Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6759/11.2TBSTB-B.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A acta da reunião da assembleia de condóminos é um acto composto que inclui a deliberação da assembleia de condóminos e a prova do cumprimento do ónus de efectuar uma comunicação eficiente.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 6759/11.2TBSTB-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Instância Central – Juízo de Execução de Setúbal – J2
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
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I – Relatório:
Na presente executiva proposta por Condomínio do prédio sito na Avenida D. (…), nº 10, em Setúbal contra (…), o exequente não se conformou com a decisão que indeferiu liminarmente o requerimento cumulativo executivo. *
A acção executiva apresenta como título executivo uma acta de condomínio, na qual peticiona o pagamento da quantia global de € 2.030,00 relativa a prestações mensais de condomínio vencidas e não pagas até Maio de 2011, acrescida da pena pecuniária de que o executado é devedor.
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Posteriormente, em 06/03/2015, o exequente apresentou uma cumulação sucessiva de execuções, tendo para o efeito junto novo requerimento executivo (com base em nova acta de condomínio) peticionando a quantia global de € 2.260,00, relativa às prestações mensais de condomínio vencidas e não pagas entre Junho de 2011 e Dezembro de 2014, que inclui a respectiva pena pecuniária pelo atraso no pagamento.
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A decisão recorrida indeferiu liminarmente o pedido de acumulação sucessiva de execuções, nos termos do artigo 726º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 551º, nº 3, do mesmo diploma. Fundamenta a sua decisão na seguinte argumentação «as actas de condomínio constituem título executivo, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do DL nº 268/94, de 25/10. No entanto, para que as mesmas sejam exequíveis é necessário que elas sejam eficazes relativamente ao devedor, seja porque participou nas deliberações, esteve presente na Assembleia ou não tendo participado, nem comparecido à assembleia lhe seja dado efectivo conhecimento das deliberações tomadas, e que só assim o vinculam. No caso concreto, resulta do teor das actas dadas à execução que o executado não participou nas deliberações, nem esteve presente nas assembleias, desconhecendo-se se foi notificado das deliberações tomadas, pois não foi junto documento que comprove que tal aconteceu».
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Inconformado com tal decisão, o recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
A) Por despacho proferido nos presentes autos, o requerimento executivo de cumulação sucessiva de execuções interposto pelo ora recorrente/exequente em 06/03/2015, foi objecto de indeferimento liminar.
B) Esta decisão baseou-se no entendimento de que a acta de condomínio (título executivo) junta pelo recorrente / exequente, não possui exequibilidade, visto que o executado/recorrido não participou na assembleia, nem foi junto documento comprovativo do envio das respectivas deliberações ao executado, bem como a obrigação exequenda, apesar de certa e líquida, não está vencida, pelo que não é exigível.
C) Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, não pode o ora recorrente concordar com o entendimento e decisão proferida pelo Mmº. Juiz a quo.
D) Na verdade, a qualidade de título executivo das actas das Assembleias de Condóminos decorre unicamente das mesmas conterem os requisitos indicados no artigo 6º do DL nº 268/94, de 25/10 e não de quaisquer outros, designadamente, se a acta foi assinada pelo condómino relapso (caso tenha estado presente na assembleia) e/ou se lhe foi comunicada (caso não tenha participado na mesma).
E) Tais exigências iriam contra os princípios normativos enunciados no preâmbulo do DL nº 268/94, de 25/10, cujos objectivos foram (entre outros) "procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros".
F) De facto, entender-se que a acta tem força executiva apenas quando o condómino incumpridor estiver presente na assembleia e tiver assinado a acta, significaria que se estaria a combater a eficácia e a potenciar a ineficácia, originando a que os condóminos devedores não compareçam nas assembleias por forma a evitar a exequibilidade da respectiva acta e obrigar a administração do condomínio a recorrer forçosamente à acção declarativa.
G) Por outro lado, a ser exigido (conforme vem enunciado no despacho recorrido) o comprovativo da comunicação ao executado / recorrido das deliberações sobre as contribuições devidas ao condomínio, sê-lo-á apenas para efeitos de aferir da exigibilidade da obrigação exequenda que está na base do título e não para efeitos de exequibilidade do título, sendo certo que no âmbito do processo executivo em curso está assegurado ao condómino incumpridor/executado o recurso aos embargos (art. 728º do CPC), querendo deduzir oposição à execução.
H) Ou seja, uma vez aprovadas e exaradas em acta, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos do prédio, mesmo para os que não tenham participado na reunião ou que, participando, se abstiveram de votar ou votaram contra, e ainda para aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação.
I) No caso sub judice, a acta (título executivo) junto pelo recorrente / exequente reúne os requisitos enunciados no art. 6º, nº 1, do DL nº 268/94, de 25/10, na medida em que pela mesma se mostra que a assembleia aprovou e deliberou as contribuições devidas ao condomínio por parte do executado/recorrido, que se mostram devidamente discriminadas, quanto aos respectivos quantitativos, à sua natureza e aos períodos a que respeitam, não tendo estas deliberações sido objecto de qualquer impugnação (prevista no art. 1433º do CC).
J) Ou seja, do título executivo (acta relativa à assembleia de condóminos de 04/02/2015) junto pelo recorrente / exequente, resulta que a obrigação exequenda é certa, já que do título executivo se ficam a conhecer o objecto e sujeitos; é exigível, na medida em que está vencida, visto que as contribuições/quotizações mensais de condomínio em débito são relativas ao período compreendido entre Junho de 2011 e Dezembro de 2014 (e vencem-se no dia 08 do mês a que dizem respeito) e a aplicação da penalização diz respeito à mora do executado no pagamento das suas contribuições mensais; é líquida, porquanto se acha determinado o seu quantitativo, quer a título de contribuições mensais ordinárias (€ 1.710,00), quer a título de pena pecuniária (€ 550,00).
K) Ao contrário do explanado no despacho recorrido, não é requisito de exequibilidade do título, nem cabe ao recorrente/exequente, enquanto credor, instar o devedor e juntar documento comprovativo de “interpelação judicial ou extrajudicial”, para se demonstrar que a obrigação exequenda se encontra vencida.
L) O entendimento seguido pelo Mmº Juiz a quo de que a obrigação exequenda não está vencida, viola o princípio da responsabilidade do devedor e o princípio de presunção de culpa do mesmo, consagrados nos artigos 798º e 799º do CC.
M) Ao apresentar o requerimento de cumulação sucessiva de execuções, o exequente/recorrente mais não fez do que cumprir as deliberações tomadas em sede de Assembleia de Condóminos de 04/02/2015, designadamente proceder à cobrança coerciva de contribuições mensais de condómino devidas pelo executado (art. 1436º, al. d), e) e h), do CC), bem como aplicar uma penalização ao executado/recorrido, enquanto condómino relapso, nos termos dos artigos 1424º, 1434º, nº 1 (in fine) e nº 2, 804º, nº 2, 810º e 811º do CC).
N) O executado/recorrido nunca pagou voluntariamente as suas contribuições de condomínio, desde que é condómino no prédio do exequente/recorrente.
O) Em suma, a acta junta pelo exequente/recorrente constitui título bastante e preenche os requisitos de certeza, exigibilidade e liquidez exigido por lei (artigo 713º do CPC), para se realizar a cumulação de execuções requerida pelo recorrente/exequente em 06/03/2015, em virtude de ser por este título que se determina o fim e os limites da acção executiva, não existindo qualquer aferição prévia da existência efectiva do direito (presumindo-se a sua existência), cabendo ao executado/recorrido excepcionar ou impugnar a sua formação, subsistência, validade ou eficácia mediante embargos, através da competente oposição à execução.
P) Face ao supra exposto, ao decidir como decidiu, o Mmº Juiz a quo violou o disposto no art. 6º, nº 1, do DL 268/94, de 25/10, bem como os artigos 703º, nº 1, al. d), 711º, 713º e 726º, 2 (a contrario), do CPC e os artigos 798º e 799º do CC, pelo deve ser revogado o despacho de indeferimento liminar proferido, admitindo-se o requerimento de cumulação de execuções apresentado pelo exequente / recorrente e ordenando-se o ulterior prosseguimento dos autos.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as inerentes consequências, fazendo-se assim, serena, sã e objectiva Justiça».
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A parte contrária não contra-alegou. *
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à questão dos requisitos exigidos para a acta da assembleia de condomínio assumir a natureza de título executivo.
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III – Dos factos apurados com interesse para a resolução do recurso:
Da análise do histórico do processo e dos demais elementos disponibilizados no recurso, com interesse para a decisão da causa, apuraram-se os seguintes factos:
1) A propriedade da fracção A (r/c, dtº) do prédio sito na Avenida D. (…), nº 10, em Setúbal, encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº (…) e inscrita na matriz predial urbana da freguesia de São Julião sob o artigo (…), a favor de (…), conforme certidão do registo predial e certidão matricial juntas nos documentos identificados m 1) e 2), cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Na Assembleia Geral de condóminos realizada em 04/02/2015, foi deliberado propor contra o (…) acção executiva para pagamento das prestações mensais de condomínio vencidas e não pagas entre Junho de 2011 e Dezembro de 2014 no valor de € 1.710,00 acrescida da respectiva pena pecuniária no valor de € 550,00 – conforme documento denominado “Acta nº 9”, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Em 06/03/2015, o exequente apresentou uma cumulação sucessiva de execuções e não juntou documento comprovativo da referida deliberação ter sido notificada a (…).
4) Nessa sequência, foi prolatado o despacho que indeferiu liminarmente o pedido de cumulação sucessiva de execuções.
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IV – Fundamentação:
A acção executiva visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado e tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artigos 2º, 4º, nº 3 e 45º, nº 1, do CPC, a que correspondem os artigos 2º e 10º, nºs 1, 4 e 5, do NCPC).
A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo. Ou seja, é exigência legal a existência de um documento que formaliza a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (art.º 45º, nº 1, do CPC, a que sucedeu o artigo 10º, nºs 4 e 5, do NCPC).
Para Lebre de Freitas o título constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva, isto é, o tipo de acção e o seu objecto, assim como a legitimidade, activa e passiva[1].
Rui Pinto afirma que «deve considerar-se que o título executivo é um documento, i. é., a forma de representação de um facto jurídico, o documento pelo qual o requerente de realização coactiva da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos»[2].
A propósito da necessidade de título executivo, Abrantes Geraldes[3] refere que «o título executivo é, assim, condição necessária da acção executiva, já que sem título não pode ser instaurada acção executiva; se for instaurada, deve ser indeferida liminarmente; se o não for, pode ser objecto de oposição à execução.
Mas, por outro lado, o título executivo é também condição suficiente da acção executiva, uma vez que a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação. Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da acção executiva».
O título executivo cumpre, no processo executivo, uma função de legitimação: ele determina as pessoas com legitimidade processual para a acção executiva e, salvo oposição do executado, ou vício de conhecimento oficioso, é suficiente para iniciar e efectivar a execução.
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A acta que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte (artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25/10, com referência ao artigo 703º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil).
A expressão presente no texto do artigo 6º, nº 1, do DL 268/94, de 25/10, «contribuições devidas ao condomínio» abrange quer as “contribuições em dívida ao condomínio” (contribuições já apuradas), quer as contribuições futuras, desde que se verifiquem os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade que condicionam a admissibilidade da acção executiva, devendo estas características da obrigação exequenda constar da deliberação tomada na assembleia geral de condóminos e serem vertidas na correspondente acta[4].
É uniformemente entendido que se enquadram neste âmbito as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício, na acepção do artigo 1421º, os serviços de interesse comum referidos no artigo 1424º, os prémios de seguro obrigatório contra o risco de incêndio previstos no artigo 1429º e as despesas com a reconstrução do edifício[5].
Ao conferir eficácia executiva às actas das reuniões da assembleia de condóminos o legislador visou evitar o recurso à acção declarativa em questões cuja simplicidade é evidente, dado que, por norma, as quantias monetárias em dívida já se encontram liquidadas ou a necessária operação de cálculo é de fácil liquidação de acordo com os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos da sua responsabilidade pelo pagamento de despesas de interesse comum.
Na leitura de Aragão Seia «a acta da reunião de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar no prazo estabelecido sua quota-parte (nº 1 do art. 6º do DL nº 268/94, de 25/10), ainda que o condómino não tenha estado presente nessa assembleia; a força executiva da acta não tem a ver com a assunção pessoal da obrigação consubstanciada na assinatura dela, mas sim com a eficácia imediata da vontade colectiva, definida através da deliberação nos termos gerais, exarada em acta»[6].
Pires de Lima e Antunes Varela entendem que uma vez aprovadas e exaradas em acta, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos, mesmo para os que não tenham participado na reunião ou que, participando, se abstiveram de votar ou votaram contra, e ainda, para aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação[7] [8] [9].
Numa determinada perspectiva, para poder ser utilizada como título executivo, é necessário, mas também bastante, que uma acta de assembleia de condóminos fixe a quota-parte da responsabilidade de cada condómino devedor (os montantes e o valor das contribuições devidas ao condomínio ou de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou serviços de interesse comum) e o prazo para o respectivo cumprimento.
Em abstracto, é entendimento maioritário que a acta da assembleia de condóminos pode abranger a cobrança coerciva das contribuições mensais de condómino devidas pelo executado (artigos 1436º, als. d), e) e h), do Código Civil), bem como a penalização prevista para o devedor relapso relacionada com o não pagamento tempestivo das contribuições devidas ao condomínio prevista pelos artigos 1434º, nº 1 (in fine), e nº 2, 810º e 811º do mesmo diploma, desde que este agravamento esteja previsto no regulamento do condomínio[10] [11] [12]. Pois, doutro modo, impunha-se a solução de obrigar o condomínio a instaurar uma acção declarativa com o fim de obter a condenação do condómino relapso no pagamento dessa penalidade, quando o objectivo legislativo é a simplificação e a agilização dos mecanismos tendentes a garantir o cumprimento das obrigações relativas às despesas comuns e outras de natureza afim na propriedade horizontal.
Na verdade, com a edição do Decreto-Lei nº 268/94, de 25/10, como já se afirmou, o legislador pretendeu conceder maior flexibilidade ao funcionamento dos condomínios, «tornando a deliberação eficaz mesmo para aquele que, por má vontade ou impossibilidade pessoal, não esteve presente, não assinou ou não quis assinar a acta, concedendo força executiva à acta de assembleia de condóminos quanto aos montantes das contribuições devidas por cada um, com isso viabilizando também a exigência de pagamento das mesmas, não sendo necessário que o condomínio ou a administração tenha de recorrer a acção declarativa nesse sentido, e assim, mercê da maior eficácia da cobrança, logrando também a melhor manutenção do parque habitacional em geral»[13].
No entanto, o artigo 6º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25/10, apenas se refere aos limites do título e os requisitos substanciais (convocação e funcionamento da assembleia de condóminos, quórum de presença e de deliberação, direitos dos condóminos, encargos de conservação e fruição, entre outros) e formais têm de ser encontrados nas regras editadas a propósito da propriedade horizontal.
A acta em apreço reúne os requisitos substanciais exigidos na lei e pressupostos pelo artigo 6º, nº 1, do DL 264/94, na medida em que pela mesma se mostra que a assembleia aprovou as contribuições e outras despesas já em dívida ao condomínio por parte do executado, que se mostravam devidamente discriminadas quanto aos respectivos quantitativos, natureza das mesmas e períodos a que respeitam.
Em concreto aquilo que cumpre aferir é se a deliberação tomada na reunião de condóminos necessita de ser notificada ao titular de uma fracção quando este estiver estado ausente dessa reunião em ordem a perfectibilizar a correspondente acta, enquanto título executivo. E, a ocorrer essa omissão, importa assim apurar quais são as consequências da falta da notificação e se a mesma se traduz na inexigibilidade da dívida exequenda.
Após reconhecer que a obrigação era certa, determinada e líquida, o Tribunal «a quo» entendeu que a prestação não era exigível. No entendimento do julgador «a prestação é exigível quando está vencida e ela só se vence quando o devedor é interpelado judicial ou extrajudicialmente, para cumprir a obrigação em certo prazo ou fixando-se o seu termo. Se o vencimento da prestação não resultar directamente do título executivo, o exequente deve com o requerimento executivo juntar documento que comprove o vencimento da obrigação. No presente caso concreto nada disso aconteceu, limitando-se o exequente a juntar aos autos cópias da acta de assembleia de condóminos, bem como a quota-parte nas despesas necessárias à conservação e fruição nas partes comuns de que é condómino o executado e da aplicação de uma pena pecuniária».
Pergunta-se assim qual é o efeito da falta de notificação da acta que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum?
A este respeito, tem sido editada jurisprudência que aponta que a qualidade de título executivo das actas das assembleias de condóminos decorre unicamente de as mesmas conterem os requisitos indicados no artigo 6º do DL nº 268/94, de 25/10, e não de quaisquer outros, designadamente, de a acta ser comunicada aos condóminos[14]. Na defesa deste entendimento assume-se que o condomínio pode recorrer de imediato à acção executiva, sendo que ao condómino faltoso é assegurado o recurso procedimental à oposição mediante embargos.
Será que esta é uma visão redutora que não atende às interacções que é necessário estabelecer entre o regime geral do negócio jurídico, as regras atinentes à propriedade horizontal e a norma habilitadora específica estabelecida autonomamente no Decreto-Lei nº 268/94, de 25/10?
Impõe o artigo 1432º, nº 6, do Código Civil que as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias[15].
A comunicação aos condóminos não presentes do teor da deliberação aprovada deve ser feita pelo administrador para a morada indicada ou conhecida do condómino, por carta registada com aviso de recepção, conforme resulta da intercepção entre os nºs 6 e 9 do artigo 1432º do Código Civil.
Na generalidade os contributos doutrinais não tomam posição directa densificada sobre a consequência da omissão do envio da comunicação. Rui Vieira Miller debate a questão da devolução da carta registada e afirma que se a carta foi dirigida com rigor para o domicílio indicado pelo condomínio e outro não lhe é conhecido, «como se trata de um acto jurídico, deve o administrador fazer publicar anúncio em um jornal da sua residência, conforme a regra do artigo 225º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 295º, dessa forma se considerando feita a comunicação na data da publicação»[16]. Se a carta for devolvida por deficiência de indicação o administrador terá de expedir nova carta mencionando correctamente a morada.
A natureza e finalidade da obrigação de envio da acta que contém a deliberação impõem que se considere que «a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida», tal como ressalta textualmente da primeira parte do artigo 224º, nº 1, do Código Civil.
Como regra, as declarações são recipiendas, tendo de ser levadas ao conhecimento ou ao poder de um determinado destinatário para produzirem efeitos, mesmo quando as mesmas assumem natureza potestativa.
De acordo com o propósito da lei, a declaração chega ao poder do destinatário quando atinge a sua esfera pessoal, ficando ao seu alcance, de modo a que, em condições normais e segundo as regras da experiência comum, o destinatário possa, por actos que dependam dele próprio (e que se espera que ele pratique nessas circunstâncias), tomar conhecimento da vontade manifestada pelo declarante. Deve, pois, a recepção fazer-se em termos tais que se possa contar com o conhecimento, que seja legítimo esperá-lo de acordo com aquilo que é normal acontecer e as condições efectivamente conhecidas pelo declarante[17].
A declaração recipienda torna-se apta a produzir os efeitos intencionados pelo declarante: a) logo que é efectivamente conhecida pelo destinatário (ou seja, logo que este toma conhecimento do respectivo conteúdo); ou, b) quando chega ao poder do destinatário em condições de ser por ele conhecida (consoante resulta do nº 3), ou c) a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida pelo destinatário, caso este não tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna recepção (nº 2).
Estamos com Heinrich Ewald Hörster quando este assevera que «relevante para uma declaração negocial não é apenas o seu conteúdo, de acordo com o modo em que a vontade se manifesta, ou a sua forma, observada por virtude da lei ou da convenção, mas ainda o momento da sua eficácia (ou perfeição) antecedido, por um lado, ainda pelo momento da emissão. Ao aspecto estrutural junta-se um elemento temporal: o desenvolvimento no tempo.
(…)
Desta maneira, a existência de uma declaração negocial pode apresentar mais do que uma fase, e normalmente é isto que acontece. Na verdade, podemos distinguir os seguintes momentos sequenciais:
1º a exteriorização, quando a declaração é formulada ou manifestada, exprimindo o declarante a sua vontade;
2ª a expedição, quando a declaração, depois de exteriorizada, é expedida pelo declarante; (…)
3º a recepção, quando a declaração chega ao poder do seu destinatário ou declaratário em termos que normalmente lhe permitam tomar conhecimento do seu conteúdo (entrada na esfera de poder do declaratário);
4º o conhecimento, quando o destinatário ou declaratário toma, de facto, conhecimento da declaração que lhe foi dirigida»[18]
Estamos perante um cenário de não cumprimento do trâmite formal por causa não imputável ao destinatário. Por conseguinte, cruzando a situação concreta com a matéria relacionada com a perfeição das declarações negociais, entendemos que a acta da assembleia de condóminos configura uma declaração negocial, ainda que de natureza potestativa, cuja perfeição exige que a comunicação aos condóminos não presentes da deliberação aprovada seja realizada nos termos prescritos na lei. A eficácia imediata da vontade colectiva corporizada na acta só é plena a partir do momento em que se concretiza (ou, no mínimo, é tentada) a notificação exigida na lei.
E a omissão dessa formalidade tem efeitos não apenas no adiamento do início do prazo para a propositura da acção de impugnação[19] mas assume igualmente reflexos ao nível da perfeição do título executivo, pois este é um acto composto que inclui substancialmente a deliberação da assembleia de condóminos e formalmente é exigida a prova do cumprimento do ónus de efectuar uma comunicação eficiente[20], competindo ao condomínio fazer com que a declaração seja recepcionada pelo destinatário em circunstâncias tais que possa ter efectivo acesso ao seu conteúdo.
De outro modo, contra a vontade expressa do legislador, estava aberto um caminho para a viciação da obrigação de comunicar aos condóminos não presentes o teor das deliberações tomadas na assembleia do condomínio que afectam os respectivos direitos e interesses, transferindo para estes o ónus da prova da não recepção da comunicação em sede de oposição à execução mediante embargos. A celeridade e a agilização não justificam que a preterição de formalidades seja desconsiderada, dado que esta comunicação é essencial na arquitectura do quadro jurídico vigente no domínio da propriedade horizontal.
Aliás, existe um conjunto de alternativas reactivas confiadas aos condóminos como requerer judicialmente a anulação (ou nulidade) da deliberação, sujeitar a decisão colectiva da assembleia de condomínio à avaliação de um centro de arbitragem ou convocar de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações eventualmente inválidas ou ineficazes, as quais seriam de facto suprimidas ou postergadas, caso prevalecesse entendimento diverso. É indiscutível que o prazo para o exercício destes direitos não começa a correr para os efeitos provisionados pelo artigo 1433º do Código Civil, mas essa não é a única consequência que retira em nome da unidade do sistema jurídico.
Deste modo, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, a omissão da obrigação de comunicação das deliberações a todos os condóminos ausentes não é um acto inócuo e quando é preterida essa formalidade essencial a acta não goza de exequibilidade pelos fundamentos atrás aduzidos. Se assim não fosse, ao invés de consagrar a exigência formal precipitada no nº 6 do artigo 1432º do Código Civil, o legislador teria optado por estabelecer o ónus de impor ao condomínio faltoso a obtenção da informação necessária ao conhecimento do que ali teria sido deliberado. Esta exigência formal tem exactamente a mesma dimensão axiológica daquela que é ordenada para a convocação da assembleia, sendo que é claro que a sanção pelo incumprimento da forma legal imposta corresponde à anulabilidade. Posto isto, apesar de não se perfilhar da tese que se está perante uma obrigação inexigível, mantém-se a decisão recorrida.
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V – Sumário:
1. A acta da reunião de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum que não devam ser suportadas pelo condomínio constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar no prazo estabelecido sua quota-parte, mesmo que o devedor não tenha participado na assembleia de condóminos ou, fazendo-o, não haja assinado a acta.
2. As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes nos termos impostos no nº 6 do artigo 1432º e, tratando-se de um acto de natureza receptícia, a omissão do comportamento devido tem reflexos ao nível da perfeição do título executivo previsto pelo artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25/10.
3. A acta da reunião da assembleia de condóminos é um acto composto que inclui a deliberação da assembleia de condóminos e a prova do cumprimento do ónus de efectuar uma comunicação eficiente.
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custa a cargo do apelante nos termos do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 28/06/2017
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário


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[1] A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª Edição, pág. 43.
[2] Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, pág. 142-143.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Junho de 2007, in www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, ver acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 26/04/2007, 12/06/2008 e 17/02/2011, in www.dgsi.pt.
[5] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/07/2007, in www.dgsi.pt.
[6] Propriedade Horizontal, Coimbra, 2001, pág. 198.
[7] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição revista e actualizada (com a colaboração de Henrique Mesquita), Coimbra Editora, Coimbra 2011, pág. 446.
[8] Idêntico posicionamento resulta da obra de Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pág. 257.
[9] No domínio jurisprudencial esta tese está presente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/03/2003, in www.dgsi.pt, que refere que «a acta a que se refere o artigo 6, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, constitui título executivo contra o condómino que deixa de pagar o condomínio, tenha participado ou não na assembleia de condóminos e tenha ou não assinado a acta». No mesmo sentido podem ser consultados os Acórdãos da Relação do Porto de 02/06/1998, 26/10/1998, 17/01/2002, 18/12/2003, 19/02/2004, 29/06/2004, 21/04/2005 e 18/04/2006.
[10] No sentido amplo de que se deve incluir as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434º do Código Civil podem ser consultados os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/06/2001, do Tribunal da Relação do Porto de 03/03/2008, do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/07/2007, 17/02/2009 e 22/06/2010, in www.dgsi.pt.
[11] Em sentido contrário numa acepção restritiva encontram-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/2010, 21/03/2013 e 08/01/2013, in www.dgsi.pt.
[12] Sandra Cristina Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª edição, 2002, pág. 319, advoga que, «embora, rigorosamente, a pena pecuniária não seja uma “contribuição devida ao condomínio”, esta é a solução mais conforme à vontade do legislador. Não faria sentido que a acta da reunião da assembleia tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma acta não servisse de título executivo para as penas pecuniárias, aplicadas normalmente para punir os condóminos inadimplentes».
[13] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/04/2005, in www.dgsi.pt.
[14] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/05/2007, in www.dgsi.pt.
[15] Artigo 1432º (Convocação e funcionamento da assembleia):
1 - A assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.
2 - A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.
3. As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido.
4 - Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.
5 - As deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.
6 - As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias.
7 - Os condóminos têm 90 dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância.
8 - O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 6.
9 - Os condóminos não residentes devem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o do seu representante.
[16] A Propriedade Horizontal no Código Civil, Almedina, Coimbra, 1988, pág. 277.
[17] Fernando Ferreira Pinto, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa 2014, pág. 506.
[18] A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra 2000, pág. 446-447.
[19] Aragão Seia, Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios, Almedina, Coimbra 2001, pág. 172.
[20] Coelho Vieira, Negócio Jurídico – Anotação ao Regime do Código Civil (Artigos 217º a 295º), Coimbra Editora, Coimbra 2006, pág. 30 avança que a lei faz recair sobre o declarante o ónus de efectuar uma comunicação eficiente.