Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1340/21.0T8ENT.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: CRÉDITO BANCÁRIO
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O regime do PERSI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, é obrigatório mesmo no caso em que o início do incumprimento do contrato dado à execução tenha ocorrido em data anterior à vigência do referido diploma desde que o contrato se mantenha em vigor depois da sua entrada em vigor.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1340/21.0T8ENT.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

Por requerimento datado de 07-05-2021, veio a sociedade (…), STC, S.A. intentar acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, contra (…), oferecendo como títulos executivos uma escritura pública de «Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca», outorgada em 25-03-2002, e um denominado «Contrato de Mútuo», outorgado em 26-01-2010, sendo a quantia emprestada através do segundo destinada «a liquidar encargos junto da CEMG».
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Foi proferido o seguinte despacho (anterior ao despacho liminar):
«Face ao alegado no requerimento executivo, releva, para efeitos de apreciação da eventual sujeição ao disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, aferir se, face à concreta natureza dos créditos exequendos, a exequente (ou a instituição bancária que o antecedeu na titularidade de tais créditos), sendo caso disso, deu cumprimento ao ali estipulado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
«(…) entendemos que sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objetiva de procedibilidade para a execução, impondo-se, por conseguinte, perante o seu eventual desrespeito, a absolvição do executado da instância por procedência de excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso – artigo 573.º, n.º 2 e 578.º do Código de Processo Civil».
Foi a exequente convidada a esclarecer e/ou documentar o que tivesse por conveniente a propósito da questão suscitada.
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A exequente pronunciou-se no sentido de nada obstar ao prosseguimento da execução.
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O requerimento inicial foi liminarmente indeferido.
Deste despacho recorre o exequente argumentando, no essencial, que a integração dos clientes bancários no procedimento extra-judicial apenas é obrigatória nos casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos de aplicabilidade – cfr. artigos 12.º a 22.º do D.L. 227/2012, de 25 de Outubro.
Mais alega que, não obstante o Recorrente não ter iniciado o procedimento extrajudicial de regularização do incumprimento, bem andou uma vez que, durante vários anos, mesmo antes da entrada em vigor da referida legislação, foram oferecidas ao Executado várias hipóteses de se redimir e cumprir pontualmente as suas obrigações.
Por último alega que o direito à meação sobre o imóvel de que o Executado era titular, foi penhorado no âmbito do processo n.º 478/10.4TATNV-B, pelo que, apesar de não existirem pagamentos em atraso, a diminuição de garantias do crédito concedido permitiu ao Credor Originário, na qualidade de reclamante, pôr termo ao contrato, o que sucedeu in casu, atenta a penhora registada nos autos sobre o imóvel hipotecado.
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No requerimento executivo, no segmento destinado à enunciação dos factos, foi alegado o seguinte:
I - Questão Prévia - Da Legitimidade da Exequente
1. Por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 27.12.2018, a Caixa (…), S.A. (adiante abreviadamente designada por CEMG) cedeu à (…) Finance, DAC os créditos decorrentes da operação aqui executada, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos, que aqui se junta como Documento 1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 2. Posteriormente, a 12.04.2019, a (…) Finance DAC cedeu à (…), STC, SA, os presentes créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos e respetivo anexo, que aqui se junta como Documento 2 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
II - Do crédito
3. A CEMG, por Escritura Pública denominada de "Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” celebrada em 25 de março de 2002, emprestou ao Executado (…), pelo prazo de 30 (trinta) anos, a importância de € 67.337,72, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas e nas demais condições constantes do referido título, que junta e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais como documento 3.
4. A taxa de juro contratada foi a taxa Euribor a seis meses, acrescida de spread de 3,4% – cfr. cláusula 28ª do documento complementar que faz parte integrante da escritura junta como documento 3.
5. Em caso de mora ou incumprimento, tal taxa seria elevada em 4% – cfr. cláusula sétima do documento complementar que faz parte integrante da escritura junta como documento 3.
6. Por acordos celebrados em 30.03.2010 e 10.09.2012, as partes estipularam períodos de carência de capital de juros, mantendo em vigor todas as demais cláusulas.
7. A quantia emprestada referida no aludido título foi efetivamente entregue ao Executado, que recebeu a título de empréstimo para aquisição de habitação permanente.
8. Confessando-se devedor da quantia recebida perante o banco cedente, conforme se alcança do título aqui junto aos autos. Sucede que
9. O pagamento das prestações do empréstimo acima referido a que estava obrigado foi interrompido em 25.03.2002.
10. Nada mais tendo pago por conta do mesmo.
14. A CEMG, por Contrato de mútuo, celebrado em 26 de janeiro de 2010, emprestou ao Executado (…), pelo prazo de 20 (vinte) anos, a importância de € 8.000,00 a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas e nas demais condições constantes do referido título, que junta e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, como documento 4.
15. A taxa de juro contratada foi a taxa anual nominal de 5,996% – cfr. cláusula 3ª do contrato junto como documento 4.
16. Em caso de mora ou incumprimento, tal taxa seria elevada em 4% – cfr. cláusula sétima do contrato junto como documento 4.
17. A quantia emprestada referida no aludido título foi efetivamente entregue ao Executado, que recebeu a título de empréstimo.
18. Confessando-se devedor da quantia recebida perante o banco cedente, conforme se alcança do título aqui junto aos autos.
19. Sucede que o pagamento das prestações do empréstimo acima referido a que estava obrigado foi interrompido em 27. 03.2013.
20. Nada mais tendo pago por conta do mesmo.
21. Apesar das diversas diligências suasórias desenvolvidas pelo Exequente.
24. No primeiro empréstimo, o capital em dívida ascende a € 10.679,55 (dez mil, seiscentos e setenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos).
25. Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias:
- Juros de mora e juros vencidos desde a data do incumprimento, 25.03.2002, até 27.04.2021, no valor de € 1.018,39.
26. Perfazendo, quanto a este empréstimo a quantia de € 11.697,94, à qual acrescerá juros de mora vincendos e imposto de selo, até efetivo e integral pagamento.
27. No segundo empréstimo, o capital em dívida ascende a € 4.815,12 (quatro mil, oitocentos e quinze euros e doze cêntimos).
28. Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias:
- Juros de mora vencidos desde a data do incumprimento 27.03.2013, até 27.04.2021, no valor de € 455,55.
29. Perfazendo, quanto a este empréstimo a quantia de € 5.270,67, à qual acrescerá juros de mora vincendos e imposto de selo, até efetivo e integral pagamento.
30. Perfazendo o valor global em dívida a quantia de € 16.968,61, sem prejuízo dos juros vincendos, contados a igual taxa, até integral reembolso e respetivo imposto de selo.
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Entendemos que a decisão recorrida é de manter.
Em relação ao primeiro argumento, notamos que a indicação da lei (artigos 12.º a 22.º do D.L. 227/2012) é por demais vaga para que possa permitir a conclusão pretendida pelo recorrente. Estes dispositivos tratam do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (é esta a epígrafe da secção I do capítulo III do citado diploma) e não propriamente dos requisitos de aplicação do PERSI.
Seja como for, em relação ao segundo contrato (realizado em Janeiro de 2010, com o incumprimento iniciado em Março de 2013), não temos dúvidas que a inclusão no regime legal citado era obrigatória, face ao disposto no artigo 39.º, n.º 3, cujo teor é o seguinte: os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º (o Decreto-Lei n.º 227/2012 entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2013).
Já quanto ao primeiro contrato (realizado em Março de 2002, com o incumprimento iniciado em Março de 2002), tem relevo a consideração que se faz no despacho recorrido: «assentando o início do incumprimento do primeiro contrato dado à execução em data anterior à vigência do Decreto-Lei 227/2012, mas não tendo a exequente demonstrado que o contrato tinha então já sido resolvido ou denunciado, não se verifica, por esta via, o afastamento da obrigatoriedade do cumprimento do PERSI». Com efeito, o n.º 1 do mesmo artigo 39.º tem a solução para o caso: São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
Não se vê que o contrato tenha sido resolvido sendo certo que o incumprimento não equivale à sua extinção. O argumento que a «diminuição de garantias do crédito concedido permitiu ao Credor Originário, na qualidade de reclamante, pôr termo ao contrato» não significa que tal tenha realmente acontecido. A carta a que se faz referência no despacho recorrido não contém qualquer resolução do contrato [o seu teor é este: Considerando que não tiveram êxito as diligências já realizadas com vista à regularização do contrato em epígrafe, fui incumbido de, pela via judicia~ recuperar os créditos devidos pelo seu incumprimento. Não desejaria, todavia, instaurar a competente acção judicial sem tentar, pela última vez a regularização extrajudicial da sua situação contratual para a qual lhe concedo o prazo de 10 (dez) dias].
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Em suma, em relação aos dois contratos existe a obrigatoriedade de o credor recorrer ao PERSI.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 10 de Março de 2022
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos

Sumário: (…)