Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
209/13.7GFSTB.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: FURTO QUALIFICADO
VENDA DE OBJETO FURTADO
PRESUNÇÕES NATURAIS
Data do Acordão: 01/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Se o facto conhecido é a existência de uma venda do objeto furtado, efetuada pelo arguido no próprio dia do furto (mas várias horas depois desse furto ocorrer), nada mais existindo (de relevante) que, fundadamente, permita saber em que circunstâncias o objeto vendido foi parar às mãos desse arguido/vendedor, não é possível estabelecer, com o exigível rigor, o procedimento lógico de uma presunção judicial.

II - Assim, não se pode concluir, sem dúvida razoável, que o arguido, ao vender a terceira pessoa o bem furtado, nas concretas circunstâncias em que o fez, tenha sido, necessariamente, o autor do furto.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO.

Nos autos de processo comum (tribunal singular) nº 209/13.7GFSTB, da Comarca de Setúbal (Setúbal - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 4), mediante pertinente sentença, a Exmª Juíza proferiu a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julga-se a acusação totalmente improcedente, por não provada, e, em conformidade, decide-se:

a) Absolver os arguidos NS, AS, FM e NP quanto à prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º do Código Penal;

b) Absolver o arguido NS quanto à prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, al. e), do Código Penal;

c) Absolver o arguido AC quanto à prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23-02.

Sem custas (513º, do CPP, a contrario)”.

E Exmª Magistrada do Ministério Público interpôs recurso de tal decisão absolutória, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

“1 - O presente recurso visa a arguição da nulidade da sentença e a impugnação parcial da decisão proferida sobre matéria de facto, nesta parte exclusivamente no que se relaciona com a responsabilização criminal do arguido NS pela prática do crime de furto qualificado pelo qual foi acusado.

2 - A título prévio, afigura-se, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, al. a), por referência ao artigo 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, na medida em que a respetiva fundamentação é omissa relativamente aos motivos que conduziram à não prova dos factos elencados como não provados sob os pontos 5 a 9, referentes à ocorrência do furto na residência do ofendido FB, independentemente da identificação do seu autor, tendo o Tribunal cingido a sua análise sobre esta matéria unicamente à participação do arguido NS em tais factos.

3 - Acresce que, ao considerar como provado que o tablet vendido pelo arguido a FR havia sido subtraído da residência de FB, o Tribunal parece contradizer-se na sua própria decisão, pressupondo aqui a ocorrência do mencionado furto.

4 - Sem prejuízo, consideram-se incorretamente julgados os factos elencados sob os pontos 5, 6, 7, 8, 9, 12 e 14 (este último restringindo-se à atuação do arguido NS) dos factos não provados.

5 - Para o efeito, indicam-se as seguintes provas que, a nosso ver, impõem decisão diversa da recorrida:

5.1 - Depoimento da testemunha FB - cfr. ata de audiência de discussão e julgamento do dia 23-02-2016, fls. 607 a 611, e ficheiro gravado em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática "Citius Media Studio", sessão de reprodução nº 20160223150633 _1803312_2871799, do dia 23-02-2016, em particular as seguintes passagens (indicadas com referência aos minutos da gravação): 01:42 a 04: 16,04:23 a 06:02,06:07 a 08:40 e 11:04 a 11:38.

5.2 - Documentos de fls. 92/93 (auto de notícia), 95 (listagem de bens subtraídos e respetivo valor) e 206 (recibo respeitante à compra do Ipad, um dos objetos subtraídos).

6 - Com efeito, a análise crítica e conjugada das provas acima indicadas, que não foram contrariadas por quaisquer outras, impunha que o Tribunal tivesse dado por assente toda a factualidade respeitante à ocorrência do furto na residência do ofendido FB, independentemente de qualquer consideração acerca da identificação do seu autor. Nomeadamente data, hora e local da prática dos factos, modo da respetiva execução, objetos subtraídos e respetivo valor.

7 - Sem prejuízo, tendo-se considerado como provado na sentença que «no dia 07.04.2013, cerca das 18H00, o arguido NS procedeu à venda do Tablet I-pad, com o Imei 013 217 008 189370, o qual havia sido subtraído da residência de FB, pelo preço de €100,00, a FR», é necessário concluir que foi este arguido o autor do furto.

8 - De facto, devendo o Tribunal decidir segundo as regras da experiência e de acordo com a sua livre convicção (artigo 127º do Código de Processo Penal), nem sempre a prova dos factos se faz de forma direta, sendo igualmente válida e imprescindível, em determinados casos, a prova indiciária ou indireta, baseada num conjunto de indícios (estes assentes em prova direta), que, relacionados entre si, com base nas regras da lógica e da experiência, impõem que se conclua pela prova de determinado facto.

9 - Ora, a decisão recorrida considerou provado um conjunto de factos-base ou “indícios” que, ponderados à luz das regras da experiência e da vida, conduzem logicamente à conclusão de que foi o arguido NS o autor dos factos.

10 - Vejamos:

- De acordo com os elementos de prova supra indicados, a entrada na residência do ofendido e consumação do furto ocorreu entre a 01:00 e as 09:00 horas do dia 07-04-2013;

- De entre os objetos subtraídos encontrava-se um Ipad, com o valor de € 599,00;

- Nesse mesmo dia, pelas 18:00 horas, o arguido vendeu o Ipad acima referido, pelo preço de € 100,00, a FR, em cuja posse o mesmo veio a ser apreendido.

11 - Perante tal realidade, que explicação se pode aventar para o facto de o Ipad subtraído se encontrar na posse do arguido em momento tão próximo da ocorrência dos factos e que o mesmo se tenha desfeito dele de imediato, vendendo-o a terceiro?

12 - Por outro lado, por que razão não ofereceu o arguido qualquer explicação para o facto de ter tido tal objeto em sua posse (o que seria a atitude expectável caso não estivesse implicado na prática dos factos), remetendo-se ao silêncio?

13 - E qual a justificação para o ter vendido em momento sequencialmente quase imediato em relação à ocorrência da subtração e por um preço absolutamente irrisório em relação ao valor de mercado daquele objeto, senão para se ilibar de qualquer evidência do cometimento dos factos e realizar dinheiro com a venda?

14 - Diante de tais evidências, impõe-se concluir, para além da dúvida razoável, que foi o arguido NS o autor do furto.

15 - De facto, para considerar determinado facto como provado não se exige que o julgador formule um juízo de certeza relativamente à sua ocorrência, mas tão só que se convença da mesma “para além da dúvida razoável”.

16 - Partindo deste princípio, analisando a prova produzida nos autos, não se vislumbra qualquer circunstância suscetível de criar dúvida relativamente à intervenção do arguido NS no cometimento do crime, participação esta que, ao invés, se encontra plenamente sustentada pelas evidências acima indicadas.

17 - Tendo-se já pronunciando, sobre questão idêntica à suscitada no presente recurso, os Tribunais da Relação de Évora e de Coimbra, nos acórdãos datados de 19-02-2013 (processo 48/09.0GEABT.EI), e de 11-05-2005 (processo 1056/05), respetivamente, decidiram manter a sentença condenatória proferida em primeira instância.

18 - Por todo o exposto, deve declarar-se nula a sentença recorrida ou, caso assim não se entenda, alterar-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, considerando-se integralmente provados os factos elencados na sentença como não provados sob os pontos 5, 6, 7, 8, 9, 12 e 14, que correspondem aos artigos 5º a 11º, 15º e 17º da acusação, e, em consequência, condenar-se o arguido NS pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº 2, al. e), pelo qual foi acusado.

19 - Quanto à pena a aplicar, sendo este crime punível com pena de prisão de dois a oito anos, importa atender ao preceituado no artigo 71º do Código Penal, que estipula os critérios para a fixação da medida concreta da pena.

20 - Assim, considerando-se elevado o grau de ilicitude e o modo de execução dos factos, bem como a intensidade do dolo, a existência de condenações anteriores pelo mesmo tipo de crime e as condições pessoais, económicas e sociais do arguido, afigura-se ajustada a aplicação de uma pena concreta não inferior a cinco anos de prisão”.

O arguido NS apresentou resposta ao recurso, concluindo nos seguintes termos (em transcrição):

“1. O presente recurso visa arguir a nulidade da douta sentença e impugnar a decisão absolutória relativamente à prática do crime de furto qualificado por parte do arguido NS.

2. O Ministério Público refere que a douta sentença é omissa na sua fundamentação relativamente à decisão pela não prova dos factos elencados nos pontos 5 a 9.

3. Refere o Ministério Público que o tribunal a quo entrou em contradição, ao não dar como provada a subtração do tablet, e, simultaneamente, dar como provado que o tablet vendido pelo arguido NS havia sido subtraído da residência de FB.

4. Ficou como provado que o tablet foi subtraído da residência de FB e que o mesmo tablet foi vendido pelo arguido NS «no dia 07.04.2013, cerca das 18HOO, o arguido NS procedeu à venda do Tablet Ipad, com o Imei 013217008189370, o qual havia sido subtraído da residência de FB, pelo preço de €100,00, a FR».

5. Não existe qualquer contradição na decisão do tribunal a quo ao considerar que o tablet vendido pelo arguido a FR havia sido subtraído da residência de FB.

6. Não se nos afigura nenhuma censura relativamente à douta decisão do tribunal a quo, perfilhando-se na íntegra os fundamentos plasmados na sentença, relativamente à omissão na fundamentação dos motivos que conduziram à não prova dos factos elencados como não provados nos pontos 5 a 9, não padecendo de qualquer nulidade a sentença recorrida.

7. O Ministério Público invocou que não se vislumbra qualquer fundamento para que não se tenham considerado como provados os factos descritos nos pontos 5 a 9 da acusação, que correspondem, precisamente, aos factos elencados na douta sentença como não provados sob os pontos 5 a 9.

8. Consideramos que os factos descritos nos pontos 5 a 9 da acusação ficaram provados.

9. Não se pode concluir é que foi o arguido NS o autor do furto.

10. Ocorrência de um furto no dia 07/04/2013, entre as 01h00 e as 09h35, na residência de FB, sita na urbanização Palmela Village.

11. Ficou provado ter sido forçada a fechadura da porta da sala, não tendo sido possível abri-la.

12. Ficou provado que a entrada na referida residência se deu pela janela do escritório.

13. Ficou provado ter sido subtraído um tablet Ipad conforme consta da acusação.

14. Não ficou provado que tenha sido o arguido a entrar no interior da aludida residência e tenha furtado o tablet.

15. A prova indireta ou indiciária é admitida em processo penal.

16. Para existir condenação com recurso à prova indiciária é necessário que a mesma nos dê o grau de certeza que a lei penal exige para a prova direta.

17. O Ministério Público recorreu à prova indiciária para invocar que existe um grau de certeza que foi o arguido NS o autor material do crime de furto qualificado descrito na acusação.

18. Fundamenta tal conclusão, apenas e só, com recurso à sucessão temporal de acontecimentos.

19. Acontecimentos estes que se resumem ao furto na residência de FB, no dia 07/04/2013, entre as 01h00 e as 09h00, e ao facto do arguido NS ter vendido o tablet furtado no mesmo dia, pelas 18h00.

20. Não foi possível apurar a hora exata do furto.

21. Entre a ocorrência do furto do tablet e a posterior venda, ocorreu um hiato de tempo de 9 a 18 horas.

22. Ninguém, com o grau de certeza que a lei penal exige, pode garantir o que se sucedeu durante este hiato de tempo.

23. Inúmeras questões, para as quais não temos certeza na resposta, se levantam.

24. Não temos a certeza se terá sido o arguido a furtar o tablet na residência de FB.

25. Não temos a certeza se terá sido o arguido a furtar o tablet a um terceiro que o havia furtado na residência de FB.

26. Não temos a certeza se terá o arguido comprado o tablet a um terceiro e posteriormente o ter vendido.

27. Não temos a certeza se terá o arguido auxiliado um terceiro no furto do tablet.

28. Não é possível obter uma resposta, cabal, a todas as questões que possam surgir, com grau de certeza capaz de dissipar a dúvida razoável.

29. Não ficou provado, em audiência de julgamento, que foi o arguido NS o autor do furto, conforme vem acusado, pelo que deverá prevalecer o princípio in dubio pro reo.

30. O recurso à prova indiciária não nos deverá fazer cair na tentação de criar factos para os quais a referida prova não dá a certeza às respostas.

31. Entendemos que a decisão absolutória, proferida pelo Tribunal a quo, é totalmente correta.

32. O recurso interposto deverá improceder na íntegra”.

Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer (a fls. 701), aderindo aos fundamentos constantes da motivação do recurso e concluindo, assim, pela procedência do mesmo.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Duas questões, em breve síntese, são suscitadas no recurso interposto pelo Ministério Público, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal:

1ª - A nulidade da sentença sub judice.

2ª - A impugnação alargada da matéria de facto.

2 - A decisão recorrida.
A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica):

“A - FACTOS PROVADOS
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados, com relevo para a decisão, os factos seguintes:

1. No dia 07-04-2013, cerca das 18H00, o arguido NS procedeu à venda do Tablet Ipad, com o Imei 013 217 008 189 370, o qual havia sido subtraído da residência de FB, pelo preço de €100,00, a FR.

2. Na sequência da emissão de mandados de busca emitidos no âmbito do Nuipc 392/13.1 GDSTB, veio a ser apreendido o referido Ipad na posse de FR, e que foi entregue ao legítimo proprietário.

3. No âmbito do presente inquérito, e na sequência da emissão da busca realizada à residência sita na Rua de Moçambique…,. no Pinhal Novo, no dia 08-05-2013, foi apreendida uma arma artesanal, tipo bastão, com o comprimento total de 70 cm, tendo o punho 10 cm e a mola metálica com 60 cm de comprimento.

4. A aludida arma não possui qualquer aplicação definida e é suscetível de ser utilizada como arma de agressão, sem que este tivesse justificado a sua posse.

5. O arguido NS foi anteriormente condenado pela prática, em 29-05-2009, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 7 meses de prisão, suspensa por 1 ano, por sentença de 20-09-2012, transitada em julgado a 06-09-2013.

6. Mais foi condenado pela prática, em 27-10-2011, de um crime de furto simples, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por sentença de 18-11-2013, transitada em julgado a 06-11-2014.

7. O arguido NP foi anteriormente condenado pela prática, em 13-03-2013, de um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de detenção de arma proibida, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por sentença de 14-07-2014, transitada em julgado a 29-09-2014.

8. O arguido AC e o arguido AS não têm antecedentes criminais.

9. O arguido FM foi anteriormente condenado pela prática, em 31-07-2011, de um crime de furto simples, na pena de 10 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, por sentença de 07-01-2014, transitada em julgado a 07-02-2014.

10. NS nasceu e cresceu no seio de uma família pouco diferenciada do ponto de vista socioeconómico e cultural, de origens rurais, onde viviam em condição de grande precariedade, pelo que terá sido atribuída uma habitação social ao agregado familiar, no Pinhal Novo onde passaram a residir.

11. O arguido é o elemento mais velho de uma fratria de três irmãos, e desde a escolarização do NS e do comportamento em meio escolar, com elevado absentismo, que o agregado familiar passou a estar referenciado pelas limitações ao nível da competência parental, associadas a diversas problemáticas de desajustamento e exclusão social.

12. Dadas as dificuldades de aprendizagem e progressão escolar, o arguido foi encaminhado para uma escola de ensino especial, Externato Rumo ao Sucesso, em Azeitão e no Laranjeiro, contexto onde concluiu o 6º ano de escolaridade.

13. Aos 14 anos de idade transitou para a Escola Secundária no Pinhal Novo, para frequentar o 7º ano de escolaridade, mudança que correspondeu a um forte desejo de NS socializar de uma forma normativa e em maior autonomia.

14. Contudo, o seu comportamento pouco assíduo e a influência dos pares comprometeram o seu investimento no percurso escolar, não conseguindo concluir o 8º ano.

15. Com os amigos iniciou o consumo de tabaco e drogas, ainda que relativamente às drogas numa relação de experimentação, reconhecendo o efeito nefasto que as mesmas causaram no percurso de vida dos seus pares.

16. Aos 16 anos abandonou a escolarização sem completar o 8º ano e começou a trabalhar como pastor, tendo depois outras atividades, na construção civil, em fábricas e ainda numa padaria.

17. Nesta fase, o rendimento que auferia permitiu-lhe satisfazer as suas necessidades mais imediatas, sem depender dos pais, e ainda contribuir para a economia familiar.

18. A partir de 2008 o percurso laboral passou a ser mais instável, maioritariamente mais desocupado, intercalando pontualmente com pequenos biscates indiferenciados.

19. Até Novembro de 2012, NS residia com os progenitores, num agregado familiar que também incluía os dois irmãos e ainda um sobrinho de 2 anos, filha da irmã.

20. Era um agregado que subsistia com bastantes dificuldades económicas, decorrentes da precariedade da situação laboral do progenitor e do desemprego dos filhos.

21. Este agregado recorria com regularidade aos apoios sociais disponíveis na comunidade, nomeadamente alimentos distribuídos pelo Centro Paroquial local.

22. No seio familiar, como filho mais velho, o arguido assume um papel tendencialmente de liderança relativamente aos irmãos, legitimado pela expectativa e pelo papel de ajudar os pais na manutenção do agregado familiar.

23. NS é criticado pelo progenitor, pelo seu comportamento e estilo de vida delituoso, sendo que a progenitora adota uma atitude mais desculpabilizante, atribuindo ao NS um estatuto de imaturidade, e desta forma justificando os seus comportamentos desviantes como resultado da influência dos pares.

24. Em 2012 estava também envolvido numa relação de namoro, com uma jovem com um percurso aparentemente normativo, que aceitava o comportamento de NS ainda que de forma crítica e intolerante a eventuais novos processos/envolvimentos criminais.

25. Nesta fase o arguido trabalhava pontualmente em atividade rural no matadouro municipal e na construção civil, valorizando, aparentemente, o trabalho como um elemento importante para obter reconhecimento social.

26. Também na fase de namoro, NS propunha afastar-se do grupo de pares e aos locais de encontro/convívio com os mesmos, como uma decisão importante para mudar de padrão de vida, optando por passar mais tempo com a jovem namorada.

27. AS é o mais novo de uma fratria de três, tendo os irmãos atualmente as idades de 30 anos (NS, arguido no presente processo) e 25 anos (VS).

28. O arguido e os seus irmãos integram o agregado constituído ainda pelos progenitores, ambos de origem rural e condição socioeconómica baixa.

29. Este agregado familiar fixou residência no Pinhal Novo, habitando um apartamento inserido num bairro social daquela localidade.

30. A situação laboral e económica do agregado foi garantida através dos rendimentos auferidos pelo progenitor do arguido, o qual exerceu atividade laboral na construção civil (obras públicas) de forma continua durante 21 anos, encontrando-se em situação de desemprego há pouco tempo.

31. A progenitora exerce atividade laboral corno empregada de limpezas em casas particulares.

32. O processo de desenvolvimento do arguido insere-se num enquadramento sociofamiliar e comunitário pouco favorável, marcado pelas fragilidades evidenciadas pelas figuras parentais no que se refere ao acompanhamento educativo dos filhos (sendo referido, a este nível, a presença de um estilo educativo permissivo/inconsistente, com dificuldades em impor regras e limites) e pela exposição do jovem a modelos de conduta desviantes e delinquenciais.

33. O arguido apresenta um percurso escorar marcado pelo insucesso no 1º ciclo do ensino básico, tendo repetido dois anos o 4º ano ele escolaridade e três anos o 5º ano, sendo nesta altura encaminhado para a frequência de um curso de formação profissional no IEFP de Setúbal, na área de Jardinagem, ação de formação que também não concluiu, e que lhe possibilitaria obter a certificação do 6º ano de escolaridade.

34. O insucesso evidenciado, um elevado absentismo escolar, associado ainda a forte desmotivação e algumas dificuldades de aprendizagem, desde os 16 anos de idade em que inviabilizou o contrato de formação profissional com o IEFP de Setúbal, que AS não se encontra inserido em nenhum projeto estruturado, a nível escolar/formativo ou laboral, mantendo-se desocupado desde então com exceção de algumas experiências laborais de curta duração (em trabalhos agrícolas, de natureza sazonal e como servente da construção civil).

35. O arguido mantém-se integrado no agregado de origem, constituído pelos progenitores e dois irmãos mais velhos.

36. Trata-se de um agregado familiar pouco diferenciado do ponto de vista sociocultural, apresentando recursos deficitários em várias áreas, sendo de destacar a baixa escolarização dos seus elementos e a ausência de qualificação profissional.

37. A este nível, o progenitor aparece contudo como uma pessoa que tem valorizado e mantido uma postura normativa e convencional, apesar de apresentar algumas limitações na sequência de um acidente sofrido na infância, as quais limitaram a sua expressão verbal e capacidade de aprendizagem, sendo analfabeto, mas vendo-se esforçado por providenciar as necessidades financeiras do agregado familiar.

38. FM é o único filho nascido do relacionamento dos progenitores, ambos separados de anteriores relacionamentos afetivo/conjugais, tendo o arguido dois irmãos consanguíneos, atualmente com 31 e 29 anos, e dois irmãos uterinos, com 32 e 31 de idade, sendo referido que um destes, que era toxicodependente e portador de HIV, faleceu recentemente na sequência de uma infeção oportunista.

39. Todos os irmãos residem em Setúbal.

40. O progenitor do arguido, de origem cabo-verdiana (emigrou para Portugal com 14 anos de idade, iniciando precocemente a sua vida profissional, sendo descrito como uma pessoa trabalhadora e normativa) e a progenitora, de origem portuguesa, fixaram residência no Pinhal Novo, localidade onde residem até à atualidade.

41. O processo de desenvolvimento do arguido insere-se num enquadramento sociofamiliar favorável do ponto de vista económico, pois, apesar das origens modestas dos progenitores, estes conseguiram manter um estilo de vida satisfatório enquanto o arguido foi crescendo, proporcionando-lhe o conforto afetivo e material que o próprio descreve como privilegiado e característico de um filho único abonado.

42. Apesar da estabilidade alcançada a nível económico, garantida através da atividade laboral exercida regularmente pelos progenitores, respetivamente como funcionário de uma empresa de montagem e reparação de linhas ferroviárias e como empregada de limpezas em estabelecimentos comerciais e casas particulares, foi descrita uma situação de decréscimo financeiro nos últimos anos, na sequência da crise económica instalada, e, recentemente, da situação de baixa médica vivenciada pelo progenitor, que se encontra doente.

43. O percurso escolar do arguido decorreu de modo regular até ao 2º ciclo do ensino básico, registando-se a primeira retenção no 6º ano de escolaridade, sendo referida a manifestação de alguns de problemas de ordem disciplinar, assim como elevado absentismo escolar enquanto frequentou a Escola Básica 2/3 José Maria dos Santos.

44. Durante o período em que frequentou o 3º ciclo, o jovem foi encaminhado para a frequência de um curso na área da Logística, na Escola Secundária Jorge Peixinho - Montijo, continuando a apresentar um elevado absentismo escolar, situação que inviabilizou a conclusão desta ação de formação profissional e a respetiva certificação do 9º ano de escolaridade.

45. Tendo revelado desde o início do seu percurso escolar uma crescente desmotivação pela aprendizagem, o arguido foi manifestando, por outro lado, forte interesse e apetência pela prática desportiva, concretamente o futebol, frequentando clubes desportivos da sua zona de residência, a partir dos 6 anos de idade, e mantendo a prática regular desta modalidade desportiva durante a infância e adolescência, até há cerca de cinco anos.

46. A interrupção deste percurso como jogador de futebol parece ter tido um impacto negativo para o arguido, que ambicionou ser jogador de futebol profissional e chegou a jogar no Benfica Futebol Clube.

47. Neste âmbito, o próprio assumiu uma postura crítica face ao seu comportamento nos últimos anos, referindo que nem sempre cumpria as orientações dos treinadores no que diz respeito à disciplina exigida para o seu desempenho como jogador, mantendo em simultâneo um estilo de vida desregrado, com forte investimento nas vivências de diversão noturna, situação que acabou por inviabilizar a sua progressão como jogador de futebol profissional.

48. Mantendo-se sem qualquer ocupação estruturada desde que abandonou o projeto escolar/formativo, nos últimos anos apresenta experiências pontuais de trabalho de carácter indiferenciado ou de natureza agrícola sazonal.

49. O estilo de vida assumido pelo arguido durante os últimos anos tem originado vários problemas a nível familiar, sendo de referir os conflitos recorrentes com os seus progenitores, os quais desaprovam totalmente o seu comportamento, tendo optado por lhe recusar os recursos financeiros como tentativa de impor limites e regras e incentivar a sua responsabilidade e autonomia.

50. Contudo, foi referido a ocorrência de comportamentos agressivos por parte do arguido, dirigidos aos pais, situações que motivaram os mesmos a apresentar queixa juntos das autoridades policiais e do ministério público.

51. Ao nível familiar, o arguido mantém-se integrado no agregado familiar de origem, constituído ainda pelos progenitores e pela sobrinha.

52. Os recursos financeiros do agregado são atualmente considerados modestos, sendo de referir que a progenitora tem tido dificuldade em conseguir trabalho como empregada doméstica, o arguido não desenvolve qualquer atividade laboral e o progenitor encontra-se de baixa médica prolongada, por motivos de doença.

53. No contexto familiar, FM é percecionado como um Jovem atualmente em permanente conflito com as expectativas parentais, atendendo ao seu estilo de vida, caracterizado pelos pais como desviante e conotado com o consumo regular de estupefacientes e a prática de atividades ilícitas.

54. Trata-se de um jovem que tem manifestado forte vulnerabilidade à influência de modelos de conduta desviante e/ou antissocial, sendo significativo o facto do próprio identificar a maioria dos pares com quem conviveu regularmente nos últimos anos, como jovens já referenciados ao sistema judicial.

55. Não obstante, o arguido posicionou-se de forma crítica face a estas influências, valorizando, por outro lado, os poucos amigos e a namorada, como modelos positivos de conduta pró-social.

56. Ao nível das suas competências pessoais e sociais, os défices mais evidentes manifestam-se na sua capacidade de resolução de problemas e de autocontrolo, manifestando ainda fraco compromisso com rotinas e responsabilidades e baixa tolerância à frustração.

57. Relativamente aos seus projetos de futuro, o arguido verbalizou a sua vontade em emigrar, por motivos de ordem laboral, alegando as dificuldades verificadas até à data, com vista a conseguir uma colocação laboral.

58. NP é o filho único do primeiro relacionamento da progenitora.

59. Nunca teve contacto com o progenitor, que faleceu quando ainda era criança.

60. A progenitora reorganizou a sua vida pessoal com o atual companheiro e padrasto do arguido.

61. O arguido pertence a uma fratria numerosa, tendo quatro irmãos uterinos, atualmente todos maiores de idade.

62. O agregado familiar foi caracterizado como carenciado e com fracos recursos económicos, tendo em conta a situação de desemprego da mãe e a atividade profissional esporádica do padrasto como pedreiro/pintor da construção civil.

63. Para colmatar algumas das necessidades deste agregado, a progenitora tem recorrido a várias instituições de apoio social, designadamente o Centro Social da Quinta do Anjo.

64. O relacionamento entre este agregado e a instituição social encontra-se desgastado por se tratar de um apoio social com um longo percurso/período de acompanhamento, contudo, este agregado é sobejamente conhecido e apoiado sempre que são relevantes as fases de ausência de rendimentos por desemprego das figuras adultas do mesmo.

65. A família residia numa zona rural, onde eram referenciadas problemáticas sociais ligadas à emergência de situações delinquenciais.

66. A habitação estava equipada com os indicadores normalmente considerados na avaliação das condições de habitabilidade, embora muito frequentemente com falta de gás e/ou abastecimento de água por falta de pagamento/recursos económicos.

67. O estilo de supervisão parental pautou pela permissividade com hábitos de alcoolismo do padrasto, conjugados com comportamentos de violência doméstica deste relativamente à mãe.

68. O percurso escolar deste jovem foi considerado problemático, logo desde o seu início, revelando grandes dificuldades na apreensão das matérias lecionadas, de que resultava desinteresse e desmotivação relativamente à sua progressão, com diversas reprovações no seu percurso, tendo sido diagnosticado um défice cognitivo ligeiro.

69. Foi encaminhado pelo estabelecimento de ensino Escola Primária de Cabanas, para o Externato Rumo ao Sucesso, que frequentou em regime de semi-internato, tendo concluído o 9º ano de escolaridade, aos 24 anos.

70. A sua rede de sociabilidade era do conhecimento familiar e do meio comunitário, sendo NP frequentemente acompanhado pelos irmãos e primos, alguns deles conotados com comportamento criminal, referenciados nos órgãos policiais competentes e com acompanhamento por esta equipa de Setúbal 1 da DGRSP.

71. À data dos factos que deram origem à instauração do presente processo, no ano de 2013, NP mantinha o enquadramento vivencial acima referido, tinha concluído o 9º ano de escolaridade aos 24 anos e o seu quotidiano decorria sem atividades estruturadas, inserido na família, referenciada como carenciada e com problemática de violência doméstica, mantendo-se o arguido na companhia de familiares com problemática comportamental e delinquencial.

72. Nesse mesmo ano, o arguido iniciou o namoro com RS, com quem passou a residir, e integrou o agregado dos sogros, residentes na Quinta do Anjo, Palmela.

73. Tem um filho nascido desta relação, com um ano de idade.

74. NP é descrito pelos familiares (sogros) como um jovem-adulto não problemático, adequadamente integrado no contexto social e residencial, e amigo da família.

75. Atualmente trabalha como pedreiro, numa obra de construção civil/remodelação, a ser realizada na zona da cidade de Lisboa, para o empresário (FQ).

76. Aufere um rendimento que considera satisfatório de cerca de € 150 por semana.

77. Revela ter razoáveis competências de comunicação, mostrando-se afável e assertivo, bem como demonstra ser capaz de desenvolver pensamento consequencial.

78. Quando perspetiva o seu futuro, o arguido tem o projeto de manter o estilo de vida atual, demarcando-se de familiares e grupo de pares, pretendendo trabalhar para comparticipar nas despesas da família que integra atualmente (sogros e companheira) e filho menor.

79. AC é o mais novo dos quatro filhos do casamento dos pais, tendo nascido em Ermidas do Sado, onde viveu até aos 8 anos de idade.

80. É oriundo de uma família de baixa condição socioeconómica, tendo crescido num quadro de pobreza, sendo o pai o único elemento ativo, trabalhador da construção civil, indiferenciado.

81. Aparentemente a dinâmica familiar foi adequada/equilibrada.

82. Por motivos da atividade laboral do pai, a família deslocou-se para Alcácer do Sal, onde AC iniciou a escola primária.

83. Aos 9 anos de idade foi vítima de um acidente (coice de uma mula), que lhe causou um traumatismo craniano, tendo estado vários meses internado.

84. Em consequência deste acidente ficou com a fala afetada, não conseguindo articular vários sons.

85. No ano seguinte, a família mudou-se novamente, então para a Quinta do Anjo (Palmela), localidade onde o arguido permaneceu até aos 24 anos de idade, sempre integrado no agregado de origem.

86. Embora tivesse continuado o percurso escolar até aos 14 anos de idade, o arguido refere que não conseguiu concretizar aprendizagens, tendo assim apenas a frequência do 1º ano de escolaridade.

87. Enquanto criança, seja no contexto escolar, seja no da zona de residência, AC recorda ter sido alvo de gozo, lidando com esta circunstância através do silêncio.

88. Após ter abandonado a escola, começou a trabalhar, inicialmente no sector fabril, mantendo-se nos últimos 21 anos a trabalhar por conta da empresa “Teodoro Gomes Alho, S.A.”, empreiteiros de obras públicas.

89. Após um breve período de namoro, aos 20 anos começou a viver maritalmente com a atual companheira, de cuja relação tem em comum três filhos.

90. O arguido viria a ficar livre do cumprimento do serviço militar obrigatório, alegadamente em virtude dos problemas de oralidade já anteriormente referidos.

91. Há cerca de 28 anos atrás, AC fixou residência na morada onde vive atualmente.

92. A família tem subsistido num quadro de fragilidade económica, sendo o próprio o único elemento que tem trabalhado de modo regular, recorrendo a família a apoios sociais disponíveis na comunidade, designadamente a nível alimentar.

93. Para além das dificuldades económicas, a dinâmica deste agregado tem sido marcada pelos comportamentos disruptivos e delinquentes do filho mais velho (NS), o qual tem uma imagem muito negativa no meio sócio comunitário, mostrando-se o pai incapaz de controlar o seu comportamento.

94. AC tem mantido, ao longo do tempo, um estilo de vida que se tem organizado em torno do contexto laboral, onde se sente respeitado e valorizado, mantendo uma vida social limitada, frequentando pontualmente os cafés da zona onde reside.

95. À data da prática dos factos de que se encontra acusado, maio de 2013, AC vivia na morada constante dos autos, onde continua a residir, tratando-se de um apartamento de quatro assoalhadas, de renda social.

96. O agregado é constituído pela companheira, os dois filhos (coarguidos) e uma neta, onde pontualmente pernoita uma filha do casal.

97. À data o arguido trabalhava na empresa “Teodoro Gomes Alho, S.A.”, empreiteiros de obras públicas. AC encontra-se desempregado há cerca de um ano, por falência da empresa, auferindo subsídio de desemprego no valor de €447, sendo este o único rendimento do agregado, a condição económica do mesmo apresenta-se fragilizada, tendo sido agravada pelo não pagamento de rendas, cuja regularização levou ao aumento da verba para €74 mensais, situação que parece ter decorrido da falta de organização/gestão da companheira, dado ser esta que assume a gestão das despesas familiares.

98. Na zona de residência revela estar bem integrado, desconhecendo-se a existência do seu envolvimento em quaisquer outros problemas (conforme informação recolhida junto do posto da GNR da sua área de residência).

99. AC ocupa presentemente o seu tempo em casa, frequentando pontualmente o café da zona onde reside.

100. Não tem hábitos de consumo de álcool.

101. Em termos do seu funcionamento pessoal e social, AC revela ser um indivíduo reservado/tímido, com dificuldades acentuadas ao nível da expressão oral decorrentes aparentemente de sequelas neurológicas após o acidente de que foi vítima na infância.

102. Embora socialmente integrado, e valorizando, no seu pobre discurso, os valores pró-sociais, as referidas dificuldades têm comprometido uma integração e relacionamento social, sendo assim a sua vida social muito limitada.

B - FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultou provado, que:

1. No dia 20-02-2013, cerca das 14H00, quando os arguidos NP, AS, FM e NP se encontravam na Avª Alexandre Herculano, atrás do estabelecimento «Mac Donalds», no Pinhal Novo, juntamente com um grupo de 4 indivíduos de identidade desconhecida, avistaram RC e BL, que caminhavam naquele local.

2. O arguido NS solicitou então a BL que se aproximasse do local onde se encontrava, a fim de o questionar acerca de uma denúncia apresentada contra si na GNR do Pinhal Novo e relacionada com um alegado roubo de um computador portátil que este havia sido vítima.

3. De imediato, o arguido NS envolveu-se em confrontos físicos e verbais com BL.

4. Apercebendo-se dessas agressões, RC correu em auxílio do BL, sendo de imediato agredido pelos arguidos NP, AS, FM e NP com socos e pontapés que o atingiram por todo o corpo, causando-lhe dor.

5. No dia 07-04-2013, entre as 01H00 e as 09H35, o arguido NS dirigiu-se à residência sita na Rua Amadeu Cardoso, ---, Palmela Village, propriedade de FB, com o intuito de se apoderar de bens com expressão económica que aí encontrasse.

6. Aí chegado, o arguido forçou a fechadura da porta da sala, utilizando um objeto de características não apuradas, não conseguindo abri-la.

7. Por esse motivo, o arguido dirigiu-se para a janela do escritório e, depois de forçar a mesma, logrou abri-Ia, introduzindo-se então no interior da residência.

8. Do seu interior, retirou diversos bens descritos a fls. 95, que levou consigo e fez seus, designadamente uma Tablet Ipad, com o Imei 013217 008189370, no valor €599,00.

9. Na posse dos aludidos bens, o arguido colocou-se em fuga do local.

10. A arma descrita no ponto 3 dos factos provados era propriedade do arguido AS.

11. Ao agirem do modo acima descrito, os arguidos NP, AS, FM e NP previram e quiseram, em conjugação de meios e esforços, molestar o RC na sua integridade física, objetivos que lograram alcançar.

12. Ao agir do modo acima descrito, o arguido NS previu e quis ainda apoderar-se de bens que sabia não lhe pertencerem, tendo para o efeito forçado a fechadura da porta de entrada da residência do ofendido FB, introduzindo-se no seu interior, objetivos que logrou alcançar, contra a vontade e sem autorização do legítimo proprietário.

13. O arguido AS previu e quis deter consigo a aludida arma, que sabia não possuir qualquer aplicação definida, sendo suscetível de ser utilizada como arma de agressão e sem que tivesse justificado a sua posse.

14. Era do conhecimento dos arguidos que as condutas empreendidas não lhes eram permitidas e que constituíam crimes.

C - MOTIVAÇÃO
O Tribunal fundou a sua convicção, quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, com base no conjunto da prova produzida, analisada criticamente à luz das regras do bom senso e da experiencia comum.

Nenhum dos arguidos prestou, em sede de audiência de julgamento, declarações sobre os factos que lhes são imputados.

Assim, quanto ao primeiro e ao segundo dos factos provados, foi considerado o teor do depoimento prestado pela testemunha FR, que declarou ter adquirido ao arguido o referido tablet, pelo preço mencionado, o qual veio a ser-lhe apreendido.

Mais se considerou o depoimento da testemunha FB, o qual deu conta do assalto que verificou ter ocorrido na sua residência, confirmando a autoria e teor da lista dos objetos que lhe foram subtraídos, constante de fls. 95, na qual se inclui o referido Ipad, e ainda o talão correspondente à compra do referido equipamento (fls. 206), os registos de localização do mesmo (fls. 100-106) e o auto de apreensão relativo ao mesmo (fls. 119) e fotografias anexas e termo de entrega (fls. 205).

Quanto aos factos provados e descritos sob os pontos 3 e 4, assentou a convicção do Tribunal no teor dos autos de apreensão e de exame direto de fls. 208-209 e 216, respetivamente.

Os antecedentes criminais dos arguidos resultaram provados com base na análise dos respetivos CRC, enquanto para prova das suas condições sociais, económica e pessoais, foram consideradas as respetivas declarações e os relatórios sociais juntos aos autos.

Os factos não provados foram assim julgados em virtude da falta de prova suficiente quanto à respetiva verificação.

Com efeito, no que respeita aos factos de 20-02-2013, não obstante o teor dos autos de reconhecimento efetuado pelos ofendidos (fls. 325-326, 284 e ss e 334-335), não tendo sido possível ouvir os mesmos como testemunhas, não se logrou apurar em que termos terão ocorrido tais factos, ou se os mesmos ocorreram, e, por maioria de razão, qual a eventual intervenção dos arguidos nos mesmos.

Para tanto resultaram igualmente insuficientes os depoimentos dos Srs. Militares da GNR RG e IG, os quais deram conta de se terem deslocado ao local onde se encontravam os ofendidos já depois dos factos eventualmente ocorridos, a nada tendo assistido quanto aos mesmos.

Quanto à intervenção do arguido NS no furto ocorrido na residência de FB, revelou-se a prova produzida igualmente insuficiente.

Com efeito, apenas se demonstrou, nos termos acima expostos, ter o arguido vendido a terceira pessoa um dos objetos subtraídos de tal residência, o que, na ausência de qualquer outro meio de prova que para tanto apontasse, se revela insuficiente para apurar, com a segurança que se impõe, ter sido o mesmo quem o levou da referida residência, quando e de que forma.

Relativamente à circunstância de o bastão apreendido nos autos ser propriedade do arguido AS, apenas resulta a mesma do teor das declarações prestadas pelo arguido NS em fase de inquérito.

Com efeito, tais declarações de coarguido podem ser valoradas, conforme decidido em douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 113/2010 (DR, II Série de 18-05-2010), onde se decidiu não julgar inconstitucional “a norma do artigo 345º, nº 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133º, 126º e 344º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do coarguido que entenda não prestar declarações sobre o objeto do processo”.

É certo que nos termos do art. 133º, al. a), do Código de Processo Penal (C.P.P.), “estão impedidos de depor como testemunhas (...) os coarguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade”. Tal impedimento tem a sua razão de ser na incompatibilidade que pode verificar-se, quanto à produção de prova, entre a posição de arguido e a de testemunha. É que, enquanto o arguido tem direito a remeter-se ao silêncio, quanto aos factos que lhe são imputados, por força do disposto no art. 61º, nº 1, al. c), do C.P.P., sendo proibida pelo legislador a valoração desfavorável desse silêncio (artigos 343º, nº 1, e 345º, nº 1, do C.P.P.), a testemunha, por seu turno, presta juramento e deve responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas (art. 132º, nº 1, als. b) e d)), apenas cessando tal dever quando alegue que das respostas dadas resulta a sua própria responsabilização penal (art. 132º, nº 2). Consequentemente, o regime aplicável, em especial em caso de serem prestadas falsas declarações, é também distinto, consubstanciando as mesmas, quando proferidas por testemunhas, o crime de falso testemunho, p. e p. no art. 360º do Código Penal (C.P.), o que já não sucede quanto ao arguido que, na mesma hipótese, não sofrerá quaisquer consequências.

Ora, é esta diferença de regimes, assente numa ideia de proteção do arguido, que leva a que o legislador tenha estabelecido, no referido art. 133º do C.P.P., o impedimento do arguido para depor como testemunha, o que é explicado no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 181/2005, onde se refere que “a proibição constante do art. 133º do C.P.P. tem um objetivo muito próprio: o de garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou resposta falsa”.

Assim, há que ter desde logo em conta que, como explica Medina de Seiça (in “O Conhecimento Probatório do Coarguido”, in Boletim da Faculdade de Direito, CoI. Studia luridica, Coimbra Editora, 1999), o âmbito do impedimento deve ser determinado atendendo ao nexo existente entre as imputações dos vários arguidos, o qual existe quando as imputações respeitem ao mesmo crime ou a crime conexo. Ainda de acordo com o mesmo autor, mesmo havendo comunhão processual, os arguidos não se encontram impedidos de testemunhar relativamente aos factos autónomos de outro arguido, ou seja, aos factos que não apresentem o referido nexo (correspondentes ao mesmo crime ou a crime conexo). É o que se verifica nos presentes autos, em que aos dois arguidos em causa - PS e RA - são imputados crimes diversos, sendo os factos relativos a cada um deles perfeitamente autonomizáveis, não havendo assim por que excluir que as declarações do primeiro possam valer como depoimento testemunhal quanto aos factos imputados ao segundo.

Por outro lado, não pode deixar de ter-se presente que, conforme acórdão 304/2004 do Tribunal Constitucional (in www.tribunalconstitucional.pt) o “impedimento relativo visa, exclusivamente, a proteção dos direitos do coarguido, enquanto tal, no processo pertinente, em ordem a garantir o seu direito de se não autoincriminar (...)”. A ideia é pois, como explica o referido acórdão, tutelar o arguido depoente, o seu próprio direito a não se autoincriminar, e não proteger, com o direito ao silêncio de um dos coarguidos, os interesses da defesa do outro, restringindo os meios de prova a usar contra este.

Nestes termos, entende o Tribunal ser de admitir, sem qualquer dúvida, a prova por declarações de um dos arguidos acerca de factos respeitantes a outro arguido no mesmo processo, como é o caso.

Questão diferente é a da força probatória a conferir a tais declarações, atenta uma eventual menor credibilidade das mesmas. É que, como explica Teresa Pizarro Beleza (in “Tão amigos que nós éramos: o valor probatório do depoimento de coarguido no Processo Penal Português”, in Revista do Ministério Público, nº 74, p. 39), há aspetos no nosso regime processual penal que apontam para uma menor credibilidade das declarações de arguido, enquanto meio de prova a usar contra outro, como é o caso da impossibilidade de o arguido prestar juramento, da impossibilidade de submissão a contraditório do depoimento do coarguido (contrariamente ao que é imposto pelo art. 32º, nº 5, da CRP, para a generalidade da prova) e da inviabilidade de “cross examination” de tais depoimentos, na medida em que o CPP não prevê que os defensores dos arguidos possam pedir esclarecimentos aos coarguidos que contra eles deponham. Conclui assim a referida autora, que o depoimento de coarguido, não sendo uma prova proibida, é “um meio de prova particularmente frágil”, devendo ser corroborado por outras, por forma a poder sustentar uma condenação.

Não pode no entanto deixar de ter-se em conta que, não estando em causa prova proibida, nem prova legalmente tarifada, vigora o principio geral da livre apreciação da mesma pelo julgador, o que implica que caiba a este, face às circunstâncias concretas de cada caso, avaliar da credibilidade a conferir ao depoimento em causa.

Na situação em apreço, as referidas declarações do arguido NS, em fase de inquérito, relativas à propriedade (que atribui ao arguido AS) da arma apreendida, não foram corroboradas por qualquer outro meio de prova.

Por outro lado, resulta de tais declarações que, na habitação onde tal arma foi apreendida, residem, pelo menos, ambos os referidos arguidos.

Tal circunstância leva, desde logo, a que se suscite a dúvida sobre quem efetivamente detinha a arma apreendida, e, por outro lado, não pode deixar de fragilizar ainda mais o peso a conferir a tais declarações do arguido NS que, sendo igualmente residente na mesma morada, sempre teria interesse próprio na imputação da propriedade de tal objeto a outrem, afastando a sua própria responsabilidade criminal.

O depoimento da testemunha AS nada permitiu acrescentar quanto ao juízo probatório acima explanado, porquanto a mesma apenas soube dizer que um dos arguidos foi ao seu estabelecimento vender um computador.

Tendo resultado não provados os factos respeitantes às condutas objetivas imputadas aos arguidos, é logicamente de excluir a prova dos aspetos relativos aos elementos subjetivos, designadamente quanto à voluntariedade, intenção visada, e consciência da ilicitude relativamente a tais condutas”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da nulidade da sentença.

A Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente argui a nulidade da sentença revidenda, por omissão de fundamentação relativamente à decisão que considerou não provados os factos elencados nos nºs 5 a 9 da matéria de facto tida como não provada em tal sentença.

Cumpre apreciar e decidir.

Está em causa, a nosso ver, não a ocorrência de um furto na residência de FB, mas, isso sim, saber se o arguido NS foi, ou não, o autor desse furto.

Aliás, a apreciação da existência do furto, sem a identificação do seu autor, é totalmente inócua para a decisão a proferir nestes autos.

A esta luz, o tribunal a quo, partindo (evidentemente) da ocorrência do dito furto, apenas entendeu não estar provado que o arguido NS tenha sido autor do mesmo, pelo que, em consequência, o absolver do cometimento desse crime.

Com o devido respeito pela opinião da Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente, é apenas isso, sem mais, que a Exmª Juíza teve como não provado (não ficou provada a autoria do furto, mas tal não significa que tenha sido dada como não provada a ocorrência do furto - ocorrência esta, de per si, totalmente irrelevante in casu -).

É assim que entendemos, por só isso possuir relevo para a decisão (repete-se), a matéria de facto tida como não provada sob os nºs 5 a 9 da sentença recorrida (“no dia 07-04-2013, entre as 01H00 e as 09H35, o arguido NS dirigiu-se à residência sita na Rua Amadeu Cardoso,…, Palmela Village, propriedade de FB, com o intuito de se apoderar de bens com expressão económica que aí encontrasse. Aí chegado, o arguido forçou a fechadura da porta da sala, utilizando um objeto de características não apuradas, não conseguindo abri-la. Por esse motivo, o arguido dirigiu-se para a janela do escritório e, depois de forçar a mesma, logrou abri-Ia, introduzindo-se então no interior da residência. Do seu interior, retirou diversos bens descritos a fls. 95, que levou consigo e fez seus, designadamente uma Tablet Ipad, com o Imei 013217 008189370, no valor € 599,00. Na posse dos aludidos bens, o arguido colocou-se em fuga do local”).

Em suma: não ficou provada a autoria do furto por banda do arguido NS.

Para fundamentar esta opção decisória (não imputação do furto, efetivamente ocorrido, ao arguido NS), escreveu-se na sentença revidenda: “quanto à intervenção do arguido NS no furto ocorrido na residência de FB, revelou-se a prova produzida igualmente insuficiente. Com efeito, apenas se demonstrou, nos termos acima expostos, ter o arguido vendido a terceira pessoa um dos objetos subtraídos de tal residência, o que, na ausência de qualquer outro meio de prova que para tanto apontasse, se revela insuficiente para apurar, com a segurança que se impõe, ter sido o mesmo quem o levou da referida residência, quando e de que forma”.

Sempre com o devido respeito pela opinião da Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente, também nenhuma razão lhe assiste quando invoca a nulidade da sentença, por falta de fundamentação neste segmento.

É que, o tribunal a quo explicitou, de forma clara e apreensível, os motivos pelos quais considerou não ter ficado provada a autoria do furto por banda do arguido NS.

Mais: a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente entendeu tão perfeitamente esses motivos, que, como veremos mais adiante, deles discorda, pretendendo que este tribunal ad quem não os acolha, ou seja, visando que esta instância recursória perfilhe um entendimento contrário ao do tribunal recorrido.

Pelo exposto, e nesta vertente (nulidade da sentença revidenda), é manifesta a improcedência do recurso.

b) Da impugnação da matéria de facto.

Alega a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento impõe uma decisão diversa sobre a matéria de facto, sendo de dar como provada a factualidade tida como não provada nos nºs 5 a 9 dos “factos não provados” da sentença sub judice.

Tal factualidade, conforme já dito quando tratámos a anterior questão (“nulidade da sentença”), tem a ver com a autoria do furto (designadamente de uma “Tablet Ipad”) ocorrido na residência de FB.

Ou seja, trata-se de saber se o arguido NS foi, ou não, o autor desse furto.

No entendimento da Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente, a autoria do furto deve ser imputada a esse arguido, com recurso à chamada prova indireta (ou indiciária, ou por presunção judicial), sopesando, conjugadamente, os seguintes elementos:

- A entrada na residência do ofendido FB (e a consumação do furto) ocorreu entre a 1 hora e as 9 horas do dia 07-04-2013;

- Entre os objetos subtraídos encontrava-se uma “Tablet Ipad”, com o valor de 599 euros;

- Nesse mesmo dia (07-04-2013), pelas 18 horas, o arguido NS vendeu a aludida “Tablet Ipad”, pelo preço de 100 euros, a FR, em cuja posse a mesma foi apreendida.

Ora, perante estes elementos, alega a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente que é de concluir, sem dúvidas, que o arguido NS foi o autor do furto em discussão.

Cabe apreciar e decidir.

Há que salientar, desde logo, que a Exmª Juíza (que proferiu a sentença revidenda), a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente, e, bem assim, o arguido NS (na resposta ao recurso), estão, todos, de perfeito acordo sobre os elementos probatórios objeto de prova direta.

Isto é, e em breve resumo:

1º - O furto na residência de FB consumou-se num momento indeterminado, mas situado entre a 1 hora e as 9 horas do dia 07-04-2013.

2º - Entre os objetos subtraídos de tal residência encontrava-se uma “Tablet Ipad”, no valor de 599 euros.

3º - No dia 07-04-2013, pelas 18 horas, o arguido NS vendeu a aludida “Tablet Ipad”, pelo preço de 100 euros, a FR.

Até aqui, repete-se, todos os sujeitos processuais estão de acordo.

Também o tribunal a quo assim entendeu.

Nenhuma razão tem este tribunal ad quem para dissidir desse total entendimento (sobre o sentido e o alcance da prova direta desses factos).

A questão que se coloca é saber se, a partir desses elementos, é possível concluir, por via indireta, pela autoria do furto por banda do arguido NS.

A Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente (na motivação do recurso) entende que sim.

O arguido NS (na resposta ao recurso) acha que não.

O tribunal a quo (na sentença recorrida) entende, também, que não.

Resta que este tribunal ad quem, fundamentadamente, tome posição sobre um tal dissídio.

As presunções simples ou naturais são, como é sabido, não apenas meios lógicos de apreciação das provas (diretas), com podem ser ainda (e são, muitas vezes) meios de convicção.

Porém, tais presunções cedem perante a simples dúvida sobre a sua exatidão no caso concreto.

O que vale por dizer que o uso de presunções naturais, não violando o princípio in dubio pro reo, deve, necessariamente, ter como limite este princípio.

A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e, por isso, válida também no processo penal) consta do artigo 349º do Código Civil: “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

Importam, in casu, as chamadas presunções naturais (ou hominis), que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.

As presunções naturais são, dito de outro modo, o produto das regras de experiência.

O juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. Ou seja, “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência” (Prof. Vaz Serra, in “Direito Probatório Material”, BMJ, nº 112, pág. 190).

Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser “graves, precisas e concordantes”. “São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, direta e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar” (cfr. Carlos Maluf, “As Presunções na Teoria da Prova”, in “Revista da Faculdade de Direito”, Universidade de São Paulo, Volume LXXIX, pág. 207).

A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros.

No valor da credibilidade do “id quod”, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e, na medida desse valor, está o rigor da presunção. A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (cfr. Prof. Vaz Serra, ob. e local citados).

Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência, da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros. A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal, em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.

Há de, por isso, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, antes remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.

À luz dos anteriores considerandos, cumpre avaliar, retomando o caso em apreço, a questão acima enunciada.

O tribunal a quo considerou provado, com base na prova direta (e sem oposição de qualquer sujeito processual), que o furto na residência do ofendido FB ocorreu entre a 1 hora e as 9 horas do dia 07 de abril de 2013, que entre os objetos furtados se encontrava uma “Tablet Ipad” (no valor de 599 euros), e que, nesse mesmo dia, pelas 18 horas, o arguido NS vendeu essa “Tablet Ipad” furtada, pelo preço de 100 euros, a terceira pessoa.

O elemento (facto) determinante para a (eventual) prova do facto essencial (autoria do furto) é a venda a terceiros da “Tablet Ipad” furtada, que teve lugar no próprio dia do furto.

Isto é, se o arguido NS vendeu a aludida “Tablet Ipad” a terceira pessoa, no próprio dia do furto, será ele, necessariamente, o autor do furto desse objeto.

Com o devido respeito por este raciocínio, formulado pela Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente, a prova da autoria do furto, com base exclusiva na venda do objeto furtado pelo referido arguido, não é totalmente evidente, deixando razoáveis e fundadas dúvidas, por manter em aberto hipóteses factuais alternativas.

Na verdade, e usando as palavras constantes da resposta ao recurso apresentada pelo arguido NS: “não foi possível apurar a hora exata do furto; entre a ocorrência do furto do tablet e a posterior venda, ocorreu um hiato de tempo de 9 a 18 horas; ninguém, com o grau de certeza que a lei penal exige, pode garantir o que se sucedeu durante este hiato de tempo; inúmeras questões, para as quais não temos certeza na resposta, se levantam; não temos a certeza se terá sido o arguido a furtar o tablet na residência de FB; não temos a certeza se terá sido o arguido a furtar o tablet a um terceiro que o havia furtado na residência de FB; não temos a certeza se terá o arguido comprado o tablet a um terceiro e posteriormente o terá vendido; não temos a certeza se terá o arguido auxiliado um terceiro no furto do tablet; não é possível obter uma resposta, cabal, a todas as questões que possam surgir (…)”.

Dito de outro modo: no caso em apreciação, o facto conhecido (o pressuposto e a base da presunção) foi a existência de uma venda do objeto furtado, efetuada pelo arguido NS no próprio dia do furto (mas várias horas depois desse furto ocorrer), nada mais existindo (de relevante) que, fundadamente, nos permita saber em que circunstâncias o objeto vendido foi parar às mãos desse arguido/vendedor.

Assim, e com o devido respeito por diferente opinião, não é possível estabelecer aqui, com o exigível rigor, o procedimento lógico de uma presunção (não se podendo concluir, sem dúvida razoável, que o arguido NS, ao vender a terceira pessoa o bem furtado, nas concretas circunstâncias em que o fez, tenha sido, necessariamente, o “autor” do furto).

Por conseguinte, a decisão absolutória, proferida pelo tribunal a quo, nenhum reparo nos merece, sendo de improceder o recurso interposto pelo Ministério Público.


III - DECISÃO.

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se, consequentemente, a douta sentença recorrida.

Sem custas, por o Ministério Público estar isento do seu pagamento.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 24 de Janeiro de 2017


João Manuel Monteiro Amaro

Maria Filomena de Paula Soares