Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1362/16.3T8PTG.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
CONSERVATÓRIA DO REGISTO CIVIL
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: À providência a que se refere o artigo 989º, nº 3, do CPC não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5º a 10º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo, pois, ao tribunal o seu processamento.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1362/16.3T8PTG.E1 (2ª Secção Cível)


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre (Juízo Local Cível – J1), foi instaurada em 09/11/2016, ação pela qual (…) demanda (…) peticionando a condenação deste numa quantia não inferior a € 350,00 mensais destinada a contribuição para o sustento e educação do filho de ambos (…), que atingiu a maioridade em 16/01/2011, que reside com a requerente, e frequenta o 2º ano do Curso Ctesp – Contabilidade no Instituto Politécnico de Portalegre.
Por despacho de 17/11/2016 foi indeferido liminarmente o requerimento inicial, por se ter entendido que a competência parta apreciação da questão cabe à Conservatória do Registo Civil, sendo a requerente convidada a “apresentar o respetivo requerimento na competente Conservatória do Registo Civil”.
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Inconformada com tal decisão, veio a autora, interpor recurso apresentando as respetivas alegações e terminando por formular as seguintes conclusões que se passam a reproduzir:
“1. O douto Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente a disposto nos arts. 5º nº 1 al. a) do DL 272/2001 de 13/10 e 96º e 590º do CPC;
2. O douto Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o art. 989º n.º 3 do CPC no sentido de que confere ao progenitor, que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos, legitimidade processual para, por si e no seu interesse, intentar ação com vista a exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o seu sustento e educação;
3. O processo previsto nesta disposição legal é uma ação especial que não configura uma ação de alimentos a filho maior;
4. Para tal ação é competente a Instância Local Cível.”
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Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar é a de saber se o Tribunal é competente para o conhecimento da ação, ou se, pelo contrário, a competência pertence à Conservatória do Registo Civil.

Conhecendo
Na decisão sob censura afirma o Julgador “a quo” que na petição inicial se requereu a fixação de pensão de alimentos a favor de filho maior, considerando ser essa a realidade, quando, o que se pediu foi a condenação do requerido, a pagar à requerente uma contribuição para as despesas que esta suporta com o filho maior de ambos, consubstanciando uma pretensão ex novo que não surge na dependência de qualquer prestação de alimentos que tivesse sido anteriormente fixada no âmbito da menoridade do filho.
Consabido que relativamente ao filho maior que não houver completado a sua formação profissional, se manterá a obrigação alimentar na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete, é o que vem consignado no artº 1880º, do C. Civil.
A Lei nº 122/2015, de 1/9, veio alterar entre outros normativos, o artº 989º do C.P. Civil, ao qual foram acrescentados aos dois números já existentes, dois números nos quais de dispõe o seguinte:
“3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O Juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte aos filhos maiores ou emancipados”.
A referência aos números anteriores indica pois que, em sintonia com o preceituado no n.º 1, quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880º e 1905º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores”.
Este regime é, atualmente e com aplicação aos autos, o previsto na Lei nº 141/2015, de 8/9, como resulta expressamente da respetivo artº 3º, nº 1, al. d) e dos artºs 45º a 47º da referida Lei.
O legislador não ignorava, quando legislou, que nos termos do artº 5º, nº 1, al. a) e 6º do DL nº 272/2001, a competência para o procedimento tendente à formação de acordo relativo a alimentos a filhos maiores ou emancipados, pertencia às Conservatórias do Registo Civil, sendo que podia ter aditado ao artº 5º a situação nova de contribuição para as despesas suportadas pelo progenitor convivente com o filho maior, o que não fez.
Por outro lado, a atribuição ao juiz, nos termos do nº 4 do artº 989º do CPC, do poder de decidir se, no todo ou em parte, a contribuição é entregue aos filhos.
A nova situação foi prevista como uma promoção judicial de partilha de despesas, conforme consta do Projeto de Lei 975/XII/4ª, do qual citamos:
“Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial.
Esse procedimento especial deve provar que não foi ainda completada a educação e formação profissional e que é razoável exigir o cumprimento daquela obrigação pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete.
Como os filhos residem com as mães, de facto são elas que assumem os encargos do sustento e da formação requerida.
A experiência demonstra uma realidade à qual não podemos virar as costas: o temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, leva a que estes não intentem a ação de alimentos. Mesmo quando o fazem, a decretação dos processos implica, por força da demora da justiça, a privação do direito à educação e à formação profissional.
Há, também, por consequência do descrito, uma desigualdade evidente entre filhos de pais casados ou unidos de facto e os filhos de casais divorciados ou separados.
A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor”.
De qualquer modo, o objeto da ação prevista no nº 3 aditado ao referido artº 989º do NCPC não é alterar a pensão de alimentos fixada para a menoridade, mas antes obrigar o progenitor não convivente a comparticipar nas despesas com o sustento e a educação de filho maior, desde o momento da instauração dessa ação (por aplicação analógica do artº 2006º, do C. Civil) e até que o mesmo complete a sua formação.
O direito à contribuição atribuída ao progenitor convivente é, pois, um direito novo e distinto – já não um sucedâneo – do direito a alimentos devidos a filho maior ou emancipado.
Por força da parte final do nº 3 aditado ao artº 989º do NCPC, esta ação tem natureza especial e segue a forma de processo prevista e regulada nos artºs 186º a 188º da OTM [correspondentes aos artºs 45º a 47º do RGPTC (providência cautelar cível para a fixação de alimentos devidos a criança)].
E tal como adverte a recorrente, a doutrina também o defende, mencionando expressamente J. H. Delgado Carvalho, em “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei nº 122/2015, de 1/9” in https://blogippc.blogspot.com/2015/09/o-novo-regime-de-alimentos-devidos.html, que não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artºs 5º a 10º do Decreto/Lei nº 272/2001, de 13/10.
No mesmo sentido vai o Parecer Consultivo do IRN n.º 53/CC/2016 de 29/10/2016 que define a ação intentada pelo progenitor sobrecarregado com a totalidade das despesas relativas a filho maior para exigir do outro progenitor a partilha nas mesmas, é uma ação especial que segue os trâmites previstos no artº 45.º e segs. do Dec. Lei 141/2015, de 08/09 com as devidas adaptações, não configurando um pedido de alimentos regulado no Dec. Lei 272/2001, ao contrário do que defende, no caso em apreço, o Julgador “a quo”.
De modo que, consideramos que à providência a que se refere o artigo 989º, nº 3, do CPC, de que a autora se socorreu, não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5º a 10º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo pois ao tribunal o seu processamento (v. Ac. do TRL de 23/03/2017 no processo 2257/17.9T8LSB.L1-6 disponível em www.dgsi.pt).
Entendemos, assim, que assiste razão à recorrente ao defender que a competência para conhecimento desta ação pertence ao Tribunal e não à Conservatória do Registo Civil.
Nestes termos, impõe-se a procedência do recurso, em consequência revoga-se a decisão recorrida, ordenando-se o normal prosseguimento dos autos no Tribunal recorrido.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e em consequência revoga-se a decisão recorrida, ordenando o normal prosseguimento dos autos no Tribunal recorrido.
Sem custas.
Évora, 13-07-2017

Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Mário António Mendes Serrano