Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2727/19.4T8STR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
PRESSUPOSTOS
FACTOS-ÍNDICE
Data do Acordão: 06/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A aprovação e homologação de um plano de insolvência ou de um plano de pagamentos pressupõe ou implica – conforme os casos – a declaração de insolvência do devedor.
2. A superveniência do incumprimento de obrigações assumidas pelo devedor no quadro de um deles inculca que o devedor se mantém impossibilitado de satisfazer as prestações a que está vinculado e justifica, por isso, que os credores possam agir.
3. No processo especial de revitalização, o devedor não foi ainda declarado insolvente e a homologação de um plano de recuperação é o reconhecimento de que o devedor não se encontra impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas.
4. O incumprimento do plano de revitalização não integra o facto-índice da alínea f) do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
5. Ficando excluída a subsunção dos factos alegados ao facto-índice consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ao deduzir o pedido de declaração de insolvência, o requerente da insolvência está vinculado a convocar os factos principais ou essenciais que poderiam consubstanciar uma situação de insolvência, sob pena, de não o fazendo de forma esclarecedora, se julgar no sentido da manifesta improcedência do pedido formulado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 2727/19.4T8STR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Comércio de Santarém – J3
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
O “Banco (…) Português, SA” intentou a presente acção com vista à declaração de insolvência da sociedade “(…) e (…), SA”. Em sede de despacho saneador foi proferida decisão de indeferimento do pedido de declaração de insolvência e a instituição financeira veio interpor o presente recurso.
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O “Banco (…) Português, SA” invocou que tem um crédito sobre a requerida no montante global de € 13.740,41, por ser dono e legítimo portador de 2 letras de câmbio vencidas em que a “(…) e (…), SA” figura como aceitante.
Mais adianta que, em 13/01/2014, no âmbito do processo registado sob o nº 752/13.8TBABT, na sequência da homologação de plano de insolvência, foi encerrado o respectivo processo em que havia sido declarada a insolvência da requerida e reclamou créditos, os quais foram reconhecidos sob condição.
No ano de 2017, a requerida deduziu processo especial de revitalização (PER), que correu termos sob o nº 1746/17.0T8STR. E, de acordo com o plano de revitalização homologado, a “(…) e (…), SA” obrigou-se a satisfazer o crédito da requerente no prazo de 132 meses, com carência de capital durante os primeiros 12 meses, tendo ainda sido estipulado que a requerida constituiria hipoteca sobre determinados imóveis a favor dos credores bancários e na proporção de cada crédito.
A quantia em causa não foi paga e a requerente disse que notificou a requerida para que esta procedesse ao pagamento dos valores que lhe eram devidos no âmbito do plano especial de revitalização.
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Realizada a citação, a requerida “(…) e (…), SA” deduziu oposição, na qual sustenta a prescrição das letras de câmbio e a ineptidão da petição inicial ou, caso assim não se entenda, defende que a pretensão da requerente deve ser dada como não provada.
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Em sede de despacho saneador, o Tribunal «a quo» julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e indeferiu o pedido de declaração de insolvência, por o considerar manifestamente improcedente.
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A instituição financeira não se conformou com a referida decisão e o recurso interposto continha as seguintes conclusões:
«1. A ora requerente requereu a declaração de insolvência da requerida, sustentado deter sobre a mesma um crédito no montante total de € 13.740,41.
2. Bem como alegando que, quanto à requerida, estaria preenchido o requisito previsto na alínea f) do art.º 20.º do CIRE, na medida em que a mesma já havia sido declarada insolvente no âmbito do processo número 752/13.8TBABT, 2º Juízo, tendo sido reconhecido um crédito reconhecido à requerente e tendo sido aprovado e homologado um plano de insolvência, que não foi pontualmente cumprido e ainda, posteriormente, no ano de 2017, a devedora e ter-se-ia apresentado a PER – 1746/17.0T8STR – com crédito reconhecido à requerente, com plano homologado, mas, e igualmente, não cumprido quanto à requerente, apesar de notificada para tal.
3. A ora requerente entende que, para além do preenchimento da alínea f) do artº. 20º do CIRE, o facto de a requerida, não ter cumprido dois planos de insolvência a que se propôs, deter um passivo tão elevado – € 8.247.168,91 – e a dívida da ora requerente ser de valor diminuto e incumprida, revela a incapacidade da devedora solver o seu passivo e impossibilidade de cumprir as suas obrigações já vencidas.
4. Ora, a Sentença a quo assim não entendeu, porquanto, considera que as “razões justificativas que fundamentariam a aplicação analógica da alínea f) não se verificam (art.º 10.º, n.º 2, do CC), pelo que o incumprimento do plano de revitalização não integra o facto índice da alínea f) do nº 1 do artº 20º. Incumbe então ao requerente da insolvência alegar outros factos que conjuntamente com o alegado incumprimento do PER permitam concluir pela situação de insolvência da requerida”.
5. Pelo seu significado, o crédito da ora requerente, no conjunto do passivo da devedora evidencia a impotência, para a obrigada de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
6. Na verdade, uma sociedade que vem de dois procedimentos recuperatórios – plano de insolvência e PER – sem pagamento de qualquer valor ao requerente – sendo que durante vários anos não realizou qualquer pagamento, está necessariamente insolvente.
7. Estamos perante sociedade que deste 2013 recorre a procedimentos destinados a empresas insolventes ou em situação iminente de insolvência, sem que consiga cumprir perante a ora recorrente.
8. Acresce que entendemos que os factos-índices elencados nas alíneas a) a h) do nº 1 do artº. 20º do CIRE manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir pontualmente as suas obrigações, sendo presuntivos da insolvência.
9. Nestes termos, entende a requerente que cabia ao requerido e na intenção de impedir a declaração de insolvência demonstrar que não se verificava qualquer dos invocados “factos-índice”, ou demonstrar que, não obstante a ocorrência desse facto não se verificava, no caso concreto, a situação de insolvência.
10. Ora, o requerido não o fez, tendo apenas alegado razões de direito para que a sua insolvência não fosse decretada. Não alegou um único facto que comprovasse a sua solvência, nem afastou a aplicabilidade da alínea f) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE, o que lhe cabia.
11. Acresce que, no que respeita ao incumprimento do plano de recuperação aprovado no âmbito do PER, dispõe o artigo art. 20º, 1, f), que poderá ser requerida a insolvência por qualquer credor, verificando-se o incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamento.
12. Assim, resulta claro que se encontram cumpridos dois requisitos essenciais para que seja declarada a insolvência da Recorrida.
13. A verdade é que devedora já beneficiou de várias oportunidades para sair do processo de insolvência, pelo que, há que lhe exigir um cuidado acrescido perante uma situação de incumprimento das obrigações que foram motivo da sua primeira insolvência e da sua apresentação a PER, sendo que foi com esperança nesse cumprimento que a os credores lhe confiaram esse voto.
14. Ora, não sendo aproveitada essa oportunidade e teimando o incumprimento, o Tribunal deveria ter declarado a insolvência devedora, por esta se encontrar em estado de insolvência.
Farão V. Exªs., com toda a certeza, Justiça, se se dignarem revogar a Sentença de que se recorre e nos termos requeridos!».
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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de erro na aplicação do direito, por não existir fundamento para decidir pela improcedência do pedido de insolvência.
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III – Factos com interesse para a decisão da causa:
Os factos com interesse para a justa solução do caso são os que constam do relatório inicial e ainda os seguintes:
1) No âmbito do processo registado sob o nº 752/13.8TBABT, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, a requerida “(…) e (…), SA” foi declarada insolvente por decisão datada de 02/07/2013, publicada no dia 03/07/2013.
2) O “Banco (…) Português, SA” reclamou créditos e o respectivo crédito foi reconhecido no valor de € 10.300,00 (dez mil e trezentos euros), acrescida de juros.
3) O plano de insolvência foi aprovado, o processo foi encerrado e o acto de encerramento foi publicitado através de anúncios em 13/01/2014.
4) Posteriormente, já no ano de 2017, a devedora apresentou-se a Processo Especial de Revitalização, que correu termos sob o nº 1746/17.0T8STR do Juízo de Comércio de Santarém (Juiz 2).
5) A sociedade requerente reclamou créditos e o respectivo crédito foi reconhecido.
6) De acordo com o plano homologado a requerida ficou obrigada ao reembolso à aqui requerente no prazo de 132 meses, com carência de capital durante os primeiros 12 meses a contar do trânsito em julgado da Sentença homologatória. Foi ainda estipulado que a requerida constituiria hipoteca sobre determinados imóveis a favor dos respectivos credores bancários e na proporção de cada crédito.
7) À data da apresentação do Processo Especial de Revitalização o passivo total da devedora ascendia a € 8.247.168,91.
8) Em 12/01/2018, foi proferida sentença de homologação do plano de recuperação.
9) O “Banco (…) Português, SA” disse ter remetido carta para notificação da “(…) e (…), SA” em 12/06/2018, pretendendo assim dar cumprimento ao disposto no artigo 218º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, invocando que se encontravam em dívida três prestações, no valor total de € 64,63. Notificando, então, por essa via, a sociedade devedora para que, no prazo de 15 dias, procedesse ao pagamento dos valores que lhe eram devidos.
10) A referida correspondência não tem aposta qualquer assinatura do destinatário no aviso de recepção (RD892263736PT) e, ao serem interpelados sobre a respectiva entrega, os serviços dos CTT afirmam que tal registo corresponde a «objecto não encontrado».
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IV – Fundamentação:
É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, face à regra inscrita no nº 1 do artigo 3º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Na interpretação de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda «o que, verdadeiramente, releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos»[1].
Na opinião Catarina Serra para efeitos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a insolvência pode surgir sob duas formas: a impossibilidade de cumprir (cfr. art. 3º, nº 1) e a situação patrimonial líquida negativa (cfr. art. 3º, nº 4)[2].
Relativamente às pessoas colectivas e aos patrimónios autónomos importa também considerar as disposições especiais dos nºs 2 e 3 do artigo 3º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O legislador concretizou o conceito de situação de insolvência no nº 1 do artigo 20º[3] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, através da enumeração de diversos factos-índice da situação de insolvência.
O preceito em análise contém um elenco de facto indiciadores da situação de insolvência que legitimam o requerimento da declaração de insolvência a pedido do responsável pelo pagamento das dívidas, por qualquer credor ou pelo Ministério Público.
A sociedade recorrente perfilha da posição que os factos-índices elencados nas alíneas a) a h) do nº 1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir pontualmente as suas obrigações, sendo presuntivos da insolvência.
Na leitura da Meritíssima Juíza de Direito, ao fazer a «concatenação entre a petição inicial e o requerimento de 11/03/2020 em que a requerente deduz resposta às excepções, não restam dúvidas de que esta apenas funda o pedido de declaração de insolvência na al. f) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE, sustentando que a requerida não se encontra a cumprir quanto a si o que consta do plano de revitalização homologado».
Realizada a leitura da petição inicial é incontestável que a sociedade recorrente estriba o pedido de insolvência no incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do nº 1 e no nº 2 do artigo 218º[4].
No plano substancial sempre ocorra um incumprimento do plano de insolvência emerge a questão de apurar quais são as consequências da violação das obrigações negociais contratualizadas. Se o plano contiver uma estatuição expressa a esse respeito a problemática fica solucionada. Porém, de harmonia com as regras da experiência comum, é facilmente detectável que, em regra, essa previsão de inadimplência não se encontra regulada nesse acordo vinculativo. E, num contexto de normalidade, a disposição fundamental é a da previsão do citado artigo 218º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
De acordo com os melhores critérios hermenêuticos a moratória e o perdão ficam sem efeito, operando-se assim «uma repristinação dos créditos originais». Neste particular, acompanhamos Catarina Serra quando esta afirma que, sob o ponto de vista dos efeitos jurídicos, esta disposição é simultaneamente excessiva e insuficiente. Diz a autora que é «algo excessivo porque os efeitos do incumprimento são automáticos e, portanto, independentes da vontade dos sujeitos envolvidos; algo insuficiente porque respeitam somente à moratória e ao perdão, não fornecendo o preceito qualquer orientação quanto ás consequências do incumprimento quando estejam em causa outras modificações dos créditos. O efeito mais significativo da norma é, de facto, o de determinar que a reconstituição dos créditos nos casos de moratória e de perdão não depende do comportamento dos credores, não pressupõe o exercício, por parte deles, do direito de resolução»[5].
Pergunta-se se, na dinâmica processual, haverá uma relação de paralelismo entre o incumprimento de um plano de revitalização e a falta de pagamento das obrigações determinadas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, gozando o devedor do benefício probatório da existência de um facto indício da existência de uma situação de insolvência?
A resposta a esta questão exige uma breve revisitação das características essenciais identitárias dos tipos processuais em discussão (revitalização e insolvência no seu sentido estrito) em ordem a apurar se ocorre motivo para a aplicação ao caso sub judice da al. f) do nº 1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Na realidade, na situação judicanda, a alegada insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações assenta não no incumprimento do plano de insolvência ou do plano de pagamento, mas sim na violação das obrigações de um plano especial de revitalização. E assim a questão nuclear passa por decifrar se a situação admite uma interpretação extensiva[6] ou da integração de lacunas[7] da previsão normativa estabelecida pela alínea f) do nº 1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O enunciado textual da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», como decorre do nº 2 do preceito sub judice. E isto afasta claramente a possibilidade do recurso aos cânones da interpretação extensiva.
No capítulo histórico, lógico e sistemático[8] [9] [10] é conhecida a distinção entre o plano de insolvência e uma situação de processo especial de revitalização. Aliás, o legislador já introduziu diversas alterações legislativas no sentido de realizar adaptações entre os diversos mecanismos processuais e substanciais que se encontram provisionados no âmbito do direito da insolvência e não promoveu qualquer modificação na previsão dos factos índices no sentido de presumir um quadro de insusceptibilidade de cumprimento no quadro da violação de um plano de pagamento emitido ao abrigo de um processo especial de revitalização.
A aprovação e homologação de um plano de insolvência ou de um plano de pagamentos pressupõe ou implica – conforme os casos – a declaração de insolvência do devedor. A superveniência do incumprimento de obrigações assumidas pelo devedor no quadro de um deles inculca que o devedor se mantém impossibilitado de satisfazer as prestações a que está vinculado e justifica, por isso, que os credores possam agir[11].
A finalidade e a natureza do processo especial de revitalização estão patenteadas no artigo 17º-A[12] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e o procedimento especial destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
Na realidade, ao abrigo do nº 10 do artigo 17º-F[13] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no nº 4 do artigo 17º-C[14] do citado diploma.
Como se deixou alinhavado, por oposição, no processo especial de revitalização, o sujeito não cumpridor não foi ainda declarado insolvente e a homologação de um plano de recuperação é o reconhecimento de que o devedor não se encontra impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas.
Em contraponto àquilo que consta do articulado de recurso, a aprovação do plano de revitalização da requerida em 2017 indicia a solvência da requerida. E, além do mais, em face da sucessão de processos, os efeitos da pretérita declaração de insolvência mostram-se mitigados pela subsequente decisão de revitalização da empresa, não se podendo convictamente afirmar que se mantêm válidas e exigíveis as obrigações acertadas no plano de insolvência. Estas foram substituídas tout court pelo resultado da negociação plasmado no plano de revitalização.
Esta ideia está convenientemente evidenciada no acto postulativo recorrido quando o mesmo sublinha que «o incumprimento de obrigações previstas em plano de revitalização não se confunde com o incumprimento de plano de insolvência ou plano de pagamentos e não integra a alínea f) acima mencionada». E a referida posição tem acolhimento jurisprudencial[15] [16] [17] e até doutrinal.
Nuno Ferreira Lousa opina que a referida norma não é susceptível de ser aplicada por analogia, porquanto se trata de um regime especial que demanda um escrutínio sobre as razões da existência deste facto-índice revelador de uma situação insolvência. Para este autor «terá estado em causa a convicção de que existiriam razões fortes para se considerar que, numa situação em que foi já declarada por uma vez a insolvência do devedor, ele estará muito provavelmente em situação de insolvência se incumprir o seu plano de recuperação. Por outras palavras, estará subjacente uma convicção forte de que o devedor já beneficiou de uma oportunidade para sair do processo de insolvência, pelo que haverá que adoptar uma exigência acrescida perante uma situação de incumprimento das obrigações cuja assunção pelo devedor havia sido motivo essencial para que os credores lhe dessem uma segunda oportunidade. Nessas situações, ficará facilitada uma nova declaração de insolvência do devedor, bastando para esse efeito a demonstração do incumprimento das obrigações assumidas no plano de recuperação (nas condições previstas no artigo 218º)»[18].
E, assim, face a este enquadramento lógico, ainda que se estivesse perante um caso omisso, não procederiam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei e assim somos compelidos a concluir que o incumprimento do plano de revitalização não integra o facto índice da alínea f) do nº 1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Deste modo, não merece censura a asserção do julgador «a quo», quando sustenta que «ainda que viesse a demonstrar toda a matéria alegada, a mesma não bastaria para o decretamento da insolvência, na medida em que o incumprimento de obrigações previstas em plano de revitalização não se confunde com o incumprimento de plano de insolvência ou plano de pagamentos e não integra a alínea f) acima mencionada».
É incontroverso que a alegação e a prova dos factos cuja verificação faz presumir a situação de insolvência constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência, como decorre da interacção processual com a previsão contida no nº 1 do artigo 23º[19] do diploma em análise.
Maria do Rosário Epifânio defende que «se trata de verdadeiras presunções ilidíveis (iuris tantum), o que aliás é afirmado expressamente pelo ponto 19 do Preâmbulo»[20].
Relativamente ao preenchimento de algum dos factos elencados nas várias alíneas do nº 1 do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os indícios consubstanciam verdadeiras presunções ilidíveis de insolvência que estão a coberto da esfera de protecção dos artigos 349º[21] e 350º[22] do Código Civil.
No caso do devedor deduzir oposição com base na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido ou na inexistência da insolvência não obstante a ocorrência do facto nos termos provisionados nº 3 do artigo 30º[23] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, é sobre ele que incide o ónus de demonstração da realidade contrária.
Para Carvalho Fernandes e João Labareda isto significa que o que se estatui é, afinal de contas, que, para o caso de o devedor fundar a sua posição na sua solvência, ele deve então, quando esteja obrigado a escrituração, confortar nela, devidamente organizada e regularizada, a capacidade de pagar[24].
Porém, não é este o caso. E assim este requisito essencial constitutivo da existência de um facto indício de insolvência não se mostra verificado. Ademais, não está convenientemente alegado que ocorreu um incumprimento das obrigações contidas no processo de insolvência e, como já se disse, perfilhamos o entendimento de que a posterior validação de plano especial de revitalização anula os termos desse pretérito plano de insolvência.
Ultrapassada esta limitação, tal como foi equacionado na sentença recorrida, lido o articulado inicial, poder-se-ia cogitar a hipótese de preenchimento da al. b) do mesmo preceito legal. Contudo, na conciliação entre o montante do crédito e a falta de alegação de quaisquer outras circunstâncias de suporte da impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, a partir da leitura integrada da petição, terá de se inferir que a mesma não foi alegada nem está preenchida de acordo com os critérios que se impõem às partes e que viabilizam um raciocínio jurídico de concordância por parte do julgador.
Como afirma a sociedade requerida na sua contestação «o requerente não alega qualquer facto que possa consubstanciar e revelar a situação de Insolvência da requerida», «nada fala da situação actual da requerida» e «os factores índice foram meramente indicados não sendo acompanhado de nenhum facto» que os possa fundamentar.
Na verdade, mostrando-se prejudicado o raciocínio da existência de um facto indício, ao nada ter sido alegado sobre o activo ou sobre o passivo global da requerida nem sobre a sua actividade inexistem dados fiáveis que permitam concluir pela incapacidade da devedora de proceder à regularização do passivo. E incumprido o aludido ónus de alegação de factos reveladores da situação de insolvência do devedor apenas se poderá concluir pela manifesta improcedência do pedido de declaração da sua insolvência.
Neste expectro existencial, ficando excluída a subsunção dos factos alegados aos facto-índices consagrados nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ao deduzir o pedido de declaração de insolvência, o requerente da insolvência estava vinculado a convocar os factos principais ou essenciais que poderiam consubstanciam uma situação de presumida impossibilidade de satisfação da generalidade dos seus compromissos por parte do devedor, sob pena, de não o fazendo de forma esclarecedora, se julgar no sentido da manifesta improcedência do pedido formulado.
Em remate final, ainda que em tese se pudesse perspectivar um cenário de insolvência ou de insolvência iminente, no plano casuístico, a petição inicial incorreu numa manifesta deficiência ou incompletude da descrição dos factos essenciais que poderiam conduzir à procedência da pretensão, por se ter fiado que a al. f) do nº 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas era aplicável analogicamente a um caso de incumprimento do plano de revitalização. Neste estádio do processamento processual, a situação tornou-se insuprível, até por via das limitações dos temas suscitados ao Tribunal de Recurso.
Assim, não é de criticar a solução da manifesta improcedência do pedido e de não declaração da insolvência. Por conseguinte, mantém-se assim a decisão recorrida e julga-se improcedente o recurso.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 04/06/2020
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário
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[1] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 86.
[2] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, p. 55.
[3] Artigo 20.º (Outros legitimados):
1 - A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de representação das entidades públicas nos termos do artigo 13.º.
[4] Artigo 218.º (Incumprimento):
1 - Salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito:
a) Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor;
b) Quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo.
2 - A mora do devedor apenas tem os efeitos previstos na alínea a) do número anterior se disser respeito a créditos reconhecidos pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado.
3 - Os efeitos previstos no n.º 1 podem ser associados pelo plano a acontecimentos de outro tipo desde que ocorridos dentro do período máximo de três anos contados da data da sentença homologatória.
[5] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 323-324.
[6] Artigo 9.º (Interpretação da lei)
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
[7] Artigo 10.º (Integração das lacunas da lei):
1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
[8] O plano de insolvência encontra-se previsto e regulado nos artigos 192º a 222º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[9] O plano de pagamentos encontra-se previsto nos artigos 251º e seguintes e corporiza um regime específico da insolvência dos devedores não empresários ou titulares de pequenas empresas.
[10] O processo especial de revitalização é um processo autónomo e pré-insolvencial que se encontra regulado nos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Este procedimento é orientado para a prevalência da recuperação da empresa em detrimento da liquidação da mesma e ali podem ser identificados dois objectivos imediatos: a possibilidade de negociação entre o devedor e os seus credores e a conclusão do acordo de revitalização.
[11] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 203.
[12] Artigo 17.º-A (Finalidade e natureza do processo especial de revitalização):
1 - O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
2 - O processo referido no número anterior pode ser utilizado por qualquer empresa que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação e apresente declaração subscrita, há não mais de 30 dias, por contabilista certificado ou por revisor oficial de contas, sempre que a revisão de contas seja legalmente exigida, atestando que não se encontra em situação de insolvência atual, à luz dos critérios previstos no artigo 3.º.
3 - O processo especial de revitalização tem caráter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza.
[13] Artigo 17.º-F (Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa):
1 - Até ao último dia do prazo de negociações a empresa deposita no tribunal a versão final do plano de revitalização, acompanhada de todos os elementos previstos no artigo 195.º, aplicável com as devidas adaptações, sendo de imediato publicada no portal Citius a indicação do depósito.
2 - No prazo de cinco dias subsequente à publicação, qualquer credor pode alegar nos autos o que tiver por conveniente quanto ao plano depositado pela empresa, designadamente circunstâncias suscetíveis de levar à não homologação do mesmo, dispondo a empresa de cinco dias após o termo do primeiro prazo para, querendo, alterar o plano em conformidade, e, nesse caso, depositar a nova versão nos termos previstos no número anterior.
3 - Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.
4 - Concluindo-se a votação com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, em que intervenham todos os seus credores, este é de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.
5 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
6 - A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º, com as necessárias adaptações, e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com a empresa e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal.
7 - O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º.
8 - Caso o juiz não homologue o acordo aplica-se o disposto nos nºs 2 a 4, 6 e 7 do artigo 17.º-G.
9 - Sendo proferida decisão de não homologação, é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as devidas adaptações, caso o parecer do administrador venha a ser de que a empresa se encontra em situação de insolvência.
10 - A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.
11 - Compete à empresa suportar as custas do processo de homologação.
12 - É aplicável ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do artigo 218.º.
13 - É aplicável o disposto no n.º 6 do artigo seguinte, contando-se o prazo de dois anos da decisão prevista no n.º 7 do presente artigo, exceto se a empresa demonstrar, no respetivo requerimento inicial, que executou integralmente o plano ou que o requerimento de novo processo especial de revitalização é motivado por fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia à empresa.
[14] Artigo 17.º-C (Requerimento e formalidades):
1 - O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade da empresa e de credor ou credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10% de créditos não subordinados, relacionados ao abrigo da alínea b) do n.º 3, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação.
2 - A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.
3 - A empresa apresenta no tribunal competente para declarar a sua insolvência requerimento comunicando a manifestação de vontade referida no n.º 1, acompanhado dos seguintes elementos:
a) A declaração escrita referida nos números anteriores;
b) Cópia dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo;
c) Proposta de plano de recuperação acompanhada, pelo menos, da descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia da empresa.
4 - Recebido o requerimento referido no número anterior, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as devidas adaptações.
5 - O despacho referido no número anterior é de imediato notificado à empresa, sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 37.º e 38.º com as devidas adaptações.
6 - A requerimento fundamentado da empresa e de credor ou credores que, satisfazendo o disposto no n.º 1, detenham, pelo menos, créditos no valor de 5% dos créditos relacionados, ou mediante requerimento fundamentado da empresa, o juiz pode reduzir o limite de 10% a que se refere o n.º 1, levando em consideração na apreciação do pedido o montante absoluto dos créditos relacionados e a composição do universo de credores.
7 - Oficiosamente ou a requerimento do administrador judicial provisório, são apensados aos autos os processos especiais de revitalização intentados por sociedades comerciais com as quais a empresa se encontre em relação de domínio ou de grupo, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, podendo o mesmo requerimento ser formulado por todas as empresas naquelas circunstâncias que tenham intentado processo especial de revitalização.
8 - A apensação referida no número anterior apenas pode ser requerida até ao início do prazo de negociações previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D no processo ao qual os demais devam ser apensados, aplicando-se, com as necessárias adaptações o disposto no n.º 4 do artigo 86.º.
[15] No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 08/11/2018, publicado em www.dgsi.pt, pode ler-se que: «o simples facto de a requerida não ter pago à requerente da insolvência as prestações acordadas num plano de recuperação (PER) poderá não preencher aquela previsão legal, mormente se a requerida contesta a efectiva existência do crédito – evidenciando-se o circunstancialismo que levou ao não pagamento das prestações vencidas no âmbito do dito plano e a terá forçado a intentar uma acção indemnizatória – e se demonstra que tem desenvolvido um contínuo processo de reestruturação da sua situação financeira e de ajustamento da capacidade operacional da empresa, visando, além do mais, a manutenção dos seus postos de trabalho».
[16] O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que pode ser consultado em www.dgsi.pt, formula as seguintes conclusões: «II - A alínea f) do nº 1 do artº 20º do CIRE consagra um regime especial, em que não cabe ao autor a prova da causa de pedir que fundamentará a procedência do pedido, pelo que a aplicação analógica de uma norma com tal natureza deverá ser encarada com cautelas especiais.
III - A esta alínea estará subjacente uma convicção forte de que o devedor já beneficiou de uma oportunidade para sair do processo de insolvência, pelo que haverá que adoptar uma exigência acrescida perante uma situação de incumprimento das obrigações cuja assunção pelo devedor havia sido motivo essencial para que os credores lhe dessem uma segunda oportunidade.
IV - Mas no PER, o devedor não foi ainda declarado insolvente e a homologação de um plano de recuperação é o reconhecimento de que o devedor ainda não está insolvente.
V - Assim, as razões justificativas que fundamentariam a aplicação analógica da alínea f) não se verificam (artº 10º, nº 2, do CC), pelo que o incumprimento do plano de revitalização não integra o facto índice da alínea f) do nº 1 do artº 20º».
[17] O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/11/2018, também disponível em www.dgsi.pt, manifesta posição no sentido de que:«4 - Os factos-índice previstos no art. 20º, n.º 1 do CIRE são presunções legais, iuris tantum, de insolvência do devedor, em que ao credor basta alegar e provar a factualidade integrativa da presunção (facto base da presunção) para se presumir a insolvência do devedor.
5- Esses factos-índice são taxativos, mas não cumulativos, e são insuscetíveis de aplicação analógica.
6- O facto-índice previsto na al. f), do n.º 1 do art. 20º, apenas se aplica quando ocorra incumprimento de obrigações prevista no plano de insolvência, previsto e regulado nos arts. 192º a 222º do CIRE, ou no plano de pagamentos, previsto e regulado no art. 251º e ss. do mesmo diploma, não abrangendo incumprimento de obrigações aprovadas em plano de revitalização (PER)».
[18] Nuno Ferreira Lousa, O incumprimento do plano de recuperação e os direitos dos credores, I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, Almedina, 2015, págs. 123-124.
[19] Artigo 23.º (Forma e conteúdo da petição):
1 - A apresentação à insolvência ou o pedido de declaração desta faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido.
2 - Na petição, o requerente:
a) Sendo o próprio devedor, indica se a situação de insolvência é actual ou apenas iminente, e, quando seja pessoa singular, se pretende a exoneração do passivo restante, nos termos das disposições do capítulo I do título XII;
b) Identifica os administradores, de direito e de facto, do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente;
c) Sendo o devedor casado, identifica o respectivo cônjuge e indica o regime de bens do casamento;
d) Junta certidão do registo civil, do registo comercial ou de outro registo público a que o devedor esteja eventualmente sujeito.
3 - Não sendo possível ao requerente fazer as indicações e junções referidas no número anterior, solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor.
[20] Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª edição, 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 30.
[21] Artigo 349.º (Noção):
Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
[22] Artigo 350.º (Presunções legais):
1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.
[23] Artigo 30.º (Oposição do devedor):
1 - O devedor pode, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, à qual é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 25.º
2 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o devedor junta com a oposição, sob pena de não recebimento, lista dos seus cinco maiores credores, com exclusão do requerente, com indicação do respectivo domicílio.
3 - A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência.
4 - Cabe ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 3.º
5 - Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º.
[24] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 237.