Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2142/03.1TBEVR-L.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – O nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais constitui uma norma excepcional que visa atenuar, a obrigação de pagamento da taxa de justiça, nas acções de valor superior a 275.000 euros, adequando esse valor à actividade processual desenvolvida, evitando a desproporcionalidade que poderia resultar da mera aplicação dos valores constantes nas tabelas.
2 – Esta possibilidade está subordinada à existência de determinados pressupostos habilitantes como sejam os relacionados com a ausência de complexidade da causa e o momento da apresentação do pedido nos casos em que tal não seja oficiosamente determinado pelo Tribunal.
3 – O pedido de redução ou dispensa de pagamento do remanescente poderá ser deduzido depois de proferida a decisão final mas não pode ser formulado como reacção concreta ou hipotética ao valor a pagar na sequência da elaboração da conta.
4 – Sem ignorar o valor da causa, o factor decisivo no preenchimento do conceito de complexidade deve estar indexado aos meios humanos, técnicos, logísticos e temporais disponibilizados pelos Tribunais que se pronunciaram sobre o objecto da causa, em associação com a substância qualitativa das diferentes peças processuais presentes nos autos e com a natureza das diligências de prova produzidas em sede de julgamento
5 – Ainda assim, quando por via dessa normação abstracta o custo do acesso ao direito for notoriamente exagerado, cumpre aos Tribunais corrigir as eventuais distorções e reduzir o montante em causa à sua justa medida, promovendo uma interpretação conforme à Constituição no sentido do redimensionamento da proporcionalidade entre o serviço prestado pelo Estado e as utilidades que os utentes da Justiça retiram da actividade jurisdicional exercida pelos Tribunais.
6 – O enaltecimento dos princípios da razoabilidade e de equilíbrio prestacional, tendo em atenção os critérios da utilidade económica da causa, da complexidade do processado e do comportamento procedimental das partes, ao abrigo do direito constitucionalmente garantido de efectivo acesso à justiça, aponta de forma rectilínea para que se conclua que uma proporção de 1,3% entre o valor da causa e o remanescente da taxa de justiça a cobrar a final se mostra correcto e justo, não o tornando excessivamente oneroso para a parte vencida.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 2142/03.1TBEVR-L.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo Central de Competência Cível e Criminal de Évora – J1
*
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
*
I – Relatório:
(…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), tendo sido notificados da conta de custas e com ela não concordando, vieram apresentar reclamação e reforma da mesma. Em face do indeferimento da respectiva pretensão, interpuseram o presente recurso.
*
Notificados sobre a conta de custas da sua responsabilidade elaborada em 9 de Novembro de 2018, os requerentes apresentaram reclamação.
*
Em termos sumários, a reclamação assentava no pedido de dispensa da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e € 5.042.846,74 (que corresponde ao valor da causa), na medida em que os autos revestiram reduzida complexidade e a conduta processual das partes pautou-se pelo princípio da colaboração com a Justiça.
*
A conta apresentada considerava que o excesso de taxa de justiça não cobrada inicialmente ascendia ao valor de € 65.906,74 (sessenta cinco mil, novecentos e seis euros e setenta e quatro cêntimos).
*
Aberta vista, o Ministério Público promoveu que o pedido fosse indeferido, por ser desajustado e extemporâneo, uma vez que no processo a conta de custas já tinha sido elaborada.
*
A decisão do Tribunal «a quo» foi a seguinte: «Tal como se promove e por concordar com o teor da douta promoção que antecede vai indeferido o requerido pelos Autores».
*
Inconformados com tal decisão, os recorrentes apresentaram recurso de apelação e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«I. Não se conformando com o despacho proferido pelo douto Tribunal a quo em 19 de Dezembro de 2018, os Autores vêm interpor o presente recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, da decisão proferida, pois, no seu entender, a mesma padece dos seguintes vícios: (a) Violação de Lei Processual, nomeadamente, do artigo 6º, nºs 1 e 7 do Regulamento das Custas Processuais; (b) Violação de Lei Constitucional e Processual, mormente, do disposto no artigo 4º do Código de Processo Civil e do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, doravante abreviadamente designada por “CRP”; e subsidiariamente, (c) Violação da Lei Constitucional e Processual, nomeadamente dos artigos 2º, 18º, nº 2, 20º, nºs 1 e 2 e 103º da CRP, bem como do artigo 6º, nºs 1 e 7, do RCP.
II. Dos nºs 1 e 7 do artigo 6º do RCP, bem como do espírito que norteia o regime das custas processuais actualmente em vigor, constatamos que o principal critério para a fixação da taxa de justiça devida em qualquer processo judicial é o valor da acção, ou seja, a taxa de justiça devida pelas partes tem, por regra, uma correspondência proporcional ao valor atribuído à acção, nos termos da lei processual civil.
III. O legislador acrescentou, como critério subsidiário para a fixação da taxa de justiça a complexidade da causa, permitindo, nos termos do nº7 daquele artigo que, nas causas com valor superior a € 275.000,00, o juiz dispense o pagamento do remanescente da taxa de justiça se as especificidades da situação o justificarem, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
IV. O mecanismo em apreço, que já existia no Código das Custas Judiciais e mereceu também acolhimento no actual Regulamento das Custas Processuais, foi criado pelo legislador para adequar a taxa de justiça devida que, por regra, é calculada de forma aritmética por referência ao valor da causa, às circunstâncias concretas de cada caso concreto, atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
V. Nos presentes autos, o valor da causa foi fixado por referência ao valor do imóvel objecto de litígio entre as partes, que correspondia, à data da fixação do valor da causa, a € 5.042.846,74, sendo que, tal valor, não atendeu, quer à complexidade das questões jurídicas levantadas, quer à conduta processual das partes.
VI. Quando notificados da conta de custas de sua responsabilidade, os Autores, em sede de reclamação da conta de custas, vieram requerer, ao abrigo do nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.
VII. O Mmº Juiz de Direito, por via do despacho sub judice, veio considerar o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça extemporâneo, na medida em que o mesmo deveria ter sido pedido, máxime, em sede de reforma da sentença, pois que seria essa a última oportunidade do juiz alterar a condenação em custas.
VIII. Com o devido respeito pelo entendimento defendido pelo douto Tribunal a quo, não podem os Recorrentes conformar-se com a interpretação restritiva e, frise-se, sem qualquer sustentação legal, levada a cabo no despacho recorrido.
IX. Os preceitos supra citados não referem expressamente em que momento deve essa dispensa ser requerida pelas partes ou decretada pelo Juiz, posto isto, não estabelecendo o legislador quaisquer limitações no que concerne ao momento adequado para o exercício desta faculdade processual, entendem os Autores que não deverá o interprete-aplicador da lei limitar a sua aplicação até ao prazo concedido às partes para a reforma da sentença, quando essa limitação não decorre, nem expressamente, nem por via indirecta, do texto legal.
X. Nem se utilize, em defesa da tese adoptada pelo despacho sub judice, o argumento segundo o qual o poder jurisdicional do juiz se esgota com a prolação da sentença ou, máxime, com a reforma da sentença a requerimento das partes, porque, em sede de reclamação da conta de custas o Juiz mantem o poder jurisdicional para decidir em matéria de custas processuais à cerca da bondade da reclamação, quer no que tange a eventuais erros cometidos pelo Contador na elaboração da conta, quer no que toca à adequação da conta ao labor judicial do tribunal.
XI. Posto isto, consideram os Recorrentes que o despacho sub judice, ao considerar que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apenas pode ser feito até ao prazo do pedido de reforma da sentença, padece do vício de violação de lei, por levar a cabo uma interpretação restritiva do nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, sem qualquer sustentação no texto legal.
XII. Deste modo, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que admita a reclamação da conta levada a cabo pelos Autores em 06 de Dezembro de 2018 e que, consequentemente, se pronuncie sobre o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em dívida.
XIII. No âmbito do referido apenso G, em 01 de Setembro de 2015, os Autores, ora Recorrentes, foram notificados da conta de custas respeitante ao referido apenso, através da qual foram interpelados para pagar, no prazo de 10 dias, a quantia ainda em dívida de € 45.990,17 (quarenta e cinco mil e novecentos e noventa euros e dezassete cêntimos).
XIV. Inconformados com o valor que lhes vinha reclamado, em 21 de Setembro de 2015, os Autores apresentaram, naquele apenso, a sua reclamação e reforma da conta de custas, requerendo, a final, que os aqui Autores fossem dispensados do pagamento do remanescente de taxa de justiça, uma vez que aquele apenso revestiu reduzida complexidade e a conduta processual das partes pautou-se pelo princípio da colaboração com a justiça.
XV. Por despacho datado de 27 de Novembro de 2015, no âmbito daquele apenso de procedimento cautelar, foi proferida decisão que apreciou o pedido dos Autores em sede de reclamação da conta e, consequentemente, determinou que se procedesse à reforma da conta de custas tendo em conta o máximo de € 250.000,00 e desconsiderando-se o remanescente, para além da obediência aos demais normativos legais aplicáveis.
XVI. Os ora Recorrentes não logram compreender por que motivo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi admitida em sede de reclamação da conta de custas no âmbito do Apenso G, em 2015, e, diferentemente, veio agora indeferido por extemporaneidade nos autos principais, quando foi utilizado o mesmo meio processual para fazer valer a mesma pretensão.
XVII. Ao extrair do nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, no âmbito dos mesmos autos, interpretações divergentes segundo as quais, por um lado é tempestivo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça em sede de reclamação da conta de custas (v. despacho proferido em 27 de Novembro de 2015, no âmbito do Apenso G), e por outro é extemporâneo o mesmo pedido efectuado através do mesmo meio processual (v. despacho objecto de recurso), ocorre uma violação do princípio da igualdade, constitucionalmente previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
XVIII. Pelo que, deverá ser julgada materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, a norma que se extrai no nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, na parte em que dela resulta que são extemporâneos os pedidos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça feitos em sede de reclamação da conta de custas e, consequentemente, deverá a referida interpretação ser desaplicada ao caso concreto e ser a conta reformada, tendo em conta o máximo de € 275.000,00 e desconsiderando-se o remanescente.
XIX. Na presente acção de processo ordinário, à luz do princípio da proporcionalidade, justifica-se a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, atenta a parca complexidade dos presentes autos e a conduta processual das partes.
XX. Quer a tramitação dos presentes autos quer o seu conteúdo e/ou objecto revelaram-se, no seu conjunto, de fraca complexidade.
XXI. O facto de a presente causa ter sido atribuído um valor tão elevado não teve necessária repercussão nem correspondência na complexidade da mesma.
XXII. É assim gritante a desproporcionalidade entre o montante da taxa de justiça ora fixada e imputada aos Autores e o serviço de justiça que lhe foi prestado, entenda-se aqui a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida no processo.
XXIII. Somente depois da notificação da conta de custas é que os autores poderão ter ciência de qual o remanescente a pagar e, consequentemente, somente a partir de então, ficaram em condições de requerer a dispensa desse pagamento.
XXIV. Nada impede, legalmente, que o requerimento tendente à dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente seja apresentado no momento em que o foi, e, como tal, apreciado, sendo que outra qualquer interpretação da lei, e que leve à denegação dessa possibilidade, será inconstitucional, por violação dos vários princípios constitucionais consagrados nos artigos 2º, 18º, nº 2, 20º, nºs 1 e 2º e 103º da C.R.P.
XXV. A interpretação conjugada do disposto nos artigos 6º, nºs 1, 2 e 7, 31º, nºs 1 e 3, e Tabela I Anexa do RCP, 616º, nº 1, 149º, nº 1, 666º, nº 1, e 685º do CPC, no sentido de: “o Tribunal não poder apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas, é inconstitucional por violadora do princípio da proporcionalidade, do direito de acesso à justiça e do direito de tutela jurisdicional efectiva (artigos 2º, 13º, 18º, nº 2, e 20º, nºs 1 e 2, da C.R.P.), do princípio da legalidade fiscal (artigo 103º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa), porquanto permite a criação de um imposto não previsto na Lei, e do princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição da República Portuguesa), pois torna impossível uma plena consideração e ponderação da concreta complexidade e especificidades de cada processo face à taxa fixada.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exªs doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser declarado nulo o despacho sub judice, nos termos e para os efeitos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, e substituído por outro que aprecie a reclamação da conta de custas e o pedido de dispensa da reclamante do remanescente da taxa de justiça.
Ou, que a decisão sub judice seja revogada e substituída por outra que se pronuncie sobre a reclamação da conta de custas e defira o pedido de dispensa da reclamante do remanescente da taxa de justiça, na medida em que a decisão sub judice viola os artigos 2º, 13º, 18º, nº 2, e 20º, nºs 1 e 2, da C.R.P., bem como o artigo 6º, nºs 1 e 7, do RCP.
Deverá ainda ser julgada materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação que se extraí do nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, na interpretação que são extemporâneos os pedidos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça feitos em sede de reclamação da conta de custas.
E, bem assim, deverá ser igualmente julgada materialmente inconstitucional interpretação conjugada do disposto nos artigos 6º, nºs 1, 2 e 7, 31º, nºs 1 e 3, e tabela I anexa, todos do RCP, e, bem assim, nos artigos 616º, nº 1, 149º, nº 1, 666º, nº 1 e 685º, todos do CPC, no sentido de: “o Tribunal não puder apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a actividade jurisdicional efectivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas”, por violadora do princípio da proporcionalidade, do direito de acesso à Justiça e do direito de tutela jurisdicional efectiva (artigos 2º, 13º, 18º, nº 2 e 20º, nºs 1 e 2, da C.R.P.) e do princípio da legalidade fiscal (artigo 103º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa), pois torna impossível uma plena consideração e ponderação da concreta complexidade e especificidades de cada processo face à taxa fixada.
Fazendo-se desta forma a costumada Justiça».
*
II – Objecto do recurso:
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
i) nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
ii) da tempestividade da apresentação do pedido de não pagamento da taxa de justiça remanescente.
iii) da complexidade dos autos.
iv) do erro de julgamento na não aplicação aos Réus do regime de isenção excepcional do pagamento da taxa de justiça remanescente e das inconstitucionalidades associadas.
*
III – Dos factos com interesse para a justa resolução do recurso:
Os factos com interesse para a justa resolução do recurso estão identificados no relatório inicial, sendo ainda considerados a partir do histórico dos autos a seguinte factualidade:
1) O processo tem o valor de € 5.042.846,74, teve o seu início em 19/08/2003, com a apresentação da petição inicial, e o seu fim em 05/09/2017, com o transito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 04/07/2017.
2) O processo principal é constituído por 10 (dez) volumes, processados em 2077 folhas:
· A petição inicial tem 68 artigos e com a mesma foram juntos 6 documentos.
· A contestação tem 161 artigos e com a mesma foram apresentados 59 documentos.
· A réplica tem 90 artigos e com esta foi junto 1 documento.
· A tréplica tem 47 artigos e com a mesma foram apresentados 10 documentos.
· O articulado superveniente tem 25 artigos e 7 documentos.
· A contestação ao articulado superveniente tem 31 artigos e 2 documentos.
· Dos despachos de suspensão da instância foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que veio a proferir acórdão em 07/07/2005.
· A Acta de Audiência Preliminar realizada em 08/06/2012 é composta por 18 folhas, na qual foi proferido despacho saneador, contendo 31 factos assentes e 5 factos controvertidos.
· Houve um pedido de ampliação do pedido, sobre o qual recaiu despacho de indeferimento, o qual foi objeto de Recurso de Agravo em Separado (Apenso E) para o Tribunal da Relação de Évora, que não foi admitido por despacho de 12/03/2015.
· O julgamento, com duas sessões, teve o seu início em 12/10/2015 e terminou em 09/11/2015.
· A sentença, composta por 38 folhas, foi proferida em 09/12/2015 e foi objecto de recurso.
· O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 12/01/2017 é composto por 51 folhas e foi objecto de recurso.
· O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 04/07/2017 é composto por 25 folhas e transitou em julgado em 05/09/2017.
3 – O processo tem diversos apensos:
· Apenso A - Procedimento Cautelar, processado em 3 volumes e 532 folhas, cuja decisão final foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Évora.
· Apenso B – Habilitação do adquirente ou cessionário, processado em 2 volumes e 557 folhas.
· Apenso C – Procedimento Cautelar, processado em 2 volumes e 123 folhas, cuja decisão final foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Évora.
· Apenso D – Habilitação de Herdeiros (incorporado nos autos principais).
· Apenso E – Recurso de Agravo em Separado, processado em 1 volume e 169 folhas.
· Apenso F – Procedimento Cautelar, processado em 2 volumes e 284 folhas, cuja decisão foi objecto de recurso (Apenso I) para o Tribunal da Relação de Évora.
· Apenso G – Procedimento Cautelar processado em 5 volumes e 678 folhas, cujo despacho de indeferimento liminar foi alvo de recurso para o Tribunal da Relação de Évora e para o Supremo Tribunal de Justiça e cuja decisão final foi objecto de novo recurso para o Tribunal da Relação de Évora.
· Apenso H – Embargos de Terceiro, processado em 2 volumes e 267 folhas.
· Apenso I – Recurso de Agravo em Separado, processado em 2 volumes e 256 folhas.
· Apenso J – Caução (apenso), processado em 2 volumes e 294 folhas, cuja decisão final foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Évora.
· Apenso K – Execução de sentença próprios autos, processado em 1 volume e 55 folhas.
4) No âmbito do apenso G (providência cautelar), os requerentes haviam deduzido semelhante incidente, ao serem confrontados com uma conta de custas no valor de € 45.990,17 (quarenta e cinco mil, novecentos e noventa euros e dezassete cêntimos), tendo então o Tribunal decidido que se procedesse à reforma da conta de custas de fls. 533, tendo em conta o máximo de € 250.000,00 e desconsiderando-se o remanescente.
*
IV – Fundamentação de direito:
4.1 – Nulidade relativa à omissão ou excesso de pronúncia:
De acordo com a primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Entendem os recorrentes que o Tribunal «a quo» violou a sobredita norma, pedindo que o despacho seja substituído por outro que aprecie a reclamação da conta de custas e o pedido de dispensa da reclamante do remanescente da taxa de justiça.
A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando o acto decisório deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
É a violação daquele dever que torna nula a decisão e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.
Coisa diferente são as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, as quais correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa estipulada no artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.
Na esteira do preconizado por Alberto dos Reis há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. Na realidade, «são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao Tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[1].
Amâncio Ferreira evidencia que se trata da nulidade mais invocada nos Tribunais, «originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda»[2].
Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas[3] [4].
É jurisprudência consolidada e absolutamente pacífica que não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o Tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras[5].
E na hipótese vertente existe uma identidade absoluta entre as pretensões deduzidas pelas partes e a matéria solucionada pelo Tribunal. E, além do mais, o conhecimento da matéria (redução da taxa de justiça remanescente) é claramente prejudicado pela solução encontrada para a resolução do litígio, quando se avança que o pedido é extemporâneo. E esta solução poderá corresponder a um erro da apreciação da tempestividade mas não se integra na esfera de protecção das nulidades previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil. Assim, por conseguinte, aquilo que se acabou de expressar é suficiente para concluir que não existe omissão de pronúncia.
*
4.2 – Da tempestividade da apreciação do pedido de não pagamento da taxa de justiça remanescente:
Pergunta-se agora se a apresentação desse requerimento é extemporânea?
Para iniciar a discussão jurídica, somos de opinião que, sem embargo dessa possibilidade, não existe um dever processual do juiz de promover oficiosamente a redução do montante da taxa de justiça remanescente. Em primeira linha, a parte interessada é que tem o ónus de requerer tempestiva e com motivação adequada a aplicação da disciplina vertida no artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Salvador da Costa defende que «o juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de despenda do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa de pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas (…). Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 621º, nº 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação»[6].
Também o Supremo Tribunal de Justiça advoga que «o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente deverá ser, por isso, exercitado durante o processo, nomeadamente mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere sem excepções à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa»[7].
Como admitem no respectivo recurso, os recorrentes não solicitaram a redução ou dispensa quanto a custas em alguma instância até ao momento da notificação da conta. Na síntese do respectivo argumentário, os recorrentes invocam que a possibilidade legal visa a alteração da responsabilidade pelo pagamento das custas não tem de ser fixada na decisão e é assim viável que o requerimento seja apresentado em momento posterior à elaboração da conta[8].
A jurisprudência dos Tribunais Superiores oscila assim quanto ao momento em que pode ser exercitada a possibilidade de requerer a isenção ou redução do pagamento da taxa de justiça remanescente. Para uns, mais apegados à letra da lei, essa actuação processual deve ser promovida até à data da prolação da sentença ou, no máximo, até ao momento em que seja possível a reforma da decisão quanto a custas. A solução da intempestividade do pedido apoia-se em jurisprudência qualificada[9]. Para outros, menos restritivos na interpretação do feixe normativo aplicável, a questão pode ser avaliada aquando da elaboração da conta.
Porém, esta última proposta não se adequa à recente jurisprudência do Tribunal Constitucional que assinala que a interpretação conjugada das regras atinentes à dispensa ou redução do pagamento do remanescente de custas «deve ser formulada pela parte – caso não seja conhecida antes oficiosamente pelo juiz, nomeadamente quando da prolação da sentença – em momento anterior à elaboração da conta de custas»[10].
Neste espectro lógico-existencial, por razões ponderosas, o Tribunal Constitucional admite que o momento da apresentação do requerimento possa ocorrer após o prazo de 10 posterior à prolação da sentença, mas nunca na sequência da elaboração da conta de custas.
Na nossa visão, o pedido de dispensa de pagamento do remanescente poderá ser deduzido depois de proferida a decisão final mas não pode ser formulado como reacção concreta ou hipotética ao valor a pagar na sequência da elaboração da conta.
Na hipótese vertente, o pedido foi formulado depois do trânsito em julgado da decisão, após ter decorrido o período para a reformulação da condenação em custas e em momento posterior ao da elaboração da conta de custas.
E, assim, mesmo à luz dos critérios interpretativos menos restritivos, à data da elaboração da conta, o escrivão contador não estava munido de qualquer justificação habilitante que lhe permitisse prever a possibilidade de isenção ou redução de pagamento da taxa de justiça remanescente.
E a reclamação à conta visa simplesmente aferir se o cálculo do pagamento devido foi executado de acordo com a lei e com as condicionantes individuais do processo e aquele mecanismo processual impõe a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal no momento da elaboração da conta.
Os recorrentes invocam que «somente depois da notificação da conta de custas é que os autores poderão ter ciência de qual o remanescente a pagar e, consequentemente, somente a partir de então, ficaram em condições de requerer a dispensa desse pagamento».
Porém, em concreto não é bem assim e são os próprios fundamentos aduzidos pelos recorrentes que abalam esta proposição. Na verdade, em abono da respectiva tese, no articulado de recurso é estabelecido o paralelismo com o ocorrido no apenso G.
Isto significa que, ao tempo, a parte vencida já estava munida de elementos indiciadores do montante aproximado da quantia devida a título de taxa de justiça remanescente, bem sabendo que o valor da acção era superior ao do procedimento cautelar e que, por isso, necessariamente, o montante a cobrar seria igualmente mais elevado do que aquele que no outro apenso foi reclamado.
Efectivamente, no âmbito do apenso G (providência cautelar), em 1 de Setembro de 2015, os requerentes haviam deduzido semelhante incidente, ao serem confrontados com uma conta de custas no valor de € 45.990,17 (quarenta e cinco mil e novecentos e noventa euros e dezassete cêntimos), tendo então, em 27 de Novembro desse ano, o Tribunal decidido que se procedesse à reforma da conta de custas de fls. 533, tendo em conta o máximo de € 250.000,00 e desconsiderando-se o remanescente.
O elemento surpresa não funciona aqui e assim os pressupostos de facto e de matriz legal que foram convocados não merecem agasalho, tudo sem prejuízo da avaliação que se fará sucessivamente a propósito da complexidade da causa e da conformidade constitucional sub judice, sem prejuízo de se reservarem já algumas palavras para a problemática da violação do princípio da igualdade.
Relativamente ao princípio da igualdade, não existe qualquer violação ao disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, porquanto o tratamento igual de situações iguais se reporta à vedação de privilégios e discriminações[11] e a igualdade ali proclamada é a jurídico-formal e, em determinado sentido, o da igualdade real.
Porém, é indiscutível que essa igualdade não valoriza a interpretação de decisões processuais desconformes entre si, as quais estão sujeitas ao critério do alcance do caso julgado e não vinculam o julgador posterior – quando não incida sobre a mesma questão concreta e muito menos se impõem uma Instância hierarquicamente superior. A regra do precedente não tem aqui aplicação e o ordenamento jurídico nacional também não valida a ideia da necessidade de repetição do mesmo comportamento processual quando se esteja perante um eventual erro judiciário anterior, ainda que exista um mínimo de equivalência das situações a apreciar.
Adicionalmente, na dimensão teórico-prática, a aferição da compatibilidade constitucional é dirigida a normas e não a decisões judiciais, por o sistema jurídico nacional não comportar o recurso de amparo. Efectivamente, o modelo de fiscalização da constitucionalidade adoptado internamente é de cariz meramente normativo, só aferindo a conformidade constitucional de actos normativos gerais e abstractos, ficando fora do controlo da justiça constitucional os actos não normativos, onde incluem, em primeira linha, as decisões judiciais.
Em virtude da caracterização material das normas como padrões e regras, excluem-se do conceito de actos normativos os actos concretos de aplicação dos mesmos (actos administrativos e sentenças judiciais, etc)[12]. Nesta dimensão interpretativa, Carlos Lopes do Rego assinala que «é, aliás, perceptível que, em numerosos casos – embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […]»[13]. Sobre estes requisitos pode ser consultado Cardoso da Costa[14].
É prática constante do Tribunal Constitucional asseverar que o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade é constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais. Por isso, nesse enquadramento avaliativo, o Tribunal Constitucional afirma que «não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo)»[15].
Na realidade, não estamos verdadeiramente no âmbito de uma fiscalização concreta de uma decisão adoptada pelo Juízo Central de Competência Cível e Criminal de Évora sobre a constitucionalidade de normas jurídicas. E, no seu reduto velado e secreto, aquilo que, a final, se pretende é a avaliação da decisão judicial como se de um recurso de amparo se tratasse e não propriamente a conformidade entre a norma e a Constituição da República Portuguesa, quando convoca a situação ocorrida no apenso G.
Assim, por via desta invocação, não existe qualquer fundamento para validar a tese do recorrente, dado que não ocorre a alegada desconformidade à Lei Fundamental, por via da violação do princípio da igualdade, em função da motivação alegada no recurso interposto.
*
4.3 – Da complexidade da causa:
A taxa de justiça é a prestação pecuniária que o Estado, em regra, exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou da qual beneficiem, ou seja, trata-se do valor que os sujeitos processuais devem prestar como contrapartida mínima relativa à prestação daquele serviço.
Nas causas de valor superior a 275.000 euros, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento (artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais).
O nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, que resulta da alteração legislativa promovida pela Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, constitui uma norma excepcional que visa atenuar, a obrigação de pagamento da taxa de justiça, nas acções de valor superior a 275.000 euros. Neste dispositivo estabeleceu-se a possibilidade de dispensa ou redução do valor da taxa de justiça, adequando esse valor à actividade processual desenvolvida, evitando a desproporcionalidade que poderia resultar da mera aplicação dos valores constantes nas tabelas.
Todavia, esta possibilidade está subordinada à existência de determinados pressupostos habilitantes como sejam os relacionados com a ausência de complexidade da causa e com o momento da apresentação do pedido nos casos em que tal não seja oficiosamente determinado pelo Tribunal, este já tratado no capítulo anterior.
Sublinha-se que esta faculdade decorre necessariamente de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz e daí que, não se pronunciando oficiosamente sobre esta matéria, é de inferir que o julgador toma posição implícita no sentido de que não estão preenchidos os elementos constitutivos que viabilizariam a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente.
Aparentemente e no que toca ao requisito da eventual complexidade apenas se poderia afirmar que a mesma estaria potencialmente retratada no valor do pedido. No entanto, o factor decisivo no preenchimento do conceito deve estar indexado aos meios humanos, técnicos, logísticos e temporais disponibilizados pelos Tribunais que se pronunciaram sobre o objecto da causa, em associação com a substância qualitativa das diferentes peças processuais presentes nos autos e com a natureza das diligências de prova produzidas em sede de julgamento. Também se admite que o comportamento processual das partes pode integrar esse cálculo.
O processo tem o valor de € 5.042.846,74, teve o seu início em 19/08/2003, com a apresentação da petição inicial, e o seu fim em 05/09/2017, com o transito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 04/07/2017.
O processo principal é constituído por 10 (dez) volumes, processados em 2077 folhas, conforme melhor se pode compreender através da análise do facto 2) e é constituído pelos apensos mencionados no facto 3) (habilitação de herdeiros, habilitação de adquirentes ou cessionários, recursos de agravo em separado, execução de sentença nos próprios autos, embargos de terceiro e caução).
Na avaliação do Tribunal da Relação de Évora o processo exigiu um aturado trabalho de estudo e preparação, uma relevante investigação na selecção de factos, uma importante actividade de gestão inicial do processado, a atendibilidade de factos jurídicos supervenientes e um exame criterioso das fontes probatórias necessárias a elaboração das diversas decisões finais. Para além disso, o objecto do processo não revestia especial simplicidade em função da controvérsia jurídica e fáctica que encerravam e a apreciação sucessiva de recursos por parte dos Tribunais Superiores também é reveladora da heterogeneidade técnica implicada nos autos. E tudo isso não se compagina com a alegada não complexidade dos autos nos termos propostos pelos recorrentes.
Não se verifica aqui qualquer paralelismo em termos de complexidade com a situação ocorrida no apenso G.
Em síntese, por força da existência de um requisito cumulativo, no plano estritamente substantivo de matriz infraconstitucional, a situação não se integrava na esfera de protecção da disciplina precipitada no artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais, face à manifesta complexidade da causa e à extemporaneidade da apresentação do requerimento.
Contudo, não é esse o problema fundamental que importa decidir. A questão fulcral está associada ao valor das custas a suportar e à sua relação com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa e com o direito de acesso à justiça previsto no artigo 20º da Lei Fundamental.
E, neste campo, este colectivo do Tribunal da Relação está particularmente à vontade, dado que, recentemente, ainda que afastando o requisito da complexidade, entendeu que um valor próximo de € 1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros) de taxa de justiça remanescente se arredava da ideia de razoabilidade e de equilíbrio prestacional, tendo em atenção os critérios da utilidade económica da causa, da complexidade do processado e do comportamento procedimental das partes[16].
Ou, como deliberou noutro aresto, ao decidir que «nos casos em que o Autor goza do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos, a exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça aos Réus que, por serem absolvido do pedido, venceram totalmente a acção civil e, por conseguinte, não são condenados no pagamento de custas, torna-se uma solução demasiado onerosa, não devendo os mesmos ficar a aguardar o reembolso através do Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, I.P, por configurar a interpretação mais conforme aos princípios constitucionais que estão proclamados a propósito do Estado de Direito e da garantia de acesso ao Direito e à Justiça»[17].
E assim surge a derradeira questão que se traduz em apurar se a não redução da taxa de justiça na hipótese vertente implica uma agressão injustificada a qualquer regra da Constituição da República Portuguesa?
*
4.4 – Da não redução da taxa de justiça remanescente e das inconstitucionalidades suscitadas:
Nesta equação normativa é de considerar que as custas judiciais assumem a natureza de taxa e não de imposto[18], sendo que, tal como dita a jurisprudência constitucional, o facto do valor da taxa de justiça acompanhar automática e ilimitadamente o aumento do valor da causa não pode permitir que se atinjam «taxas de justiça de elevadíssimo montante, flagrantemente desproporcionadas relativamente ao custo do serviço prestado»[19].
É incontroverso que os critérios de cálculo da taxa justiça podem condicionar o exercício do direito fundamental de acesso à justiça, tal como ele é configurado pelo artigo 20º da Constituição da República Portuguesa[20].
Nesta ordem de ideias, embora não esteja consagrado o direito de acesso tendencialmente gratuito aos Tribunais, de harmonia com a Lei Fundamental o custo associado ao recurso aos Tribunais não pode ser tão elevado que da sua aplicação resulte uma verdadeira negação de Justiça aos cidadãos e às empresas[21].
Isto é, deve existir uma correspectividade mínima entre os serviços prestados e o custo razoável do sistema de justiça[22], sob pena de, assim não sendo, complementarmente, estar colocado em causa indirectamente o direito de propriedade relativamente às disponibilidades financeiras que, para além da medida do justo, são adjudicadas ao pagamento das custas processuais.
E, assim, quando por via dessa normação abstracta o custo do acesso ao direito é notoriamente exagerado, ainda que não exista motivo para a aplicação directa da norma prevista no nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, cumpre aos Tribunais corrigir as eventuais distorções e reduzir o montante em causa à sua justa medida, promovendo uma interpretação conforme à Constituição no sentido do redimensionamento da proporcionalidade entre o serviço prestado pelo Estado e as utilidades que os utentes da Justiça retiram da actividade jurisdicional exercida pelos Tribunais.
Com esta faculdade, como se retira da jurisprudência mais qualificada, pretende-se, pois, evitar a manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na acção, recorrendo, para tal, a critérios de razoabilidade, proporcionalidade e adequação, designadamente reportados à utilidade ou valor económico dos interesses atendidos, comportamento e lisura processual das partes e complexidade da tramitação processual[23] [24] [25].
Donde, como já se asseverou, o intérprete deve fazer uso da filosofia e da intenção legislativas presentes naquela norma para corrigir qualquer eventual distorção. Contudo, face às características da presente acção, à projecção da situação económica dos visados e aos efeitos da exigência do pagamento na esfera jurídica dos demandados, em associação com o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, não se encontram preenchidos os pressupostos para efectuar um juízo de não conformidade constitucional.
Efectivamente, para além do tempo que a administração da justiça teve em juízo o processo (cerca de 14 anos), resulta claramente que a complexidade do mesmo (retratada nos factos 2 e 3 dos factos com interesse para a resolução da causa), os meios envolvidos e a relação de proporção entre o valor do pedido e o montante da taxa de justiça remanescente a cobrar é perfeitamente razoável, adequada e não briga com o princípio do acesso ao direito, da legalidade tributária, da igualdade ou de qualquer outro postulado com dignidade constitucional.
A valorização dos princípios da razoabilidade e de equilíbrio prestacional, tendo em atenção os critérios da utilidade económica da causa, da complexidade do processado e do comportamento procedimental das partes, aponta de forma rectilínea para que se conclua que uma proporção de 1,3% entre o valor da causa e o remanescente da taxa de justiça concretamente arbitrado se mostra correcta e justa, não o tornando excessivamente oneroso para a parte vencida.
A solução legislativa estriba-se basicamente na ideia de que o “custo efectivo” do processo não pode operar à custa da comunidade e do Estado, mas antes de quem deu “causa” à acção, tal como tem sido enfatizado pela casuística do Tribunal Constitucional.
Não existe assim qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação decorrente do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Lei Fundamental, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva depositado no artigo 20º do referido diploma, do princípio da igualdade precipitado no artigo 13º do referido compêndio normativo ou do princípio da legalidade fiscal consagrado nos nºs 2 e 3 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa.
Deste modo, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
*
V – Sumário: (…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 21/11/2019
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário
__________________________________________________
[1] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Coimbra, 1981 (reimpressão), pág. 143.
[2] Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª Edição, pág. 57.
[3] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 141.
[4] A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 688.
[5] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23/06/2004 e 02/12/2013, in www.dgsi.pt.
[6] Regulamento das Custas Processuais (Anotado), 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 201 e 354-355.
[7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2013, processo n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[8] Sobre a possibilidade de suscitar a redução ou isenção na sequência da elaboração da conta de custas (Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 12/10/2017, de 26/10/2017, de 11/05/2017, 06/10/2016 e 02/06/2016, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/06/2016, de 21/02/2017 e 03/12/2013, do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/12/2013 e do Tribunal Central Administrativo do Sul de 29/05/2014).
[9] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/5/2016, de 15/10/2015, 28/04/2016, de 16/03/2017, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/03/2017.
[10] Acórdão do Tribunal Constitucional nº527/16, disponível em htlp://www.tribunalconstitucional.pt /lc/ acordaos /20 160527.hlml
[11] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 115-127.
[12] J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5ª edição, totalmente refundida e aumentada, 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1992, págs. 1009.
[13] Carlos Lopes do Rego, O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, 3, pág. 8.
[14] José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição, revista e actualizada, págs. 40 e 72.
[15] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 633/2008, publicado em www.dgsi.pt.
[16] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/02/2018, publicado em www.dgsi.pt, prolatado no âmbito do processo nº 1882/04.2TBLLE-B.E1 do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Cível de Faro – J4, em que decidiu «julgar parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, reduz-se a 25% o pagamento do remanescente das custas a cobrar na conta final».
[17] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/12/2018, disponível em www.dgsi.pt, prolatado no âmbito do processo registado sob o nº 748/14.2T8STR.E2 do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Central Cível de Santarém – J4.
[18] Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 412/89, de 15/09/1989, nº 307/90, de 04/03/1991, nº 42/92, de 11/06/1992, nº 240/89, de 22/03/1994 e nº 214/2000 de 05/04/2000, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
[19] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 471/2007, de 25/09/2007, in www.tribunalconstitucional.pt.
[20] Neste sentido, pode ser consultado o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 16/10, in www.tribunalconstitucional.pt.
[21] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03/12/2013, in www.dgsi.pt.
[22] Em sentido próximo, vide: Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 183.
[23] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/12/2013, in www.dgsi.pt.
[24] No mesmo sentido, pode ser consultado o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08/02/2018, in www.dgsi.pt.
[25] Ainda sobre a problemática pode ser lido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/02/2018, in www.dgsi.pt.