Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3459/14.5T8ENT-A.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Sumário: Em sede de oposição à execução, a compensação só constitui fundamento válido desde que se alicerce em documento revestido de força executiva.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora

I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Embargante: (…)

Recorrida / Embargada: (…)

Trata-se da oposição deduzida mediante embargos de executado à execução instaurada com base numa sentença judicial proferida a 30/05/2013, transitada em julgado, para pagamento da quantia de € 15.000. O embargante invoca ser credor da embargada pelo montante de € 20.000, montante pecuniário pertencente ao embargante de que a embargada se apropriou, retirando-o de conta bancária, tendo feito operar a compensação dos créditos por declaração remetida a 11/07/2013.


II – O Objeto do Recurso

Findos os articulados, foi proferida decisão julgando os embargos totalmente improcedentes, determinando-se o prosseguimento da execução.

Inconformado, o Embargante apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que admita a compensação de crédito neste processo. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«1) O título executivo é uma sentença judicial proferida a 30/05/2013, no âmbito de um processo de divisão de coisa comum, que adjudica ao executado a parte do imóvel pertencente à exequente e o condena no pagamento da quantia de 15.000,00 Euros.
2) O crédito da exequente nasceu no momento em que transitou em julgado a sentença que procedeu à divisão do imóvel de ambas as partes, adjudicando-o ao executado e condenando-o a pagar o valor referente à parte da exequente que ficou a pertencer-lhe.
3) Nestes embargos de executado deduzidos pelo executado, é excepcionada a compensação de créditos no valor de 20.000,00Euros, declarada perante a exequente em 11/07/2013.
4) Estamos perante relações jurídicas diversas, uma vez que a execução decorre da divisão de coisa comum (imóvel) e a compensação de crédito emerge da apropriação indevida pela exequente da quantia de 20.000,00Euros, pelo que não precludiu o direito de compensação do executado.
5) A compensação de créditos não opera ipso iure, sendo necessária a manifestação de vontade de um dos credores-devedores nesse sentido, sendo certo que a situação de compensação só se verifica quando dois créditos existem em condição de serem compensados.
6) Verifica-se que tanto a situação de compensação – existência de créditos recíprocos em condições de poderem ser compensados que da decisão que divide a coisa comum – quanto a declaração de compensação – operada em 11/07/2013 – são posteriores ao termo, quer do prazo da contestação quer do encerramento da discussão e julgamento.
7) Até à sentença que decidiu a ação de divisão de coisa comum, não havia condições de compensabilidade, pelo que é admissível a invocação da compensação de créditos efetuada pelo executado nos embargos que deduziu.
8) Em face do exposto, conclui-se que a decisão recorrida errou na interpretação e aplicação do disposto no artigo 729º, h), CPC, uma vez que o crédito da exequente apenas surgiu com a sentença que decide a ação de divisão da coisa comum, não havendo, até então, condições para operar a compensação de créditos, face à falta de crédito da exequente sobre o executado, sendo admissível a invocação da compensação de créditos nestes autos.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre conhecer da seguinte questão: da existência de créditos recíprocos em condições de serem compensados no âmbito do processo executivo.

III – Fundamentos

A – Dados a considerar

Aqueles que resultam do relato que supra se deixa exposto.

B – O Direito

Nos termos do disposto no art. 847.º do CC, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;
b) terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente (art. 847.º, n.º 2, do CC). A compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra (art. 848.º do CC). Constitui, pois, uma causa de extinção da obrigação, efetivada mediante um negócio jurídico unilateral, a declaração, que reveste a natureza de um direito potestativo extintivo.[1]

No âmbito do processo executivo, a compensação pode atuar como fundamento de oposição à execução baseada na sentença, quer ao abrigo do disposto na al. g) do art. 729.º do CPC quer ao abrigo da al. h) do referido preceito legal. Se é invocado que teve lugar a compensação, que se operou já a notificação de um contracrédito, desde que seja judicialmente reconhecido, que acarretou a extinção do crédito exequendo, a situação fáctica encontra acolhimento na al. g), consubstanciando a invocação de exceção perentória; se invoca o contracrédito judicialmente reconhecido com vista à compensação com o crédito exequendo, enquadra-se na previsão da al. h).

Ora, segundo jurisprudência emanada por este Tribunal da Relação, designadamente em acórdãos de coletivos integrados pela ora relatora[2], «para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente e, na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva».[3]

A orientação jurisprudencial do STJ nesta matéria, explanada, designadamente, no Acórdão de 14/03/2013 que aqui seguiremos de perto, dá conta que «para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente. Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação[4]. Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva.» Donde, «a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contracrédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível»[5]. «Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coativa da prestação», pelo que se o «crédito não é exigível judicialmente, não pode ser apresentado a compensação.»[6]

Em suma, é indispensável que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito.[7] No âmbito da oposição à execução, o crédito exequendo só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, ou seja, que seja judicialmente exigível, pois o processo executivo não comporta a definição do contracrédito.[8]

Termos em que cabe concluir que a compensação operada em sede de execução de sentença apoia-se necessariamente num documento com força executiva.[9]

No caso em apreço, na medida em que o embargante não apresenta contracrédito titulado por documento revestido de força executiva, não constitui fundamento válido a atender em sede de oposição à execução.

O que implica na confirmação da decisão recorrida.

As custas recaem sobre o Recorrente – art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Concluindo: em sede de oposição à execução, a compensação só constitui fundamento válido desde que se alicerce em documento revestido de força executiva.


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 23 de Novembro de 2017

Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões (com declaração de voto)
Vítor Sequinho dos Santos

Declaração de voto
Reconhecendo embora que corresponde a jurisprudência corrente, nomeadamente do nosso STJ, e sempre com o maior respeito por opinião diversa, não subscrevo, ainda assim, a afirmação constante do acórdão de queNo âmbito da oposição à execução, o crédito exequendo só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva”.
Não vindo ao caso discutir outras controvertidas questões que a invocação da compensação em sede de embargos de executado vem suscitando, está em causa nos presentes autos a compensação extrajudicialmente declarada, integrando portanto a previsão da al. g) do art.º 729.º, segundo a distinção que é feita no acórdão. Do aqui preceituado resulta que, fundando-se a execução em sentença, a oposição pode ter por fundamento, entre outros taxativamente previstos, “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento”, não formulando a lei nenhuma exigência suplementar quando está em causa o facto extintivo compensação.
Não podemos assim deixar de concordar com o Prof. M. Teixeira de Sousa, quando critica tal entendimento, fazendo notar que “Não pode deixar de causar alguma estranheza a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo, atendendo a que a finalidade da invocação do contracrédito é a oposição à execução, e não a execução do contracrédito. O título executivo atribui a exequibilidade extrínseca a uma pretensão e constitui uma condição da acção executiva. O título executivo só se compreende em função da possibilidade da satisfação coactiva de uma pretensão e para permitir esta satisfação. Sendo assim, não estando em causa a satisfação coactiva do contracrédito, não é justificada a exigência de que o mesmo conste de um título executivo.
Os Autores argumentam com a necessidade de evitar que seja retardado o pagamento do crédito exequendo. O argumento é apelativo, mas há que referir que, seguindo essa mesma orientação, então todas as causas de extinção do crédito exequendo deveriam constar não só de documento (para satisfazer a - aliás, muito discutível - exigência do art.º. 729.º, al. g), CPC), mas, além disso, de documento com valor de título executivo. Por exemplo: de acordo com a orientação defendida pelos aludidos Autores e pela jurisprudência acima citada, a novação invocada pelo executado em embargos também deveria constar de um título executivo, porque o reconhecimento judicial dessa novação naqueles embargos é igualmente susceptível de retardar a satisfação do crédito exequendo.
Quer dizer: a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo não é harmónica no contexto do art.º 729.º, dado que exige para uma das formas de extinção da obrigação um requisito que não é exigido para nenhuma outra forma de extinção do crédito exequendo” (cf. Blog do IPPC, entrada de 22 de Março de 2016).
Deste modo, e tal como foi defendido a propósito nos arestos do TRC de 21/4/2015, processo 556/08.0TBPMS-A.C1, e de 15/11/2016, processo 1751/13.5TBACB.A.C1, e deste mesmo TRE de 20/10/2016, processo 119/04.0 TBABT-A.E1, todos acessíveis em www.dgi.pt., é também meu entendimento não ser necessário que a existência do crédito e os requisitos substantivos da compensação se provem por documento com força executiva, sendo no entanto necessário que se prove por documento o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art.º 847.º do C. Civil, bem como a declaração de querer compensar (art.º 848.º) quando efectuada fora do processo.
Não obstante, dada a insuficiência dos documentos juntos pelo apelante para fazer prova dos referidos requisitos, a despeito do meu referido divergente entendimento, votei a decisão.

Maria Domingas Simões

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[1] Cfr. Ac. STJ de 14/03/2013 (Granja da Fonseca).
[2] Cfr. Ac. TRE de 30/11/2016 e de 08/06/2017 (José Tomé de Carvalho).
[3] Neste sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. II, 2014, p. 248.
[4] Ac. do STJ de 18/01/2007 (Oliveira Rocha).
[5] Ac. do STJ de 14/12/2006 (João Moreira Camilo).
[6] Ac. do STJ de 29/03/2007 (Oliveira Vasconcelos).
[7] Ac. do STJ de 28/06/2007 (Pires da Rosa).
[8] Ac. STJ de 14/03/2013 (Granja da Fonseca).
[9] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. II, 2014, p. 250.