Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO CLEMENTE LIMA | ||
Descritores: | BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA PERDA A FAVOR DO ESTADO | ||
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Data do Acordão: | 11/13/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSOS PENAIS | ||
Decisão: | NÃO PROVIDOS; PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário: | I - Incorre na prática do crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368.º-A, n.º 2, do CP, quem, conjuntamente com outro, dedicando-se à actividade de tráfico de estupefacientes, converte lucros pecuniários obtidos com essa actividade em outros bens, com a intenção de dissimular e esconder a origem ilícita dessas vantagens assim obtidas. II - Não obstante a presunção estabelecida pelo art. 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11.01, na redacção actual, se o tribunal deu como provados factos donde decorra que a presunção foi ilidida, não há motivo para a perda dos bens a favor do Estado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 43/10.6GASTC.E1 Reg. 887 Acordam, precedendo conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1 – Incidências processuais relevantes – Decisão recorrida Nos autos em referência, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos A, habitualmente chamado de “Zeca”, B, a “Gisela”, C, também apelidado de “Zé Menino” (…), D, aclamado por “China”, “Manel”, “Pedro” (…) actualmente recluso no EPR de Setúbal [detido em 19.05.2011 – cf. fls. 569v – constituído e interrogado na qualidade de arguido em 20.05.2011 e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde então – cf. fls. 625 a 649], E, “Mónica”, (…) actualmente reclusa no EP de Odemira [detida em 19.05.2011 – cf. fls. 564v – constituída e interrogada na qualidade de arguida em 20.05.2011 e sujeita à medida de coacção de prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde então – cf. fls. 625 a 649], e F. Imputou: - aos arguidos A, C, D e E, um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B, anexas aquele diploma legal, sendo o arguido C reincidente na sua conduta e como tal deverá ser punido, nos termos e para os efeitos do artigo 75.º, do Código Penal. - aos arguidos C, E e F, ainda em co-autoria, um crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo n.º 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Penal. - aos arguidos C e E, em autoria singular, a cada um, um crime de detenção de arma, previsto e punido pelo artigo n.º 86º, nº 1, alínea c), com referência aos artigos 3º, nº 2, alínea l), 2º, nº 1, alínea v), todos da Lei nº 17/2009, de 6 de Maio. - ao arguido C cometeu ainda um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º n.ºs 1 alíneas a) e e) e 3, por referência ao artigo 255.º, alíneas a) e c), todos do Código Penal e um crime de uso de documento de identificação alheio, previsto e punido pelo artigo 261.º, n.º 1, do Código Penal; Pugna ainda pela condenação do arguido C na pena acessória de expulsão do território nacional, nos termos conjugados dos artigos 34.º, n.º 1, do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22.01 e 151.º, da Lei n.º 23/2007, de 04.07. Apenas a arguida B apresentou contestação escrita a fls. 2263, oferecendo o merecimento dos autos e arrolou como testemunhas as da acusação pública. Os arguidos C, D e E arrolaram como testemunhas as indicadas na acusação pública. Precedendo audiência de julgamento e por acórdão de 29 de Março de 2012, o Tribunal Colectivo decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal Colectivo em julgar a acusação parcialmente procedente, por provada e, em consequência: A - Absolver o arguido C da prática de um crime de uso de documento de identificação alheio, previsto e punido pelo artigo 261º, nº1 do Código Penal. B - Absolver a arguida E da prática de um crime de branqueamento da previsão do artigo 368º, n.º1,2 e 3 do Código Penal. C -Condenar o arguido A pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; D - Condenar a arguida B pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B, na pena de quatro (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão; E - Condenar o arguido C: - como reincidente, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº1 do DL 15/93 de 22.01, por referencia às tabelas I-A e I-B anexa à Portaria 94/96 de 26.03, na pena de 7(sete) anos de prisão; - pela prática de um crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368º, nº1, 2 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; - pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº1, alínea f), e 3) do Código Penal, na pena de 1(um) ano de prisão; - pela pratica de um crime de detenção ilegal de arma da previsão do artigo 86º, nº1, al.c) da Lei 17/2009, de 6 de Maio, na pena de 1(um) ano e 3(três) meses de prisão. F - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, condenar o arguido C na pena única de 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de prisão. G - Condenar ainda o arguido C na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de oito anos, após cumprimento da pena. H -Condenar o arguido D pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. I - Condenar a arguida E da prática de: - um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22.01, por referencia às tabelas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; - um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo da previsão do artigo 86º, n.º1, al.c) da Lei 17/2009, de 6 de Maio, na pena de 1(um)ano e 3(três) meses de prisão. J - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, condenar a arguida E na pena única de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses de prisão. K - Condenar a arguida F pela prática de um crime de branqueamento da previsão do artigo 368º, n.º1 e 3 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3(três) meses de prisão. L - Pelas razões sobreditas, suspender a execução da pena de prisão aos arguidos A, B e F, por período de tempo igual ao da respectiva condenação, nos termos do art. 50º, n.º 1 e 5 do C. Penal. M - A suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguidos A e B obrigatoriamente sujeita a regime de prova assente num plano de reinserção social, nos termos do artigo 53º, 1, 2 e 3 do C. Penal, por período de tempo igual ao das respetivas condenações.[…] P - Pelas razões sobreditas, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 35º, n.º1 e 2, 36º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, artigo 109º, n.º1 do Código Penal e artigos 1º, nº1, al. a) da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, declarar perdidos a favor do Estado as substâncias, dinheiro, telemóveis, arma, carregador, munições e demais objetos apreendidos nos autos, bem como as viaturas automóveis de marca Audi, modelo A3, de matrícula 30-76-UZ e Toyota, modelo Dyna, de matrícula 98-95-SN, tudo apreendido à ordem dos presentes autos.[…]» Nesta instância, determinou-se a remessa ao Supremo Tribunal de Justiça de certidão das peças processuais pertinentes ao recurso interposto para aquele Colendo Tribunal pela arguida E. O Supremo Tribunal de Justiça determinou ser este o Tribunal competente para apreciar o recurso interposto pela arguida E. 2 – Recursos Os arguidos C, e D, E, e, bem assim, o MINISTÉRIO PÚBLICO, interpuseram recurso daquele acórdão. 2.1 – Recurso interposto pelo arguido C O arguido define a respectiva pretensão nos seguintes termos: «[…] deverá o Acórdão recorrido ser alterado quanto à matéria de facto dada como provada, considerando a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, relativamente à participação do arguido nos crimes de que vem acusado, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal. Ou, caso assim não se entenda, ser atenuada especialmente a pena, atentos os critérios enunciados nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, não devendo em termos concretos ser aplicada em medida superior a cinco anos de prisão.» Extrai da motivação do recurso as seguintes conclusões: «a) Considerando que o Recorrente vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto, em cumprimento, nomeadamente dos requisitos previstos no nº 3 e respectivas alíneas e nº 4 do artigo 412º, do Código de Processo Penal, impondo-se ao Tribunal ad quem apurar pela análise das passagens indicadas pelo Recorrente e outras que tiver por necessárias à boa decisão da causa de declarações e depoimentos prestados, se ocorreu erro de julgamento relativamente aos pontos de facto que o Recorrente especificará como incorrectamente julgados e que são os seguintes: 1), 2), 4), 8), 9), 12), 13), 14), 17), 20), 21), 33), 34), 35), 37), 38), 41), 45), 46), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 57), 61), 62) e 63), da matéria dada como provada; b) Todos os factos constantes daqueles pontos foram dados como provados, factos que no entender do Recorrente e que pelo cotejo das passagens das declarações e depoimentos transcritas e melhor constantes das motivações supra para as quais se remete para os devidos e legais efeitos, foram incorrectamente julgados; c) De toda a prova produzida em audiência de julgamento resulta à saciedade que: (i) nunca foi apreendido qualquer produto estupefaciente ou arma ao Recorrente, (ii) nenhum dos senhores agentes da GNR viu que fosse transaccionado produto estupefaciente pelo Recorrente, (iii) nenhum dos arguidos implicou o Recorrente em qualquer actividade relacionada com o tráfico de estupefacientes e (iv) nenhuma das outras testemunhas inquiridas e arroladas pela acusação referiu sequer o nome do Recorrente; d) Mais se diga que, não obstante o Tribunal a quo o omitir, a testemunha G, Agente da GNR e um dos principais responsáveis pela investigação, afirmou expressamente em audiência que nunca foi apreendido qualquer produto estupefaciente a este e de igual modo nunca o mesmo foi visualizado a transacionar qualquer produto dessa natureza; e) E foi deste modo, socorrendo-se de declarações e depoimentos deste calibre, onde não é estabelecido qualquer nexo de causalidade entre o Recorrente e alguma actividade de tráfico de produtos estupefacientes, que o Tribunal motivou a condenação do Recorrente e concluiu que o mesmo tivera participação nos actos; f) Sendo que, de igual modo, não ficou demonstrado, da prova produzida em audiência de julgamento, qual a proveniência dos montantes referidos no ponto 37) do acórdão; g) Acresce que, a interpretação que é feita do teor da transcrição das conversações telefónicas, não reproduzidas nem examinadas em audiência, desgarrada de qualquer suporte factual (tal como cabalmente demonstrado), não deveria ter permitido alicerçar qualquer condenação relativamente ao Recorrente pela alegada prática dos crimes de que vinha acusado; h) O Tribunal da Relação deverá assim alterar a decisão da matéria de facto quanto aos pontos de facto especificados pelo Recorrente e quando reapreciados os elementos de prova pertinentes concluirá com a necessária segurança que os pontos de facto especificados como incorrectamente julgados pelo Tribunal recorrido não estão de acordo com os elementos probatórios apreciados na sua globalidade; i) Salvo o devido respeito, expurgada que seja a matéria de facto que, no entender do Recorrente, não deverá ser dada como provada, inexistindo matéria suficiente para fundamentar, com observância dos normativos legais, a condenação do Recorrente nos moldes vertidos, pelo que se encontra preenchido o requisito constante da alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal; j) Na falta de clareza e lógica que torne inteligível o encadeamento fáctico expresso na acusação, as dúvidas que daí ressaltem hão-de ser resolvidas a favor do arguido, e não contra ele, em homenagem ao sacrossanto princípio da presunção da inocência; k) Conjugados todos as declarações dos co-arguidos e os depoimentos das testemunhas, é manifesto que o Tribunal não podia ter dado como inteiramente provados os factos constantes dos pontos acima enunciados; l) Em conclusão, houve uma incorrecta valoração da prova por parte do Tribunal a quo sendo que não podia ter dado como provados os factos referidos, impondo-se uma decisão diversa da recorrida, porquanto, padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova – artigo 410.º, n.º 2, alínea a) e c), do Código de Processo Penal; m) Violou, portanto, o douto Tribunal, o princípio in dubio pro reo, previsto no artigo 32º da C.R.P., tendo a sua decisão ao abrigo da livre apreciação de prova, prevista no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ultrapassado os limites que constitucionalmente lhe são impostos principalmente pelo princípio acima enunciado; n) Por outro lado, e como é sabido, o Tribunal deve atenuar especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a necessidade da pena a impor ao aqui Recorrente; o) Cremos, pois, que, o seu jovem discernimento e sentido de responsabilidade, não poderão ser encarados como a de um indivíduo normal, segundo os critérios gerais, tanto mais que processo de socialização do arguido decorreu num meio socialmente conturbado, permitindo-se aferir uma diminuição acentuada da necessidade da pena a impor ao Recorrente; p) Atendendo aos princípios gerais de direito aplicáveis e à visada reinserção social, afere-se, com o devido respeito, como excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente a pena aplicada, impondo-se uma atenuação especial da mesma, prevista nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal.» 2.2 – Recurso interposto pelo arguido D O arguido pretende «que lhe seja reduzida a pena de 5 anos e 6 meses para 5 anos e que a mesma seja suspensa na sua execução sem prejuízo da imposição dos deveres previstos no artigo 51º e das regras de conduta do artigo 52º ambos do Código Penal.» Extrai da motivação do recurso as seguintes conclusões: «I – Em sede de dosimetria penal, o Exmo. Colectivo do tribunal “a quo” poderia ter fixado ao recorrente uma pena consonante com a salvaguarda dos bens jurídicos violados (saúde pública) mas que também contemplasse a reintegração do delinquente na sociedade, e em cumprimento dos dois interesses consagrados no artigo 40º do Código Penal. O que do ponto de vista do recorrente, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não foi observado no acórdão condenatório. II – Se atentarmos nos factos dados como provados pelo tribunal “a quo”, conclui-se que o arguido D desde Dezembro de 2010 e até 19/05/2011, passou a dedicar-se à venda directa de heroína e cocaína a diversos toxicodependentes da zona das Barradas em Sines. Produtos estes que lhe eram entregues pelo C e pela E. Concretamente, foi apurada uma venda de 0,488g de heroína ao H e ao I. Foram também encontrados 70,262g de cocaína, divididos em dezenas de saquetas, e 0,26g de heroína, enterrados no chão junto à barraca das Barradas. No mesmo local foram encontrados 8 mil euros em notas de 100, 50, 20, 10 e 5. III – O ora recorrente entrou numa actividade de venda de droga que já existia anteriormente ao tempo do seu tio A. Actividade esta que continuou a funcionar não obstante ter sido preso, tal significando que não tinha o domínio do facto, sendo temerário sustentar que os 8 mil euros encontrados era dinheiro seu. Cabe aqui dizer que não foi indagada pela investigação a quantidade de droga envolvida em cada uma das operações visionadas pelas autoridades, ou sequer, aproximadamente, o seu quantum total, prova esta que seria muito relevante para o próprio enquadramento legal já que há diferença entre o “dealer” de apartamento ou de rua do simples intermediário. IV – Não foram apurados indícios ou sinais exteriores de riqueza dissonantes com o estatuto sócio económico familiar do arguido, geralmente associados aos grandes lucros do tráfico, quais sejam contas bancárias relevantes, quantias elevadas de dinheiro, carros, mobiliário, equipamentos, telemóveis de última geração, indumentária de marca, motos de alta cilindrada e frequência de restaurantes, bares ou discotecas de luxo. À data da sua detenção, o arguido vivia numa modestíssima casa que foi identificada pelas autoridades. V - No douto acórdão faz-se alusão a diversas conversas mantidas pelo arguido com outros indivíduos, referem-se verbas elevadas e desideratos de obtenção de altos réditos associados ao lucro fácil do tráfico de droga. Só que tal meio de obtenção de prova carece de confirmação complementar e nem sequer foi levada pelo douto acórdão à matéria dada como provada, considerando que os arguidos visados prevalecerem-se do seu direito ao silêncio. VI – É manifesto que o recorrente não é um delinquente notável com poder financeiro bastante que permita ocupar a justiça com anos de litigância garantística, é apenas um imigrante de Cabo Verde que integra uma comunidade laboriosa no nosso país, casado com uma cozinheira honesta e seguidora das virtudes do trabalho, que cedeu à pressão das dificuldades financeiras inerentes a um agregado familiar numeroso. No entanto, é facilmente reinserível no seio dos cidadãos cumpridores da lei. VII – E parafraseando as doutas alegações finais produzidas em audiência pelo Exmo. Procurador da República (que não vinculam os julgadores à promoção do Ministério Público), não será escandaloso sustentar que a fixação de uma pena de 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução, se mostra mais justa, adequada e proporcional ao caso em apreço. VIII – A suspensão da pena por que vem pugnar o recorrente junto desse Alto Tribunal face ao artigo 50º do Código Penal, tem lugar sempre que se conclua que atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Devendo ser tomado em conta, juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas, sendo certo que a carência de uma pena de prisão efectiva não se apresenta manifesta e a perspectiva de vida em liberdade, acompanhada da censura do facto e da advertência traduzida na condenação conduzirão o arguido à recomposição da sua vida no respeito dos valores pelo direito.» 2.3 – Recurso interposto pela arguida E A arguida defende que «deverá revogar-se o acórdão recorrido, e consequentemente reduzir a pena para medida próxima dos limites mínimos, atentos os critérios enunciados nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, e sendo-lhe aplicada a figura da suspensão da execução da pena, nos termos e para os efeitos do artigo 50.º, igualmente, do Código Penal.» Extrai da motivação as seguintes conclusões: «a) Atendendo aos princípios gerais de direito e à tão visada reinserção social, afere-se como excessivamente gravosa e, acima de tudo, com o devido respeito, contraproducente a medida da pena aplicada à ora Recorrente; b) Ao contrário do que julgaram os Meritíssimos Juízes a quo, na decisão ora recorrida, entende-se ser possível fazer-se o tal juízo de prognose favorável à reintegração social da Recorrente; c) Salvo o devido respeito, não foram levados em consideração os critérios enunciados no n.º 2 do artigo 71º do Código Penal; d) Nomeadamente no que diz respeito ao disposto nas alíneas c) e d); e) A própria condição pessoal do agente, é de molde a decidir-se por medida que contribua para a reintegração e não para a segregação, cumprindo-se assim o disposto no artigo 40º do Código Penal; f) Cremos, pois, que tratando-se de uma cidadã (i) perfeitamente integrada na comunidade, (ii) tendo em Portugal toda a sua vida estabilizada e organizada, (ii) tendo sempre exercido actividade profissional remunerada (iii) possuindo no exterior meio familiar de suporte e (iv) não tendo quaisquer antecedentes criminais, permite-se aferir uma diminuição acentuada da necessidade da pena a impor à Recorrente; g) As circunstâncias e contornos que tomaram os crimes praticados pela Recorrente e descritos no douto acórdão, assim como as suas supra expostas condições pessoais e constantes dos autos, devem ser consideradas como tendo um relevo especial, impondo-se uma atenuação especial da pena, prevista nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal. h) O Relatório Social realizado em sede dos presentes autos é claramente demonstrador do que ora se alega; i) O doseamento da pena arbitrado pelo Tribunal a quo denuncia, assim, uma nítida violação do princípio da proporcionalidade das penas; j) Tanto mais que, a Recorrente se encontrava acusada também da prática de um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo n.º 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Penal, do qual foi absolvida, pelo que, igualmente, face a tal evidência se revela a medida da pena aplicada como excessivamente gravosa; k) A este respeito, desde já se advoga que as normas constitucionais que se consideram violadas são as vertidas no n.º 2 do artigo 32.º, n.º 6 do artigo 29.º e n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa. l) Pelo que deverão ser devidamente ponderados todos os factos e circunstâncias que deponham em seu favor, reduzindo-se a pena aplicada. m) Por último, seguindo o expendido raciocínio, é forçoso colocar a hipótese de suspensão da pena, ao abrigo do artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, concluindo-se, como pugnamos, que a simples censura do facto e o tempo de prisão entretanto já cumprido realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, impedindo, consequentemente, que a Recorrente volte a praticar actos criminosos. n) Ainda que essa suspensão implique a sujeição da Recorrente a Deveres (cfr. artigo 51.º do Código Penal), Regras de Conduta (cfr. artigo 52.º do Código Penal) ou Regime de Prova (cfr. artigo 53.º do Código Penal).» 2.4 – Recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO O Dg.º Procurador da República no Tribunal a quo extrai da motivação do recurso as seguintes conclusões: «1.ª – O tipo de branqueamento do artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal prevê e pune quem, além do mais, converter vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, entendendo-se que constituem vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos, nomeadamente, de tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, assim como os bens que com eles se obtenham. 2.ª – Ao nível subjectivo, exige-se que o agente proceda com o fim de dissimular a origem ilícita das referidas vantagens ou de evitar que o autor ou participante das infracções subjacentes seja criminalmente perseguido ou submetido a reacção criminal, conceito que integra, claramente, aquilo a que, entre nós, se tem dado o nome de dolo específico. 3.ª – Nos presentes autos o tribunal colectivo deu como provado que a arguida E dedicou-se à venda de heroína e cocaína desde, pelo menos, Dezembro de 2010, e que, para melhor ocultar os lucros pecuniários obtidos com essa actividade ilícita, acordou com o co-arguido C adquirir bens que lhes permitissem a respectiva detenção sem suscitar quaisquer suspeitas. 4.ª – A coberto desse acordo os arguidos vieram a adquirir as viaturas automóveis AUDI A3, matrícula 30-76-UZ, e TOYOTA DYNA, matrícula 98-95-SN. 5.ª – Tal factualidade integra a prática pela arguida E do crime de branqueamento p. e p. pelo artigo 368.º, n.os 1 e 2, do Código Penal que lhe era imputado na acusação. 6.ª – Perante os elementos de facto atinentes à culpabilidade, ao grau de ilicitude e às exigências de prevenção que se destacam na decisão recorrida, justifica-se a aplicação à arguida da pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de branqueamento. 7.ª – Ao absolver a arguida desse ilícito, o tribunal violou, por erro de interpretação e omissão de aplicação, o referido normativo do Código Penal. 8.ª – Como tal, o douto acórdão deve ser revogado e substituído por outro que condene a arguida nos moldes acabados de referir. 9.ª – A Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, veio estabelecer um regime especial para a recolha de prova, a quebra do segredo profissional e a perda de bens a favor do Estado relativamente a determinados crimes, designadamente os de tráfico da previsão do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e de branqueamento do artigo 368.º-A do Código Penal [cf. o respectivo artigo 1.º, n.os 1 e 2, als. a) e h)]. 10.ª – No que concerne à perda de bens a favor do Estado, o artigo 7.º, n.º 1, do referido diploma consagrou uma presunção legal – de que o património do condenado que não seja congruente com os seus rendimentos normais tem origem na actividade criminosa – que assenta na condenação do arguido pela prática de um dos crimes catalogados no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro. 11.ª – Nestas hipóteses, cabe ao arguido ilidir a presunção, provando a licitude do referido património nos termos do artigo 9.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro. Pois bem, 12.ª – A arguida E foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, tendo ficado provado, além do mais, que se dedicou à comercialização de heroína e cocaína desde, pelo menos, Dezembro de 2010. 13.ª – Para além disso, conforme sustentado nas conclusões 1.ª a 8.ª deste recurso, deve ainda ser condenada pela prática de um crime de branqueamento do artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal. 14.ª – Conforme ficou assente, entre Setembro de 2008 e Maio de 2011, a arguida apenas auferiu 10.284,28 € pelo exercício de uma actividade profissional lícita. 15.ª – Não obstante, tinha registado em seu nome, desde 7 de Outubro de 2009, a viatura automóvel de marca Opel, modelo Corsa, matrícula 03-55-FX, em relação à qual o Ministério Público promovera na acusação, por via da liquidação, a perda a favor do Estado. 16.ª – Entendeu o tribunal a quo que não ficou provado que o Opel Corsa fosse proveniente da actividade de venda de droga que a arguida vinha desenvolvendo e pela qual foi condenada. 17.ª – Para tanto, escorou-se no argumento singelo de que os factos não provados ficaram a dever-se à falta de prova que os confirmasse com o mínimo de credibilidade, quando é certo que a arguida não desenvolveu, como lhe incumbia, quaisquer esforços probatórios nesse sentido. 18.ª – Nestas circunstâncias devia ter prevalecido a presunção do artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro. 19.ª – Os pontos de facto vertidos nas als. j) da factualidade não provada e na al. 49) da factualidade provada, no segmento, “com excepção da viatura de marca Opel”, foram, assim, incorrectamente julgados pelo tribunal a quo. 20.ª – Como corolário do que antecede, o Ministério Público entende que a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada, eliminando-se da factualidade provada sob a al. 49) a expressão com excepção da viatura de marca Opel e da factualidade não provada a al. j) onde se consigna que a viatura de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula 03-55-FX tivesse sido adquirida pelos arguidos E e C com o produto da actividade do tráfico. 21.ª – Na decorrência desse entendimento, não pode tal veículo automóvel deixar de ser declarado perdido a favor do Estado. 22.ª – Dissentindo deste entendimento, o douto acórdão recorrido infringiu o disposto nos artigos 1.º, n.os 1 e 2, al. a), 7.º e 9.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, devendo, por isso, ser, também nesta parte, revogado e substituído por outro que acolha o entendimento ora exposto.» 3 – Resposta do Ministério Público aos recursos interpostos pelos arguidos O Dg.º Magistrado do Ministério Público na instância respondeu, por junto, aos recursos interpostos pelos arguidos. Extrai da minuta as seguintes conclusões: «1.ª – Na parte em que se insurge contra a matéria de facto provada, o recurso interposto pelo arguido C deve ser rejeitado em razão da inobservância integral do disposto no artigo 412.º n.os 3 e 4, do Código de Processo Penal. 2.ª – Em todo o caso, existem nos autos elementos probatórios que permitem concluir, com inteira razoabilidade, que o arguido perpetrou efectivamente os factos pelos quais veio a ser condenado. 3.ª – A leitura isolada do texto do douto acórdão recorrido, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não evidencia nenhum dos vícios do artigo 410.º n.º 2, do Código de Processo penal que o recorrente lhe assaca. 4.ª – Perante o quadro factual dado como provado, é manifesta a falência dos condicionalismos da atenuação especial da pena previstos no artigo 72.º n.º 1, do Código Penal.[…] 6.ª – Em relação ao recurso interposto pelo arguido D, aceita-se que uma pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, seja mais justa e consentânea com o regime legal consagrado nos artigos 40.º, 50.º, 53.º e 71.º, do Código Penal. 7.ª – Em suma, no que não contende com a conclusão 6.ª desta resposta e sem prejuízo da matéria abordada no recurso do Ministério Público, o Tribunal Colectivo fez uma correcta apreciação das provas e adequada interpretação e aplicação da lei.» 4 – Admissão dos recursos Os recursos em referência foram recebidos por despacho de 30 de Maio de 2012. 5 – Visto – Parecer A Dg.ma Magistrada do Ministério Público neste Tribunal é de parecer que os recursos interpostos pelos arguidos não merecem provimento, acompanhando a motivação do recurso interposto pelo Ministério Público no Tribunal recorrido. 6 – Objecto dos recursos – Questões a examinar Sabido que, afora as questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é demarcado pelo teor das conclusões que o recorrente extracta da respectiva motivação [artigo 412.º, do Código de Processo Penal (CPP)], importa, no caso, fazer exame das questões suscitadas nos recursos, agora alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas. Quais sejam: Quanto ao recurso interposto pelo arguido C: (a) dos vícios da decisão revidenda, (b) do erro de julgamento em matéria de facto, e (c) do erro de julgamento em matéria de direito, quanto à medida da pena. Quanto ao recurso interposto pelo arguido D: do erro de julgamento em matéria de direito, quanto à escolha e medida da pena. Quanto ao recurso interposto pela arguida E: do erro de julgamento em matéria de direito, quanto à escolha e medida da pena. Quanto ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO: (a) do erro de julgamento em matéria de facto, e (b) do erro de julgamento em matéria de direito, quanto à subsunção dos factos julgados provados no tipo-de-ilícito previsto no artigo 368.º-A n.º 2, do Código Penal (CP). II – FUNDAMENTAÇÃO 7 – Da matéria de facto Importa, antes de mais, repristinar a decisão do Colectivo a quo sobre a matéria de facto que foi submetida ao respectivo julgamento. 7.1 – Do julgamento sobre a matéria de facto, em 1.ª instância O Tribunal a quo decidiu, a respeito, nos seguintes termos: 7.1.1 – Factos julgados provados «1) Desde data não concretamente apurada, mas garantidamente desde Dezembro de 2010, os arguidos C, A, D e E passaram a dedicar-se à venda de heroína e cocaína. 2) Para o efeito os arguidos D e A procediam à venda directa dos estupefacientes que lhes eram entregues pelos arguidos C e pela sua companheira E, a diversos toxicodependentes na localidade de Sines, mais precisamente na zona das Barradas. 3) O arguido A é tio do arguido D. 4) No âmbito desta parceria e em execução dessa actividade, os arguidos A, D e C utilizavam os seguintes telemóveis nos contactos que entre si estabeleciam, sendo o telemóvel do arguido D também inicialmente utilizado para receber contactos de alguns consumidores: Arguido Cartão / IMEI A 96 546 83 53 92 419 75 00 359810001607240 D 96 567 62 25 96 135 46 02 96 862 16 22 C 96 649 98 16 91 967 84 95 96 498 79 64 5) A actividade supra referida era sobretudo feita em Sines, e mais precisamente numa barraca sita nas “Barradas”, habitada pelos arguidos A e D, onde guardavam e distribuíam produto estupefaciente junto dos consumidores que para ali se deslocavam e os procuravam. 6) A dita barraca nas Barradas inseria-se num local coberto por vegetação intensa, perfeitamente dissimulada e só acessível visualmente a quem dela se aproxime por escassos metros – o acesso à barraca podia-se fazer, pelas traseiras, através do uso de viaturas automóveis, já o mesmo não sucedendo quando pela parte frontal, apenas possível através de percurso pedonal. 7) A actividade de venda directa de drogas aos consumidores que ali se dirigiam com esse desiderato foi atestada pela alienação efectuada pelo arguido D aos cidadãos H e I (também conhecido por “Barroca”) de heroína com o peso líquido de 0,438 gramas, a qual se encontrava acondicionada num ovo de plástico e integrada em 4 sacos de plástico. 8) No decurso da actividade de comercialização de droga os arguidos C e E utilizaram como local de armazenamento a residência de ambos, à data, sita na (…) em Massamá, Queluz. 9) No dia 19 de Maio de 2011, naquela habitação sita em Queluz, os arguidos C e E ali detinham os seguintes objectos: a) Na sala e numa estante: 1 (um) telemóvel, de marca “LG”, de cor preta e cinza, sem cartão e com o IMEI 359101-00151998-5; 1 (um) telemóvel, de marca “Samsung”, modelo “SGH-M610”, de cor rosa, IMEI 352887/02/418620/1, bloqueado pelo utilizador; 1 (um) cartão da “Vodafone”, com o ICCID 801039271257, com o PIN 222 e PUK24211019. b) No quarto: 1 (um) telemóvel, de marca “Nokia”, modelo “2600”, com o IMEI 355208/03/410496/8, com um cartão da TMN com o número 0000335916217; 1 (um) telemóvel, de marca “Nokia”, modelo “XpressMusic”, da operadora “Vodafone” com um cartão; Um envelope de correio azul internacional para o destinatário C; Um bilhete de identidade emitido pela República de Cabo Verde em nome de J; Um bilhete de identidade emitido pela República de Cabo Verde em nome de C; Um passaporte emitido pela República de Cabo Verde em nome de J; Uma cédula de inscrição consular n.º 2834/PT, emitido pela República de Cabo Verde – Consulado do Algarve, em Portimão, com os dados identificativos respeitantes ao cidadão J, mas onde o arguido C havia colocado a sua fotografia. c) Na arrecadação: 29,605 gramas de heroína, que se encontrava no interior de uma gaveta da mesa de cabeceira, quantidade que, no grau de pureza 11,2%, era susceptível de concretizar 33 doses individuais de consumo; E, no cesto da roupa, um saco plástico contendo: 1 (uma) balança digital, de marca “Constant”, modelo “14192-32”, prateada; 1 (um) saco com 345,99 gramas de heroína, no grau de pureza de 18%, permitindo a concretização de 623 doses individuais de consumo; 1 (um) saco com 170,700 gramas de peso bruto de paracetamol e cafeína, utilizado para produto de corte na feitura de doses individuais de consumo de heroína e cocaína; 1 (um) saco com 401,300 gramas de peso bruto de paracetamol e cafeína, utilizado para produto de corte na feitura de doses individuais de consumo de heroína e cocaína; 1 (um) saco com 235,023 gramas de heroína, num grau de pureza de 9,3%, que permitiriam a concretização de 218 doses individuais de consumo; 1 (um) saco com 298,975 gramas de cocaína (cloridrato), num grau de pureza de 62,1%, que permitiria concretizar 928 doses individuais de consumo; 1 (um) saco com 116,102 gramas de cocaína (cloridrato), num grau de pureza de 67,4%, e que daria para 391 doses individuais de consumo; 1 (um) saco com 136,610 de gramas de peso bruto de fenacetina, utilizado para produto de “corte”. Em cima de uma bancada: 1 (uma) espingarda de caça, tiro a tiro ou de tiro simples, de marca “Ego Eibar”, com o nº 78593, de 12 milímetros, modificada através dos encurtamentos dos canos e da coronha, com 33,5 centímetros de comprimento e de duplo gatilho e com a coronha em madeira, de cor castanha, alterada para punho, com 19 centímetros, tendo na parte superior uma patilha de segurança. O fuste de madeira, de cor castanha, com uma patilha em metal na parte inferior, que permite a respectiva desmontagem. Apresentava sinais de corrosão nos canos. 17 (dezassete) cartuchos relativas às munições da mesma; 1 (uma) munição de revólver calibre p.38; 1 (um) carregador de uma pistola de calibre 6,35 milímetros, com uma munição do mesmo calibre. No interior da gaveta de uma cómoda: Uma (1) cédula de inscrição consular emitido pela República de Cabo Verde em Portugal em nome de K; Um (1) passaporte emitido pela República de Cabo Verde em nome de K, e Uma (1) carta de condução emitida pela República de Cabo Verde em nome de K. 10) Naquele mesmo dia (19.05.2011), no quintal, dentro do galinheiro, enterrado no chão e a meio metro de profundidade do solo, junto à barraca das Barradas, em Sines, o arguido D tinha sob a sua disponibilidade: 8.000,00€ (oito mil euros) em dinheiro, em notas de €100, €50, €20, €10 e €5; 70,262 gramas de cocaína (cloridrato), dividida em dezenas de saquetas, em graus de pureza que variavam entre 21,7%, 25,6% e 45,5%, que permitiriam a concretização de 146 doses individuais de consumo; 0,260 gramas de heroína, num grau de pureza de 7,6%, e que permitia a concretização de, pelo menos, uma dose individual de consumo. Um (1) cordão de metal amarelo, em malha laca, com uma medalha (cérebro de peixe). 11) E no interior do quarto: Três (3) vales dos CTT internacionais nos valores de € 320, € 80 e € 60, com destino a São Tomé e Príncipe, assinados pelo arguido A; Um telemóvel, de marca “Samsung”, com o IMEI 355999043590227, sem cartão; Um telemóvel, de marca “Motorola”, com o IMEI 355850011781738, sem cartão; Um telemóvel, de marca “Nokia”, com o IMEI 354302040505523, com cartão da “Vodafone”, e Um telemóvel, de marca “Nokia”, modelo “C 300”, com o IMEI 355933043074676, sem cartão. 12) Desde data não concretamente determinada, mas garantidamente após Setembro de 2008 (data de emissão do cartão), o arguido C passou a deter o cartão de inscrição consular n.º 2834/PT, emitido pelo Consulado de Cabo Verde em Portimão, da titularidade do cidadão J, no qual foi colocada uma fotografia do arguido C, de forma a que o mesmo pudesse ser exibido como se fosse o seu legítimo titular. 13) Após ter tomado conhecimento da operação policial realizada no dia 19.05.2011, o arguido C refugiou-se ainda no decorrer daquele mês num anexo, sito na (…) em Fernão Ferro, no concelho do Seixal. 14) Ainda no decorrer daquele mês de Maio, o arguido C acordou com a arguida B, para que esta servisse de intermediária entre ele e o arguido A, entrando também ela no negócio de venda de produtos estupefacientes, pacto esse que se veio a concretizar. 15) Assim, a partir do mês de Maio de 2011, de forma conjunta e combinada, os arguidos B e A passaram a controlar o negócio da venda de drogas, em Sines, sendo que, para tanto, a arguida B passou a deslocar-se em autocarro, uma vez por semana, da Margem Sul do Tejo até Sines, trazendo consigo produtos estupefacientes para venda. 16) Nesta senda, os arguidos B e A passaram a efectuar a venda de drogas, em Sines, através da barraca onde viviam, sita nas Barradas, o que lograram durante cerca de um mês. 17) Ainda dentro do plano conjecturado, e com os proveitos alcançados pela venda das drogas, a arguida B combinava encontrar-se com o arguido C, em ordem a entregar-lhe o dinheiro obtido com a venda de heroína e cocaína, após o que este voltava a fornecer-lhe mais produto de natureza estupefaciente para revenda a consumidores. 18) Dentro deste circunstancialismo, no dia 22.07.2011, no interior da habitação sita em Fernão Ferro, o arguido C detinha: a) No quarto: Um computador portátil, de marca “Acer”; Um retroprojector, de marca “Mitsubishi”; Uma máquina fotográfica digital, de marca “Vivitar”; Uma máquina de filmar, de marca “JVC”; Um LCD, de marca “Samsung”; Uma máquina fotográfica, de marca “Olympus”; Um telemóvel, de marca “Samsung”, modelo “E-1120”, com o IMEI 356946040417721, com o cartão “Vodafone” (o qual se encontrava sob interceção); Um telemóvel, de marca “Samsung”, modelo “GT-E1080i”, com o IMEI 355999043646078, com o cartão “TMN” (o qual se encontrava sob interceção). b) No hall de entrada do anexo pertencente a L, que o arguido ocupava: 3.780,00€ (três mil setecentos e oitenta euros), quantia essa constituída por 10 notas de €50 e 164 notas de €20. Diversas fotografias, tudo no interior de uma mala de madeira. 19) Por sua vez, os arguidos A e B detinham na sua posse, nas Barradas, em Sines: a) No quarto do arguido A: Um telemóvel, de marca “Motorola”, com o IMEI 353916040347452, Um telemóvel, de marca “Motorola”, com o IMEI 353916040169401 (o qual se encontrava sob intercepção); 210,00€ (duzentos e dez euros) em dinheiro, que se encontrava entre a fronha e a almofada; 18,708 gramas (peso bruto) de produto de “corte”, ou seja, paracetamol e cafeína. b) No quarto da arguida B: Um telemóvel, de marca “Motorola”, com o IMEI 358528030453698; 215,00 (duzentos e quinze euros) em dinheiro que se encontrava no interior de uma bolsa de cor castanha, de marca “Jaica”, em cima da cama; 2.220,00€ (dois mil duzentos e vinte euros) em dinheiro que se encontrava no interior de uma bolsa de cor branca, a qual estava entre a parede e o colchão da cama; Um cartão multibanco do Banco “Banif”, em nome de B; 6,656 gramas de cocaína (cloridrato) que se encontrava em cima da cama e no interior de uma embalagem cilíndrica de cor preta, com um grau de pureza de 22,7% e que permitiria a concretização de 7 doses individuais de consumo; Diversos cartões telefónicos; Um talão de depósito do Banco “Montepio”. c) No exterior da barraca e no galinheiro: 19,217 gramas de cocaína que se encontrava enterrada no solo e no interior de uma bolsa de cor preta, com graus de pureza de 22,7%, 11,5%, 12,5% e 11,2% e que permitiria no total a concretização de 23 doses individuais de consumo. 20) No espaço temporal em que foram alvo de investigação os arguidos D, A, C e B nunca exerceram qualquer actividade lícita remunerada, sendo a comercialização de estupefacientes o seu único meio de subsistência e de fazer face às suas despesas diárias. 21) O arguido C chegou mesmo a afirmar essa realidade (não temos outro ramo de vida…) em conversas que mantinha ao telefone com a arguida B. 22) Com efeito, o arguido A apesar de colectado junto das Finanças desde 30.01.2004, com o CAE “Construção de Edifícios Residenciais e Não Residenciais”, a última declaração de rendimentos para efeitos de IRS remonta ao ano de 2007. 23) Para além disso, recenseado na Segurança Social, apresenta como última declaração o mês de Outubro de 2008. 24) O arguido C não se encontra registado como beneficiário da Segurança Social. E, apesar de se encontrar registado como contribuinte junto das Finanças, nos anos de 2008 e 2010 não declarou rendimentos, sendo que no ano de 2009, declarou auferir a quantia de 3.789,70€, da Categoria B. 25) A arguida Heloísa Monteiro encontra-se registada na Segurança Social e apresenta como último mês de remunerações o de Abril de 2011, por conta de outrem sendo a entidade empregadora a pessoa colectiva denominada “Euromex Facility Serviçes, Lda”. 26) Com efeito, trabalhou naquela empresa no período compreendido entre 01.11.2010 até 23.05.2011, onde auferiu os seguintes valores: Período Valor da Remuneração base € 11/2010 178,17 12/2010 178,17 12/2010 Subsídio de Natal 178,17 01/2011 181,88 02/2011 181,88 03/2011 181,88 04/2011 181,88 05/2011 123,12 TOTAL 1385,15 27) Para além daqueles rendimentos, por conta da empresa denominada “Number one – Multi Services, Lda”, de Julho de 2009 a Maio de 2011, auferiu as seguintes quantias: Período Valor da Remuneração base € 01/2009 162,86 02/2009 305,37 03/2009 49,77 04/2009 305,37 05/2009 305,37 06/2009 305,37 07/2009 305,37 07/2009 Subsídio de Férias 305,37 08/2009 305,37 09/2009 305,37 10/2009 305,37 11/2009 305,37 12/2009 305,37 Subsídio de Natal 298,21 01/2010 320,58 02/2010 320,58 03/2010 320,63 04/2010 320,63 05/2010 320,63 06/2010 320,63 07/2010 320,63 Subsídio de Férias 320,58 08/2010 320,63 09/2010 320,63 10/2010 320,63 01/2011 145,50 02/2011 145,50 03/2011 145,50 04/2011 145,50 05/2011 72,75 TOTAL 8051,44 28) E, anteriormente, no decurso do ano de 2008, agora, por conta da empresa denominada “Astrolimpa, Sociedade de Limpezas Industriais, SA, as seguintes remunerações: Período Valor da Remuneração base € 09/2008 191,09 10/2008 191,09 11/2008 88,19 12/2008 191,09 Subsídio de Natal 150,23 TOTAL 811,69 29) Por força do trabalho legítimo que desenvolveu, no período compreendido entre Setembro de 2008 a Maio de 2011, a arguida E auferiu o valor global de 10.284,28€. 30) Por sua vez, o arguido D, apesar de colectado com o número de contribuinte fiscal n.º 271948396, com domicílio fiscal na (…) em Lisboa, nunca procedeu à entrega de declarações de rendimentos para efeitos fiscais. 31) Do mesmo modo, na Segurança Social não consta qualquer período contributivo. 32) Já a arguida B, colectada com o número de contribuinte fiscal 218982968, entregou a sua última declaração de rendimentos para efeitos de IRS no ano de 2007. 33) Para melhor ocultarem a origem dos lucros pecuniários obtidos, os arguidos E e C acordaram que adquiririam bens que lhes permitisse a respectiva detenção sem que lhes fosse suscitadas quaisquer suspeitas. 34) Ciente de que não poderia ser titular de contas bancárias onde surgissem depositadas quantias avultadas de dinheiro, o arguido C combinou com a arguida F que permitisse que nas suas contas ali fossem arrecadadas tais quantias. 35) A arguida F anuiu nesse plano, bem sabendo que as quantias que lhe eram entregues para depósito provinham da actividade de venda de drogas. 36) Assim, e no decurso do ano de 2011, o arguido C fez uso de duas contas bancárias tituladas pela arguida F, domiciliadas no BES e no BANIF, com os n.ºs 0001.1778.3415 e 39380432.77/10, respectivamente. 37) Desse modo, e proveniente da venda de drogas, foram depositadas naquelas contas, as seguintes quantias monetárias, sempre em numerário: Conta BES 0001.1778.3415 Data Montantes € 07.04.2011 7.140,00 07.04.2011 1.120,00 12.04.2011 830,00 12.04.2011 6.000,00 Total 15.090,00 Conta BANIF 39380432.77/10 Data Montantes € 01.03.2011 10.000,00 15.03.2011 10.000,00 07.04.2011 10.000,00 08.04.2011 410,00 12.04.2011 10.000,00 10.05.2011 350,00 15.06.2011 240,00 Total 41.000,00 38) Aqueles montantes eram depois alvo de levantamento pela arguida F, sempre em numerário, e restituídos ao arguido C. 39) A arguida E mesmo encontrando-se reclusa no EP de Odemira, dialogava ao telefone com C sobre as quantias monetárias que se encontravam depositadas nas contas bancárias da titularidade da arguida F. 40) No que respeita às movimentações de levantamento, sucedeu o seguinte: Conta BES 0001.1778.3415 Data Montantes € 20.05.2011 1.700,00 01.06.2011 4.600,00 05.07.2011 4.500,00 07.07.2011 2.260,00 11.07.2011 1.600,00 Total 14.660,00 Conta BANIF 39380432.77/10 Data Montantes € 06.06.2011 10.000,00 05.07.2011 15.000,00 06.07.2011 5.000,00 07.07.2011 9.700,00 Total 39.700,00 41) E assim com os proveitos que adquiriam da actividade de tráfico de droga, os arguidos E e C adquiriram no decurso do ano de 2011, duas viaturas automóveis. 42) Uma delas, da marca Audi, modelo A3, de matrícula 30-76-UZ, que, pelo menos, orçou quantia não inferior a 6.000,00€, e cuja propriedade consta em nome da arguida E desde 16.03.2011. 43) E a segunda de marca TOYOTA, modelo Dyna, de matrícula 98-95-SN, adquirida no decurso dos meses de Abril e Maio de 2011. 44) No que concerne à viatura de marca Toyota, modelo Dyna, foi a mesma adquirida no stand “Filecar”, em Vendas das Raparigas, na Benedita, por parte do arguido C, pelo preço de 11.500,00€ (onze mil e quinhentos euros), o qual efectuou o pagamento em numerário, tendo a respectiva propriedade sido inscrita em 20.05.2011, em nome da arguida F. 45) O arguido C combinou com a arguida F que os lucros monetários alcançados com a venda de drogas passariam a ser canalizados para contas bancárias tituladas em nome desta e, para além disso, alguns dos bens adquiridos ficariam em seu nome. 46) Para além da aquisição de bens em território português, o arguido C logrou de modo não concretamente determinado, remeter para Cabo-Verde quantias monetárias de montante não apurado, tendo em vista a sua utilização na aquisição de outros bens de natureza legítima. 47) Fruto da sua actividade profissional como empregada doméstica, no decurso do período de Janeiro de 2008 a Maio 2011, a arguida F auferiu, em média, as seguintes quantias monetárias: Ano Vencimento auferido média mensal junto da Segurança Social (€) 2008 303,98 2009 320,36 2010 302,44 2011 681,40 48) Já no que respeita às suas declarações de rendimentos para efeitos fiscais, declarou os seguintes: Ano Rendimentos por categoria Valor (€) 2006 Categoria A 2.082,60 2007 Categoria A 4.472,46 2008 Categoria A 5.028,53 2008 Categoria B 8.590,40 2009 Categoria A 4.509,30 2010 Categoria A 5.075,69 49) Os objectos e quantias monetárias apreendidos aos arguidos, com exceção da viatura de marca Opel e dos documentos de identificação constituem produto da actividade de venda de produtos de natureza estupefaciente. 50) Todos os arguidos conheciam as características dos produtos estupefacientes que detinham e comercializavam e, do mesmo modo, não ignoravam que a respectiva compra, detenção e venda lhes estavam legalmente vedadas. 51) Quiseram com a actividade de venda de drogas, fazer distribuir substâncias estupefacientes por um número indeterminado de pessoas e obter, por essa via, compensações monetárias e outras formas de lucro que sabiam estar-lhes vedado. 52) Os arguidos C e F combinaram entre si utilizar as contas bancárias desta, de forma a evitar ter em nome do primeiro quantias monetárias para as quais sabiam não ter quaisquer justificações quanto à sua proveniência lícita, tentando obstar a que dessa forma fosse conhecida a verdadeira natureza e origem do dinheiro. 53) Ao registar a viatura Toyota em nome da arguida F agiram ainda os arguidos C e F com o claro e único propósito de encobrirem, converterem em bens cuja detenção é legítima, a origem ilegítima do dinheiro que aplicaram na respectiva aquisição. 54) Sabiam, pois, estes arguidos, que as quantias monetárias detidas resultavam directa e necessariamente do tráfico de estupefacientes e, todavia, não se coibiram de, através das contas bancárias e da aquisição de uma viatura automóvel, procederem à respectiva camuflagem e assim tentarem obstar a que fosse conhecida a sua verdadeira natureza e origem. 55) Para além disso, os arguidos C e E não eram titulares de qualquer licença ou autorização que lhes permitisse deter a arma, o carregador e as munições supra descritas e ainda assim não se coibiram de as ter consigo. 56) O arguido C sabia que a cédula de inscrição consular que detinha, não lhe pertencia, ainda que na mesma tivesse aposta uma fotografia sua. 57) Agiram sempre bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 58) Por sentença proferida em 18.01.2007, transitada em julgado em 02.02.2007, pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, respeitante a factos praticados em 05.07.2006, o arguido C foi sentenciado com a pena de 15 meses de prisão efectiva e com a pena acessória de expulsão do território Português pelo período de 2 anos, após o cumprimento da pena, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo n.º 25.º, do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A e I-B, anexas aquele diploma. 59) À ordem daqueles autos esteve privado da liberdade desde o dia 05.07.2006 até 30.05.2007, data em que o TEP de Évora, no âmbito do processo gracioso de concessão da liberdade condicional n.º 566/07.4 TXEVR, decidiu substituir a medida de liberdade condicional pela imediata execução da pena acessória de expulsão. 60) A expulsão ocorreu assim no dia 06.06.2007 e perdurou até dia 06.06.2009. 61) Dessa forma se constata que, não obstante a condenação de que foi alvo em pena de prisão efectiva, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, quando restituído à liberdade, e após regressar novamente em território nacional, o arguido C regressou à mesma actividade ilícita de tráfico de drogas. 62) A condenação de que foi alvo e a pena de prisão que sofreu e cumpriu em parte, não lograram obter qualquer efeito sobre o comportamento do arguido C no que respeita à actividade de venda de droga. 63) O arguido C não possui quaisquer ligações pessoais, familiares e profissionais em território nacional português, elegendo Portugal como local privilegiado onde pode desenvolver as suas actividades ilícitas, onde se destaca o tráfico de produtos de natureza estupefaciente e encontrando-se, inclusive, na posse de uma arma de fogo e com diversas munições, instrumentos aptos à sua imediata utilização, bem como detendo documentos forjados em ordem a evitar a sua verdadeira identidade junto das autoridades. 64) O arguido A é solteiro, vive sozinho na barraca das Barradas em Sines, tem 14 filhos, sendo um ainda menor, com 14 anos de idade, mas não vive consigo. Disse que antes da data dos factos trabalhou como pedreiro auferindo entre 800 a 1000euros por mês. Tem de escolaridade o 9º ano. Regista como antecedentes criminais, uma condenação por condução sem habilitação legal, referente a 2008. 65) A arguida B é solteira, tem seis filhos, sendo um ainda menor. Todos integram o seu agregado familiar. Vive em casa arrendada da qual paga 450 euros. É a única prestadora de cuidados aos filhos. Tem de escolaridade a 4ª classe. Disse que os filhos trabalham e contribuem para as despesas da casa. A sua desocupação laboral associada ao convívio em meios sociais desfavorecidos e incapacidade de resistir a influências não normativas constituem os seus principais factores de risco. Não tem antecedentes criminais. 66) O arguido C é solteiro, à data da detenção vivia sozinho em Fernão Ferro, não exercia qualquer actividade laboral. Tem dois filhos de 8 e 6 anos que vivem em Cabo-Verde, fruto de uma anterior relação. Tem de escolaridade a 4ª classe. Sofreu a condenação referida no ponto 58), por tráfico de estupefacientes. Tem mantido um comportamento adequado no Estabelecimento Prisional, 67) O arguido D é casado, tem seis filhos com idades compreendidas entre os três e os oito anos de idade. À data dos factos havia sete meses que se encontrava em Portugal. Não exercia qualquer actividade remunerada. Diz que a mulher trabalha como ajudante de cozinha, auferindo cerca de €450 por mês, sendo ela que suportava as despesas da família. Vive em casa arrendada da qual paga €350. Tem de escolaridade o 10º ano. Não consta que tenha antecedentes criminais. 68) A arguida E é solteira, desenvolveu actividade laboral trabalhando à hora, em tarefas domésticas em casas particulares e/ou empresas auferindo entre 3 e 4 euros por hora. O pai encontra-se detido. Conta com o apoio da progenitora para a sua reintegração. Tem de escolaridade o 6º ano. Vive em Portugal desde 2003. Não consta que tenha antecedentes criminais. Do relatório social consta que foi envolvida no processo pelo seu ex-companheiro. No estabelecimento prisional tem mantido um comportamento ajustado às regras institucionais. 69) A arguida F está em Portugal há oito anos. É casada, tem duas filhas de 11 e 16 anos de idade. Vive numa barraca que era de uma comadre, não pagando renda de casa. O marido é servente de pedreiro, auferindo entre 500 a 600 euros por mês. A arguida trabalha em limpezas em quatro casas, em duas delas recebendo ordenado mensal fixo - €385 e €400, respectivamente, e nas outra duas recebe à hora (€5, 40/hora).Tem de escolaridade o 8º ano. Não tem antecedentes criminais.» 7.1.2 – Factos julgados não provados «Com interesse não se provou que: a) O arguido D mantivesse uma relação amorosa com uma irmã do arguido C; b) Os arguidos C e E estabelecessem contacto direto com os toxicodependentes e através de telemóveis cujo número lhes forneciam, combinassem as quantidades e os locais onde se procedia à venda, deslocando-se após tais contactos a esses locais previamente combinados; c) No decurso da actividade de comercialização de drogas, os arguidos C e E viajassem até Sines nas viaturas automóveis, marca Audi, modelo A3, de matrícula 30-76-UZ e marca Opel, modelo Corsa, de matrícula 03-55-FX e nunca trouxessem grandes quantidades de produto. d) Em ordem a poder usufruir de uma identidade que não era a sua, tivesse sido o arguido C a colocar uma fotografia do seu rosto no cartão de inscrição consular n.º 2834/PT, tendo depois plastificado o cartão. e) A actividade de venda de drogas levada a cabo pelos arguidos B e A durasse pelo menos dois meses. f) A actividade de venda de drogas levada a cabo por todos os arguidos determinasse que os mesmos alcançassem um lucro semanal nunca inferior a 8.000,00 euros; g) A arguida E tivesse também combinado com a arguida F que esta permitisse que nas suas contas ali fossem arrecadadas as quantias provenientes da actividade de tráfico. h) Os montantes depositados nas contas bancárias domiciliadas no BES e BANIF fossem depois restituídos à arguida E. i) As diferenças registadas entre o valor das quantias depositadas e levantadas das contas da arguida F constituíssem comissão a pagar a esta pela tarefa de guarda dos dinheiros em contas da sua titularidade. j) A viatura de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula 03-55-FX tivesse sido adquirida pelos arguidos E e C com o produto da actividade do tráfico. m) O arguido C se tivesse identificado com a cédula de inscrição consular que detinha. l) A arguida E tivesse remetido para Cabo Verde quantias monetárias de montante não apurado em vista à aquisição de outros bens.» 7.1.3 – Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto «O tribunal alicerçou a sua convicção para dar como provados e não provados os factos acima referidos, na análise e valoração crítica de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, em conjugação com as regras da experiência, a saber: As declarações da arguida F, na parte em que revelaram sentido lógico e se podem articular com a demais prova produzida em sede de audiência. Referiu a arguida F que apenas conhecia a arguida E (por tê-la encontrado no comboio) não explicando as razões desse conhecimento. Quanto ao arguido C referiu conhecê-lo por ter sido seu vizinho em Cabo-Verde, manifestando preocupação em repetidamente sublinhar que é pessoa muito honesta e trabalhadora. Em Cabo-Verde, além de trabalhar nas obras, comprava e vendia produtos hortícolas, mas não era pessoa abastada. Só há cerca de um ano e tal é que voltou a ter contacto com ele. Também o encontrou no comboio ou ele passou pelo seu bairro e cumprimentaram-se, já não recorda bem. Nessa sequência o arguido C pediu-lhe para ela depositar nas suas contas bancárias o dinheiro do seu trabalho, que não teve curiosidade em saber qual era, o que passou a fazer em duas instituições bancárias distintas. Recebia o dinheiro das mãos do arguido C e, posteriormente, quando o levantava também o entregava ao mesmo arguido. Não justificou de forma credível porque tinha duas contas bancárias, sendo que uma delas fora aberta recentemente. Acedeu a fazer esse favor porque o arguido C tinha os documentos caducados e não podia abrir contas nem comprar certos bens em seu nome. Por esse motivo também aceitou que um dos automóveis do arguido fosse registado em seu nome. Não usufruiu qualquer vantagem económica. Ora, apelando às regras das experiência comum, àquilo que é a normalidade do comportamento do homem médio, facilmente se pode concluir que estas declarações oferecem muito pouca credibilidade e coerência. Desde logo, a forma com diz ter conhecido a arguida E – no comboio - onde circulam milhares de pessoas – logo por coincidência vem a travar conhecimento (não se sabe porquê) com uma pessoa que é companheira do arguido C, que por seu turno já era seu vizinho em Cabo-Verde e a quem se disponibilizou para prestar favores tão arriscados. Se não conhecia a arguida E anteriormente aos factos, faria muito mais sentido tê-la conhecido por ser a companheira do seu amigo e antigo vizinho C. Aliás é estranho que o amigo não lhe tivesse apresentado a companheira nalguma das deslocações que fez para entregar e receber dinheiro. Sendo certo que se tratava de uma companheira em quem o arguido depositava total confiança, que com ele trabalhava na actividade do tráfico, estando ao corrente de todos os negócios. Também é de estranhar que a arguida não se tivesse interrogado sobre a origem do dinheiro que depositava e levantava, ou pelo menos sobre a actividade tão lucrativa que o seu amigo desenvolvia. Este seu alegado desinteresse por saber a origem do dinheiro, sabendo que o arguido C não tinha qualquer fonte de rendimentos em Portugal, precisava de trabalhar para comer, só vem confirmar que a arguida não podia ignorar a proveniência ilícita de tal actividade. Também é estranho o facto de haver depósitos bancários efectuados no mesmo dia, mas em instituições bancárias diferentes. A relação de confiança entre ambos os arguidos tinha de ser grande, pois só assim se explica que o arguido C entregasse somas de dinheiro tão elevadas à arguida que poderia não lho devolver, sendo certo que o arguido era muito cuidadoso com as pessoas que escolhia para seus colaboradores, a quem dava frequentes instruções sobre os procedimentos a seguir. Os extratos bancários também demonstram que as quantias depositadas pela arguida F foram maiores do que o valor dos levantamentos pela mesma efectuados, o que pode levar a crer que algumas quantias ficariam para a arguida. Portanto, as declarações da arguida no que vai além da confissão de que, efetivamente, era o arguido C que lhe entregava as quantias monetárias para depositar nas suas contas e que era a ele que ela depois as devolvia, pela sua falta de verosimilhança apenas podem ser valoradas “ a contrario”. As declarações do arguido A (que reconheceu ser conhecido por Zeca) prestadas no final da audiência, nas quais admitiu ter vendido alguns pacotes de cocaína a consumidores que se dirigiam à sua barraca, porque encontrou droga dentro de um sapato após o seu sobrinho D ser detido. Esteve ausente durante cerca de seis meses, em Lisboa, tendo aí passado a viver o seu sobrinho D. Desconhece o que se passou nesse período. Mais referiu que a arguida B foi viver para a sua casa pela mão do C após a detenção do arguido D. Conheceu o arguido C através do sobrinho D. Referiu que enquanto esteve ausente de Sines, o arguido C apareceu na casa de um amigo com a arguida B, mais conhecida por “Gisela”. Apresentou-lha como sendo sua mãe e disse que ela iria para Sines trabalhar. Então veio com a B para ela conhecer a barraca das “Barradas”, onde passou a estar, excepto aos fins de semana que ia a Lisboa. Esteve lá entre 15 de Junho e 22 de Julho. Apercebeu-se que a B quando regressava de Lisboa trazia droga e “vendia ali pacotes como está dito no processo”. A arguida B chegou a ir entregar droga ao portão da casa, mas a maioria das vezes era o declarante que ia pela arguida fazer esse serviço e depois entregava-lhe o dinheiro. Mais se referiu à sua situação pessoal e económica, referindo que bebia em excesso. Ora, as declarações deste arguido convergem, em parte, com a factualidade narrada na acusação e com as escutas telefónicas, permitindo concluir que a actividade ilícita que transparece dessas conversações foi concretizada. Portanto, faz todo o sentido que tivesse sido o arguido C a apresentar a arguida B ao arguido A, como sua mãe, para que este a recebesse em sua casa, por forma a que esta controlasse a actividade do arguido A, que como referiu bebia uns copos a mais, podia abrir a boca ou não guardar devidamente o dinheiro, pondo em risco o negócio, cujo dono era o arguido C. Daí que, embora fosse o arguido A que na maioria das vezes fizesse as vendas aos consumidores, entregava o dinheiro à arguida B. Era a B que se ia buscar a droga aos fins-de-semana, desta forma permitindo que o arguido C não precisasse de se expor (até porque já estava a ser procurado pela GNR), dando continuidade à sua actividade que começara a declinar com a detenção do arguido D. A arguida B foi mais uma pessoa da confiança do arguido C que este recrutou para dar continuidade ao tráfico de estupefacientes em Sines. A arguida B é que controlava o dinheiro das vendas, por isso sabia que o mesmo se encontrava enterrado no galinheiro. Tendo os arguidos A e B respondido a todos os sujeitos processuais que os quiseram interpelar, as suas declarações constituem um meio de prova legal, a valorar no cotejo da demais prova produzida. Na sequência das declarações do arguido A, a arguida B de forma breve limitou-se a refutá-las. Disse que conheceu o arguido A em casa de um amigo comum na Quinta da Princesa. Ele é que a convidou para passar uns dias em Sines. Mas como tinha seis filhos apenas ali pernoitou duas noites. Não conhecia os demais arguidos. Não tinha telefone. Só os documentos eram seus. Nunca disse onde a droga se encontrava dissimulada. Ora, estas curtas declarações quase telegráficas não explicam de forma convincente a presença da arguida em Sines, além de que não se articulam com a demais prova produzida, nomeadamente com o teor das conversações telefónicas que colocam a arguida B em Sines durante mais de um mês, mantendo contactos com o arguido C, facto que foi confirmado pelo arguido A. O depoimento da testemunha M, na qualidade de militar da GNR, a prestar serviço no NIC de Santiago do Cacém acompanhou a investigação desde o seu início, com curtos interregnos. Referiu como teve início o processo (através da GNR de Sines que recebera denúncia anónima no sentido de que numa determinada barraca em concreto se vendia droga).Esta informação convergia com os elementos de que dispunham as patrulhas que vigiavam a zona, pois já se tinham apercebido de alguma movimentação anormal de toxicodependentes. Iniciaram vigilâncias ao local, primeiro sem filmagens, depois com captação de imagens, tendo constatando a veracidade da informação. Ou seja, o dono da barraca era o arguido A, conhecido por “Zeca”. Até Dezembro de 2010 era o único que aí procedia à venda de estupefacientes a toxicodependentes. A partir de Dezembro ausentou-se para Lisboa por ter sofrido um acidente de viação. Ficou então a habitar a dita barraca o arguido D seu sobrinho, que respondia por com várias alcunhas “ China”; “Pedro” e também “Manel” como se chegou a identificar à patrulha de Sines. Aliás o arguido quando se identificou confirmou que usava as alcunhas de “China” e também “ Mário”. Mais disse a testemunha que a patrulha de Sines chegou a efectuar uma detenção a dois indivíduos que vinham daquela Barraca, sendo um deles a testemunha H, que em tribunal confirmou que aí adquiriu cocaína por várias vezes. A testemunha descreveu as características do local onde se situa a barraca, as acessibilidades, e a forma como se processavam as vendas (inicialmente havia um toque de aviso através de telemóvel – o arguido D à porta falar com o cliente – voltava para dentro, regressava, havia uma troca rápida e o consumidor afastava-se. Posteriormente, os consumidores passaram a avisar da sua presença batendo na vedação que circunda a barraca. O consumidor ficava sempre do lado de fora. As vigilâncias que realizavam duravam cerca de três horas. Nesse período, inicialmente, registavam cerca de cinco contactos, número que foi aumentando para 15 ou 20. O arguido D encontrava-se sempre na barraca. O fornecimento de estupefaciente era feito pelo arguido C, tendo algumas vezes vindo a E, conhecida por “Mónica”, alcunha que esta também confirmou aquando da sua identificação em audiência. Mais descreveu a operação conjunta que realizaram no dia 19 de Maio de 2011, em Sines e Massamá. Participou nas buscas em Massamá, em casa dos arguidos E e C, sendo que apenas se encontrava a arguida E. Referiu os produtos estupefacientes, documentos e outros objectos aí encontrados e apreendidos. Não obstante o arguido D ter ser detido, as investigações continuaram. O arguido A voltou a Sines - barraca das Barradas - continuando a haver maior corrupio de toxicodependentes no período nocturno. Com o arguido A passou a estar a arguida B que se deslocava a Fernão Ferro para trazer estupefacientes. O arguido C com a detenção da sua companheira – a arguida E - passou a permanecer em Fernão Ferro e ficou mais cuidadoso a falar ao telefone. Não chegou a ver as viaturas automóveis registadas em nome da arguida E e F na barraca das “Barradas” em Sines. A testemunha G, cabo da GNR, relatou a forma como se iniciou a investigação de forma coincidente com a testemunha anterior. Apenas realizou 5 ou seis vigilâncias. Descreveu os procedimentos seguidos pelos consumidores (pessoas já referenciadas) ao chegarem à barraca, a pessoa que os atendia (o arguido D). Sempre que fez vigilâncias o arguido D estava sempre em casa. Não trabalhava. Participou nas buscas descrevendo os objectos, droga e dinheiro encontrados no quarto de cada um dos arguidos e no galinheiro que se situa dentro do logradouro da barraca. Interveio posteriormente na busca em Fernão Ferro. O depoimento da testemunha H, por ser consumidor de cocaína e heroína comprou aqueles produtos ao arguido A, na barraca das barradas, durante um mês, quase todos os dias, à cerca de um ano ou mais. Os amigos que iam consigo também compravam ao mesmo arguido. Pagava 20 ou 30 euros por pacote. A venda era efectuada ao portão da vedação que contorna a barraca. Soube que o arguido vendia por intermédio de outras pessoas que já lá se abasteciam. Também chegou a comprar ao arguido D, na mesma barraca, a 10 /20 euros o pacote. A testemunha N, conhece o arguido C, por ter estado com ele duas vezes, no Stand do seu irmão, aquando da venda de uma viatura automóvel da marca Toyota que lhe fez. O arguido pagou em dinheiro – €11.500. Pediu para que o carro ficasse registado em nome da arguida F. Disse que não tinha documentos de identificação seus. O negócio foi efectuado a 18 de Abril e o carro levantado a 10 de Maio de 2011. A testemunha O, disse conhecer o arguido D, tratava-o por “Miguel”. Conhece também o arguido A, de vista. É consumidor de heroína e cocaína. Disse ter comprado cocaína ao arguido D quatro ou cinco vezes, numa barraca nas “Barradas”. Pagava € 20 por cada pacote. Confirmou as declarações anteriormente prestadas a fls. 1569 – no sentido de também ter comprado ao arguido A, duas ou três vezes. Esclareceu que quando depôs no inquérito estava bastante consciente. Também viu outros consumidores a comprar ao arguido D. A testemunha P, foi consumidora de cocaína e heroína. Disse que se dirigiu, por duas vezes, com amigos, à barraca das “Barradas” para estes adquirirem cocaína e heroína. Compraram ao arguido D. A depoente não comprou por não ter dinheiro. A testemunha Q, disse conhecer os arguidos A e D. Foi consumidor de estupefacientes, por isso comprou algumas vezes na barraca das “Barradas” ao arguido D e Zeca, mas mais ao arguido D. Estas compras ocorreram há cerca de um ano e durante um período de seis meses. Comprava sobretudo à noite, mas também algumas vezes de dia. Chegou a comprar duas ou três vezes por semana, mas não comprou todas as semanas. Por semana gastava cerca de 30 euros. A testemunha R, cabo da GNR, a prestar serviço no NIC de Santiago do Cacém, disse ter acompanhado a investigação, participado na segunda busca realizada à barraca das “Barradas”, no dia 22 de Julho de 2011. Deteve os arguidos A e D. Descreveu o interior da barraca, explicando a quem pertencia cada quarto, em conformidade com o croqui de fls. 1321. A arguida B ainda se encontrava em camisa de dormir, portanto tinha aí pernoitado. Indicou que no galinheiro havia droga enterrada. Da conjugação do depoimento destas testemunhas que depuseram de forma isenta e credível, com as declarações dos arguidos A, B e F, na parte em que o seu depoimento de mostrou verosímil, e com a prova documental infra referida, mormente o teor da transcrição das conversações telefónicas, não se suscitam dúvidas de que o arguido A, também conhecido por “Zeca” se dedicou à venda de cocaína e heroína na barraca onde vivia, nas “Barradas”, em Sines, desde pelo menos Dezembro de 2010, embora com alguns interregnos, tendo em conta que a partir de Dezembro foi para Lisboa e só regressou de modo definitivo após a detenção do arguido D. Importa referir que mesmo durante o tempo em que se ausentou o arguido fazia viagens a Sines e contactava com o arguido C. Na sua ausência, foi ao arguido D, seu sobrinho, quem aí passou a permanecer, dia e noite a dedicar-se exclusivamente à venda de Heroína e Cocaína. Após a detenção do arguido D em 19. 05. 2011, surge a arguida B que aí passou também a permanecer, deslocando-se aos fins-de-semana a Fernão Ferro, local onde se refugiou o arguido C e onde continuou a desenvolver a mesma actividade, tanto assim que no local onde foi detido estavam, além do mais, dois telemóveis que se encontravam sob intercepção e dinheiro que, embora estivesse no hall do anexo, não podia deixar de ser seu, pois estava sob a sua disponibilidade e era o arguido quem continuava a receber quantias avultadas de dinheiro proveniente da actividade de tráfico desenvolvida pela arguida B, em Sines, sendo que a propriedade de tal dinheiro segundo os militares da GNR foi refutada pelas demais pessoas que tinham acesso ao anexo. A arguida B, além de transportar a droga para Sines, controlava a actividade do arguido A, recebendo e guardando o dinheiro das vendas para posterior prestação de contas ao arguido C. O arguido A, como ele próprio confirmou bebia em excesso, daí que o arguido C (dono do negócio) não tivesse total confiança nele. A arguida E era companheira de C. Este referia-se a ela como sendo a sua mulher, pelo que mantinham uma relação de estreita colaboração na actividade de tráfico. Na casa que ambos partilhavam foi encontrado uma cédula de inscrição consular pertencente a terceira pessoa, onde foi colocada uma fotografia do arguido C, um bilhete de identidade emitido pela República de Cabo-Verde também em nome de C. Este arguido terá fornecido a terceiros, como sua residência, a casa de Massamá, tanto assim que aí foi encontrado um envelope internacional tendo como destinatário o C, e aquela morada. Após a detenção da arguida E, o arguido C refugia-se em Fernão Ferro, mas queixa-se de que tem as suas coisas todas ao abandono, nem sequer tem as suas roupas – fls.1602. Em nome da arguida encontravam-se registados dois veículos automóveis, um em 2009 e outro adquirido durante o período a que respeitam os factos dos presentes autos. A arguida actuava em conjunto com o arguido C na preparação das doses que fabricavam e, posteriormente, no fornecimento da droga ao arguido D para que este a escoasse na barraca das “Barradas”, como se alcança das quantidades de cocaína (alguma já dividida em saquetas) e heroína, produtos de corte, balança digital que aí se encontravam. O arguido C em conversação com a arguida B – fls, 1739 – chegou a afirmar “ não temos outro ramo de vida.” Numa das escutas em que o arguido C fala com a sua irmã S – fls. 779 - chega a referir que a arguida E também trabalha muito na actividade que desenvolvem, até tem os dedos em ferida, já saiu pedaços de carne. Mesmo já depois de estar reclusa no E.P de Odemira ainda a arguida E continuava a dialogar com o arguido C sobre o dinheiro depositado nas contas da arguida F, alertando-o para que não se deixe enganar – fls. 1612 e 1624. A arguida F, como supra se referiu e com vista a ocultar a origem do dinheiro ilícito do tráfico desenvolvido pelo arguido C recebia deste o dinheiro dos lucros obtidos com a actividade de tráfico, depositava-os em contas suas e, posteriormente, levantava tais quantias, também em numerário, e entregava - as ao arguido C assim colaborando na dissimulação da verdadeira proveniência de tais quantias. O arguido C chegou a registar a viatura automóvel Toyota que adquiriu em nome desta arguida. Esta conduta é reveladora de uma grande relação de confiança entre o arguido C e F, não podendo esta desconhecer a origem do dinheiro que C lhe entregava e o fim com que o fazia. Aliás, a falta de verosimilhança das suas declarações rematadas por uma verbalização de arrependimento, são a prova mais evidente de que sabia qual a proveniência do dinheiro que lhe era entregue para depositar nas suas contas. E naturalmente que, segundo as regras da experiência, receberia alguma compensação como contrapartida do risco que corria, daí que o arguido C nalgumas conversações manifestasse alguma apreensão sobre as exigências da a arguida F. Tudo em conjugação com a prova documental junta aos autos, alguma já referida, nomeadamente; - Autos de transcrição das intercepções telefónicas, constantes de fls. 279 a 289, 303 a 304, 327 a 334, 682 a 825, 979 a 1041, 1566 e 1567, 1576 a 1708, 1709 a 1740. Entre as muitas conversações transcritas, destacaremos algumas que são elucidativas da actividade desenvolvida e da forma como estava organizada. Sessão n.º 72 - Dia 5 de Março de 2011 - Fls. 279 e 280- Alvo 46340M CHINA (arguido D) fala com o interlocutor (…). Este trata o D por “Pedro”; Sessão 228 - Dia 9 de Março de 2011- Alvo 46340M - Fls. 699 - conversa entre China e desconhecido China /D: diz: “Estou a pedir a Deus para me proteger para ir e voltar, vou para a Guiné, por uma semana (…) um contrato que quando eu vier vou faturar cinco mil euros por dia (…)Ele disse que me dobra(…)” “Eu digo-lhe para te pôr a trabalhar (…)eu vou-te dar apoio, eu vou-te dar a coisa…eu dou-te a coisa e fazes…” Portanto, o arguido D previa faturar cinco mil euros por dia com a venda de estupefacientes e propunha-se arranjar serviço na mesma atividade para o seu interlocutor. Sessão 238 – Dia 9 de Março de 2011 - Alvo 46340M- Fls. 705- conversa entre o arguido D/China e Zé Menino: China - Acho que hoje atendi uma pessoa errada. ZM (C) - Como é que isso aconteceu? (…) Compas tu não podes fazer uma ideia, tu tens que ter a certeza, tu já conheces as pessoas…se for uma pessoa que nunca falou contigo tu não podes fazer isso. CH- Não pareceu-me com alguém que eu já costumo .. Não me deixei levar(…) ZM - Compas…Compas, isso não é pareceu-me…, como é que dizes pareceu-me se tu estás lá todos os dias, alguém que tu…se tens dúvidas não podes fazer…não podes mexer nada com ele(…) por isso é que eu te disse que da outra vez…eu fiquei na dúvida despareci, não fiquei assim…com estas coisas temos que estar mesmo atento… Sessão 413 - dia 12 de Março – Alvo 46340M – Fls. 732 - conversa entre China e Zé Menino, em que este diz” hoje fui dar o expediente no Audi, quero ver se levanto o Audi, lá para segunda-feira, quero ver se o levanto já. Sessão 738 - dia 13 de Março de 2011 – Alvo 46340M- Fls. 738 - O arguido C conversando com o arguido D diz a certa altura “O tio (Zeca) agora eu é que o controlo”. Sessão 224 – dia 8 de Março de 2011 - Alvo 46340M - Fls. 281 - o arguido D diz à interlocutora (…) com quem teria encontro marcado “ Disse para você esperar, você foi embora” “Você não vê que eu estava a atender um gajo” … Sessões n.º 687, 688 e 689 – Dia 16 de Março de 2011 - fls. 288 e 289 - - (…) envia mensagem ao arguido D dizendo-lhe que vai buscar uma cena . Em resposta D pede-lhe que fale outra língua. E a seguir a (…) envia a seguinte mensagem “K ir comprar o K tu sabes tea ai vou agora” Daqui se alcança que o arguido D, algumas vezes, também foi contactado por telefone pelos consumidores antes do ato da venda. Sessão n.º 270 - Dia 10 de Março de 2011 - fls. 283 O arguido A/Zeca envia uma mensagem ao arguido D tratando-o por sobrinho, o que corrobora as declarações daquele arguido em audiência, onde referiu tal facto. Sessão n.º 344 - Alvo 2D680IE - dia 27 de Fevereiro - Fls. 327 O arguido A/Zeca diz ao interlocutor que fala de Sines. “Eu vim ontem, mas vou já depois de amanhã”…”estou em casa do meu irmão”. Sessão 538 - Dia 5 de Março de 2011- fls.329. O arguido A/Zeca falando com um desconhecido diz que está na Quinta da Princesa e que regressa para Sines na terça - feira. Sessão 730 - dia 12 de março de 2011- fls.332 - o arguido A/ Zeca liga para um desconhecido e diz “ Fui a Sines ontem, cheguei tarde” “viemos de taxi”“o carro parou no caminho”. Daqui se conclui que o arguido A não obstante se ter ausentado de Sines desde o início do ano de 2011, ali regressava com alguma regularidade. Sessão 50 - Alvo 2D680IE - dia 17 de fevereiro – fls. 343 - A/Zeca liga para desconhecido dizendo que precisa falar com ele sobre assunto sério – que quer por o desconhecido lá em baixo (supostamente na zona sul a vender estupefaciente). Desconhecido diz que as cassetes de vídeo estão à vontade. Sessão 902-Alvo 46341M - dia 17 de Março - fls. 988 - E/Mónica fala com D. Este pergunta-lhe se já chegaram e ela confirma que sim, mas perdeu o transporte teve de ir de táxi até Setúbal. Depois foi de comboio até Sete Rios e ele foi ter consigo lá. China diz a Mónica para lhe levar “uma liga elástica” no dia seguinte quando ela e o Zé Menino o forem ver. Daqui se alcança que a arguida E também fazia deslocações à barraca das Barradas com o arguido C para fazerem o abastecimento de estupefacientes. Sessão 920 - Alvo 46341M – dia 18 de Março - fls. 744 - o arguido D/China pergunta a C se não tem novidades a cerca de Cabo Verde (referindo-se a heroína). C pergunta se o outro que ele tem já acabou.. D diz que ainda tem um pouco. C queixa-se que o dinheiro não bate certo. Daqui também se depreende que estão a falar de droga e que é o arguido C o abastecedor do arguido D e o dono do negócio . Sessão 929 - Alvo 46341M - dia 18 de Abril – fls. 991 – China /D – fala com C . CH- “Cabo Verde” e a “Mãe” que está cá , dá “3.8”. (…) ZM - Mas “Cabo – Verde” que está aí que te dá para a próxima semana? Estão notoriamente a falar de produto estupefaciente Sessão 977 do mesmo alvo - fls. 749 - C diz ao seu fornecedor que lhe deu dinheiro a mais. Desconhecido diz “ Ele deu-me 6500 euros”. C responde “ Vê bem, eu sei quanto é que lá estava, tu… não é assim não”. Responde o desconhecido – (…) Pergunta à tua mulher…” ZM - Não Fogo! Eu sei quanto é que estava lá…o dinheiro…o que estava lá…tu não viste…eu disse-lhe, mas ela não sabe quanto. Sessão 1022 do mesmo alvo - fls. 762 - C fala com desconhecido à cerca de um produto que adquiriu a um indivíduo, de má qualidade, e sobre o fornecedor da sua confiança. Sessão 2453 do mesmo Alvo – Fls. 776 – C fala com a irmã S em Cabo-Verde sobre o China que está cá em Portugal há cerca de 6 meses ( fato que o arguido confirmou) e já quer comprar coisas como carro e mandar coisas para Cabo Verde , o que só vai dar nas vistas. Reconhece também que está bem de vida. E a certa altura referem: ZM- Referindo-se ao arguido D “Ele ainda tem seis meses aqui, eu disse-lhe compas…daqui por um mês dou-lhe três mil contos da moeda Cabo-verdiana, estás a ver? Minha irmã mas do que isso não posso. (…) ZM – “Eu é que escolho, ele não compra nada. E- Trabalhem… ZM- Ele não compra nada eu é que compro com o meu dinheiro, eu é que levo, eu é que faço, a minha dama tem os dedos em ferida…ele não faz nada, ele só encontra e coiso…eu é que escolho, eu é que dou para cima e para baixo, tenho que levar para vir, hoje cheguei sete..” (…) quem conhece a fonte sou eu… Da mesma conversação se retira que o arguido D não foi a única pessoa que vendeu estupefacientes para o arguido - faz-se referencia a um (…) que já o terá feito. Referindo-se ao arguido D diz o arguido C “ Vou-lhe fazer o mesmo que eu fiz ao (…), o (…) quando se fartou orientou-se apanhou cento e vinte conto comprou boi e palhas e foi para Santana. (…) Ele quer dar expiga…(quer ir)…quer ficar lá dez dias, se ele for eu fecho o sítio e ponho lá outra pessoa e digo-lhe, não foste para Cabo-Verde, agora vai fazer a tua vida (…)nem lhe vou dizer nada”. Sessão n.º 155 - Dia 15 de Abril de 2011 (sexta –feira)- Alvo 46854M – fls.801 – O arguido D fala com a sua mulher: E- Ainda não falaste com o Zé a cerca do assunto da viagem? CH- Não, começamos a falar ele disse que quando vier ter comigo falamos. E- Quando? CH- Acho que vem no domingo(. ..)No domingo quando ele vier buscar as coisas… ( está-se a referir ao dinheiro das vendas) (…) Imagina se em dois meses der no mínimo 8…dois meses 8, dá 16 em Cabo-Verde, em dois meses. Conversam ainda sobre projetos de investimento em Cabo-Verde – um táxi. A mulher diz “ uma pessoa quando tem dinheiro nas mãos não deve investir tudo numa só coisa, tas a entender?” Destas conversações também se extrai que o arguido C é quem manda no negócio, é a pessoa que tem mais responsabilidades, que adquire o produto estupefaciente, que o prepara e vai levar para o arguido D vender, e que tem poderes sobre este - ameaçando substituí-lo no trabalho da venda de estupefaciente. É curiosa também a referência que faz à sua companheira e à colaboração desta na preparação das doses, daí que tenha os dedos em ferida. Se conjugarmos a conversação n.º 997 (na qual um desconhecido se refere à mulher de C) com esta conversação onde este diz que a sua dama tem os dedos todos em ferida, a conversação de fls.1600 onde C pergunta ao curandeiro “ e a situação do D e da minha mulher como está?”, duvidas não se suscitam que de acordo com as regras da experiência os arguidos constituíam um casal e tinham como residência a casa de Massamá onde, aliás, foi encontrado todo o material relacionado com a atividade que desenvolviam. Acresce que foi nessa casa que se encontrava a documentação do arguido C e era aí que ele recebia a correspondência, conforme se comprova pelo envelope de fls. 562. Na conversação de fls.1602, já após a detenção da arguida E, o arguido C diz “…onde eu estou, estou preso, eu não tenho ninguém que me ajude, eu estou dentro de casa, eu preciso…olha nem a minha roupa…todas as minhas coisas estão abandonadas…se eu sair agora tenho que sair escondido com o chapéu dentro da cara..” O que confirma que a casa onde o arguido se refugiou em Fernão Ferro não era aquela onde habitualmente residia. Sessão 2460 - C fala com a companheira sobre o China /D, porque ele faz coisas que não lhe diz …gosta de dar nas vistas. Desconfia do China/D porque o dinheiro nem sempre bate certo. Sessão 222 do Alvo 46854M - fls. 810 - o arguido D/China - fala com desconhecido sobre os problemas financeiros que tem tido com C que não lhe quer dar o dinheiro que ele pediu, e diz “ há dois meses que estou a faturar no mínimo 8 mil por mês..” Sessão 157 do mesmo alvo - fls. 814 - dia 16 de Abril de 2011 - China /D diz ao arguido C que o pessoal está a gostar da “Mãe”. Estar-se-á a referir ao estupefaciente que este lhe levou. Voltam a falar das contas que não estão a bater certas. C mostra-se descontente com a falta de cuidado de D nas conversas que tem ao telefone e diz a D “às vezes falas tudo ao telefone, às vezes nem é comigo, com outras pessoas…já te disse dez mil vezes, fui aí e disse-te compas vamos arranjar o nosso telefone..” Sessão 317 do mesmo Alvo - fls. 820 - dia 17 de Abril de 2011 - C pergunta a D/China se ele mexeu no produto, porque foi ele C que fez o material e o China já lhe tinha dito que o material era bom, pelo que não está a perceber o que se passou… Daqui se alcança que C também preparava o produto estupefaciente que chegava às mãos do arguido D. Da conversação telefónica de fls. 1594 também se retira que o arguido C já tinha duas viaturas automóveis em Cabo-Verde adquiridas com o produto desta atividade da qual fazia exclusivo modo de vida. Os conselhos da irmã vão no sentido de dar prioridade à construção da casa, por ser um investimento mais seguro. Quanto à arguida B/ Gisela, também se destacam a título de exemplo, algumas conversações: Sessão n.º 48 - Dia 07.07.2011 - fls. 1629 - C fala com B/Gisela: (…) Gisela- Lá …às 9 horas vou lá estar, nove e meia vou estar em Setúbal, ao meio dia vou estar em Sines. Zeca - Não digas o nome. Sessão n.º1344 - dia 16.07 2011 - fls. 1690 – C fala com B/Gisela . G- Fiquei de lhe entregar 23 (ao C) e com o dinheiro que trouxe, faz 3.350,00. C – O que ficou é para comeres, porque às vezes as pessoas não dão o dinheiro exato. E na sessão 1353 – fls.1696 Gisela - Estava fechado, pus lá para ir coiso, estava fechado, com a coisa aí não está muito bom não dá para pôr no chão, entendes. C – Está bem, está bem. Estas conversações vêm corroborar as declarações do arguido A, levando a conclui que a arguida B /Gisela também desenvolveu a actividade de tráfico em Sines, por conta do arguido C, deslocava-se de autocarro havendo a preocupação em ocultar ao telefone nome do seu local de destino e que também esta arguida ocultava o produto estupefaciente no chão. Documentos de fls. 392 e 541, 1564 a 1566, 1741 a 1743, 1749 a 1752 [análise das intercepções] - Relatos de vigilância externa de fls. 6 a 8, 25 a 28, 34 a 43, 73 a 78, 101 a 124, 158 a 167, 368 a 379, 1226 a 1230, acompanhados de reportagem fotográfica, donde se alcança que pelo menos em Dezembro de 2010 os arguidos C, E, A e D já desenvolviam a actividade de tráfico em Sines, tendo como local de venda a barraca sita nas Barradas, pertença do arguido A. - Nas reportagens fotográficas é bem visível o ato de troca entre os consumidores, alguns pessoas já referenciadas pela GNR como sendo toxicodependentes (cfr. por ex. auto de vigilância de fls. 34) e quem os atende, junto do portão da dita barraca. Nas fotografias de fls. 122 e 123, 163 são bem visíveis os consumidores com notas nas mãos a entregarem ao arguido D. Não havendo no local qualquer actividade comercial lícita, sendo os clientes na sua maioria toxicodependentes e seguindo as regras da experiência, não há dúvida que actividade ali desenvolvida era a de tráfico de estupefacientes. - Informação da Segurança Social de fls. 54 [A, donde consta que a última remuneração se reporta a 2008], 308 [C], 605/606/1883 a 1885 [E], 1825 [B], 1826 [D], 2032 a 2044 [F]; - Informação das Finanças de fls. 55 [A, donde consta que a última declaração de rendimentos para efeitos de IRS remonta ao ano de 2007], 455 a 461 [C], 1852/1860 [D], 1853 a 1855 [B] 947 [F] - Autos de apreensão de fls. 64 [heroína apreendida à testemunha H; - Mapa aéreo via Google da localização do local dos factos em Sines – a barraca nas Barradas – cf. fls. 100; - Registo automóvel da viatura de matrícula 03-55-FX a fls. 255; o de matrícula 30-76-UZ a fls. 290; e de matrícula 98-95-SN a fls. 1529; - Auto de busca e apreensão de fls. 547 a 563 – [em Massamá]; - Auto de busca e apreensão de fls. 579 a 588 [Sines]; - Auto de busca e apreensão de fls. 1291 a 1301 [Fernão Ferro]; - Autos de busca e apreensão de fls. 1317 a 1326 [Sines], esclarecendo-se em conformidade com o exame toxicológico de fls. 1758 que o produto estupefaciente apreendido no quarto da arguida B era cocaína e não heroína; - Auto de exame directo de fls. 604 [arma] - Termos de entrega de fls. 615; - Guias de depósito das quantias monetárias apreendidas a fls. 847/848 e 898, 1487 a 1494; - Auto de reconhecimento pessoal de fls. 1107 e 1108; 1115, 1119/1120; - Certidão de fls. 1242 a 1266 [sentença condenatória do arguido C] e ainda a de fls. 1768 a 1773 [liberdade condicional] e ainda a confirmação da expulsão a fls. 1775; - CRC de fls. 2295 [D], 2297 a 2299 [A], 2291 [E], 2271 a 2272 [C] e 2296 [B]; - Informação do SEF a fls. 571/572 [E], 1308, 1309 [C] e 1334 [A], 1340 [B]; - Guia de entrega a fls. 1341 e 1342; - Auto de exame e avaliação de objectos de fls. 1445, 1836, 1838; - Auto de apreensão de fls. 1448 (Audi) com exame e avaliação a fls. 1449; - Documentação de compra e venda da Toyota Dyna a fls. 1519 a 1528; - Documentação bancária de fls. 1765, 1900 a 1916v, 1971 a 1999, 2047 a 2064; - Documentação da actividade laboral da arguida E fls. 1863 a 1866. Pericial : - Relatórios dos exames toxicológicos de fls. 454, 1431, 1432 e 1758 (que confirma que os 6,656 gramas do produto estupefaciente apreendido no quarto da arguida B tratava-se de cocaína) e de fls.1759. Tiveram-se ainda em consideração as declarações dos arguidos quanto à sua situação pessoal e económica, em conjugação com o teor dos relatórios sociais de fls. 2286 a 2288 [F]; 2289 a 2293 [B]; 2308 a 2311 [E]; 2312 a 2317 [A]; 2327 a 2331 [C] 2355 a 2359 [ D]. Importa referir que o silêncio dos arguidos é um direito que constitucionalmente lhes assiste, que não podem ser prejudicados por recorrerem a essa estratégia de defesa, no entanto ao remeterem-se ao silêncio não esclarecem o tribunal sobre a verdade dos factos, sobre as suas motivações, sobre o seu possível arrependimento, portanto não trazem para os autos quaisquer elementos que infirmem ou pelo menos levem a pôr em dúvida os factos demonstrados através de outros meios de prova. Os factos não provados ficaram a dever-se à falta de prova que os confirmasse com o mínimo de credibilidade, nomeadamente que tivesse sido o arguido C a forjar a cédula de inscrição consular que continha a sua fotografia e que a arguida E tivesse solicitado à arguida F para que esta depositasse nas suas contas bancárias os lucros obtidos com a atividade do tráfico de estupefacientes, com o fim de ocultar a verdadeira origem desse dinheiro.» 8 – Apreciação 8.1 – Recurso interposto pelo arguido C Como acima se deixou editado, o recorrente faz tese de que: (a) a decisão recorrida padece, designadamente, dos vícios prevenidos nas alíneas a) e c) do artigo 410.º, do CPP, (b) o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de facto, no ponto em que, à míngua de prova bastante, julgou provados os factos alinhados em 1), 2), 4), 8), 9), 12), 13), 14), 17), 20), 21), 33), 34), 35), 37), 38), 41), 45), 46), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 57), 61), 62) e 63) do rol de factos tidos como provados, e (c) o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, quanto à medida da pena e no ponto em que não considerou a atenuação especial prevista nos artigos 72.º e 73.º, do CP. O Ministério Público entende, por sua vez, (i) que a decisão recorrida não padece dos vícios que lhe são apontados, (ii) que o recurso relativo à matéria de facto deve ser rejeitado, por incumprimento do disposto no artigo 412.º n.os 3 e 4, do CPP, (iii) que foi feita prova bastante dos factos pelos quais o arguido foi condenado, e (iv) que é manifesta a falência dos condicionalismos da atenuação especial da pena previstos no artigo 72.º n.º 1, do CP. Quanto às questões atinentes à matéria de facto, vejamos. Se bem se consegue sumariar a tese sindicante, o recorrente pretende que, em audiência de julgamento, não foi feita prova da prática, pelo arguido, dos factos que lhe vinham imputados no despacho acusatório e, por que assim, se verifica não apenas um erro de julgamento mas se verificam também os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova. Importa reconhecer, desde logo, que os vícios da sentença previstos no citado segmento normativo, são vícios intrínsecos da decisão, por isso que se não pode, sem flagrante incorrecção, afirmar a existência dos mesmos com recurso a elementos externos à própria sentença, designadamente com base em declarações do arguido ou em depoimentos de testemunhas – uma tal alegação não tem utilidade nem operância. Por outro lado, tais vícios da decisão não podem ser promiscuídos com uma divergência entre a convicção alcançada pelo recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela convicção que, nos termos e sob tutela do disposto, designadamente, no artigo 127.º, do CPP, o Tribunal a quo alcançou sobre os factos – não pode confundir-se, designadamente, insuficiência da matéria de facto com insuficiência da prova para decidir –, sendo sabidamente irrelevante, para tal efeito, a convicção do recorrente. Vejamos ainda. A alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º, do CPP, reporta-se à insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. Para que um tal vício se verifique, é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, carecendo de ser completada. È necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença. É necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. Este vício não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida. Um tal vício só pode ter-se como evidente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida. A insuficiência a que se refere o falado normativo é a que decorre da omissão de pronúncia pelo tribunal sobre os factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter decidido provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da decisão, precedendo o cumprimento do dever de perseguição e descoberta da verdade material, imposto pelo inciso do artigo 340.º, do CPP. A alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º. do CPP, refere-se à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. Trata-se de um vício que só acontece quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação constante do texto da decisão recorrida justifica uma decisão oposta ou quando existe colisão entre os fundamentos invocados. E assim, obviamente, desde que tal resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum. Vale dizer que, para se verificar a mencionada contradição, têm de constar da decisão recorrida posições antagónicas e inconciliáveis sobre a mesma questão. Trata-se de vício que (não invocado), diga-se (ex officio), de todo em todo se não verifica na decisão recorrida. A alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º, do CPP, reporta-se ao erro notório na apreciação da prova. Tal vício reporta a um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ao homem (ao juiz) médio. É vício que só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária daquela a que chegou o tribunal, quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum. Um tal vício não consiste nem reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela decisão que, sobre os factos, teria sido a do recorrente. Retomando, agora com esta claridade, o caso sub indice, vejamos. Por um lado, o argumentário traduz não a invocação de vícios da decisão, mas antes a alegação de um erro do julgamento sobre a matéria de facto. Por outro lado, tomando por referência o alegado, vejamos. Ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, entende-se que, no caso, não se verifica qualquer dos apontados estigmas. Desde logo, não se vê, de todo em todo, no texto, harmónico e coerente, da decisão revidenda, que subsista qualquer das faladas (e sumariamente definidas) insuficiência, contradição ou o mencionado erro notório. É que, mesmo com esforçado recurso às regras de experiência comum, vertidas estas sobre o segmento de vida trazido a juízo, há-de conceder-se que a decisão recorrida tem uma coerência interna inarredável e não se vê (nem o recorrente especifica) que o Colectivo haja deixado de se pronunciar sobre a materialidade de facto com relevo para a decisão de direito ou que se haja dado como provado matéria flagrantemente errada ou inverosímil, contrária às regras da lógica, da razão e da experiência. Como assim e nesta parcela, o recurso não pode lograr provimento. Sem embargo, mesmo considerando que o douto alegatório recursivo invoca a questão dos vícios da decisão apenas como adjuvante, relativamente ao punto nodens da divergência manifestada pelo recorrente relativamente ao julgado na instância, vale por dizer, como subsidiário do invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto, há-de conceder-se, desde logo, que cumpriria ao recorrente dar o devido cumprimento ao ónus de especificação estabelecido no artigo 412.º n.os 3 e 4, do CPP, e, por outro lado, ainda assim, que o acórdão revidendo responde, pontualmente e por antecipação, às réplicas do arguido. Com efeito, e como sublinha, com particular proficiência, o Dg.º respondente, o arguido recorrente omite, no corpo como nas conclusões da motivação do recurso qualquer referência, especificação ou transcrição dos segmentos das gravações do material probatório que abonem a respectiva divergência relativamente ao julgado, impondo (não apenas concedendo) uma decisão diversa da decisão revidenda. Não basta, para satisfazer o preceituado nos referidos segmentos normativos, fazer cópia do resumo das «passagens registadas, no acórdão recorrido, do depoimento dos arguidos e testemunhas e invocar que nunca ao recorrente foi apreendido estupefaciente ou arma, que não foi visto a transacionar droga ou que o nome do recorrente não foi invocado pelas testemunhas. E assim, admita-se, quando o Tribunal Colectivo, na instância, em cabal cumprimento do disposto, maxime, no artigo 374.º n.º 2, do CPP, deu especificada e transparente nota dos motivos de facto que fundamentaram a decisão, com cabal indicação e exame crítico das provas que abonaram a respectiva convicção. Sublinhe-se, ademais (mesmo ultrapassando o referido piáculo), que a factualidade delitiva que suportou a condenação do arguido resulta, fora de qualquer razoável dúvida e sem a mínima lesão do favor rei, das declarações dos co-arguidos F e A, dos depoimentos das testemunhas M e N, dos autos de busca e apreensão, e das plúrimas conversações do recorrente através dos telemóveis sob escuta, tudo se concretizando na definição da culpabilidade do arguido. Termos em que, também nesta parcela, o recurso não pode lograr provimento. Quanto agora, à divergência suscitada, em matéria de direito, no ponto em que o recorrente defende a comutação, in mellius, das penas aplicadas na instância, por via da atenuação especial prevenida no artigo 72.º, do CP. Defende o recorrente, para tanto, (i) que o seu processo de socialização «decorreu num meio socialmente conturbado» e (ii) que «desde que deu entrada no sistema prisional procurou manter um comportamento exemplar, o que tem conseguido». Ora, em vista do disposto no invocado artigo 72.º, do CP, a pena de prisão só merece especial atenuação quando se verifiquem circunstâncias que, por forma acentuada e excepcional, minguem a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, de tal forma que a moldura penal prevenida no tipo traduza uma desproporcionada violência. Ressalvado o devido respeito, não se vê, in casu, nem o recorrente adianta, qualquer comprovado circunstancialismo que traduza a necessária, especial, particular, acentuada, diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena. Bem ao contrário, como resulta do acórdão revidendo, o arguido recorrente era o verdadeiro dominus, o dono do organizado negócio de tráfico de heroína e cocaína, prolongado no tempo e realizado em ponderosas quantidades: «O arguido C apresenta-se como o dono do negócio, a pessoa que organiza toda a actividade, abastecendo os colaboradores que se encontram no terreno a atender os toxicodependentes, procurando saber se há ou não produto em stoque, para repô-lo, dando instruções sobre as vendas, sobre os cuidados a terem para não serem descobertos, recebendo o dinheiro das vendas, sendo o principal beneficiário dos lucros obtidos. O próprio arguido referia em conversas telefónicas que era ele que andava para baixo e para cima, era ele que tinha a fonte. E não sabia fazer mais nada. A arguida E, na qualidade de companheira do arguido C (até é tratada quer por ele quer por terceiros como sendo a sua mulher) acompanhava-o nesta sua actividade, em conjugação de esforços e intenções, com ele colaborando, no transporte, armazenamento e preparação doses individuais, na residência de Massamá em Queluz. É também o próprio arguido C que refere numa das conversações mantida com a sua irmã, conversação onde se expôs mais, que a arguida E tem tanto trabalho que até tem os dedos queimados, naturalmente da preparação das doses individuais. A residência de Queluz funcionava como armazém, como laboratório e a barraca das “Barradas” em Sines, como loja de retalho, onde permanecia o arguido D a tempo inteiro a tender os consumidores. O arguido C chegou até a manifestar vontade de expandir o negócio para a zona do Algarve como se alcança das escutas telefónicas.» Acresce a particular gravidade decorrente dos crimes de detenção ilegal de arma e de falsificação de documento. Como se assinala, inarredavelmente, no acórdão revidendo, «Da factualidade provada resulta que a arguida E e o seu companheiro C detinham numa habitação em Massamá - local onde armazenavam e preparavam o produto estupefaciente que vendiam, residência para onde era dirigida a correspondência do arguido C, onde apenas se encontrava a arguida E aquando da sua detenção - uma espingarda de caça modificada através de encurtamento dos canos, cartuchos relativos às munições da mesma, um munição de revólver calibre p.38 e um carregador de uma pistola de calibre 6,35 milímetros, com uma munição do mesmo calibre. Os arguidos colaboravam conjuntamente na actividade do tráfico, sendo também no mesmo local que detinha diversas quantidades de estupefaciente e produto de corte. As armas, segundo as regras da experiência seriam um meio defesa dos arguidos, dadas as perigosas relações negociais que estabelecem com fornecedores e colaboradores, sobretudo quando o tráfico envolve quantias elevadas de dinheiro como era ao caso, dando azo a que possa haver, concorrência, acertos de contas e até atos de vingança. Portanto, eram armas que estavam na disponibilidade destes dois arguidos, devendo ambos ser responsabilizados pelo crime de que vinham acusados.»[…] «No que respeita ao crime de falsificação de documento por parte do arguido C, também o referido ilícito se não pode dissociar de uma actividade ilícita global, considerada no seu conjunto, sendo que neste caso o arguido já tinha antecedentes criminais por crime de tráfico e tinha sofrido uma pena de expulsão do país, pelo que desde logo se acentuam as exigências de prevenção quer geral quer especial postas no caso, ficando assim infirmada a preferência legal que o artigo 70º do C. Penal confere à pena não detentiva.» Releva, ademais, o pretérito delitivo do arguido. Como vem salientado (e se figura incontestado) na decisão recorrida, «Está provado que por sentença proferida em 18.01.2007, transitada em julgado em 02.02.2007, pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, respeitante a factos praticados em 05.07.2006, o arguido C foi sentenciado com a pena de 15 meses de prisão efectiva e com a pena acessória de expulsão do território Português pelo período de 2 anos, após o cumprimento da pena, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo n.º 25.º, do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A e I-B, anexas aquele diploma. À ordem daqueles autos esteve privado da liberdade desde o dia 05.07.2006 até 30.05.2007, data em que o TEP de Évora, no âmbito do processo gracioso de concessão da liberdade condicional n.º 566/07.4 TXEVR, decidiu substituir a medida de liberdade condicional pela imediata execução da pena acessória de expulsão. A expulsão ocorreu assim no dia 06.06.2007 e perdurou até dia 06.06.2009. Dessa forma se constata que, não obstante a condenação de que foi alvo em pena de prisão efectiva, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, quando restituído à liberdade, e após regressar novamente em território nacional, o arguido José Melindo regressou à mesma actividade ilícita de tráfico de drogas, desenvolvendo-a agora ainda de forma mais organizada e lucrativa. O arguido não se esforçou por desenvolver qualquer actividade lícita que lhe permitisse satisfazer as suas necessidades básicas, ao invés chegou mesmo a afirmar na conversação transcrita a fls. 1739 que a actividade de tráfico era o seu único meio de subsistência, portanto optou pelo caminho mais fácil - a comercialização de estupefacientes - evidenciando desta forma que a condenação de que foi alvo e a pena de prisão que sofreu e cumpriu em parte, não lograram obter qualquer efeito sobre o seu comportamento no que respeita à actividade de venda de droga. Ao reiterar a sua conduta ilícita nos termos narrados, o arguido C manifestou total indiferença pelos fins das penas, sendo de concluir que a condenação anteriormente sofrida, não foi suficiente para que interiorizasse o desvalor da sua conduta e o afastasse da criminalidade. Desta feita, está verificado quer o pressuposto material da reincidência (traduzido na censura por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência ao crime), quer os pressupostos formais ( a natureza dolosa do crime agora cometido; ser este crime sem a incidência da reincidência, punido com pena de prisão efectiva superior a seis meses; o arguido tenha sido também condenado por decisão transitada em julgado com pena efectiva superior a seis meses, por crime doloso e entre a prática dos dois crimes não tenham decorrido mais do que cinco anos).» Em conclusão, em vista da materialidade sedimentada, como provada, em 1.ª instância e levando em ponderação as considerações do Colectivo de julgamento, supra, que não suscitam reparo, não se vê justificação para a pretextada atenuação especial da pena. Como assim, também neste segmento, o recurso não pode lograr procedência. 8.2 – Recurso interposto pelo arguido D Como acima se deixou editado, o recorrente faz tese de que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, quanto à escolha e medida da pena, devendo esta ser comutada in minus e o arguido condenado em pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução. A tanto não se opõe o Dg.º respondente, adiantando a adequação de uma pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução com regime de prova. Vejamos. O arguido foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível (p. e p.), nos termos do disposto no artigo 21.º n.º 1, do Decreto-Lei (DL) n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com pena de 4 a 12 anos de prisão, na pena concreta de 5 anos e 6 meses de prisão. Para tanto, ponderou o Colectivo nos seguintes termos: «Como assim, nesta sede há que considerar a gravidade dos ilícitos (neste aspecto releva a quantidade e qualidade de droga (cocaína e heroína) detida /vendida/transportada pelos arguidos A, D, C, B e E, bem como o tempo em que foi exercida a actividade de venda (salientando-se que os arguidos C, D e E se mantiveram nesta atividade de forma contínua desde Dezembro de 2010 até serem detidos).» Ressalta ainda como provado, no que respeita às condições pessoais do arguido: «67) O arguido D é casado, tem seis filhos com idades compreendidas entre os três e os oito anos de idade. À data dos factos havia sete meses que se encontrava em Portugal. Não exercia qualquer actividade remunerada. Diz que a mulher trabalha como ajudante de cozinha, auferindo cerca de €450 por mês, sendo ela que suportava as despesas da família. Vive em casa arrendada da qual paga €350. Tem de escolaridade o 10º ano. Não consta que tenha antecedentes criminais.» Vejamos ainda. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele – artigo 71.º, do CP. A pena não pode ultrapassar a medida da culpa – artigo 40.º n.º 2, do mesmo Código. O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, na impressiva síntese do Prof. Figueiredo Dias, «aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente» (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 3.º, pp. 186/187). No caso, verifica-se dolo intenso, atento o iter do crime em presença, evidenciador de uma firme vontade, por parte do arguido, de praticar os factos delitivos. Para além disso, o grau de ilicitude dos factos tem incontornável significado. Acresce salientar que, no contexto dos factos delitivos praticados e da realidade de vida do recorrente, a ausência de pretérito delitivo e a indiciada inserção socio-profissional do arguido, não atenuam, só por si, as exigências de prevenção especial. Por outro lado ainda, deve reconhecer-se que o crime em presença tem grande impacto na comunidade, por isso que as necessidades de prevenção geral atingem um grau que, suportando a determinação da pena concreta para além do ponto médio da moldura abstracta, antes devendo ponderar-se que o mínimo de pena imprescindível à manutenção da confiança colectiva na validade da norma violada se situa em ponto coincidente (mesmo abaixo) com o referido termo médio da moldura penal prevenida nos referidos preceitos incriminadores. Por outro lado, no contexto da factualidade em presença e no sopeso das demais penas estabelecidas na instância, não se encontra justificação, nem os alegantes a adiantam, para a pretendida comutação da pena de 5 anos e 6 meses, estabelecida pelo Colectivo a quo, para uma pena de 5 anos de prisão (mesmo com submissão a regime de prova). Ex abundanti, quanto à possibilidade de estabelecimento de uma pena de substituição, designadamente de uma pena de prisão suspensa na sua execução. Vejamos também. O decretamento da pena de substituição consistente na suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º, do CP) decorre da seguinte ordem de considerações. Para a aplicação da suspensão da execução da pena, a lei define um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades político-criminais – os que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente. Trata-se, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência. Veja-se, a respeito, com particular impressividade, Anabela Miranda Rodrigues, «A posição jurídica do recluso», p. 78 e segs. e «O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena privativa da liberdade», in «Problemas Fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin», Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2002, p. 177-208. Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena. Estão em causa, não considerações sobre a culpa mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção. Pretende-se, como sublinha, com incontornável autoridade, o Prof. Figueiredo Dias, «o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanóia das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de legalidade e não de moralidade que aqui está em causa. Ou como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência». Depois de se optar por uma pena detentiva, à luz das considerações e com os critérios legais sobreexpostos, importa pois determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, a partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade. Nos termos prevenidos no artigo 50.º, do CP, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou. Se, dessa análise, resultar que é possível esperar que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena. Isto posto, e retomando o caso, pode dizer-se, por um lado, que a pena concreta definida (de 5 anos e 6 meses de prisão), não consente a pretendida pena de substituição e, por outro lado, que o arguido, ainda que não tenha confessado os factos (com o significado inarredável de que, não assumindo o comportamente delitivo também se não dessolidarizou dele, acrescendo a ingente necessidade de prevenir crimes da natureza dos perpetrados, o interesse público de contenção de instintos primários, encorajando as mentes mais rebeldes à observância de regras de sã convivência comunitária, o que impõe rigor punitivo. Por outro lado, a aplicação, in casu, de uma pena de suspensão da execução da pena de prisão, nos termos prevenidos, maxime, no artigo 50.º, do CP, é claramente de afastar, desde logo por razões de prevenção especial, visto que, de todo em todo, se não demonstra que a simples ameaça de execução da pena seja suficiente para afastar o arguido da criminalidade, desde logo em atenção ao trajecto vital do arguido, e também tendo em consideração que uma tal pena não responderia, com adequado vigor, ao sentimento da justiça da comunidade – que, para sua legítima tranquilidade, reclama, atenta a frequência de crimes como os cometidos, uma forte reacção punitiva, incompatível com a ideia de quase impunidade que a pretendida suspensão significaria. A pedagogia correctiva de que o arguido se mostra carente passa, não pela pretextada pena substitutiva, mas pela efectiva privação de liberdade, só esta realizando os fins das penas, pois que o arguido, até pela ausência de uma atitude repesa e de auto-crítica dos comportamentos delitivos comprovados, não oferece quaisquer garantias de que a simples ameaça de execução da pena é suficiente para o afastar do cometimento de novos crimes (artigo 50.º n.º 1, do C) de modo a viabilizar a formulação de um juízo favorável da sua adequação futura às regras de convivência sociais. Termos em que, de todo em todo, se não verifica violada a normação citada pelo recorrente nem se justifica, in casu, seja a comutação da pena concreta estabelecida na instância, seja o estabelecimento de uma pena de suspensão da execução da pena de prisão. Assim, o recurso não pode lograr provimento. 8.3 – Recurso interposto pela arguida E A arguida defende que a pena aplicada na instância deve ser comutada in melius, alegando que o Tribunal a quo devia ter atenuado especialmente a pena e que devia ter optado por uma pena não privativa da liberdade, designadamente, pela suspensão da execução da pena, mesmo se com sujeição da arguida a deveres, regras de conduta ou regime de prova. E assim, porquanto: se trata «de uma cidadã (i) perfeitamente integrada na comunidade, (ii) tendo em Portugal toda a sua vida estabilizada e organizada, (ii) tendo sempre exercido actividade profissional remunerada (iii) possuindo no exterior meio familiar de suporte e (iv) não tendo quaisquer antecedentes criminais», ademais a recorrente «demonstra assim claramente ter interiorizado o desvalor da sua conduta, esmerando-se neste momento no sentido de alcançar a tão desejada reintegração e reabilitação social», além de que «desde que deu entrada no sistema prisional procurou manter um comportamento exemplar, o que tem conseguido». O Ministério Público, na instância, manifesta o entendimento de que a pena aplicada à arguida «não é excessiva». Vejamos. A arguida recorrente foi condenada, em 1.ª instância, nos seguintes termos: (i) como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p., nos termos do disposto no artigo 21.º n.º 1 e tabelas I-A e I-B, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com prisão entre 4 e 12 anos, na pena concreta de 5 anos de prisão; (ii) como autora material de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p., nos termos do disposto no artigo 86.º n.º 1, alínea c). da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, com prisão de 1 a 5 anos ou multa até 600 dias, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; (iii) em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, a arguida foi condenada na pena única de 5 anos e 5 meses de prisão. Para tanto, o Colectivo a quo ponderou nos seguintes termos: «No que tange ao crime de detenção ilegal de arma, pese embora a arguida E não tenha antecedentes criminais, trata-se de um crime que está conexionado com a actividade de tráfico que a arguida e o seu companheiro desenvolviam, detendo grandes quantidades de droga, movimentando somas avultadas de dinheiro, com os riscos inerentes, pelo que, sobretudo a espingarda caçadeira era um meio de defesa dos arguidos no âmbito da atividade de tráfico. Este ilícito não se pode dissociar da actividade ilícita global desenvolvida, pelo que as exigências de prevenção geral postas no caso se revelam acentuadas, não realizando a pena de multa de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.[…] Como assim, nesta sede há que considerar a gravidade dos ilícitos (neste aspecto releva a quantidade e qualidade de droga (cocaína e heroína) detida /vendida/transportada pelos arguidos A, D, C, B e E, bem como o tempo em que foi exercida a actividade de venda (salientando-se que os arguidos C, D e E se mantiveram nesta atividade de forma contínua desde Dezembro de 2010 até serem detidos).[…] Há também que ponderar o grau de culpa demonstrado na intensidade do dolo – directo e intenso – os arguidos conheciam as características dos produtos estupefacientes que detinham, compravam e/ou vendiam; O arguido C e F sabiam que com a sua actuação dissimulavam a verdadeira proveniência dos lucros obtidos pelo arguido C; Os arguidos E e C sabiam que não eram titulares de qualquer licença ou autorização que lhe permitisse deter a deter a arma e as munições que lhe foram apreendidas; O arguido C sabia ainda que a cédula de inscrição consular que detinha não lhe pertencia, se encontrava forjada. O modo de execução (relativamente ao crime de tráfico que é o mais relevante, os arguidos denotaram alguma organização e sofisticação – tinham como referência a barraca do arguido A nas “Barradas” em Sines, onde atendiam os consumidores, rodeando-se de especiais cuidados na abordagem dos mesmos. A droga e o dinheiro da mesma proveniente encontravam-se enterrados num galinheiro. O arguido C mantendo-se à distância procurava ter sempre alguém da sua confiança na dita barraca para controlar a actividade do arguido A e assegurar que o stock dos produtos estupefacientes não esgotasse, diligenciando pela sua reposição. Na casa de Massamá para além do produto estupefaciente, detinham ainda os arguidos C e E, produtos de corte e balança digital para a preparação das doses individuais).Entre todos os arguidos era utilizada linguagem codificada quando se referiam a cocaína e heroína, havendo também especiais cuidados na identificação do local onde era exercida a actividade.[…] A gravidade das suas consequências (ao nível da saúde pública dos consumidores adquirentes, das famílias destes, pois trata-se das chamadas drogas duras, altamente nocivas); Os arguidos chegaram a abastecer 15/20 consumidores no espaço de três horas em que decorria uma vigilância.» Ressalta ainda como provado, no que respeita às condições pessoais da arguida recorrente: «A arguida E solteira, desenvolveu actividade laboral trabalhando à hora, em tarefas domésticas em casas particulares e/ou empresas auferindo entre 3 e 4 euros por hora. O pai encontra-se detido. Conta com o apoio da progenitora para a sua reintegração. Tem de escolaridade o 6º ano. Vive em Portugal desde 2003. Não consta que tenha antecedentes criminais. Do relatório social consta que foi envolvida no processo pelo seu ex-companheiro. No estabelecimento prisional tem mantido um comportamento ajustado às regras institucionais.» Vejamos ainda. Quanto à pretendida atenuação especial das penas parcelares. Nos termos prevenidos no artigo 72.º, do CP, «(1) o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena; (2) para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.» Ora, no caso, ressalvado o devido respeito, não se vê – nem se demonstra – que ilicitude e a culpa da arguida recorrente deixem de atingir a gravidade pressuposta pelas normas incriminadoras, vale por dizer, não se verificam factos que consubstanciem a necessária, acentuada, essencial, atenuação da culpa ou das necessidades de prevenção. Assim, a materialidade atenuativa alinhada pela recorrente, não alcançando o carácter de excepcionalidade que consinta a aplicação daquela atenuação especial, só podia ter sido levada em sopeso – como foi – na ponderação das penas parcelares e, ademais, na pena final ou única, resultante do cúmulo jurídico daquelas. Por outro lado, diga-se, em vista do disposto, maxime, nos artigos 40.º n.os 1 e 2, 70.º e 71.º n.os 1 e 2, do CP, não se vê que o acórdão revidendo haja incorrido no pretextado erro de jure, pois que, atentos os factos sedimentados como provados, a gravidade da conduta da arguida e as particulares necessidades de prevenção, designadamente de prevenção geral, seriam, in casu, de molde a justificar penas parcelares e única de particular severidade, severidade que o Colectivo a quo temperou – e bem – em vista das condições pessoais, designadamente da primariedade delitiva da recorrente. Como assim, sem desdouro para a douta alegação da arguida, não se encontra fundamento para a pretendida mitigação das penas em que foi condenada. Termos em que, por falência do primeiro dos pressupostos da aplicação da pena de substituição definida no artigo 50.º n.º 1, do CP, fica prejudicada a apreciação da questão suscitada, atinente à suspensão da execução da pena de prisão. Em vista de tais fundamentos, o recurso interposto pela arguida não pode proceder. 8.4 – Recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO Como acima se deixou editado, o Dg.º recorrente situa a respectiva dissensão relativamente ao julgado em dois pontos, a saber: (i) os factos julgados provados na instância integram a prática, pela arguida E, de um crime de branqueamento, p. e p. nos termos do disposto no artigo 368.º n.os 1 e 2, do CP; (ii) em vista da presunção estabelecida no artigo 7.º n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, foram incorrectamente julgados os pontos j), do rol de factos tidos como não provados, e 49), do rol de factos tidos como provados, no segmento «com excepção da viatura de marca Opel». 8.4.1 – Do crime de branqueamento Vejamos, antes de mais, a questão da operação subsuntiva dos factos sedimentados na instância no tipo-de-ilícito prevenido no artigo 368.º-A n.os 1 e 2, do CP. Relativamente à operação subsuntiva dos factos no tipo-de-ilícito prevenido no artigo 368.º, do CP, o Colectivo a quo ponderou nos seguintes termos: «Da descrita materialidade fáctica provada, a conduta dos arguidos C e F, traduzida na intenção de ocultarem a verdadeira origem das quantias monetárias provenientes da actividade de tráfico de estupefacientes desenvolvida pelo arguido C e a própria titularidade dessas vantagens, quer através da canalização de tais quantias para contas bancárias tituladas pela arguida F, seguida de posteriores levantamentos, quer através da aquisição de uma viatura automóvel registada também em nome da arguida F, preenchem a tipicidade objectiva e subjectiva do ilícito em causa. Bem sabiam os arguidos que a sua conduta era proibida e punida por lei, no entanto não se abstiveram de agir nos termos narrados. Segundo o acórdão do STJ de 22.03.2007, disponível in www.dgsi.pt podemos afirmar o concurso efectivo do crime de tráfico da previsão do artigo 21º, nº1 do DL15/93 e do crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368º-A do C. Penal. Relativamente à arguida E, a quem vinha imputado também o crime de branqueamento, não se logrou provar a sua participação nestes factos, pelo quanto a tal ilícito se impõe a sua absolvição.» Afirma, em dissensão, o Dg.º recorrente: «[…] no caso vertente ficou assente que a arguida E dedicou-se à venda de heroína e cocaína desde, pelo menos, Dezembro de 2010 (v. nomeadamente as als. 1), 2), 8) e 9) da factualidade provada), e que, para melhor ocultar a origem dos lucros pecuniários obtidos com essa actividade, acordou com o co-arguido C em adquirir bens que lhes permitissem a respectiva detenção sem levantar quaisquer suspeitas (v. a al. 33) da factualidade provada). A coberto desse acordo os arguidos vieram a adquirir as viaturas automóveis AUDI A3, matrícula 30-76-UZ, e TOYOTA DYNA, matrícula 98-95-SN (v. as als. 41), 42), 43) e 44) da factualidade provada). Este quadro factual evidencia que a arguida E, juntamente com o arguido C, converteu os lucros pecuniários obtidos com a actividade de tráfico de estupefacientes noutros bens para dissimular e ocultar a origem ilícita daqueles (v. uma vez mais, quanto ao animus da arguida, a al. 33) dos factos provados). Perante isso, não há como não considerar preenchido, objectiva e subjectivamente, o tipo de branqueamento do artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal.» Vejamos ainda. Dispõe o artigo 368.º-A, do CP, epigrafado de branqueamento (na redacção introduzida seja pela Lei n.º 11/2004, de 27 de Março, seja, depois, relativamente ao n.º 5, pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, já vigentes ao tempo dos factos sub indice): «1 - Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infracções referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos, assim como os bens que com eles se obtenham. 2 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de dois a doze anos. 3 - Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos. 4 - A punição pelos crimes previstos nos n.os 2 e 3 tem lugar ainda que os factos que integram a infracção subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, ou ainda que se ignore o local da prática do facto ou a identidade dos seus autores. 5 - O facto não é punível quando o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e a queixa não tenha sido tempestivamente apresentada. 6 - A pena prevista nos n.os 2 e 3 é agravada de um terço se o agente praticar as condutas de forma habitual. 7 - Quando tiver lugar a reparação integral do dano causado ao ofendido pelo facto ilícito típico de cuja prática provêm as vantagens, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.» 8 - Verificados os requisitos previstos no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada se a reparação for parcial. 9 - A pena pode ser especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura dos responsáveis pela prática dos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens. 10 - A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.» Em sorte de enquadramento, citando o Dg.mo Procurador-Geral Adjunto, Dr. Alípio Ribeiro (Direitos Outros, a 9 de Outubro de 2009): «Do que hoje aqui falamos é de um fenómeno relativamente novo mas sobre o qual é cada vez mais forte a ideia, e uma ideia que os factos confirmam, de que tem capacidade para corromper os equilíbrios económicos e sociais das comunidades. Historicamente, na sua fase inicial, os mecanismos de luta contra o branqueamento de capitais não estão associados à criminalidade organizada nas suas diversas vertentes mas apenas naquilo que dizia respeito ao tráfico de estupefacientes. A partir dos anos 70, o tráfico mundial passou a gerar e a movimentar massas monetárias de tal modo significativas que não podiam ser facilmente geridas e, muito menos, geridas com a discrição necessária a diluir a sua origem criminosa. A Convenção das Nações Unidas contra o tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, adoptada em Viena, em 20 de Dezembro de 1988, é o primeiro instrumento internacional a abordar a questão do branqueamento. Por sua vez, em Estrasburgo, em 8 de Novembro de 1990, o Conselho da Europa adopta uma Convenção sobre o branqueamento e a confiscação dos produtos dos crimes. Em 1993, Portugal vai ao encontro destas preocupações criando legislação específica com o intuito de combater o branqueamento na área do tráfico de estupefacientes. A evolução dos acontecimentos, com o reconhecimento de que o calcanhar de Aquiles das organizações criminosas reside na necessidade de fazer circular, de um modo oculto, os seus lucros, conduz à afirmação de que o combate ao branqueamento é um elemento primordial na prevenção e na investigação da actividade delituosa de tais organizações, seja qual for o tipo de ilícitos a que se dedique. Em 17 de Junho de 1997, no âmbito da União Europeia, o Conselho aprovou um plano de acção de luta contra a criminalidade organizada em que se reconhece que este tipo de criminalidade investe num número crescente e diversificado de actividades ilícitas com um elevado potencial na obtenção de lucros. Por outro lado, e esse é um aspecto que não pode deixar de ser considerado, o glamour, a insinuação social que envolve muitos dos agentes criminosos que desenvolvem estas actividades, tornam particularmente difíceis as investigações com as técnicas policiais clássicas. Não podemos esquecer que é comum ao tráfico de estupefacientes, ao tráfico de armas, ao tráfico de seres humanos, à fraude fiscal, à corrupção, ao rapto, ou ao lenocínio. Este pequeno trajecto histórico pretende apenas salientar a importância crescente do branqueamento num curto período de tempo e da importância crescente do combate ao branqueamento como determinante do combate a todos os outros crimes que lhe são periféricos. E é neste curto período de tempo que também surge a percepção que o branqueamento não serve apenas para escamotear os lucros, pode também servir para financiar actividades ilícitas: o terrorismo é o paradigma.» Vejam-se, a respeito, por mais significativos, Jorge de Figueiredo Dias, «Para uma dogmática do Direito Penal Secundário, um contributo para a reforma do Direito Penal Social e Económico Português», em «Temas de Direito Penal Económico», Editora Revista dos Tribunais, 2000, páginas 11 a 63, José de Faria Costa, «O Branqueamento de Capitais», em «Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários», Vol. II, Coimbra Editora, 1999, páginas 301 a 320, e «Branqueamento de capitais (algumas reflexões à luz do direito penal e da política criminal)», no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXVIII, 1992, páginas 59 a 86, Germano Marques da Silva, «O crime de Branqueamento de Capitais e a Fraude Fiscal como crime pressuposto», em «Branqueamento de Capitais e Injusto Penal – Análise Dogmática e Doutrina Comparada Luso- Brasileira, AAVV, Juruá editora, Lisboa, 2010, A. G. Lourenço Martins, «Branqueamento de Capitais: contra-medidas a nível internacional e nacional», em Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 9, fascículo 3 (Julho-Setembro de 1999), páginas 449 a 487, Nuno Brandão, «Branqueamento de Capitais: o sistema comunitário de prevenção», Coimbra Editora, 2000, Jorge Manuel Vaz Monteiro Dias Duarte, «Branqueamento de Capitais – o regime do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e a normativa internacional», Publicações Universidade Católica, Porto, 2002, Pedro Caeiro, «A decisão-quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001, e a relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa», em «Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias», Coimbra Editora, 2003, páginas 1067 a 1132, Jorge A. F. Godinho, «Do crime de branqueamento de capitais – Introdução e tipicidade», Almedina, 2001, Ricardo José de Almeida Amaral, «O branqueamento de capitais e a derrogação do segredo bancário - implicações da má fé nas várias responsabilidades», em Verbo Jurídico – Compilações Doutrinais, Pedro Correia Gonçalves, «Combatendo o branqueamento de capitais – a Directiva 2005/60/CE de 26 de Outubro de 2005», em Verbo Jurídico – Compilações Doutrinais, Jorge dos Reis Bravo, Corrupção e branqueamento: questões práticas e jurídicas, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 8 de Julho de 2011, Vitalino Canas, «O crime de branqueamento – Regime de prevenção e de repressão», Almedina, 2004. Vejam-se ainda Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, «Código Penal, anotado e comentado», Quid Juris, 2008, páginas 893 a 896, e Paulo Pinto de Albuquerque, no «Comentário do Código Penal – à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», Universidade Católica Editora, 2008, páginas 866 a 871. Na jurisprudência, com maior relevo para o caso, vejam-se os acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça (fixação de jurisprudência), n.º 13/2007 (Diário da República, 1.ª série, n.º 240, de 13 de Dezembro de 2007, páginas 8903 a 8914), de 20 de Junho de 2002 (Proc. 02P472) e de 6 de Maio de 2010 (Proc. 156/00.2IDBRG.S1), da Relação do Porto, de 7 de Fevereiro de 2007 (Proc. 061659) e de7 de Novembro de 2001 (Proc. 0110598), e, da Relação de Lisboa, de 29 de Março de 2011 (Proc. 40/09.4PEAGH.L1-5) e de 10 de Janeiro de 2012 (Proc. 169/10.6TELSB-A.L1-5, este, como os demais sem menção de origem, disponível em www.dgsi.pt). Constituem fontes do normativo em referência, a Convenção de Viena sobre o tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, de 19 de Dezembro de 1988, a Convenção de Estrasburgo sobre o branqueamento, detecção, apreensão e perda dos produtos do crime, de 8 de Novembro de 1990, bem como a Directiva do Conselho n.º 2001/97/CE, de 16 de Junho de 1991. A disposição foi introduzida no CP pela citada Lei n.º 11/2004, de 27 de Março, em transposição da Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 2001/97/CE de 4 de Dezembro de 2001. A Lei n.º 11/2004 revogou o artigo 23.º, do Decreto-Lei (DL) n.º 15/93, de 22 de Janeiro e, bem assim, o artigo 2.º n.º 1, do DL n.º 325/95, de 2 de Dezembro. A dita Lei n.º 11/2004 foi, por sua vez, revogada pela Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, que não alterou o preceito antes adicionado ao CP. Como ensina o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque (ob. cit., pág. 867), «o bem jurídico protegido pela incriminação é a realização da justiça, na sua particular vertente da perseguição e do confisco pelos tribunais dos proventos da actividade criminosa.» E adianta: «O tipo objectivo consiste nas seguintes acções: (1) converter, (2) transferir, (3) auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, (4) ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.» Mais ressalta (página 869): «O tipo subjectivo do crime de branqueamento previsto no n.º 3 é congruente com o tipo objectivo. O mesmo não se passa com o tipo subjectivo do crime previsto no n.º 2, na medida em que este tipo inclui um elemento subjectivo adicional: a intenção de dissimular a origem ilícita da vantagem ou a intenção de evitar que o autor ou participante das infracções previstas no n.º 1 seja criminalmente perseguido ou submetido a uma recção criminal.» Retomando o caso sub indice. Antes de tudo, tenham-se presentes os factos, sedimentados, como provados, em 1.ª instância, e que pertinem à questão suscitada no recurso. Repristinando os factos, julgados provados pelo Colectivo a quo, que, segundo a minuta, integram a prática, pela arguida E, do crime de branqueamento: «1) Desde data não concretamente apurada, mas garantidamente desde Dezembro de 2010, os arguidos C, A, D e E passaram a dedicar-se à venda de heroína e cocaína. 2) Para o efeito os arguidos D e A procediam à venda directa dos estupefacientes que lhes eram entregues pelos arguidos C e pela sua companheira E, a diversos toxicodependentes na localidade de Sines, mais precisamente na zona das Barradas.[…] 8) No decurso da actividade de comercialização de droga os arguidos C e E utilizaram como local de armazenamento a residência de ambos, à data, sita na (…), em Massamá, Queluz. 9) No dia 19 de Maio de 2011, naquela habitação sita em Queluz, os arguidos C e E ali detinham os seguintes objectos: a) Na sala e numa estante: 1 (um) telemóvel, de marca “LG”, de cor preta e cinza, sem cartão e com o IMEI 359101-00151998-5; 1 (um) telemóvel, de marca “Samsung”, modelo “SGH-M610”, de cor rosa, IMEI 352887/02/418620/1, bloqueado pelo utilizador; 1 (um) cartão da “Vodafone”, com o ICCID 801039271257, com o PIN 222 e PUK24211019. b) No quarto: 1 (um) telemóvel, de marca “Nokia”, modelo “2600”, com o IMEI 355208/03/410496/8, com um cartão da TMN com o número 0000335916217; 1 (um) telemóvel, de marca “Nokia”, modelo “XpressMusic”, da operadora “Vodafone” com um cartão; Um envelope de correio azul internacional para o destinatário C; Um bilhete de identidade emitido pela República de Cabo Verde em nome de J; Um bilhete de identidade emitido pela República de Cabo Verde em nome de C; Um passaporte emitido pela República de Cabo Verde em nome de J; Uma cédula de inscrição consular n.º 2834/PT, emitido pela República de Cabo Verde – Consulado do Algarve, em Portimão, com os dados identificativos respeitantes ao cidadão J, mas onde o arguido C havia colocado a sua fotografia. c) Na arrecadação: 29,605 gramas de heroína, que se encontrava no interior de uma gaveta da mesa de cabeceira, quantidade que, no grau de pureza 11,2%, era susceptível de concretizar 33 doses individuais de consumo; E, no cesto da roupa, um saco plástico contendo: 1 (uma) balança digital, de marca “Constant”, modelo “14192-32”, prateada; 1 (um) saco com 345,99 gramas de heroína, no grau de pureza de 18%, permitindo a concretização de 623 doses individuais de consumo; 1 (um) saco com 170,700 gramas de peso bruto de paracetamol e cafeína, utilizado para produto de corte na feitura de doses individuais de consumo de heroína e cocaína; 1 (um) saco com 401,300 gramas de peso bruto de paracetamol e cafeína, utilizado para produto de corte na feitura de doses individuais de consumo de heroína e cocaína; 1 (um) saco com 235,023 gramas de heroína, num grau de pureza de 9,3%, que permitiriam a concretização de 218 doses individuais de consumo; 1 (um) saco com 298,975 gramas de cocaína (cloridrato), num grau de pureza de 62,1%, que permitiria concretizar 928 doses individuais de consumo; 1 (um) saco com 116,102 gramas de cocaína (cloridrato), num grau de pureza de 67,4%, e que daria para 391 doses individuais de consumo; 1 (um) saco com 136,610 de gramas de peso bruto de fenacetina, utilizado para produto de “corte”. Em cima de uma bancada: 1 (uma) espingarda de caça, tiro a tiro ou de tiro simples, de marca “Ego Eibar”, com o nº 78593, de 12 milímetros, modificada através dos encurtamentos dos canos e da coronha, com 33,5 centímetros de comprimento e de duplo gatilho e com a coronha em madeira, de cor castanha, alterada para punho, com 19 centímetros, tendo na parte superior uma patilha de segurança. O fuste de madeira, de cor castanha, com uma patilha em metal na parte inferior, que permite a respectiva desmontagem. Apresentava sinais de corrosão nos canos. 17 (dezassete) cartuchos relativas às munições da mesma; 1 (uma) munição de revólver calibre p.38; 1 (um) carregador de uma pistola de calibre 6,35 milímetros, com uma munição do mesmo calibre. No interior da gaveta de uma cómoda: Uma (1) cédula de inscrição consular emitido pela República de Cabo Verde em Portugal em nome de K; Um (1) passaporte emitido pela República de Cabo Verde em nome de K, e Uma (1) carta de condução emitida pela República de Cabo Verde em nome de K.[…] 33) Para melhor ocultarem a origem dos lucros pecuniários obtidos, os arguidos E e C acordaram que adquiririam bens que lhes permitisse a respectiva detenção sem que lhes fosse suscitadas quaisquer suspeitas.[…] 41) E assim com os proveitos que adquiriam da actividade de tráfico de droga, os arguidos E e C adquiriram no decurso do ano de 2011, duas viaturas automóveis. 42) Uma delas, da marca Audi, modelo A3, de matrícula 30-76-UZ, que, pelo menos, orçou quantia não inferior a 6.000,00€, e cuja propriedade consta em nome da arguida E desde 16.03.2011. 43) E a segunda de marca TOYOTA, modelo Dyna, de matrícula 98-95-SN, adquirida no decurso dos meses de Abril e Maio de 2011. 44) No que concerne à viatura de marca Toyota, modelo Dyna, foi a mesma adquirida no stand “Filecar”, em Vendas das Raparigas, na Benedita, por parte do arguido C, pelo preço de 11.500,00€ (onze mil e quinhentos euros), o qual efectuou o pagamento em numerário, tendo a respectiva propriedade sido inscrita em 20.05.2011, em nome da arguida F.» Assim, afigura-se (como ao Dg.º recorrente) inarredável, que a arguida E (de par com o co-arguido C) converteu os lucros pecuniários obtidos com a actividade de tráfico de estupefacientes que vinha desenvolvendo, em outros bens (os ditos veículos automóveis) com a clara intenção de dissimular e esconder a origem ilícita das vantagens obtidas com a dita actividade. Perfectibilizados, assim, seja o tipo objectivo seja o tipo subjectivo do crime previsto no artigo 368.º-A n.º 2, do CP, não pode deixar de concluir-se que a arguida Heloísa Monteiro se constituiu autora material do referido crime. E, como tal, deve ser punida. O Dg.º recorrente adianta mesmo, neste conspecto, uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Afigura-se, sem embargo, que, definida que está a questão da culpabilidade, já a questão da determinação da sanção deverá ser apreciada em primeira instância, pelos mesmos Mm.os Juízes que integraram o Colectivo de julgamento, precedendo, para tanto e se for caso, reabertura da audiência, nos termos e para os efeitos prevenidos no artigo 371.º, do CPP. Por que assim, impõe-se a remessa dos autos ao Tribunal recorrido com vista à selecção e fixação da medida da pena correspondente ao crime em referência – sem o que se mitigaria, desnecessária e intoleravelmente, o direito da arguida ao recurso. Vejam-se, neste sentido, por mais recentes e significativos, os acórdãos, da Relação de Évora, de 25 de Outubro de 2009 (Colectânea de Jurisprudência, IV/2009) e, da Relação do Porto, de 3 de Fevereiro de 2010 (este, como os demais citados sem expressa menção de origem, disponível em www.dgsi.pt). Nestes termos e particular, o recurso interposto pelo Ministério Público merece provimento. 8.4.2 – Da perda de bens O Dg.º Procurador da República recorrente suscita ainda a questão da presunção estabelecida no artigo 7.º n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, em vista da qual, segundo o douto alegatório, foram incorrectamente julgados os pontos j), do rol de factos tidos como não provados, e 49), do rol de factos tidos como provados, no segmento «com excepção da viatura de marca Opel». Vejamos. O Colectivo a quo julgou provado: «49) Os objectos e quantias monetárias apreendidos aos arguidos, com exceção da viatura de marca Opel e dos documentos de identificação constituem produto da actividade de venda de produtos de natureza estupefaciente.» E julgou não provado que: «j) A viatura de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula 03-55-FX tivesse sido adquirida pelos arguidos E e C com o produto da actividade do tráfico.» E assim, com a seguinte fundamentação: «Os factos não provados ficaram a dever-se à falta de prova que os confirmasse com o mínimo de credibilidade, nomeadamente que tivesse sido o arguido C a forjar a cédula de inscrição consular que continha a sua fotografia e que a arguida E tivesse solicitado à arguida Fe para que esta depositasse nas suas contas bancárias os lucros obtidos com a atividade do tráfico de estupefacientes, com o fim de ocultar a verdadeira origem desse dinheiro.» Ponderou, de jure, nos seguintes termos: «Do cotejo destas diversas disposições legais, importa declarar perdidos a favor do Estado todos os bens apreendidos com exceção da viatura modelo Opel – por ter sido registada em 2009, muito antes do período que está em causa na acusação como sendo aquele em que os arguidos se dedicaram à actividade ilícita do tráfico de estupefacientes, além de que a viatura está registada em nome da arguida E que desde essa data tinha ocupação laboral.» E decidiu, a final, neste particular: «Q - Restituir à arguida E o veículo automóvel de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula 03-55-FX.» Vejamos. A Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que «estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira» (rectificada pela Declaração n.º 5/2002, de 6 de fevereiro, e alterada pela Lei n.º 9/2008, de 21 de abril e pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro), determina, no artigo 7.º, epigrafado de «perda de bens»: «1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. 2 - Para efeitos desta lei, entende-se por património do arguido o conjunto dos bens: a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino. 3 - Consideram-se sempre como vantagens de actividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal.» Em face de tal normativo, não pode deixar de considerar-se (como considera o Dg.º recorrente) estabelecida uma presunção, aplicável, maxime, aos crimes, como o julgado nestes autos, de tráfico de estupefacientes, segundo a qual se presume constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. Presunção que, de resto, foi já considerada consonante com os princípios e normação constitucionais – neste sentido, o acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 294/2008. Vejam-se, a respeito, Jorge Godinho, «Brandos costumes? O confisco penal com base na inversão do ónus da prova», em Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora. 2003, páginas 1315 a 1363, Damião da Cunha, «Perda de bens a favor do Estado», Centro de Estudos Judiciários, Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-Financeira, Coimbra Editora, 2004, páginas 121 a 164, e Paulo Pinto de Albuquerque, no «Comentário do Código de Processo Penal», Universidade Católica Editora, 2007, anotação ao artigo 127.º, páginas 340 e 341. Na jurisprudência, vejam-se os acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 2010 (Proc. 18/06.GAVCT.S1), da Relação de Coimbra, de 15 de Fevereiro de 2012 (Proc. 171/10.8JALRA-A.C1), da Relação de Guimarães, de 24 de Novembro de 2008 (Proc. 1872/08-2) e, da Relação de Lisboa (Proc. 7123/2007-5). Revertendo ao caso, vejamos ainda. O Dg.º recorrente pretexta uma comutação da matéria de facto com base em um suposto erro de julgamento sobre a matéria de facto, sem que haja dado cumprimento ao ónus de especificação cominado no artigo 412.º n.os 3 e 4, do CPP. É que, ressalvado o muito e devido respeito, para obter a pretendida alteração do julgado, não basta invocar a dita presunção juris tantum. E assim, quando é o próprio Tribunal de julgamento a considerar ilidida tal presunção, ao ponderar que não determina a perda da viatura em questão «por ter sido registada em 2009, muito antes do período que está em causa na acusação como sendo aquele em que os arguidos se dedicaram à actividade ilícita do tráfico de estupefacientes, além de que a viatura está registada em nome da arguida Heloísa que desde essa data tinha ocupação laboral». Ponderação essa, abonada pelas razões que (formuladas de forma genérica e conclusiva mas, ainda assim, sem configurar lesão relevante da transparência do deciso) foram especificadas no aresto. Acresce que, na dúvida, sempre o Colectivo estaria vinculado, pelo favor rei, a proceder à valoração da prova em favor da arguida – neste sentido, o acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, acima citado. Nestes termos e particular, o recurso não pode deixar de julgar-se improcedente. 9 – Responsabilidade tributária Tendo em conta o decaimento total nos recursos interpostos e nos termos do disposto nos artigos 513.º e 514.º, do CPP, e no artigo 8.º n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação dos arguidos recorrentes C e D em custas, com a taxa de justiça (individual) determinada por referência (i) à condição económica daqueles recorrentes e (ii) à complexidade do processo. III – DISPOSITIVO 10 – Decisão Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido C; (b) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido D; (c) negar provimento ao recurso interposto pela arguida E; (d) conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, determinando-se a remessa dos autos à primeira instância para os efeitos acima editados, em 8.3.1, com vista à selecção e fixação da medida da pena correspondente ao crime de branqueamento, previsto e punível nos termos do disposto no artigo 368.º-A n.º 2, do Código Penal, de que a arguida E se constituiu autora material – confirmando-se, no mais, o acórdão revidendo; (e) condenar os arguidos C, D e E nas custas, com a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta. Évora, 13 de Novembro de 2012 António Manuel Clemente Lima (relator) – Alberto João Borges (adjunto) |