Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
393/22.9GABNV.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL SUMARÍSSIMO
INEXISTÊNCIA DE OPOSIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Conforme resulta cabalmente da confrontação do requerimento apresentado pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido com o teor do despacho proferido ao abrigo do disposto no art.397º do CPP, neste manifestamente não se aplicou ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses e 15 dias que impetrada fora, sendo certo que quanto à mesma (e à pena principal) inexistiu oposição.
Estabelece-se no artigo 397º, nº 3, do CPP, que o despacho que procede à aplicação da sanção é nulo quando aplique pena diferente da proposta, o que ocorre no caso em apreço.

Na verdade, de acordo com o nº 1, do referido artigo 397º, o despacho que aplica a sanção vale como sentença condenatória, pelo que lhe aplicável o elenco das nulidades a que se refere o artigo 379º, nº 1, do CPP.

E, por força da alínea c) deste artigo é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o nº 393/22.9GABNV, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo Local Criminal de … – Juiz …, em Processo Especial Sumaríssimo, foi ao arguido AA aplicada, por decisão de 06/10/2023, a pena de 120 dias de multa, à razão diária de 6,50 euros, no montante global de 780,00 euros, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º, nº 1, alínea a), do Código Penal.

2. O Ministério Publico não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1) O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida no Processo n. 393/22.9GABNV, no âmbito do qual, o Ministério Público requereu a condenação em processo especial sumaríssimo, arguido AA pela prática como autor material e na forma consumada, em 09.09.2022, de um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. artigo 291.º, n. 1 alínea a) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante global de € 780,00 (setecentos e oitenta euros) e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias, artigo 69º, n.º1, alínea a), do Código Penal.” e relativamente ao qual o arguido não se opôs, nos termos do artigo 396.º, n. 1 b) do CPP.

2) O Tribunal, por despacho datado de 06.10.2023, procedeu à aplicação da sanção contudo, em termos diversos dos requeridos pelo M.º P.º, tendo condenado o arguido AA, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto no artigo 291º, nº1, alínea a) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), no montante global de € 780,00 (setecentos e oitenta euros);

4) condenar o arguido, AA, no pagamento das custas criminais, fixando a taxa de justiça na quantia de 0,5 UC.”

3) Ora, da leitura do despacho proferido em 06.10.2023 à primeira vista poderíamos julgar estar perante mero lapso de escrita o qual poderia ser retificado nos termos do artigo 380.º do CPP, não fosse o facto deste artigo fazer uma ressalva na alínea a) do numero 1, que remete para as nulidades de sentença previstas no artigo 379.º do CPP e ainda, não fosse o facto de se entender que, “valendo como sentença condenatória” como se diz no artigo 397.º, n. 2 do CPP, ao retificar o despacho recorrido, estar-se-ia a alterar a pena aplicada ao arguido e o facto de que com a sua prolação do aludido despacho se entender que se esgotou o poder jurisdicional do Juiz (616.º do CPC), e daí defendermos que o meio próprio para arguir a nulidade, é o presente recurso (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.02.2023, que teve por relator o Sr. Juiz Desembargador Dra. Simone Pereira, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

4) Entende o M.º P.º que a sentença padece de nulidade por ter aplicado pena diferente da proposta pelo Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 120.º e artigo 397.º, n. 3 do CPP, e por consequência, padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n. 1, alínea c) do Código de Processo Penal, em virtude do tribunal não se ter pronunciado sobre questões acerca das quais se deveria de pronunciar, no caso, acerca da pena acessória cuja aplicação foi requerida pelo M.º P.º, nulidades que no presente ato se arguem e que se pretendem ver declaradas.

5) Com a declaração de nulidade é invalido o despacho recorrido e em que vício invocado se verifica e todos os que dele dependem, designadamente, a notificação da sentença ao arguido, ao defensor e ao M.ºP.º, aproveitando-se todos os atos que puderem ser salvos, tudo nos termos do disposto no artigo 122.º do Código de Processo Penal.

6) Atento o exposto, o M.º P.º defende que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e assim, que o despacho, que vale como sentença, e do qual se recorre, seja revogado e substituído por outro, que aplique ao arguido não só a pena de multa de 120 (cento e vinte) dias, à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), como também a pena acessória nos termos requeridos pelo Ministério Público, de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses e 15 (quinze dias), repetindo-se a notificação ao arguido, defensor e ao M.º P.º, como é de Justiça e de Direito.

7) Tudo com as demais consequências legais.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. Inexiste resposta à motivação de recurso.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a da nulidade da decisão revidenda.

2. Elementos relevantes para a decisão

2.1 Nos presentes autos, o Digno Magistrado do Ministério Público requereu, aos 14/06/2023, a condenação, em processo especial sumaríssimo, do arguido AA, pela prática como autor material e na forma consumada, aos 09/09/2022, de um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelos artigos 291º, nº 1, alínea a) e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena principal de 120 dias de multa, à razão diária de 6,50 euros e bem assim na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses e 15 dias.

2.2 O arguido, notificado que foi para deduzir oposição, nos termos do estabelecido no artigo 396º, nº 1, alínea b), do CPP, não se opôs.

2.3 A decisão recorrida, proferida em 06/10/2023, apresenta o teor que se transcreve:

O Ministério Público, em processo especial sumaríssimo, requereu a aplicação, ao arguido:

AA, filho de BB e de CC, nascido a …1974, natural da freguesia de …, titular do documento de identificação civil nº … e residente na …, …, de uma pena de multa de 120 dias, à taxa diária de € 6,50, numa quantia global de €780,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo prazo de 6 meses e 15 dias, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291º, nº1, alínea a) do Código Penal, pelos factos constantes do despacho do Ministério Público datado de 14/06/2023, que se dão aqui por inteiramente reproduzidos.

Foi recebido o indicado despacho do Ministério Público e ordenada a notificação do arguido para, em querendo, se opor à aplicação de uma pena em sede de processo sumaríssimo.

O arguido, regularmente notificado, conforme consta do ofício datado de 17/07/2023, não apresentou oposição.

Pelo que, cumpre apreciar e decidir.

Analisando os factos imputados ao arguido, concorda-se que as exigências de prevenção geral no presente caso são elevadas tendo o bem jurídico protegido pela norma em apreço, a segurança rodoviária de todos os cidadãos, sendo necessário não só reforçar a confiança dos mesmos na norma violada, mas também dissuadir a generalidade da comunidade da sua prática.

O grau de ilicitude das condutas descritas é elevado, tendo em conta a taxa de álcool no sangue que o arguido registava.

Por outro lado, as exigências de prevenção especial no presente caso mostram-se de grau baixo, atendendo ao certificado de registo criminal do arguido, de onde não consta qualquer registo anterior, mais se considerando que o mesmo se encontra familiar, social e profissionalmente integrado, relevando-se ainda que o mesmo assumiu a prática dos factos.

Tendo o exposto em consideração, o presente Tribunal concorda com a pena proposta pelo Ministério Público.

Nestes termos, decide-se, com validade de sentença condenatória e sem possibilidade de recurso ordinário, nos termos do artigo 397º, nº2 do Código de Processo Penal:

1) condenar o arguido, AA, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto no artigo 291º, nº1, alínea a) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), no montante global de € 780,00 (setecentos e oitenta euros);

4) condenar o arguido, AA, no pagamento das custas criminais, fixando a taxa de justiça na quantia de 0,5 UC.

Notifique e deposite.

Após o trânsito em julgado, remeta-se boletins ao Registo Criminal.

Apreciemos.

Conforme resulta cabalmente da confrontação do requerimento apresentado pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido aos 14/06/2023 com o teor do despacho de 06/10/2023, neste manifestamente não se aplicou ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses e 15 dias que impetrada fora, sendo certo que quanto à mesma (e à pena principal, diga-se) inexistiu oposição.

Estabelece-se no artigo 397º, nº 3, do CPP, que o despacho que procede à aplicação da sanção é nulo quando aplique pena diferente da proposta, o que ocorre no caso em apreço.

O regime das nulidades apresenta-se sujeito aos princípios da legalidade e tipicidade, como resulta do artigo 118º, nº 1, do CPP, constituindo apenas nulidades insanáveis as que no artigo 119º, do mesmo, se mostram elencadas ou as que como tal, são cominadas em outras disposições legais.

Ora, a omissão assinalada não se integra nas nulidades previstas no artigo 119º e nem no nº 3, do artigo 397º assim é classificada, pelo que, numa primeira abordagem, pareceria que seria uma nulidade dependente de arguição, com o regime consagrado no artigo 120º, do CPP.

Mas, assim não é.

Na verdade, de acordo com o nº 1, do referido artigo 397º, o despacho que aplica a sanção vale como sentença condenatória, pelo que lhe aplicável o elenco das nulidades a que se refere o artigo 379º, nº 1, do CPP.

E, por força da alínea c) deste artigo é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Face ao que, o despacho recorrido lavrado aos 06/10/2023 enferma de nulidade por omissão de pronúncia, merecendo provimento o recurso, competindo ao tribunal a quo a reparação dessa enfermidade.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso pelo Ministério Público interposto e, em consequência:

A) Declaram a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia – artigos 397º, nº 3 e 379º, nº 1, alínea c), do CPP;

B) Determinam que pelo tribunal recorrido seja proferido nova decisão onde se supra a nulidade ora declarada.

Sem tributação.

Évora, 19 de Março de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(Margarida Bacelar)