante, mostrava-se necessário que a mesma tivesse demonstrado a realidade fáctica que suporta a sua pretensão quanto à alegada nulidade do contrato-promessa por reserva mental da ora Apelada, como impõe o disposto no art.º 342º, n.º 2, do Cód. Civ., desiderato que não atingiu, conforme se alcança da matéria dada por assente.
O que se mostra bastante para concluir pela improcedência do recurso, nesta parte.

Alega também a ora Apelante a excepção de não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda.
O que suporta nos seguintes fundamentos:
“Resulta da prova produzida que a R./Apelante celebrou um contrato de compra e venda de um imóvel onde se encontravam implantadas diversas culturas florestais. Não obstante, no decorrer dos meses de Abril e Abril de 2013, a A./Apelada procedeu ao corte de algumas árvores que existiam no terreno. Daqui se extrai que o corte levado a cabo pela A./Apelada desvalorizou o imóvel em causa nos presentes autos, prejudicando a R./Apelante.
Assim, além da desvalorização do terreno em virtude da desistência de construção da zona industrial, acresce ainda a desvalorização pelo abate das árvores no imóvel levada a cabo pela A./Apelada.”

Diremos que esta questão, é uma não questão, dado que a aquisição do prédio pela ora Apelante tinha por fito a sua exploração industrial, e não a exploração florestal, como consta do Ponto 22 dos Factos Provados, sendo certo que a ora Apelante está disposta a deduzir ao preço acordado o valor de €7.228,00, correspondente ao valor das árvores cortadas no prédio em apreço.
Daí que improceda, nesta parte o presente recurso.

Reporta-se a última das questões alegadas pela ora Apelante, aos efeitos do trânsito em julgado da Decisão final proferida no Proc. n.º 2831/10.4TVLSB.
Confessamos que não alcançamos o raciocínio da Apelante.
Na verdade, do Processo supra referido, resulta que a Sentença proferida nesses autos absolveu a Ré de todos os pedidos formulados pela Autora e condenou a Autora em parte dos pedidos formulados pela Ré, em reconvenção, absolvendo-a dos restantes, Decisão esta _ a de procedência parcial dos pedidos reconvencionais _ que veio a ser revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Consequentemente a acção (deduzida pela aqui Ré/Apelante) e a reconvenção (deduzida pela aqui A/Apelada), improcederam na totalidade, o que fez naufragar a pretensão da aí Ré de fazer seu o sinal, no montante de €48.230,00, e de ter que desembolsar o remanescente do valor recebido da Autora, no montante de €32.155,34.
Assim sendo, não resulta do Proc. n.º 2831/10.4TVLSB qualquer Decisão condenatória de qualquer das partes, o que leva a à improcedência do presente recurso, também nesta parte.

Resta definir a solução a dar ao pleito.
Na improcedência total da matéria objecto do presente recurso, e não merecendo a Sentença qualquer censura quanto à bondade da procedência da peticionada execução específica do contrato-promessa, somos levados a confirmar a Sentença recorrida, dando aqui por transcritos os fundamentos da mesma, quanto a esta matéria.

Improcede assim, na totalidade, o presente recurso.
***
IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela improcedência do presente recurso, confirmando-se a Sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.

Évora, 08 de Novembro de 2018
Silva Rato - Relator
Mata Ribeiro - 1º Adjunto
Sílvio Sousa - 2º Adjunto