Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1930/15.0T8PTM.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: AUDIÊNCIA PRELIMINAR
OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Nas acções cujo valor não exceda metade da alçada da Relação, não é expectável (ao menos, em curso normal) a realização de audiência prévia, sendo confiada (apenas) ao juiz a ponderação sobre a utilidade da sua convocação.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1930/15.0T8PTM.E1 (2ª Secção Cível)


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

Luís (…), intentou acção declarativa comum, contra Maria (…), a qual corre termos na Comarca de Faro (Portimão – Instância Local – Secção Cível – J1), peticionando a condenação desta na restituição das quantias decorrentes dos contratos de mútuo que totalizam o valor de € 12.975,00, e juros desde a citação até pagamento, ou na restituição da referida quantia, e juros, mas a título de enriquecimento sem causa.
Alegou, para tanto, em síntese, terem as partes celebrado contrato de mútuo, nas condições alegadas, e que esta não cumpriu, não tendo designadamente liquidado a totalidade da quantia em dívida.
Citada, a Ré veio contestar, excepcionando a sua ilegitimidade passiva, por estar desacompanhada do que foi seu marido e impugnando parcialmente os factos defendendo a nulidade de dois dos contratos de mútuo, e pedindo ainda que não seja considerado aplicável o instituto do enriquecimento sem causa, devendo a acção ser julgada improcedente.
Requereu a intervenção principal de João (…), seu ex-marido por a dívida em causa ser da responsabilidade de ambos, intervenção que veio ser indeferida.
Na fase do saneador, veio a ser proferida sentença pela qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da ré, bem como se condenou esta no pedido, ou seja, “a restituir ao Autor a quantia de € 12.975,00, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, à taxa legal supletiva para os juros civis”.
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Inconformada, veio a ré interpor recurso e apresentar as respectivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
I- Ao conhecer do Incidente da intervenção principal provocada e da excepção dilatória da ilegitimidade passiva como conheceu, violou nitidamente a Mmª Juiz o Procedimento Formal a que obriga os citados artigos, pelo que deverão ser considerados nulos os despachos que incidiram sobre a referida matéria; por violação da aplicação dos artºs 3º, 6º, 590º, 591º e, a “contrario”, o artº 592º do C.P.Civil.
II- Mais, entende a ora recorrente, que na matéria alegada nos artº 24 a 29 da contestação, impugna a finalidade dos empréstimos, tornando-se tal matéria controvertida, conforme se alega infra, em sede de motivação de recurso, a Mmª Juiz não reunia condições para se pronunciar sobre o Incidente de Intervenção Principal Provocada nem conhecer da excepção dilatória de ilegitimidade de forma imediata, para além de reunir condições pois que o artº 1691º, a), do C. Civil preceitua no sentido que resulta serem dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges, independente do regime de bens que vigore no casal, os contratos por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar.
III- Face aos elementos constantes nos autos e perante a posição controvertia entre a A. e Ré, não poderia a Mmª ter conhecido da excepção dilatória.
IV- No caso dos presentes autos, foi proferida sentença sem que as partes fossem notificadas para a finalidade prevista no art. 591º, nº 1, al. b), do C.P.Civil, pelo que foram confrontadas com um despacho saneador-sentença, relativamente ao qual nem tiveram oportunidade processual de se pronunciarem sobre a selecção da matéria de facto que serviu de fundamento à sentença ora impugnada.
V- Não tendo as partes sido convocadas com essa específica finalidade, existe uma nulidade processual, tendo a decisão recorrida violado o disposto no art. 3º, nº 3, do C.P.C. e, de modo geral, o princípio do contraditório, constituindo uma decisão surpresa que é atentatória do princípio do processo justo e equitativo, garantido no n.º 4 do citado artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
VI- A sentença viola o dever de motivação da matéria de facto, nos termos do artigo 607º, nº 4, do C.P.Civil.
VII- Tal omissão impossibilita que a apelante, em sede própria, sindique qualquer questão sobre a produção de prova e/ou legalidade da mesma.
VIII- A sentença recorrida é nula, nos termos do art. 615º, nº 1, als. b) e d).
IX- Em relação à matéria quesitada nos artigos 3º a 5º dos factos provados o Tribunal a quo, em sede de fundamentação, não faz qualquer referência aos mesmos, limitando-se a considerá-los como provados,
X- Não sabe a ora Recorrente perante a fundamentação apresentada, qual a análise critica das provas apresentadas, porque a mesma é omissa acerca de cada facto e perante a prova constante dos autos, o que impede que a ora apelante se aperceba o juízo crítico quanto aos documentos constantes dos autos, e inquina a possibilidade de defesa por parte da ora apelante, contra a matéria dada como provada e não provada, porque não especifica os fundamentos de facto e não faz a referida análise. A referida omissão conduz a uma nulidade de sentença nos termos do disposto no artigo 668.º, nº 1, alínea b), do C.P.C..
XI- Da matéria de facto incorrectamente julgada, no ponto 3 do relatório da sentença, deu-se como facto provado: “O Autor entregou à Ré, a pedido da mesma, que alegou necessidade de dinheiro para pagar valores relacionados com a herança de uma tia, a quantia de € 5.000,00 em 31 de Dezembro de 2009, através de uma transferência bancária, e em 03 de Janeiro de 2010 fez outra transferência de € 5.000,00, ambas para a conta da Ré na Caixa Geral de Depósitos n.º (…)”.
XII- A posição controvertida assumida pela Ré em sede de contestação, impunha uma decisão diversa, o referido facto deveria ter sido dado como não provado.
XIII- A Mma. Juíza a quo ao decidir quanto a tal matéria, nomeadamente, dado o facto por provado, ao lançar mão de tal fundamentação, certo é, que pese embora a Ré, por lapso, não impugnou a expressão “alegando a mesma finalidade”, vertida no art.º 4 da PI, no entanto, cumpre esclarecer que o vertido no referido artigo, reporta-se a um empréstimo no montante de € 2.000,00 e não ao empréstimo no montante de € 10.000,00, o referido no artº 3 e 4 da douta PI.
XIV- Resulta da globalidade da contestação apresentada pela Ré que o referido facto nunca pode ser considerado admitido por acordo, por falta de impugnação, resulta de forma expressa que o mesmo está em oposição com a defesa apresentada no seu conjunto de modo a impugnar o motivo da finalidade do empréstimo;
XV- Ora tal facto dado como provado, ao abrigo do nº 2 do artº 574º do C.P.C., deveria ter sido dado como não provado, e consequentemente a referida matéria deveria ter sido levada a julgamento, porque impugnada em sede de contestação, porque matéria controvertida.
XVI- Mais fundamenta a Mma. Juíza para dar por provada a referida matéria a admissão por acordo das partes da factualidade constante no ponto 3 do relatório da sentença com os documentos de fls. 10 a 12.
XVII- Da leitura atenta dos referidos documentos não resulta, salvo melhor opinião, a admissão por parte da R., da alegada necessidade das solicitadas quantias em dinheiro para fazer face a despesas com herança de uma tia, mas sim a justificação por parte da R. ao A. do seu não cumprimento por ainda não ter conseguido efectuar venda de património próprio.
XVIII- Assim, tais elementos apenas permitem a seguinte resposta ao quesito 3º: “Não provado”.
XIX- Existindo, assim, erro de julgamento da prova documental junto aos autos Doc. 10 e 12 .
XX- Termos em que se impugna a matéria de facto dado por provada no ponto 3 do relatório da sentença, com a consequente modificabilidade da matéria de facto nos termos supra expostos, nomeadamente deverá ser dada por não provada a matéria dada por provada no ponto 3 do relatório da sentença que ora se impugna.
XXI - Ao decidir como decidiu violou a Mm o nº 2 do artº 574º do C.P.Civil, e consequentemente, tal facto foi incorrectamente julgado.
XXI – Deve a Douta Sentença, ora recorrida, ser considerada nula e substituída por outra que relegue o conhecimento da excepção dilatória de ilegitimidade e do mérito da causa para final.

Cumpre apreciar e decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, as questões que importa apreciar são as seguintes:
1ª – Da nulidade processual;
2ª – Da nulidade da sentença;
3ª – Da impugnação do julgamento da matéria de facto e, no caso de ser reconhecida a existência de erro, se tal tem influência no desfecho da acção.
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Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1- O Autor é amigo de longa data do ex-marido da Ré, e tinham o Autor e a Ré, em função disso, também uma relação de amizade.
2 – O Autor é residente habitual no Rio de Janeiro, Brasil.
3 – O Autor entregou à Ré, a pedido da mesma, que alegou necessidade de dinheiro para pagar valores relacionados com a herança de uma tia, a quantia de € 5.000,00 em 31 de Dezembro de 2009, através de uma transferência bancária, e em 3 de Janeiro de 2010 fez outra transferência de € 5.000,00, ambas para a conta da Ré na Caixa Geral de Depósitos n.º (…).
4 – Em 4 de Maio de 2010, alegando a mesma, a Ré contactou telefonicamente o Autor e pediu mais € 2.000,00 ao Autor, e nesse mesmo dia foi efectuada uma transferência desse montante para a mencionada conta bancária da Ré.
5 – O Autor entregou à Ré a pedido da mesma, em 31 de Maio de 2011, a quantia de € 2.000,00, que o Autor transferiu para a aludida conta bancária da Ré.
6 – O empréstimo seria para ser liquidado no início de Junho de 2012, inclusive, porque o Autor tinha viagem marcada para Portugal e precisava de ser reembolsado do montante entregue à Ré para nomeadamente suportar as despesas da estadia em Portugal, pelo que foi a Ré interpelada pelo Autor solicitando que procedesse à restituição da quantia total objecto do empréstimo.
7 – A Ré, até à presente data, apenas procedeu à entrega ao Autor, por transferências para a conta do Autor, no dia 10 de Maio de 2013 no valor de € 1.000,00, no dia 10 de Abril de 2014 no valor de € 10,00, no dia 6 de Maio de 2014 no valor de € 5,00, e no dia 4 de Junho de 2014 no valor de € 10,00.
8 – A Ré nada mais pagou ao Autor, apesar das diversas interpelação dirigidas pelo Autor, designadamente, nos termos dos documentos de fls.18, 19, e 20 e seg., cujo teor se dá por reproduzido.

Conhecendo da 1ª questão
Imputa a recorrente a existência do vício de nulidade processual, argumentando para o efeito, que tendo a sentença sido proferida sem antes se ter realizado a audiência prévia e sem dar às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre a selecção da matéria de facto, constituindo uma decisão surpresa, foi preterida formalidade legal, tendo sido violado o princípio do contraditório, cujo artº 3º, nº 3 do CPC exige que seja assegurado, o que é atentatório do princípio do processo justo e equitativo garantido no nº 4 do artº 20º da CRP.
Importa, assim, apreciar se a circunstância de ter sido proferido saneador-sentença, sem antes se ter realizado audiência prévia, é ou não susceptível de gerar nulidade processual com base nos fundamentos invocados.
Entendemos que não assiste razão à recorrente.
Vejamos.
A convocação da audiência prévia para o fim previsto no artº 591º, nº 1, al. b), visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-surpresa (artº 3º, nº 3, do CPC), pelo que se nos afigura que o juiz só poderá dispensar, nestes casos, a audiência prévia, ao abrigo do disposto nos arts. 6º e 547º, se aquele conhecimento assentar em questão suficientemente debatida nos articulados (v. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao NCPC, 2013, 494).
No caso dos presentes autos, estamos em presença de uma acção cujo valor (€ 12.975,00), não é superior a metade da alçada da Relação, havendo um preceito específico no CPC, que se refere, em concreto, à tramitação processual deste tipo de acções (artº 597º do CPC).
Nessa conformidade, neste tipo de acções, findos os articulados, é colocada à disposição do juiz uma panóplia de opções quanto à tramitação subsequente dos autos.
Assim, se teremos casos em que a questão aconselha a observância de uma tramitação similar à defendida tabelarmente para o processo comum, outros teremos em que é possível avançar directamente para a audiência final [artº 597º, al. g)].
E, entre estes dois limites, poderemos encontrar as mais variadas situações, ou seja, casos em que será preciso assegurar o contraditório quanto a excepções não debatidas nos articulados [artº 597º, al. a)], casos em que será útil convocar audiência prévia [artº 597º al. b)], casos em que se imporá proferir despacho saneador [artº 597º, al. c)], casos que justificarão outras medidas de adequação formal, de simplificação ou de agilização processual [artº 597º, al. d)], casos em que se mostrará conveniente proferir despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova [artº 597º, al. e)] ou ainda casos em que será aconselhável proferir despacho destinado a programar os actos a praticar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respectivas datas [artº 597º, al. f)].
Tudo isto é expressamente projectado para as acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, afigurando-se que o sentido da previsão é, em larga medida, acentuar uma nota de flexibilidade processual que, afinal, marca todo o sistema, face ao preceituado no artº 6º, nº 1 e no artº 547º, ou seja ao abrigo dos poderes de agilização e simplificação processual e de adequação formal (v, João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, in Introdução ao Estudo e à Aplicação do CPC de 2013, Almedina, 86/87).
Paulo Pimenta, in Processo Civil Declarativo, Almedina 2014, 299, a propósito do que dispõe o artº 597º do CPC, refere: “O regime do artº 597º confere ao juiz a hipótese de fazer uma opção entre diversas possibilidades antecipadamente alinhadas pelo legislador, o que significa que, nesse contexto, a decisão de gestão processual (porque é disso que se trata) tomada pelo juiz se inscreve no uso legal de um poder discricionário, não sendo susceptível de impugnação em recurso (artº 630º, 1).
Isto não significa que as (distintas) decisões proferidas pelo juiz, depois de decidir o caminho a seguir, não sejam impugnáveis.
Assinalando que, nas acções cujo valor não exceda metade da alçada da Relação, não é expectável (ao menos, em curso normal) a realização de audiência prévia, sendo confiada (apenas) ao juiz a ponderação sobre a utilidade da sua convocação”.
Voltando ao caso em apreço, verificamos que a Mª Juiz do Tribunal “a quo” não convocou a audiência prévia, uma vez que a presente acção cujo valor (€ 12.975,00) não é superior a metade da alçada da Relação, e, havendo tramitação específica para este tipo de acções, nos termos do artigo 597º do CPC, tal não é obrigatório, pois cabe no poder de apreciação e da adequação formal conferidos ao juiz de agilização e simplificação processual, consagrados nos artºs 6º, nº 1 e 547º, do CPC.

Também, não pode a recorrente vir alegar que se tratou de decisão surpresa, pois tal alegação não corresponde à realidade, que é retratada nos autos.
A recorrente no seu articulado (contestação), veio invocar a sua ilegitimidade e requereu o incidente de intervenção provocada do seu ex cônjuge.
Em 02/02/2016, a Mª juiz proferiu o seguinte despacho:
Notifique o Autor para no prazo de 10 dias, se pronunciar exclusivamente quanto a:
- excepção de ilegitimidade invocada pela Ré;
- incidente de intervenção principal provocada (artº 318º, nº 2, do Código de Processo Civil).”
O autor veio responder, defendendo a improcedência da excepção da ilegitimidade alegada pela ré, bem como a inexistência de fundamento para o incidente de intervenção provocada.
Posteriormente, em 06/04/2016, a Mª Juiz proferiu o seguinte despacho:
Considerando o teor dos autos, incluindo a posição assumida pela Ré, o processo oferece os elementos necessários à prolação de decisão final.
Assim, notifique as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Prazo para eventual pronúncia: 10 dias. ”
Sendo as partes notificadas, as mesmas silenciaram. As mesmas não usaram do poder que a lei lhes facultava, ou seja, não exerceram expressamente o direito ao contraditório, mas por opção própria, não por o mesmo lhe ter sido negado.
Tendo sido dado às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões a decidir pela Mª juiz, tendo sido alertadas para que seria proferida decisão final, a decisão que veio efectivamente a ser proferida, nessa sequência, não se pode reconhecer como sendo uma “decisão surpresa”.
Não existe qualquer questão apreciada sobre a qual não tivesse sido dada às partes a oportunidade de se pronunciarem.
Pelo exposto, poderemos concluir que a Mª Juiz “a quo”, não cometeu nenhuma irregularidade/nulidade processual, nem violou o disposto no artº 591º, nº 1, al. b), do CPC.
Assim, é manifesto que não existe fundamento que alicerce a pretensão da recorrente, sendo de improceder a invocada nulidade processual.
Em consequência, improcede a primeira questão suscitada pela recorrente.

Conhecendo da 2ª questão
A recorrente invocou a nulidade da decisão sob censura nos termos das alíneas b) e d) do nº 1 do artº 615º do CPC.
Afirma a recorrente falta de fundamentação em relação à matéria dos pontos 3 a 5 dos factos dados como provados.
O artº 615º, nº 1, al. b), dispõe que a sentença é nula ”quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Da leitura da sentença impugnada verificamos que a julgadora “a quo” expressou nela os fundamentos de facto e de direito em que estribou a sua decisão, que na óptica da recorrente não são suficientes para alicerçar o libelo condenatório.
Mas, mesmo que essa conclusão seja real, não podemos reconhecer que se esteja perante a nulidade prevista na al. b) do artº 615º, nº 1, do CPC, uma vez que a mesma só se tem por verificada quando exista uma falta absoluta de fundamentação e não também para os casos em que ocorra uma errada, escassa ou insuficiente fundamentação, como é uniformemente reconhecido pela jurisprudência (cfr. Ac. STJ de 01-03-1990, BMJ, 479; Acs. STJ de 22-01-2004, no processo 03B3809 e de 06-03-2014, no processo 20900/01, www.dgsi.pt).
Nestes termos, não se verifica a existência do arguido vício.

A recorrente arguiu também a nulidade da sentença recorrida, nos termos da al. d) do nº 1 do artº 615º, do CPC, alegando que a Mª Juiz não poderia ter conhecido da excepção dilatória de ilegitimidade, face à posição do autor e da recorrente.
A alínea d) deste normativo comina a sentença de nula “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Nos termos do disposto no nº 2 do artº 608º do CPC “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
No caso dos autos, verifica-se que tal matéria foi amplamente discutida nos articulados, pelo que podia a Mª Juiz julgar improcedente a excepção, imediatamente, se, na falta de outra indicação da lei, a recorrente/ré, figurava como titular dessa relação, tal como ela é desenhada pelo autor (artº 30º, nº 3, do CPC).
Deste modo resulta claro e evidente que a decisão recorrida tinha de analisar tal questão, pelo que a mesma não padece da nulidade de excesso de pronúncia que a recorrente lhe imputa.
Em consequência, improcede a segunda questão suscitada pela recorrente.

Conhecendo da 3ª questão
A recorrente vem impugnar a matéria de facto dada como provada no ponto 3, pretendendo que tal matéria seja considerada como não provada, referindo que tal facto nunca poderia ter sido admitido por acordo, por falta de impugnação, e nem os documentos de fls. 10 a 12 dos autos provam tal matéria.
Do facto 3 da matéria dada como provada consta o seguinte:
“O Autor entregou à Ré, a pedido da mesma, que alegou necessidade de dinheiro para pagar valores relacionados com a herança de uma tia, a quantia de € 5.000,00 em 31 de Dezembro de 2009, através de uma transferência bancária, e em 3 de Janeiro de 2010 fez outra transferência de € 5.000,00, ambas para a conta da Ré na Caixa Geral de Depósitos nº (…).”
A Mª juiz na sua fundamentação relativamente a tal facto, referiu que o mesmo se encontra admitido por acordo, e com o mesmo relacionam-se os documentos de fls. 10 a 12.
Tal matéria que consta provada, foi alegada pelo autor na petição inicial e consta dos artºs 3º e 4º da mesma peça processual.
Na contestação a ré aceitou o vertido no artº 4º da petição, e dos documentos juntos aos autos nomeadamente a fls. 10 a 12, os mesmos, não foram impugnados pela recorrente.
Assim, não assiste razão à recorrente relativamente à matéria que consta do facto 3, pelo que o mesmo se deverá manter como provado.
E, quanto ao teor dos documentos juntos, os mesmos são livremente apreciados pelo tribunal (cfr. artº 607º, nº 5, do CPC).
Nestes termos, diremos que a decisão impugnada, não merece censura, sendo de confirmar, irrelevando, por isso, as conclusões apresentadas pela recorrente, não se mostrando violados os preceitos legais cuja violação foi invocada.

DECISÃO
Pelo exposto decide-se, julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Évora, 09/02/2017
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Mário António Mendes Serrano