Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
51/16.3T8RDD-C.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
APROVAÇÃO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O plano de insolvência pode conceder um tratamento mais favorável a alguns credores, nomeadamente a instituições financeiras, se o plano prever a vinculação destas a apoiar financeiramente o devedor em termos concretos, efectivos e programados, denotando a assunção de sacrifícios e de riscos para elas.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:

1. O plano de insolvência pode conceder um tratamento mais favorável a alguns credores, nomeadamente a instituições financeiras, se o plano prever a vinculação destas a apoiar financeiramente o devedor em termos concretos, efectivos e programados, denotando a assunção de sacrifícios e de riscos para elas.
2. A violação de regra procedimental não negligenciável ou de norma aplicável ao conteúdo do plano de insolvência, que obsta à sua homologação, nos termos do art. 215.º do CIRE, é apenas a reportada ao processo ou ao próprio plano. Outras violações, extra processo e extra plano, não relevam para obstar à homologação do plano.
3. Não constitui pagamento antecipado de créditos subordinados a circunstância de um sócio concorrer ao aumento do capital, com conversão dos seus créditos subordinados em capital, no âmbito da operação a que se refere o art. 198.º, n.º 2, al. a), do CIRE – redução do capital social a zero para cobertura de prejuízos, acompanhada de aumento do capital para montante igual ou superior ao mínimo estabelecido por lei para o respectivo tipo de sociedade – se o sócio não receber qualquer pagamento ou outra vantagem patrimonial pelo seu crédito e o plano prever a não distribuição de resultados enquanto existirem dívidas por liquidar.


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Competência Genérica do Redondo, a insolvente (…) – Azeites do Alentejo, S.A., apresentou plano de insolvência, o qual, sujeito a alterações, foi votado favoravelmente por mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, sendo mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados.
Subsequentemente, foi proferida sentença de homologação do plano.

Os credores (…) – Gestão, Planeamento e Investimentos, Lda., e (…) – Trading International, Lda., que haviam solicitado a não homologação do plano, inconformados, recorrem e concluem:
1. A (…) – Azeites do Alentejo, SA, a seguir abreviadamente (…), é devedora ao Estado Português;
2. O Banco (…) é credor garantido da (…);
3. A Caixa (…) é credora comum da (…) do valor de 34.508,54 €;
4. A Caixa (…) Instituição de Crédito é credora comum da (…) do valor de 239.828,14 €;
5. As ora recorrentes são credoras comuns da (…);
6. A (…) apresentou aos seus credores um Plano de Insolvência;
7. O Plano de insolvência apresentado pela (…) prevê que esta transmita onerosamente à credora Caixa (…) Instituição de Crédito o edifício de que é proprietária pelo preço de 429.000 €, bem como lhe transmita também, onerosamente, as máquinas e equipamentos de que é proprietária pelo preço de 230.000 €;
8. Mais prevê o Plano de Insolvência que transmitidos os referidos bens a devedora (…) celebre com a credora Caixa (…) Instituição de Crédito um contrato de locação financeira nos termos do qual a (…) recomprará os bens vendidos;
9. Mais ainda prevê o Plano de Insolvência que o dinheiro recebido pelas transmissões onerosas seja usado para pagar 400.000 € ao credor Banco e 239.828,14 € à credora Caixa (…) Instituição de Crédito e 34.508,54 € à credora Caixa (…);
10. O Plano de Insolvência prevê a manutenção, com redução para 300.000 € do actual contrato de factoring para operações de confirming junto dos fornecedores sem, contudo, fixar quaisquer critérios vinculativos para a celebração destas;
11. O tratamento dado à Caixa (…), mas também o tratamento dado à Caixa (…) Instituição de Crédito, no Plano de Insolvência, é um tratamento injustificadamente diferenciador de créditos comuns;
12. O Estado deu a sua aprovação ao Plano de Insolvência tendo-se as ora recorrentes manifestado contra a aprovação do mesmo e não prescindindo de um tratamento igualitário.
13. O Plano de Insolvência de insolvência apresentado pela (…) viola assim o nº 1 do art. 194º do CIRE, pelo que não pode ser homologado;
14. O Plano de Insolvência prevê ainda como medida de reestruturação de natureza societária a redução a zero do actual capital social e o seu aumento para 250.000 € com entradas em dinheiro e/ou a transformação de prestações acessórias em capital social, sendo que o prazo para a realização integral das entradas é até três dias após a data da realização da Assembleia para apresentação do presente plano;
15. O pacto social da (…) tem na sua cláusula sexta-A um nº 6 que expressamente consigna: no omisso são aplicáveis às prestações acessórias as regras definidas no Código das Sociedades Comercias para as prestações suplementares de capital”.
16. O Plano de Insolvência não indica, como impõe o nº 2 do artº. 201º do CIRE, qual o revisor de contas que vai verificar as entradas em espécie.
17. Em 10 de Abril de 2017 a (…) veio juntar aos autos, Refª. CITIUS 25434165 requerimento em que junta dois depósitos bancários, ambos realizados na sua própria conta por (…) Agro, Lda., um no valor de 10.150,00 €, no dia 10 de Marco de 2017 e outro no valor de 15.324,32 € realizado no dia 29 de Marco de 2017 e um documento titulado “Relatório de ROC nos termos do Art 28º CSC” da autoria de (…), Revisor com o nº (…), em representação da (…) Espirito Santos e Associados, Lda., Sociedade de Revisores Oficiais de Contas com o NIPC (…), inscrita na Ordem dos Revisores sob o nº (…).
18. Os dois depósitos referidos não foram feitos, como impõe o nº 2 do artº. 201º do CIRE, em conta aberta pelo administrador da insolvência, nem foram feitos à ordem deste;
19. Não está assim verificado, nos termos do referido artigo que os depósitos realizados por (…), Agro, Lda., foram efectivamente realizados para subscrever parte do aumento de capital deliberado, não se percebendo, aliás, como é que um depósito de 10 de Marco de 2017 pode ser a inscrição de um aumento de capital aprovado em 27 desse mesmo mês e ano.
20. Por outro lado, em momento algum a sociedade (…), Agro, Lda. declara por escrito – ou com força de idêntica segurança – que pretende subscrever, na totalidade ou em parte, o aumento de capital de 250.000 e deliberado com a aprovação do Plano de Insolvência na Assembleia de Credores de 27 de Marco de 2017, o que viola o nº 1 do artº 7º do CSC;
21. O Relatório do ROC – ROC que, em violação do nº 2 do artº. 201º do CIRE não está identificado no Plano de insolvência – não indica, a descrição dos bens, nem a identificação dos titulares, nem os critérios utilizados para avaliação, nem o valor que, dos alegados suprimentos, necessário é para subscrever o montante de 224.600 €, violando assim, o disposto nas alíneas a), b), c) e d) do nº 3 do artº. 28º do CSC, o que implica que a deliberação de aumento de capital sofra de nulidade nos termos da alínea d) do nº 1 do artº. 56º do mesmo diploma;
22. Por outro lado, confessamente, o Relatório do ROC junto aos autos tem por base elementos contabilísticos da (…), com mais de 90 dias, o que viola o nº 4 do artº. 28º do CSC.
23. O nº 6 da cláusula sexta-A do pacto social da (…) impõe, como se disse, que as prestações acessórias tenham o tratamento de prestações suplementares de capital, obrigação que o Relatório do ROC não cumpriu, pois tratou, com as deficiências referidas, as prestações acessórias como se de suprimentos se tratasse;
24. As prestações suplementares de capital fazem já parte do activo e não do passivo, como fariam os suprimentos;
25. As prestações suplementares de capital não têm autonomia face às participações sociais dos sócios que as realizaram;
26. Tendo-se decidido reduzir o capital social a zero essa redução tem, obrigatoriamente, que incluir as participações socias e as prestações suplementares de capital que lhe estão associadas, pelo que não podem estas ser transformadas em capital social;
27. Para a mera hipótese de assim não se entender e pensar que se está, no caso concreto perante suprimentos, sempre se dirá que transformar suprimentos – suprimentos que só podem ser pagos após o pagamento de créditos subordinados, sendo estes só podem ser pagos sem juros vencidos e vincendos ao fim de 20 anos após o trânsito em julgado da sentença homologatória do Plano de Insolvência – em capital, implica um tratamento preferencial em relação, desde logo, aos créditos comuns.
28. A transformação de um crédito de suprimento em capital, apesar de não haver um pagamento em numerário consubstancia um privilégio face aos credores comuns pois o capital é algo que é imediatamente vendável e transaccionável, implicando um valor que, pelo menos, a administração da devedora reconhece existir pois pretende a manutenção da sociedade e a sua recuperação.
29. As recorrentes aceitariam a transformação do seu crédito que, nos termos do Plano será pago não só antes dos suprimentos como até dos créditos subordinados.
30. Ao decidir como decidiu a Meritíssima Juiz a quo, nos presentes autos, violou, salvo o devido respeito e com toda a consideração, o previsto no nº 1 do artº. 194º e no artº. 47º ambos do CIRE, bem como aplicou erradamente o disposto no nº 2 do artº. 201º do mesmo diploma, e o disposto nas alíneas a), b, c) e d) do nº 3, nº 4 do artº. 28º, o nº 1 do artº. 7º, a alínea d) do artº. 56º, o nº 1 do artº. 32º, o artº 287º bem como o artº. 213º, todos do CSC, e o nº 6 da cláusula sexta-A do pacto social da (…)

Na resposta da insolvente sustenta-se a manutenção do decidido.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

O elenco fáctico a ponderar é o seguinte:
1- A insolvência foi decretada por sentença de 25.11.2016;
2- A assembleia de apreciação do relatório deliberou conceder à insolvente um prazo de 30 dias para apresentação de um plano de insolvência;
3- Apresentado o plano, em 14.03.2017 realizou-se assembleia de credores para discussão e votação do mesmo, na qual se encontravam presentes ou representados credores representando mais de um terço dos créditos com direito de voto;
4- Nessa assembleia, o representante da insolvente introduziu uma alteração ao plano no sentido de se garantir o pagamento em primeiro lugar das dívidas da massa insolvente;
5- Mais informou que, no âmbito da operação financeira a realizar com o grupo Caixa (…) seria pago, de imediato, o total das dívidas aos credores Caixa (…), S.A., e Caixa (…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A.;
6- Mais disse que as operações de lease-back, confirming e factoring encontravam-se integralmente negociadas com o grupo Caixa (…), estando a sua celebração exclusivamente dependente da decisão de homologação;
7- Os credores aqui Recorrentes solicitaram a alteração do plano no sentido do pagamento aos credores comuns ser fixado em 20 anos, em prestações anuais e iguais, o que foi rejeitado pelo representante da insolvente;
8- Foi deferida a votação por escrito do plano, com a correcção proposta pela insolvente;
9- Apresentado o plano com referida correcção, ainda no dia 14.03.2017, relativa ao pagamento em primeiro lugar das dívidas da massa insolvente, este foi votado favoravelmente por mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, sendo mais de metade dos votos emitidos a créditos não subordinados;
10- O resultado da votação foi publicado no portal Citius em 28.03.2017;
11- Os credores aqui Recorrentes solicitaram a não homologação do plano;
12- O plano menciona que o valor global dos créditos relacionados ascende a € 7.821.954,45, distribuídos pela seguinte forma:
- Créditos privilegiados: € 255.910,96;
- Créditos garantidos: € 2.535.978,38;
- Créditos comuns: € 3.905.624,64;
- Créditos subordinados: € 1.124.440,46;
13- A 1.ª medida de reestruturação constante no plano, de natureza societária, consiste no seguinte:
- redução do capital social para zero, para cobertura de prejuízos, com a consequente anulação de todas as participações;
- consequente aumento de capital para o valor de € 250.000,00, limitado aos accionistas, até ao valor da percentagem que cada um detinha antes da redução, através de entradas em dinheiro, e no caso de algum, ou alguns dos accionistas não acorrerem ao aumento, poderá qualquer um dos restantes subscrever capital, até perfazer o limite indicado, através de entrada em dinheiro e/ou da conversão de prestações acessórias em capital social;
- para o aumento de capital proceder-se-á à emissão de uma nova série de € 250.000 acções, com o valor nominal de € 1,00 cada;
14- O plano nomeia Revisor Oficial de Contas para verificação do valor das entradas em espécie;
15- Mais menciona que o prazo para a realização das entradas será até três dias após a data de realização da assembleia para aprovação do plano, bem como a emissão das declarações de entradas em espécie e a verificação do valor destas pelo ROC, ficando consignado que todos estes procedimentos têm que ocorrer antes da homologação do plano;
16- Quanto ao reembolso dos créditos, o plano prevê o seguinte:
- as dívidas da massa serão pagas em 1.º lugar;
- quanto aos credores privilegiados, a totalidade da dívida à Segurança Social será paga em 150 prestações, à Autoridade Tributária em 90 mensalidades, e quanto aos créditos salariais, que s e afirma inexistirem, prevê-se a constituição de um seguro de caução a favor dos trabalhadores;
17- Quanto aos créditos garantidos, totalmente detidos pelo credor Banco (…), S.A., prevê-se:
- a carência de capital de 24 meses, a contar da data de trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;
- a incorporação no capital dos juros e comissões vencidos até ao trânsito em julgado da decisão homologatória do plano;
- o pagamento de juros à taxa indexada à Euribor a 3 meses acrescido de um spread de 1%;
- após o decurso do período de carência de capital o valor da prestação mensal incluirá o valor da amortização de capital e respectivos juros;
- amortização do capital em 18 anos (216 prestações mensais), vencendo-se a primeira no fim do 25.º mês posterior ao trânsito em julgado da sentença homologatório do plano, sendo a prestação 216.º correspondente ao montante de 45% do capital e juros vencidos à data do trânsito em julgado da sentença da homologação do plano;
- ao capital em dívida à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano e após a concretização da operação de lease-back com a Caixa (…), será diminuído o valor de 400.000 € por via de um pagamento a efectuar pela sociedade, sendo concomitantemente emitido documento de distrate da hipoteca do prédio urbano da sociedade (descrito no plano), e levantamento de todos os penhores mercantis sobre os equipamentos da insolvente;
- os juros (de qualquer natureza) referentes às garantias bancárias accionadas, à data do trânsito em julgado da sentença da homologação do plano, serão recalculados à taxa de juro de 4%;
- a aprovação do plano não constitui novação da dívida mantendo-se as restantes garantias nos exactos termos inicialmente prestados;
- o plano de recuperação fica subordinado à cláusula salvo regresso de melhor fortuna à devedora;
- durante a vigência do plano não será efectuada qualquer distribuição de resultados aos sócios da devedora;
18- Quanto aos créditos comuns, prevê-se o seguinte:
- carência de capital de 2 anos, a contar da data do trânsito em julgado da sentença da homologação do plano;
- perdão integral dos juros vencidos e vincendos;
- amortização do capital em 18 anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no 3.º ano posterior ao trânsito em julgado da sentença homologatória do plano, sendo a prestação 18.ª correspondente ao montante de 45% do capital em divida à data do trânsito em julgado da sentença da homologação do plano;
- as garantias existentes mantêm-se sem qualquer alteração;
- a aprovação do plano não constitui novação da dívida mantendo-se as restantes garantias nos exactos termos inicialmente prestados;
- o plano de recuperação fica subordinado à cláusula salvo regresso de melhor fortuna à devedora;
- durante a vigência do plano não será efectuada qualquer distribuição de resultados aos sócios da devedora;
19- Quanto ao Grupo Caixa (Caixa … e Caixa …), que detêm créditos comuns, nos valores reconhecidos de € 34.508,54 e de € 245.240,31, respectivamente, o plano afirma o seguinte: «Ao Grupo Caixa, como entidade que irá apoiar e financiar este plano, propõe-se o seguinte tratamento, diferente dos restantes credores comuns, em virtude, não só, por um lado, da natureza dos contratos de leasing subjacentes a estes créditos e que não permite o seu alargamento temporal para além de determinados limites, legalmente impostos, como também, por outro lado, por se tratar do único banco predisposto a apoiar financeiramente a empresa com a disponibilização de 2 linhas de financiamento de curto prazo (factoring e confirming), o que é vital e imprescindível para o prosseguimento da sua actividade e para a prossecução dos objectivos da revitalização da mesma, considerando que as suas receitas provêm da exploração do estabelecimento instalado no imóvel, bem como dos equipamentos, objecto dos contrato de locação financeira cuja propriedade irá pertencer à credora Caixa Leasing e Factoring, e sem os quais jamais lhe seria possível a sua revitalização»;
20- Nesta sequência, o plano prevê as seguintes operações quanto a estes credores:
- operação de leasing imobiliário, com lease-back das instalações do lagar pelo montante total de € 429.200,00, pelo prazo de 15 anos (6 meses de carência de capital + 14,5 anos de amortização), pagamento de juros em 180 prestações, amortização de capital em 174 prestações, representando a última uma renda bullet correspondente a 20% do capital inicialmente financiado, valor residual de € 1,00, taxa de juro Euribor 12M+3,5% de spread, e despesas de contratação a cargo do cliente;
- operação de lease-back dos equipamentos pelo montante de € 230.000,00, pelo prazo de 10 anos (6 meses de carência de capital + 9,5 anos de amortização), pagamento de juros em 120 prestações, amortização de capital em 114 prestações, representando a última uma renda bullet correspondente a 20% do capital inicialmente financiado, valor residual de € 1,00, taxa de juro Euribor 12M+4%, e despesas de contratação a cargo do cliente;
- manutenção do contrato actual de factoring com redução do seu limite de 500.000 € para 300.000 €, representando esta diferença o limite de apoio para operações de confirming junto dos fornecedores;
- liquidação imediata da dívida actual;
21- Quanto aos credores subordinados, prevê-se o perdão integral de juros vencidos e vincendos e o recebimento do capital em dívida após liquidação total da dívida aos restantes credores;
22- O valor patrimonial do único imóvel da insolvente é de € 226.470,00;
23- Em requerimento de 10.03.2017, a insolvente informou que o único accionista que aceitou o convite para acompanhar o aumento do capital social foi o accionista (…) Agro, Lda., actual detentor de 10,16% do capital social, e que este subscrevia 25.400 acções através de entrada em dinheiro nesse valor, depositado à ordem do administrador judicial, e o restante capital seria subscrito através da conversão de € 224.600,00 de prestações acessórias em capital social, mantendo o restante valor de prestações acessórias o mesmo estatuto;
24- Foi junta declaração do ROC identificado no plano de insolvência, declarando que se a proposta constante desse plano for aceite pelos credores, as prestações acessórias existentes são suficientes para suportar os aumentos de capital até € 250.000,00;
25- Em requerimento de 17.03.2017, o accionista (…) Agro, Lda., que era também credor subordinado da insolvente pelo valor reconhecido de € 991.264,68, a título de prestações acessórias, declarou votar favoravelmente o plano de insolvência;
26- Em 10.04.2017, a insolvente juntou requerimento aos autos, contendo dois comprovativos de depósitos realizados pelo accionista (…) Agro, Lda., em conta da insolvente, o 1.º datado de 10.03.2017 e no valor de € 10.150,00, e o 2.º datado de 29.03.2017 e no valor de € 15.324,32, declarando que os mesmos se destinavam à subscrição do aumento de capital social;
27- Mais juntou relatório do ROC identificado no plano de insolvência, datado de 31.03.2017, no qual se declara que as prestações acessórias existentes são suficientes para suportar o aumento do capital social em € 224.600,00.

Aplicando o Direito.
Da violação do princípio da igualdade
De acordo com os credores Recorrentes, o tratamento que o plano de insolvência concede aos credores comuns Caixa (…) e Caixa (…), é injustificadamente diferenciador e como tal viola o art. 194.º do CIRE, pelo que não pode ser homologado.
Este normativo prevê no seu n.º 1 que o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. Por seu turno, o n.º 2 dispõe que o tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.
A propósito desta norma, Carvalho Fernandes e João Labareda[1] escrevem que o princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência, sendo que a sua afectação traduz, por isso, seja qual for a perspectiva, uma violação grave – não negligenciável – das regras aplicáveis. Todavia, a letra da lei procurou acolher de uma forma evidente as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto. Observam ainda que a razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a legalidade da diferença de tratamento dos credores será a que assenta na distinta classificação dos créditos, mas, para além disso, dentro da mesma categoria pode haver motivos para destrinçar em função do grau hierárquico dos créditos, e, inclusivamente, a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito.
Ainda recentemente, em aresto de 22.02.2018, esta Relação de Évora[2] teve a oportunidade de afirmar que o plano de recuperação conducente à revitalização do devedor deve justificar o diferente tratamento concedido aos credores, com indicação das razões objectivas para essa diferença, e que para apreciação do carácter objectivamente justificável da diferenciação de tratamento dos fornecedores relativamente a instituições bancárias, ambos titulares de créditos comuns, impõe-se que conste do plano a concreta vinculação, e em que termos, das instituições bancárias credoras no sentido do apoio financeiro futuro.
Igualmente vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, onde já se escreveu que «naqueles casos em que as instituições bancárias se vinculam a apoiar financeiramente o devedor em certos termos concretos, efectivos e programados (fixados no plano) que denotem, de forma minimamente significativa, a assunção de sacrifícios e de riscos para elas, tal possa constituir um factor justificador de uma diferenciação do regime de satisfação dos créditos no confronto de outros credores. Não assim quando, ao invés, o plano é omisso relativamente a tal, ou quando não mostra que exista qualquer efectiva, concreta e programada vinculação ao apoio financeiro, ou ainda quando em nada se revela na prática a existência de sacrifícios e riscos associados às operações financeiras que tais instituições bancárias se proponham favorecer.»[3]
Apliquemos, pois, estes princípios jurídicos ao caso dos autos.
Analisando o plano, verifica-se que a Caixa (…) e a sua subsidiária Caixa (…), se bem que obtêm a imediata liquidação do seu actual crédito, tal apenas sucede porque o mesmo grupo concede à insolvente os meios financeiros para esse efeito, uma vez que os autos revelam a absoluta falta de liquidez da empresa devedora e consequente incapacidade para liquidar aquela dívida.
Na verdade, está em causa uma operação conjunta, na qual o credor hipotecário e pignoratício – o Banco (…) – levanta as garantias de que dispõe sobre o único imóvel da insolvente e sobre os equipamentos desta, mediante o pagamento da quantia de € 400.000,00 obtido através da operação de lease-back com o grupo Caixa (…), destinando-se o restante valor obtido com essa operação a liquidar o actual crédito deste grupo, o qual reactiva, em contrapartida, o contrato de factoring no montante de € 300.000,00 e de confirming até ao valor de € 200.000,00, financiamentos estes que o plano afirma serem essenciais ao prosseguimento da actividade da devedora.
Como assisadamente se escreve na decisão recorrida, «o Grupo Caixa, com o presente plano, aumenta a sua exposição à devedora, passando de um crédito de € 272.328,18 para um crédito em montante superior a um milhão de euros, cuidando de não esquecer as linhas de financiamento que irá disponibilizar à (…) através das operações de factoring e confirming, não se podendo, pois, afirmar que aquele grupo ficará beneficiado em detrimento dos demais credores. De resto, a sua exposição, atentos os valores em causa, não ficará, integralmente, acautelada pelo valor dos bens objecto do contrato de lease-back…».
Como vimos, é admissível o tratamento mais favorável de alguns credores, nomeadamente de instituições financeiras, se o plano prever a vinculação destas a apoiar financeiramente o devedor em termos concretos, efectivos e programados, denotando a assunção de sacrifícios e de riscos para elas.
É o caso dos autos. Como meridianamente resulta do plano de insolvência, o grupo Caixa irá apoiar financeiramente a insolvente, não apenas através das operações de lease-back, mas ainda com as linhas de financiamento concedido, aumentando assim a sua exposição à devedora, de um valor pouco superior a € 270.000,00, para valores que atingem € 1.159.200,00 (€ 429.200,00 + € 230.000,00 + € 500.000,00).
Nestas condições, não se pode afirmar que existe um injustificado benefício do grupo Caixa, pois, em bom rigor, este aumenta a sua exposição à devedora e assume relevantes riscos no seu apoio à manutenção da actividade económica da empresa, motivo pelo qual a diferença de tratamento se mostra objectivamente justificada, para os fins do art. 194.º, n.º 1, in fine, do CIRE.

Das alterações societárias
Prevê o art. 198.º, n.º 2, al. a), do CIRE, no que concerne às sociedades comerciais, que o plano de insolvência pode prever a redução do capital social para cobertura de prejuízos, incluindo para zero ou outro montante inferior ao mínimo estabelecido na lei para o respectivo tipo de sociedade, desde que, neste caso, a redução seja acompanhada de aumento do capital para montante igual ou superior àquele mínimo.
Acrescenta o n.º 2 do art. 201.º do mesmo diploma que se o plano de insolvência contemplar um aumento de capital social da sociedade devedora ou um saneamento por transmissão, a subscrição das participações sociais ocorre anteriormente à homologação, assim como a realização integral das entradas em dinheiro, mediante depósito à ordem do administrador da insolvência, a emissão das declarações de que se transmitem as entradas em espécie e a verificação do valor destas pelo revisor oficial de contas designado no plano. Finalmente, o n.º 2 do art. 202.º do CIRE acrescenta que a conversão dos créditos da insolvência em capital depende da anuência dos titulares dos créditos em causa, prestada por escrito, aplicando-se o disposto na parte final do n.º 2 do art. 194.º, em que se considera esse consentimento prestado tacitamente no caso de voto favorável.
Já se decidiu que, para efeitos do art. 28.º do CSC e parte final do n.º 2 do art. 201.º do CIRE a conversão de créditos em capital, não obstante se traduzir em entrada em espécie, não carece do relatório do revisor oficial de contas, na medida em que a sua avaliação se encontre assegurada pelo juiz na sentença de verificação e graduação de créditos.[4]
Analisando o caso dos autos, desde já se aponta que, ao contrário do que afirmam os Recorrentes, o plano de insolvência nomeia o ROC responsável pela verificação das entradas em espécie, enquanto os depósitos efectuados em conta da insolvente obedecem ao requisito do art. 201.º n.º 2 do CIRE, na medida que a representação patrimonial da devedora está assegurada pelo administrador da insolvência, para os fins do art. 81.º n.º 1 do mesmo diploma. Por outro lado, o accionista (…) Agro, Lda., votou favoravelmente o plano e a insolvente informou nos autos que os depósitos efectuados se destinavam a subscrever 25.400 acções através de entrada em dinheiro e que o restante capital seria subscrito através da conversão de € 224.600,00 de prestações acessórias em capital social.
Resulta dos autos que o accionista (…) Agro, Lda., tem o seu crédito subordinado reconhecido pelo valor de € 991.264,68, a título de prestações acessórias.
Como já referimos, tratando-se de um crédito reconhecido no processo de insolvência, a sua verificação nem careceria de relatório do revisor oficial de contas. De todo o modo, a existência de tal crédito foi verificada pelo técnico oficial de contas designado no plano, sendo que a data dos elementos contabilísticos que serviram de base a tal relatório – 31.10.2016 – é a das últimas contas apresentadas, visto a insolvência ter sido decretada a 25.11.2016.
De todo o modo, a violação de regra procedimental não negligenciável ou de norma aplicável ao conteúdo do plano de insolvência, que obsta à sua homologação, nos termos do art. 215.º do CIRE, é apenas a reportada ao processo ou ao próprio plano. Outras violações, extra processo e extra plano, não relevam para obstar à homologação do plano.[5]
Finalmente, argumentam os Recorrentes que a transformação do crédito do accionista (…) Agro, Lda., em capital social, consubstancia um privilégio concedido ao um credor subordinado face aos credores comuns, na medida em que o capital é imediatamente vendável e transaccionável.
No entanto, se é certo que este accionista pode alienar a sua participação social em qualquer momento, a diferença é que a sociedade foi declarada insolvente e o plano de insolvência prevê, não apenas uma operação de lease-back de todo o seu património, como ainda o não pagamento de quaisquer dividendos ou distribuição de resultados. Logo, por modo algum está demonstrada a efectiva concessão de uma vantagem patrimonial àquele accionista.
Mais uma vez citando a bem fundamentada decisão recorrida, «a entrada em espécie, no âmbito da operação de aumento de capital, não configura um pagamento antecipado de créditos subordinados, porquanto não só o sócio não recebe qualquer pagamento pelo seu crédito (em detrimento ou prejuízo dos demais credores), como simplesmente utiliza o seu crédito para concorrer ao aumento de capital, participando numa operação integralmente lícita nos termos do Código das Sociedades Comerciais e fazendo desparecer tal passivo da sociedade. Esse aumento não gerará dividendos capazes de alterar o equilíbrio do plano apresentado, em especial tendo em consideração que o plano prevê especificamente que não existirá qualquer distribuição de resultados enquanto existirem dívidas por liquidar.»
Improcedem, pois, na íntegra as conclusões dos Recorrentes.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso, com confirmação da decisão recorrida.
Custas pelas Recorrentes.

Évora, 8 de Março de 2018

Mário Branco Coelho (relator)

Isabel de Matos Peixoto Imaginário

Maria Domingas Simões

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[1] In CIRE Anotado, 3.ª ed., págs. 712-713.
[2] Acórdão proferido no Proc. 444/17.9T8STR-A.E1, publicado em www.dgsi.pt, subscrito pelas Adjuntas que intervêm do presente.
[3] Acórdão de 24.11.2015, proferido no Proc. 212/14.0TBACN.E1.S1 e publicado no mesmo endereço.
[4] Acórdão da Relação de Lisboa de 04.02.2014, proferido no Proc. 2014/12.9TYLSB.L1, também no mesmo endereço.
[5] Neste sentido, cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.2017, no Proc. 738/16.0T8ACB.C1, igualmente em www.dgsi.pt.