Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2122/19.5T8STB.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em acção em que o pedido se cinge à declaração de execução específica de contrato-promessa bilateral, resultando provado que o Autor, promitente-comprador, devidamente notificado para em prazo razoável proceder ao depósito do pagamento do valor remanescente do preço acordado para a compra de prédio urbano, não o fez, impõe-se, por aplicação do n.º 5 do artigo 830.º do Código Civil, julgar improcedente tal pedido e, consequentemente, absolver do pedido os Réus promitentes-vendedores.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2122/19.5T8STB.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal
Juízo Central Cível de Setúbal – Juiz 2
Apelante: (…)
Apelados: (…); (…); (…).

Sumário do Acórdão
(da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)
***
Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – RELATÓRIO
(…), residente em Rua do (…), n.º 7, 2950 – 221 Palmela, instaurou a presente ação de processo comum contra (…), residente em Travessa da (…), n.º 11, 2900 – 410 Setúbal, (…), residente em Praceta (…), n.º 5, 6.º-Dto., 2900 – 476 Setúbal e (…), residente em Rua (…), n.º 6, R./C., Esq., 2955 – 202 Pinhal Novo, pedindo que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos Réus, desta forma se possibilitando a execução do contrato prometido, por cumprimento do contrato promessa celebrado entre as partes quanto ao prédio urbano sito em Rua (…) e (…), n.º 3 (Lote 2) na Freguesia e Concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição número …/19890707 e inscrito na matriz urbana daquela freguesia sob o artigo (…).
Alegou, em síntese, ter celebrado com os Réus um contrato promessa de compra e venda relativo a um prédio urbano, tendo pago, a título de sinal, a quantia de € 50.000,00, acrescentando mostrar-se ultrapassado o prazo fixado no contrato promessa para a realização da escritura pública, a qual se mostra inviabilizada por culpa da Co-Ré (…).
Devidamente citados, apenas a Co-Ré (…) apresentou contestação alegando, em suma, não ter o Autor procedido à marcação da escritura pública no prazo previsto no contrato promessa, tendo a sua não observância acarretado incumprimento definitivo do contrato conducente a caducidade do mesmo, conforme comunicação que dirigiu ao Autor no dia 12/7/2018.
Mais acrescentou não ter recebido do Autor qualquer quantia a título de sinal.
Terminou pugnando pela improcedência da ação e condenação do Autor como litigante de má-fé.
Findos os articulados, foi proferido despacho a designar audiência prévia, tendo as partes sido advertidas que os autos reuniam os elementos necessários para se conhecer de imediato do mérito da causa.
Na audiência prévia determinou-se a suspensão da instância por um período de 10 dias, a pedido das partes com vista a por termo do processo por transação, as quais manifestaram ainda expressamente que prescindiam da continuação da audiência prévia e, bem ainda, do prazo para apresentar alegações de direito no caso de não atingirem aquele desiderato.
Não tendo as partes logrado obter a alvitrada transação foi proferido despacho a declarar cessada a suspensão da instância e proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Decisão
Pelo exposto julga-se a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, decide-se:
a) Absolver os Réus do pedido.
b) Custas a cargo do Autor.
Registe e notifique-se”.
*
Inconformado com a sentença, veio o Autor apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação, nele exarando as seguintes conclusões:
I. (…), ora recorrente, interpôs ação judicial que visava a execução específica do presente contrato.
II. A ré (…) insiste em impedir a realização da outorga do contrato definitivo, o qual está em condições de ser concretizados desde 12 de outubro de 2018.
III. Estando em causa a propriedade relativa a um imóvel oriundo de dissolução da sociedade previamente detentora do imóvel, por força das disposições legais, o mesmo está sujeito ao regime de compropriedade proporcional às quotas previamente detidas pelos ex-sócios, agora comproprietarios e promitentes vendedores.
IV. Conclui-se, por isso, que está em causa a compropriedade dos promitentes vendedores e diz-nos o artigo 1407.º do Código Civil que “para que haja, porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor das quotas”.
V. Assim sendo, e não obstante o facto de Ré (…) ter dado em primeira instância o seu consentimento quanto ao negócio que depois veio injustificadamente retirar, a aceitação do negócio por parte da mesma parece-nos desnecessária, com base na doutrina dos ilustres Professores que acima citamos, visto que o negócio está absolutamente aceite por 2 dos 3 sócios, que entre si detém 99% das quotas do imóvel.
VI. Concluímos assim que relativamente à conduta da ré (…), detentora da quota de 1% sobre o referido imóvel, os seus atos são realizados contra a oposição da maioria legal dos consortes, no caso os promitentes vendedores e detentores de 99% da quota do imóvel, podendo por isso e como postulado no artigo 1407.º, n.º 3, do Código Civil, tornar a mesma responsável pelo prejuízo causado não só à maioria legal dos comproprietários, bem como ao promitente comprador, lesado patrimonial e não patrimonialmente pelo incumprimento do CPCV.
VII. A recusa de outorga da escritura pública por parte da ré (…), com base num crédito que não envolve o recorrente, nem o negócio em causa não se afigura como causa justificativa credível de recusa legítima por se enquadrar no âmbito de um negócio com terceiros que em nada se prende com o presente contrato.
VIII. Quanto à obrigação do promitente comprador de divisão do valor remanescente pelos demais promitentes-vendedores/credores, atenta a circunstância do autor, ora recorrente, ter pago ao Réu (…), a responsabilidade de satisfazer os restantes credores seria sempre do credor a quem foi satisfeito além da parte que lhe competia, como resulta do disposto no artigo 533.º do Código Civil.
IX. Por último, mas não menos importante, o crédito alegado pela Ré (…) não poderia ser resultante do presente negócio uma vez que, tal como acordado no CPCV, nenhum dos promitentes compradores iria receber nenhuma parte do preço visto que o mesmo iria diretamente para os credores, tendo o réu (…) servido apenas de intermediário nestas transações.
X. Concluímos assim não existirem razões para a não aplicação da execução específica, uma vez que se encontram preenchidos os pressupostos para os efeitos translativos da propriedade, nomeadamente o pagamento integral do preço.
XI. Pelo que se impunha ao tribunal a quo uma decisão diversa da proferida permitindo dessa forma a concretização do negócio jurídico.
XII. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo fez uma má aplicação das normas jurídicas aplicáveis, como fez, do mesmo passo, má aplicação da lei, proferindo uma decisão que o recorrente entende dever ser revogada.
XIII. Dando provimento ao presente recurso, deve ser revogada a sentença recorrida, e substituída por acórdão deste Venerando Tribunal que, fazendo aplicação do direito conforme o enquadramento jurídico que aqui se advoga, por ser o único consentâneo, julgue conceder provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença recorrida e, em consequência, julgue a ação procedente por provada e em consequência produza os efeitos da declaração negocial dos réus, desta forma se possibilitando a execução do contrato prometido, por cumprimento do contrato-promessa celebrado entre as partes.
Com o que se fará JUSTIÇA”.
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Os Réus não responderam ao presente recurso.
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O recurso foi recebido na 1ª Instância como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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O recurso é o próprio e foi correctamente admitido quanto ao modo de subida e efeito fixado.
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Correram Vistos.
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II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que no caso concreto impõe-se proceder à reapreciação do mérito aferindo da verificação dos pressupostos necessários para determinar a execução específica do contrato-promessa outorgado entre as partes.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Consta do segmento da sentença recorrida atinente à fundamentação de facto o seguinte:
“Fundamentação de facto.
Com interesse para a decisão da causa estão assentes os seguintes factos:
1 – Em 15 de Dezembro de 2017, o Autor, na qualidade de promitente comprador e segundo contratante, e os Réus, na qualidade de promitentes vendedores e primeiros contratantes, celebraram um acordo escrito denominado “contrato promessa de compra e venda”, cuja cópia está junta a fls. 5 a 7 dos autos, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…) Considerando que os promitente vendedores eram os únicos accionistas, respectivamente nas proporções de 98%, 1% e 1% da sociedade comercial (…), SA, pessoa colectiva número (…), que teve sede em Centro de Escritórios (…) – Avenida (…), 148 – 4.º-C/5º-C, na freguesia de S. (…), concelho de Lisboa, a qual foi declarada dissolvida em processo de dissolução administrativa que correu termos por iniciativa da Administração Tributária, equivalendo o activo ao passivo o qual será satisfeito pela alienação do seu património imobiliário único existente nos termos de contratos celebrados com terceiros na presente data, pelo que os promitente vendedores não irão efectivamente receber para si o preço, mas para entrega a terceiros credores, designadamente:
a) Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Caixa de Crédito Agrícola e Mútuo, S.A.;
c) Caixa Económica Montepio Geral, S.A.;
d) Município de (…) – Câmara Municipal;
e) (…);
O segundo contratante responsabilizar-se-á pelo pagamento e liquidação dos valores aos terceiros credores supra indicados, com a colaboração de (…), tudo fazendo e realizando para que aqueles recebam e deem a quitação do valor em dívida. Nestes termos é celebrado o presente contrato-promessa de compra e venda que se rege pelas cláusulas seguintes:
1.º Os primeiros contratantes são nos termos acima indicados proprietários do prédio urbano sito em Rua (…) e (…), n.º 3, (Lote 2) na Freguesia e Concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob a descrição número …/19890707 e inscrito na matriz urbana daquela freguesia sob o artigo (…).
2.º Pelo presente contrato, os primeiros contratantes prometem vender ao segundo contratante e este promete comprar pelo valor e nas demais condições ora acordadas, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, o imóvel identificado na cláusula anterior pelo preço de € 100.000,00 (cem mil euros).
2. O pagamento desta venda será efectuado da forma seguinte:
a) A título de sinal, foi nesta data entregue pelo promitente comprador a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), da qual os promitentes vendedores dão a necessária quitação, o qual será destinado ao pagamento de ónus e encargos existentes sobre o prometido alienar, pelo que são confiados ao contratante (…), portador do cartão de cidadão número (…), NIF (…), viúvo, residente em Travessa da (…), n.º 11, 2900-410 Setúbal.
b) O restante do preço será pago pelo promitente-comprador no acto de celebração de escritura de compra e venda daquele imóvel aos primeiros contratantes, até ao final do corrente ano civil.
c) A celebração da escritura poderá ser adiada por trinta dias, por acordo entre os contratantes, ou a verificada impossibilidade de se efectuar o contrato prometido.
3. Sem prejuízo do direito à execução específica, nos termos do artigo 830.º do Código Civil, o não cumprimento do presente contrato e dos pagamentos nele previstos implicarão a perda imediata dos direitos do promitente comprador relativamente ao imóvel e à devolução de quaisquer quantias por esta entregues.
3.º Fica por conta do promitente-comprador as despesas ocasionadas com a escritura de compra e venda desta transacção, nomeadamente as referentes a encargos com eventuais financiamentos e aquisição do imóvel, bem como escrituras, registos e impostos ou taxas se forem legalmente devidos.
4.º O promitente-comprador só poderá ocupar o referido prédio a partir da data da escritura. (…)”
2 – Dá-se aqui por reproduzida o teor do documento junto a fls. 7 verso a 8 dos autos, intitulado “reconhecimento com menções especiais presenciais” do qual consta, além do mais, que o contrato foi assinado e reconhecida a assinatura dos promitentes vendedores pelo Sr. Advogado Dr. (…).
3 – No dia 12 de Junho de 2018, a Ré enviou a Autor, que a recebeu, a comunicação junta a fls. 48 dos autos, a qual aqui se dá por reproduzida, na qual consta, além do mais que “venho por este meio, e de acordo com as alíneas b) e c) , do numero três da cláusula segunda, do contrato de compra e venda (…) notificá-lo do incumprimento dos prazos acordados, dando lugar à sua caducidade por justa causa, e de acordo com a cláusula quatro do mesmo contrato, nos termos do artigo 830.º do Código Civil, a perda imediata dos direitos do promitente comprador e à devolução de quaisquer quantias entregues”.
4 – Esta missiva não obteve qualquer resposta por parte do promitente comprador.
5 – No dia 12 de Outubro de 2018, o Autor remeteu aos Réus, a comunicação junta a fls. 12v dos autos, a qual aqui se dá por reproduzida, na qual consta, além do mais que “(…) cabe-me informar que se encontra designado para o dia 26 de Outubro de 2018, escritura pública de compra e venda pelas 15 horas no Cartório Notarial (…), em Rua Quinta da (…), Lote 1-r/c-E, 2950-203 Palmela”.
6 – Dá-se aqui por reproduzida o teor das certidões juntas a fls. 18v a 20 e 49v a 50, emitidas pelo Cartório Notarial da licenciada (…), em Palmela, nas quais se certifica a comparência no dia 26/10/2018, pelas 15 horas, nesse Cartório dos promitentes vendedores, aqui réus, e do promitente comprador, aqui autor, no entanto, a escritura designada não se realizou, apesar de todos estarem presentes, porque a (…), se recusou a outorgá-la.
7 – O Autor foi devidamente notificado para, no prazo de 15 dias, proceder ao depósito do remanescente do preço no valor de € 50.000,00, o que não fez.
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Provaram-se todos os factos relevantes com interesse para a decisão da causa, à exceção da alegação da Ré que não recebeu a quantia de € 50.000,00 a título de sinal.”
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Está em causa no presente recurso aferir se no caso concreto se verificam os pressupostos para determinar a execução específica de contrato-promessa outorgado entre o Apelante e os Apelados.
Diz-nos o artigo 410.º do Código Civil (doravante apenas CC), sobre o regime aplicável ao contrato-promessa, o seguinte:
1- À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.”
Daqui resulta desde logo que vigoram para o contrato-promessa as normas gerais respeitantes ao cumprimento das obrigações, que se reconduz, em concreto, à celebração do contrato prometido.
Por outro lado, “também o inadimplemento do contrato-promessa, que derive da recusa de celebração do contrato prometido, ou mesmo de outras causas, encontra-se submetido ao regime geral do não cumprimento das obrigações” (Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12ª edição revista e actualizada, Almedina, 2018, págs. 415-416).
Não obstante, no âmbito do contrato-promessa subsistem particularidades significativas a propósito da execução específica e da resolução do contrato.
Ora, no tocante à execução específica estatui o artigo 830.º, n.º 1, do CC, epigrafado “contrato-promessa”, o seguinte:
1- Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.”
Continuando a acompanhar o raciocínio de Almeida Costa diz-nos o mesmo que “… em face deste preceito, se o promitente, na hipótese de promessa unilateral, ou qualquer dos promitentes, sendo o contrato-promessa sinalagmático, não celebrar o negócio definitivo, cabe à outra parte a faculdade de conseguir sentença que substitua a manifestação de vontade do faltoso”, podendo com tal pedido “cumular-se o da indemnização moratória correspondente aos danos sofridos pelo atraso no cumprimento da promessa” (obra citada, pág. 416).
O n.º 2 do aludido artigo 830.º dispõe o seguinte:
2- Entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.”
Conforme se alcança da leitura da norma em apreço não se exige qualquer cláusula expressa relativa ao afastamento do mecanismo da execução especifica, o que equivale a dizer que tendo ficado clausulado no contrato-promessa a existência de sinal, ou prevenida uma sanção para o caso de não cumprimento do mesmo, é de presumir que as partes quiseram que fosse esse o critério de reparação e a única consequência do incumprimento, afastando, consequentemente, a via da execução específica.
Sem embargo, estamos perante meras presunções ilidíveis (idem, pág. 417).
Já o n.º 3 do dito artigo 830.º esclarece que:
“3- O direito à execução especifica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o nº 3 do artigo 410;”
Abordando o mencionado n.º 3 do artigo 410.º percebemos que as promessas abrangidas naquele n.º 3 serão as respeitantes à “celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir”, o que significa que se elimina a possibilidade de exclusão, expressa ou presumida, da alternativa da execução específica quanto às promessas que visem os contratos onerosos acima referidos, através de uma norma que é imperativa “na medida em que veda o afastamento da execução especifica, mas sem que a imponha como único caminho ao contraente não faltoso” (ibidem, pág. 417).
Pois bem, aqui chegados, impõe-se descer ao plano dos factos descriminados na sentença recorrida, sublinhando que o Apelante não impugnou a decisão relativa à matéria de facto descriminada naquela peça processual, ao abrigo do disposto no artigo 640.º do CPC, de que resulta, por consequência, poder e dever tal fundamentação de facto ser entendida como definitiva, por, tão pouco, se vislumbrar fundamento para alterar a mesma com fundamento no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
Ora, do segmento dos factos considerados como provados resulta que apesar de ter sido estabelecido entre Apelante e Apelados, no contrato que outorgaram entre si em 15 de Dezembro de 2017 denominado “contrato-promessa de compra e venda”, a estipulação de um sinal a verdade é que também dele resulta terem as Partes acordado expressamente em salvaguardar o exercício do “direito à execução especifica”, mecanismo este que, no caso concreto, não poderia em circunstância alguma considerar-se afastado atendendo a que o objecto do contrato prometido incide sobre um prédio urbano.
Por outro lado, dos elenco dos aludidos factos considerados como assentes não decorre que o Apelante tenha realizado o pagamento aos Apelados, ou a algum deles, da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), atinente ao “restante do preço” igualmente acordado entre as Partes no mencionado contrato promessa outorgado a 15 de Dezembro de 2017, resultando, outrossim, do segmento dedicado aos factos provados ter o ora Apelante sido notificado para, no prazo de 15 dias, proceder ao depósito do remanescente do preço no valor de € 50.000,00 e não o ter feito.
Prevê o n.º 5 do artigo 830.º do CPC, o seguinte:
“5 – No caso de contrato em que ao obrigado seja lícito convocar a exceção de não cumprimento, a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.”
O contrato prometido em apreço é um contrato sinalagmático, bilateral, sem prazos diferentes para o cumprimento das prestações previstas o que possibilita desde logo a invocação da excepção de não cumprimento por banda de uma parte, se a outra não se dispuser a cumprir a obrigação respectiva.
Atendendo a que no contrato promessa firmado não ficou a constar expressamente qual das partes deveria proceder à marcação da escritura pública, nem sendo razoável extrair do clausulado que tacitamente tal competisse ao Apelante, ou aos Apelados, decorrendo apenas do dito contrato, conforme transcrito nos factos provados na sentença recorrida, que a escritura pública de compra e venda deveria ocorrer até ao final do ano de 2017, podendo sê-lo volvidos trinta dias sobre essa data desde que existisse acordo entre as partes quanto a esse adiamento, ou se constatada a impossibilidade de se efectuar o contrato prometido até 31/12/2017, temos de reconhecer, na esteira do raciocínio explanado na sentença recorrida, que na data de 12 de Junho de 2018 aposta na missiva remetida pela Co-Apelada (…) ao Apelante imputando-lhe o incumprimento dos prazos acordados entre as Partes estariam Apelante e Apelados em mora no tocante à marcação da escritura pública e por consequência quanto à celebração do contrato prometido, de tal resultando a ineficácia da pretendida resolução contratual manifestada através da comunicação remetida ao Apelante, uma vez que este ao ter posteriormente marcado a escritura pública para o dia 26 de Outubro de 2018, disso dando conta por meio de missiva remetida aos Apelados em 12 de Outubro de 2018 revelou não ter perdido o interesse na prestação.
Sucede que resultou igualmente provado na sentença recorrida que apesar de Apelante e Apelados terem comparecido no local e no dia marcado para a realização da escritura pública a Co-Apelada (…) recusou-se a outorgar a mesma, o que inviabilizou a sua celebração, recusa essa que consubstanciou um inadimplemento definitivo por banda daquela, sem contudo afastar a via da execução especifica por parte do Apelante, que naturalmente no momento previsto para a outorga da escritura pública ficou sem poder cumprir a obrigação contratual imposta sobre si de pagar o remanescente do preço acordado para a aquisição do prédio urbano.
E assim sendo, tendo o Apelante invocado na presente causa o direito à execução específica do contrato promessa celebrado com os Apelados a procedência da causa dependia da prova do depósito do remanescente do preço acordado para a alienação do imóvel referido nos autos uma vez que tal consubstanciaria a satisfação da prestação a que o Apelante se vinculou contratualmente, traduzida no pagamento integral do preço acordado, efeito essencial da compra e venda de acordo com o disposto no artigo 879.º, alínea c), do CC.
Contudo, relembre-se, notificado para tal o Apelante não procedeu a esse depósito, o que implica necessariamente a improcedência do pedido que formulou na causa.
De resto, quanto à argumentação aduzida pelo Apelante nas suas conclusões impõe-se dizer que por virtude da dissolução e por consequência liquidação e extinção da sociedade de que os Apelados eram únicos acionistas, que arrastou a inexistência jurídica daquela, deixa de ter fundamento considerar a manutenção da participação de cada um deles na propriedade do prédio urbano, que passou a ser pertença dos mesmos, por referência à proporção que cada um deles detinha no capital social da sociedade extinta.
Na verdade, o raciocínio feito pelo Apelante como que pressupõe a existência da sociedade de que os três foram acionistas, o que já não sucede, por, sublinhe-se, resultar à saciedade dos factos provados na sentença recorrida ter a mesma sido declarada dissolvida em processo de dissolução administrativa despoletado por iniciativa da Autoridade Tributária.
Quanto ao demais o facto de não constar como assente no segmento da sentença recorrida reservado à fundamentação de facto que o Apelante tenha procedido ao pagamento em numerário ao Co-Apelado (…) do remanescente do preço do prédio urbano prometido vender no montante de € 50.000,00 e/ou que este lhe tenha dado quitação de tal torna despiciendo apreciar a relevância conferida pelo Apelante a tal hipotético procedimento.
Improcedem, assim, as conclusões recursivas sendo de negar provimento ao recurso interposto pelo Apelante.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso de Apelação interposto por (…) e, em consequência, decidem:
a) Confirmar a sentença recorrida.
b) Fixar as custas a cargo do Apelante, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
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Évora, 25/03/2021
(José António Moita, relator – Assinatura electrónica certificada no canto superior esquerdo da primeira folha do acórdão).
(Silva Rato, 1.º Adjunto – Votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Dec.-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Dec.-Lei n.º 20/2020, de 01/05).
(Mata Ribeiro, 2.º Adjunto – Votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Dec.-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Dec.-Lei n.º 20/2020, de 01/05.