Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
105/16.6T8BNV.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DOMÍNIO PÚBLICO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A regra da denunciabilidade das relações duradouras ou estabelecidas por tempo indeterminado não vale para as denominadas obrigações “propter rem”.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 105/16.6T8BNV.E1
Comarca de Santarém
Instância Local de Benavente – Secção Cível – J1


I – Relatório
Associação de Proprietários de (…), sediada na Avenida da Aroeira, CCI 57, (…), instaurou contra (…) – Compra e Venda de Imóveis, Lda., com sede na Praça do (…), n.º 7-6.º, esquerdo, Lisboa, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processos comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento da quantia de € 10.350,00 (dez mil, trezentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora contados da citação, e ainda nas contribuições vincendas.
Em fundamento alegou, em síntese, que tem a natureza de associação sem fins lucrativos, tendo sido constituída em 21 de Julho de 2009 com a finalidade de promover a protecção e defesa dos interesses dos associados, bem como a defesa do ambiente e qualidade de vida e património natural e cultural da área inerente e circundante a Vila Nova de (…), tal como de resto fora previsto no alvará de loteamento n.º 8, passado pela Câmara Municipal de Benavente em 21 de Dezembro de 1998, em conformidade com o disposto no então vigente DL 448/91, de 29 de Dezembro.
Nessa qualidade a autora vem prestando serviços de vigilância, higiene e conservação de espaços verdes dos quais a ré, embora não seja associada da autora, também beneficia enquanto proprietária de diversos lotes incluídos no alvará de loteamento n.º 8 do referido empreendimento de (…). Não obstante, e apesar de devidamente interpelada, a ré recusa-se a pagar as quotas aprovadas pela demandante em AG realizada em 30 de Janeiro de 2010, apesar de a tanto se ter obrigado no âmbito dos contratos promessa celebrados com a loteadora do empreendimento (cf. cláusula 5.ª), sendo portanto devidas as quantias peticionadas e ainda as que se forem vencendo.
*
Citada a R., contestou nos termos da peça que consta de fls. 54vº a 58 dos autos, na qual alegou não ser associada da autora nem a tal poder ser obrigada, pelo que nenhuma obrigação de quotização sobre si recai. Invocou ainda a nulidade do teor da cláusula 5.ª dos contratos promessa celebrados, por violação do teor das alíneas j) e l) do art.º 18.º do DL n.º 446/85, assinalando que as escrituras públicas de formalização dos contratos prometidos são, a tal respeito, omissas.
Cautelarmente, invocou a excepção peremptória da prescrição das prestações vencidas até 28 de Fevereiro de 2011, atento o disposto na al. g) do art.º 310.º do CC, no valor global de € 1.650,00, afirmando por fim não ter beneficiado de qualquer serviço prestado pela autora, não tendo aplicação ao caso o DL 559/99 com o alcance pretendido pela demandante, concluindo em qualquer caso pela sua absolvição.
*
Foi proferido despacho saneador tabelar, prosseguindo os autos para julgamento.
Teve lugar a audiência de julgamento, no âmbito da qual a autora se pronunciou no sentido da improcedência da excepção da prescrição, uma vez que notificou a ré extrajudicialmente para pagar por diversas vezes, comprometendo-se esta a pagar, assim interrompendo o prazo em curso, vindo no final a ser proferida sentença que decretou a total improcedência da acção, com a consequente absolvição da ré do pedido.
*
Inconformada, recorreu a ré e, tendo desenvolvido nas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as necessárias conclusões, de que se extraem, por relevantes, as seguintes:
i. Está em causa nos autos um loteamento titulado por alvará onde existem espaços verdes de natureza privada que constituem partes comuns dos edifícios e que se regem pelo disposto no CC em matéria de direitos e encargos dos condóminos, sendo portanto aplicável quanto dispõem os artigos 1420.º a 1438.º-A do CC, nos termos do art.º 15.º, n.º 3, do DL 448/91, na redacção do DL 25/92, de 31/8, preceito a que sucedeu sem alterações o art.º 43.º, n.º 4, do DL 559/99, de 16/12.
ii. No âmbito da aprovação de operações de loteamento, prevê o RJUE aprovado pelo citado DL 555/99 a possibilidade de confiar a moradores ou grupos de moradores a gestão das respectivas infraestruturas, espaços verdes e de utilização colectiva, através da celebração de acordos de cooperação previstos no art.º 46.º, possibilidade de resto já prevista no art.º 18.º do DL 448/91, de 29 de Novembro,
iii. Nessa conformidade, ficou consignado no alvará de loteamento n.º 8, no qual se integram os prédios da ré, que a “gestão da área de protecção e enquadramento será garantida pelos futuros moradores ou grupo de moradores, mediante celebração de acordo entre estes e a Câmara Municipal, como previsto no art.º 18.º do Dec. Lei 448/91, de 29/12”, contexto em que foi constituída a apelante.
iv. É certo que o acordo de cooperação entre o Município e a Autora só foi, formalmente, celebrado em 27 de Abril de 2016, com a sua redução a escrito, não obstante estar a ser cumprido por ambas as partes outorgantes, nos exactos termos das suas cláusulas, designadamente no que respeita ao cumprimento das obrigações da Autora, estabelecidas na cláusula terceira, desde o momento da sua constituição.
v. Sendo que a ora apelante é completamente alheia ao facto de tal acordo ter sido formalizado apenas na referida data.
vi. Não obstante a consideração de que os proprietários não associados da autora não estão vinculados ao seu Regulamento Interno, tal não significa que a Ré não esteja vinculada ao dever de participação nas despesas efectuadas, no cumprimento das obrigações assumidas na Cláusula Terceira do Acordo de Cooperação porque tal dever de comparticipação decorre do direito de propriedade da Ré sobre cada um dos prédios que adquiriu.
vii. A Ré está assim obrigada a efectuar o pagamento de tal contribuição à Autora, independentemente de ter a qualidade de seu associado, porque foi com a Autora que o Município celebrou o acordo de cooperação a que se refere o alvará de loteamento que, submetido a registo, vincula todos os proprietários dos lotes.
vii. Tanto mais que a Ré tinha prévio conhecimento de tal obrigação e a ela se vinculou nos termos da cláusula 5.ª dos contratos promessa de compra e venda que celebrou com a Companhia Imobiliária da Herdade da (…), entidade promotora do loteamento, tendo a sentença errado ao considerar que se tratava de obrigação emergente de contrato de prestação de serviços, pois está em causa a contribuição devida nos termos dos art.ºs 1420.º a 1438.º-A do CC por força do art.º 15.º, n.º 3, do RJUE.
viii. Tendo o valor máximo da referida contribuição ficado a constar da cláusula, é a mesma válida.
ix. A competência para a fixação das contribuições é da AG da autora, constando da acta respectiva o critério para a sua fixação e resulta dos factos assentes.
x. A ré tomou conhecimento do teor da deliberação que estabeleceu os valores das contribuições e os critérios utilizados pra a sua fixação e não a impugnou, tendo até efectuado pagamentos em conformidade com a mesma.
xi. Ainda que se entenda que a legitimidade da autora para proceder à fixação e cobrança do montante das contribuições só existe a partir da data da celebração do acordo de cooperação, sempre a ré estaria obrigada a prestar a sua contribuição a partir da data da outorga do mesmo acordo.
xii. Falece a argumentação expendida na sentença recorrida, quer no que concerne à violação do princípio da liberdade contratual e à aplicabilidade do regime do DL 446/85, de 25 de Outubro, quer no que respeita à aplicabilidade do art.º 280.º do CC, porque a obrigação não tem objecto indeterminável e não resulta de negócio contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes.
xiii. Argumenta-se na sentença recorrida que “a possibilidade de exigir a colaboração dos moradores só nasce com a entrega definitiva das obras de urbanização. O que não resultou sequer alegado”. Sucede, porém, que, conforme resulta do facto X, o Município entendeu estarem reunidas as condições previstas no alvará para a celebração do acordo de cooperação por se encontrarem definitivamente recebidas todas as infra estruturas no que respeita à execução das obras de urbanização do loteamento relativamente à 1.ª fase, exceptuando uma parte residual, pelo que nada obsta a que o acordo produza todos os seus efeitos.
xiv. A sentença recorrida faz errada aplicação do direito aos factos provados e é nula, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.
Indicando como violadas as disposições legais constantes dos art.ºs 15.º, n.º 3 e 18.º do DL 448/91, de 29 de Dezembro, 43.º, n.º 4 e 46.º do DL 555/99, de 16 de Dezembro, 280.º, n.ºs 1 e 2, 1421.º, n.º 2, al. e), 1424.º, n.º 1, 1433.º e 1438.º-A, todos do CC, e 607.º, n.º 3, do CPC, pediu a revogação da decisão recorrida, julgando-se a acção procedente.
Contra alegou a ré apelada, pugnando naturalmente pela manutenção da decisão.
*
Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões suscitadas:
i. da nulidade da sentença;
ii. da obrigação da ré proceder ao pagamento das contribuições fixadas.
*
i. Na sua derradeira conclusão a apelante imputa à sentença recorrida o vício extremo da nulidade, invocando para tanto o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, por cujos termos a decisão é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Conforme é sabido, as causas de nulidade taxativamente elencadas no n.º 1 do art.º 615.º não são de conhecimento oficioso, tendo portanto que ser arguidas pela parte sob pena de sanação. A arguição da nulidade, todavia, não se basta com a afirmação de que a sentença é nula, impondo-se à parte arguente que concretize o vício, ou seja, que indique com precisão o motivo pelo qual, em seu entender, a sentença padece da assacada nulidade, designadamente, estando em causa a sobredita al. c), quais os fundamentos e em que medida é que colidem com o sentido da decisão; qual o segmento que admite mais de um sentido ou não permite a cabal apreensão do seu conteúdo.
No caso em apreço, percorridas as alegações verifica-se que em parte alguma a apelante deu a conhecer, concretizando-os, os motivos pelos quais afirma ser a sentença nula, sendo certo que não cabe a este Tribunal escrutinar a decisão em ordem a tentar perceber que motivos são esses.
Em face a todo o exposto, por ausência do cumprimento do dever de alegação, não cabe conhecer da imputada nulidade.
*
II. Fundamentação
De facto
Não tendo sido impugnada a matéria de facto, são os seguintes os factos a atender:
1. A Autora é uma associação sem fins lucrativos, constituída por escritura pública outorgada em vinte e um de Julho de 2009, que tem por fim promover a protecção e defesa dos interesses dos associados, nos âmbitos da segurança, higiene e demais condições de digna habitabilidade, bem como a defesa do ambiente e qualidade de vida e património natural e cultural da área inerente e circundante a Vila Nova de (…).
2. Por deliberação da Assembleia Geral da Autora de 26 de Julho de 2009, foi aprovado o Regulamento Interno da APVNSE – Associação de Proprietários de Vila Nova de (…).
3. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 1º do Regulamento Interno da APVNSE, “são fins da Associação promover a protecção e defesa dos interesses dos Associados e demais Proprietários de Vila Nova de (…), nos âmbitos da segurança, limpeza, conservação, manutenção e demais condições de digna habitabilidade, defesa do ambiente, qualidade de vida e património natural e cultural a área inerente e circundante a Vila Nova de (…), conforme determinado no alvará de loteamento do empreendimento.”
4. Nos termos do disposto no n.º 2 do citado art.º 1º, para prossecução dos fins enunciados, são competências da Associação, entre outras, assegurar a segurança, limpeza, conservação e manutenção da zona de enquadramento do empreendimento.
5. Nos termos do disposto no artigo terceiro do pacto de constituição da associação constituem receitas da associação, entre outras, o produto das quotizações fixadas pela Assembleia Geral.
6. Nos termos do disposto no art.º 5º do Regulamento Interno da APVNSE, constituem receitas da Associação, entre outras, “as importâncias provenientes do pagamento de quotas” e, ainda, “as quantias pagas pelos proprietários de lotes de Vila Nova de (…) que não sendo associados devam proceder ao pagamento de determinada quantia para fazer face às despesas da Associação no interesse de todos os Proprietários”.
7. Nos termos do disposto no art.º 6 do Regulamento Interno da APVNSE, “a quota será mensal, podendo o seu pagamento ser feito em conjunto, anual, semestral ou trimestral. No caso de proprietários de terrenos sem construção, o pagamento deverá ser semestral ou anual.”
8. Nos termos do n.º 2 do art.º 6º do Regulamento Interno “o valor da quota é estabelecido em Assembleia Geral convocada para o efeito, por proposta da direcção.”
9. A R. é proprietária dos seguintes prédios urbanos:
- O denominado lote n.º (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…).
- O denominado lote n.º (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…).
- O denominado lote n.º (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…).
- O denominado lote n.º (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…).
- O denominado lote n.º (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…).
- O denominado lote n.º (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…).
10. Os referidos prédios integram-se no alvará de loteamento número oito, passado em 21 de Dezembro de 1998 pela Câmara Municipal de Benavente e registado na Conservatória do Registo Predial de Benavente, pela inscrição (…)-Um, apresentação oito, de 9 de Abril de 1999.
11. Nos termos do referido alvará “a gestão da área de protecção e enquadramento será garantida pelos futuros moradores ou grupo de moradores, mediante celebração de acordo de cooperação entre estes e a Câmara Municipal, como previsto no art.º 18º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, condição de cedência ao domínio público da referida área e que será assumida pelos loteadores até à recepção definitiva das obras de urbanização (…)”
12. Os lotes (…), (…), (…), (…) e (…), foram adquiridos pela R. por compra à Companhia Imobiliária da Herdade da (…), SA, loteadora do empreendimento.
13. Quanto ao lote (…) foi adquirido a (…) e esposa.
14. Dispõe a cláusula quinta do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Companhia Imobiliária da Herdade da (…), SA, loteadora do empreendimento, e os promitentes-compradores dos lotes (…), (…), (…), (…) e (…), que o constituem, que “a fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização colectiva, o segundo contratante obriga-se a, após a data da outorga da escritura da ora prometida compra e venda, contribuir para o pagamento das despesas relacionadas com a segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior, contribuição que, durante o ano de 2001, não excederá o montante de 4.000$00/mês/lote e deverá ser paga à ‘Associação de Proprietários de Vila Nova de (…), a constituir”.
15. Quanto ao lote (…), figura como promitente-comprador do contrato promessa referido em 12., (…), e dos demais lotes a aqui R.
16. Por deliberação da Assembleia Geral realizada em 30 de Janeiro de 2010, foram estabelecidos os seguintes valores respeitantes às contribuições a pagar pelos proprietários dos lotes: lotes de terreno de 1.000 m2 e de 2.000 m2 - 25,00 €; lotes com moradias edificadas - 35,00 €.
17. Os lotes identificados em 9. não têm moradias edificadas.
Factos aditados nos termos dos art.ºs 607.º, n.º 4 e 653.º, n.º 2, ambos do CPC:
17.a) Em 30 de Junho de 2010, a ré, através do seu então legal representante (…), enviou à autora o email de fls. 114-115, com o seguinte conteúdo:
“Ex.mos Senhores, Conforme combinado com o Sr. (…), pagámos hoje a quotização do 1.º trimestre de 2010 no valor de € 450,00, referente aos lotes (…), (…), (…), (…), (…) e (…). A quotização do 2.º semestre de 2010 será paga em Setembro.
A limpeza destes lotes está a decorrer por nossa conta, dado já ter sido adjudicada este ano. No próximo ano aceitaremos a oferta de limpeza por vossa conta”.
17.b) A autora respondeu, agradecendo o aviso de transferência e avisando da emissão do recibo nos próximos dias, tudo conforme consta de fls. 114.
17.c) Em 16 de Março de 2014 a autora enviou à ré o email constante de fls. 116, subordinado ao assunto “Quotas em atraso – Acção judicial (lotes …, …, …, …, …, …)”no qual, para além do mais que ali consta e aqui se dá por reproduzido, solicita o pagamento de € 1.125,00 relativos a cada um dos lotes (…), (…), (…), (…) e (…), valores em atraso entre Abril de 2010 e Dezembro de 2013, e € 1.200,00 relativo ao lote (…), valores em atraso no mesmo período, sob pena de recorrer a juízo.
18. A ré não procedeu ao pagamento, relativamente a cada um dos prédios: € 225,00 referentes às contribuições de Abril de 2010 a Dezembro de 2010, e € 1.500,00 dos meses de Janeiro de 2011 a Dezembro de 2015.
19. A R., apesar de várias vezes interpelada para o efeito, recusa-se a pagar as referidas contribuições.
20. A R. não é associada da A.
21. Em nenhuma das escrituras de aquisição de lotes celebrados pela R. existe a menção de qualquer ónus a favor da A.
22. Em 27 de Abril de 2016, a Câmara Municipal de Benavente estabeleceu com a A. “Acordo Administrativo de Cooperação”, figurando a primeira como Primeira Outorgante e a segunda como Segunda Outorgante, constando do mesmo, entre o demais que aqui se dá por integralmente reproduzido, o seguinte:
“Considerando que:
1) O Alvará n.º 8/98 titula a operação de loteamento e a 1.ª fase da execução das obras de urbanização, em Vila Nova de (…)
(…)
4) À presente data, no que respeita à 1.ª fase de execução das obras de urbanização do loteamento encontram-se recebidas definitivamente pela Câmara Municipal todas as infraestruturas, exceptuando parte residual de plantações, sementeiras e de circuito de manutenção, no âmbito dos arranjos exteriores (o que é extensível ás 2.ª e 3.ª fase – A das obras de urbanização, entretanto tituladas por aditamentos ao alvará de licença de loteamento inicial, respectivamente, datados de 08.05.1999 e de 27.12.2005);
(…)
Cláusula Primeira
Objecto
O presente acordo tem por objecto as partes da área de Protecção e Enquadramento e das áreas Afectas a Espaços Livres Públicos correspondentes às fases 1.ª, 2.º e 3.ª A das obras de urbanização do loteamento urbano de Vila Nova de (…), melhor identificadas no anexo I, bem como toda a área loteada, demarcada por vedação aramada com 8.000 ml seus acessos e caminhos pedonais.
(…)
Cláusula Terceira
Obrigações do Segundo Outorgante
Pelo presente acordo cabe ao Segundo Outorgante:
a) garantir a limpeza e higiene, a manutenção e a conservação das áreas da Área de Protecção e Enquadramento e das Áreas Afectas a Espaços Livres Públicos delimitados nos termos da cláusula primeira.
b) Assumir a conservação e a manutenção do circuito de manutenção.
c) assumir a conservação e a manutenção da vedação limítrofe da urbanização.
d) promover a replantação de novas espécies vegetais, paisagisticamente adequadas ao local;
e) efectuar a gestão florestal das áreas da Área de Protecção e Enquadramento e das Áreas Afectas a Espaços Livres Públicos delimitadas nos termos da cláusula primeira.
f) promover a elaboração do Plano de Vigilância e Segurança ( adianta designado por Plano) da área definida na cláusula primeira.
g) vigiar e manter um sistema de segurança em toda a área objecto do presente acordo de cooperação, de forma a evitar qualquer degradação do espaço, equipamentos públicos e zonas verdes.
Cláusula Quarta
Obrigações do Primeiro Outorgante
Pelo presente acordo, cabe ao Primeiro Outorgante, em respeito do interesse público visado pela celebração do presente acordo:
(…)
h) acompanhar e fiscalizar a execução do acordo, nomeadamente no que respeita ao cumprimento pelo Segundo Outorgante das obrigações assumidas, bem como prestar o apoio técnico que se justifique, mediante análise casuística conjunta;
i) acompanhar e fiscalizar a execução do plano de vigilância e segurança referido na cláusula anterior;
j) desenvolver os necessários contactos com as autoridades locais, em particular com as forças de segurança e protecção civil, de modo a possibilitar o apoio articulado destas, às tarefas cobertas pelo mesmo plano de vigilância e segurança.
Cláusula Oitava
Prazo de Vigência
O presente acordo de cooperação é celebrado pelo prazo de cinco anos, contados a partir da data da sua outorga (…)”
*
Factos Não Provados:
1. Todos os contratos promessa de compra e venda celebrados entre a Companhia Imobiliária da Herdade da (…), SA, loteadora do empreendimento, e os promitentes-compradores dos lotes que o constituem, contêm a cláusula referida em 14.
2. A falta de pagamento das contribuições devidas pelos proprietários, põe em risco a segurança da integridade física dos moradores e a segurança dos seus bens, assegurada pelos serviços de vigilância, bem como a limpeza, higiene, conservação dos espaços verdes e manutenção dos equipamentos.
3. Sendo certo que todos os moradores beneficiam dos referidos serviços cujo custo é assegurado pela A.
*
De Direito
A autora e aqui apelante pretende a condenação da ré nas quantias correspondentes às contribuições por si fixadas a cargo dos proprietários dos lotes do empreendimento que identificou, em dívida desde o 2.º trimestre de 2010.
Para tanto, impõe-se clarificar, invocou como causa de pedir o facto de vir assegurando “a gestão da área de protecção e enquadramento” nos termos de acordo de cooperação celebrado com a Câmara Municipal, tal como previsto no alvará de loteamento n.º 8, emitido em 21 de Dezembro de 1998 pela Câmara Municipal de Benavente, tendo a ré apelada, na qualidade de adquirente dos lotes que identifica, assumido contratualmente a obrigação de proceder ao pagamento de tais contribuições. Em causa está portanto, tal como a Mm.ª juíza correctamente considerou na sentença apelada, área integrada no domínio público municipal – no caso com 707.705,1 m2, como se vê do doc. de fls. 75 a 77 e respectivo anexo – quedando-se por isso sem aplicação o (só agora, em sede de recurso) também invocado regime dos art.ºs 1420.º a 1438.º-A do CC para que remetia o n.º 3 do art.º 15.º do DL 448/91, de 29 de Novembro (aqui aplicável considerando a data da emissão do alvará), cuja previsão abrangia apenas os “espaços verdes e de utilização colectiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada”, pois só estes constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento (é idêntica a redacção do n.º 4 do art.º 43.º do RJUE actualmente em vigor).
Deste modo, considerando quanto pela própria autora foi alegado, excluída está a aplicação das normas atinentes à propriedade horizontal, o que pressupunha que estivessem em causa partes comuns, logo, de natureza privada. Dir-se-á que a existirem despesas de conservação que respeitem às partes comuns (como nos parece haver, considerando o conteúdo das actas que foram juntas, caso da portaria, entre outras), a ré estará naturalmente, e dada a sua qualidade de proprietária de lotes que integram o empreendimento, vinculada a contribuir para as mesmas em moldes idênticos aos previstos na lei para os condóminos, por força dos preceitos acima citados. Todavia, sublinha-se, não foi esta a causa de pedir invocada pela autora/apelante, pelo que não pode agora vir estribar a sua pretensão em diversa causa de pedir.
Por outro lado, não sendo a ré associada da ora apelante, nem podendo a tanto ser obrigada – o que não admite contestação –, não se encontra vinculada a quaisquer obrigações que recaiam sobre os associados desta, incluindo naturalmente o pagamento de jóias ou quotas que decorram dessa mesma qualidade. Mas na verdade não é disso que aqui se trata, como se tentará demonstrar.
Conforme a recorrente faz notar, a atribuição da gestão daquelas áreas aos futuros “moradores ou grupos de moradores” mediante a celebração de acordos de cooperação com a Câmara Municipal, a ter lugar após a recepção definitiva das obras de urbanização, foi condição da cedência das mesmas para o domínio público municipal (e presumivelmente da aprovação pela autarquia da operação do dito loteamento n.º 8), tendo ficado a constar do respectivo alvará e como tal foi levada a registo, vinculando por esta via os futuros adquirentes dos lotes (cf. art.º 29.º/3 do DL 448/91, de 29 de Novembro), incluindo naturalmente a aqui Ré. No entanto, independentemente do facto de a autora ter vindo a desenvolver tais atribuições desde a data da sua constituição ou até antes desta, a verdade é que a celebração do dito acordo de cooperação com a CMB ocorreu apenas na pendência do processo, não tendo sequer sido alegado – e aqui assiste razão à ré – que a recepção definitiva das obras de urbanização tenha tido lugar ou quando é que tal ocorreu. Daí que o dito acordo de cooperação – verdadeiro contrato administrativo “exprimindo a cooperação entre a Administração e um particular, pelos quais a Administração o associa à satisfação de uma necessidade pública, prestando este uma colaboração temporária no desempenho de atribuições administrativas[1]” – não possa servir de fonte das prestações exigidas à apelada, tal como se considerou na sentença apelada.
Mas conforme resulta do alegado, a autora estribou o seu pedido ainda no facto da ré ter contratualmente assumido tal obrigação, conforme consta da cláusula 5.ª introduzida nos contratos promessa celebrados, da qual pretende prevalecer-se, discordando do entendimento expendido pela Mm.ª juíza, que considerou o acordo celebrado nulo nos termos do art.º 280.º do CC.
Resulta dos factos assentes que no âmbito dos contratos promessa de compra e venda celebrados entre a recorrida e a loteadora do empreendimento tendo por objecto a prometida venda dos lotes (…), (…), (…) e (…), foi introduzida a cláusula 5.ª, do seguinte teor: “a fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização colectiva, o segundo contratante obriga-se a, após a data da outorga da escritura da ora prometida compra e venda, contribuir para o pagamento das despesas relacionadas com a segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior, contribuição que, durante o ano de 2001, não excederá o montante de 4.000$00/mês/lote e deverá ser paga à ‘Associação de Proprietários de Vila Nova de (…)’, a constituir”. O contrato promessa tendo por objecto a promessa de venda do lote (…), contendo idêntica cláusula, foi celebrado entre a loteadora e um terceiro a quem, presumivelmente, a ré sucedeu na posição contratual, uma vez que o veio a adquirir à mesma ré, como se alcança da escritura de compra e venda junta de fls. 124 a 126 dos autos.
A este respeito releva ainda o já mencionado facto de, nos termos do alvará do loteamento, e como condição da cedência definitiva ao domínio público da referida área de protecção e enquadramento, ter ficado assegurado que a gestão da mesma caberia aos futuros moradores, sem embargo de ser “assumida pelos loteadores até à recepção definitiva das obras de urbanização”, tudo conforme ficou a constar do registo efectuado. E é neste contexto que terá de ser feita a interpretação da cláusula 5.ª de que nos ocupamos, tendo presente que está naturalmente em causa o interesse da loteadora, sobre quem, nos termos do alvará de loteamento, recaía a referida obrigação de gerir e conservar a área de protecção e enquadramento até à recepção definitiva das obras de urbanização (isto a despeito da sua integração no domínio público municipal), transmitir para os adquirentes dos lotes, à medida que os mesmos iam sendo adquiridos, os encargos daí decorrentes, de algum modo antecipando a assunção por estes de uma obrigação que, a partir de então, sempre ficaria a seu cargo.
Em matéria de interpretação, a regra é a de que o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, entendido como alguém medianamente instruído e diligente colocado na posição do real declaratário, perante o comportamento do declarante, exceptuados os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido, ou o de o declaratário conhecer a vontade real daquele (cfr. art.º 236.º, n.ºs 1 e 2, do CC). Consagra assim a lei, conforme vem sendo comummente entendido, uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista[2], tomando-se em consideração a posição concreta do declaratário real e os elementos que ele efectivamente conheceu, mas temperando-os com os elementos que uma pessoa normal, isto é, uma pessoa com razoável esclarecimento, zelo e sagacidade, teria conhecido, concluindo-se que o declaratário real ponderou sobre esses elementos, como ponderaria um declaratário normal. As circunstâncias a ter em conta na interpretação são, deste modo, todas aquelas a que um declaratário normal atenderia: os termos do negócio, as negociações prévias, os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, etc., sendo também relevante a conduta posterior das partes, havida na sua execução.
Por último, tratando-se de negócio formal, a interpretação alcançada nos precedentes termos não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art.º 238.º).
Tendo em mente tais critérios interpretativos e considerando, conforme se referiu já, que nos termos do alvará de loteamento competia à loteadora/vendedora a gestão da referida área de protecção e enquadramento do empreendimento, gestão que iria ser assegurada pela associação autora, que para tanto foi constituída, mediante o pagamento de determinada quantia por lote, a referida cláusula 5.ª consubstancia na verdade uma cláusula de transmissão da posição da vendedora no acordo celebrado com a apelante -o qual, admite-se, poderá caracterizar-se de prestação de serviços- no que a cada um dos lotes diz respeito (cf. art.º 424.º do CC). E não se diga que tal negócio é nulo por indeterminabilidade do objecto e ainda por violar de forma inadmissível o princípio da autonomia da vontade, contrariando a ordem pública, conforme se considerou na decisão apelada, juízo que não se secunda.
Assim, e antes de mais, sabe-se que está em causa uma contribuição “[n]as despesas relacionadas com a segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior”, cuja imputação é feita por lote e que em 2001 não podia exceder € 20,00. É certo que nada se disse quanto aos anos subsequentes mas o critério outro não pode ser senão aquele que se intui do fundamento da contribuição, ou seja, as despesas a efectuar seriam divididas pelos lotes, assim se obtendo o montante a pagar por cada um.
Por outro lado, tendo em mente que se trata de cessão da posição contratual da loteadora (no acordo celebrado com a associação) e que a sua obrigação de gestão se mantém até à recepção definitiva das obras de urbanização, a não ser o acordo denunciado em data anterior – e no caso de acordos de execução continuada de duração indeterminada a denúncia é a forma de o fazer cessar – o seu termo ocorreria com aquele evento, pelo que não procede o argumento, invocado pela Mm.ª juíza, de que estaríamos perante um vínculo tendencialmente perpétuo, em violação clara do princípio da autonomia privada.
Mas ainda a ser diversamente entendido, cremos que a vinculação da ré por tempo indeterminado seria lícita atendendo à natureza da obrigação assumida, isto segundo uma perspectiva que, ressalvado o devido respeito, a Mm.ª juíza “a quo” não equacionou.
Pese embora se trate de matéria controversa, afigura-se inexistir obstáculo legal à criação pela via contratual de obrigação inerente à condição de titular de um direito real, vedando licitamente ao obrigado a livre desvinculação pela denúncia. Com efeito, a regra da denunciabilidade das relações duradouras ou estabelecidas por tempo indeterminado não vale para as denominadas obrigações “propter rem”[3], “que implicam a existência de uma obrigação tão duradoura quanto o direito real a que surgem associadas – acompanhando, pois, a perpetuidade do direito real quando o mesmo tenha essa característica, como sucede, nomeadamente, no caso do direito de propriedade”[4]. Nestes casos, a tendencial perpetuação do vínculo é admitida pelo direito[5].
A admissibilidade de criação de obrigações desta natureza pela via contratual implica um confronto com a tipicidade dos direitos reais, mas a verdade é que, conforme o Prof. Rui Pinto faz notar[6], e aqui tem plena aplicação, “A realidade social mostra múltiplos casos de empreendimentos imobiliários divididos em fracções com características que obrigam à existência de uma gestão integrada de algumas necessidades comuns (…).
As despesas relativas a tal gestão integral das necessidades em causa são, de um modo ou de outro, repartidas pelos interessados.
No Direito Português, o paradigma jurídico correspondente a essa realidade é a propriedade horizontal sendo de realçar que desde 1994 o regime respectivo “pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem” (art.º 1438-A do CC).
A propriedade horizontal, porém, não é o único regime legal que procura enquadrar a realidade em causa. Também o regime do direito real de habitação periódica, o regime do direito de habitação turística, o regime dos empreendimentos turísticos e o das áreas de localização empresarial, de um modo ou de outro, o fazem.
Em todos esses casos existem, ou podem existir, obrigações de contribuição para as despesas comuns.
Essas obrigações dos condóminos, dos titulares de direitos reais de habitação periódica, dos titulares de direitos de habitação turística, dos titulares de «unidades de alojamento» integradas em empreendimentos turísticos e das empresas instaladas em áreas de localização empresarial podem ser perpétuas e não são denunciáveis.
Não há nenhuma razão para entender que a lei proíbe a constituição de obrigações atípicas análogas a essas. Pelo contrário, desses vários regimes pode, por analogia juris, retirar-se a existência de uma regra geral que admite obrigações com as características em causa”.
Resulta do que vem de se dizer que dada a incontornável similitude entre a obrigação dos proprietários dos lotes em relação à conservação das partes comuns, a que se aplica o regime dos art.ºs 1420.º a 1438.º-A do CC, conforme previa o n.º 3 do art.º 15.º do DL 448/91 e prevê o n.º 4 do art.º 43.º do RJUE agora em vigor, e aquela que decorre do alvará de loteamento tendo por objecto a gestão e conservação das áreas de enquadramento e segurança que passaram a integrar o domínio público municipal, nada obsta, parece, a que sigam o mesmo regime, não sendo portanto livremente denunciáveis e sem que por tal motivo ocorra nulidade do contrato celebrado com a loteadora por violação da ordem pública.
No caso em apreço importa finalmente relevar o facto da ré apelada, como se vê dos factos provados, já no ano de 2010 ter reconhecido a sua vinculação ao acordo em relação aos seis lotes por si adquiridos, procedendo ao pagamento do valor actualizado de € 25 por mês/lote relativo ao 1.º trimestre e comprometendo-se a regularizar a “quotização” do 2.º trimestre no mês de Setembro, termos em que se conclui pela válida vinculação da ora apelada à obrigação de proceder ao pagamento à apelante de uma quantia mensal pelos serviços de segurança e vigilância que por esta vêm sendo prestados.
*
Da prescrição
Aqui chegados, cumpre apreciar a excepção da prescrição invocada pela apelada e cujo conhecimento havia ficado prejudicado pela solução encontrada.
Não suscitando particulares dúvidas a caracterização da prestação a cargo da ré apelada como prestação periodicamente renovada, encontra-se sujeita ao prazo prescricional de 5 anos nos termos do art.º 310.º, al. g), do CC. Deste modo, e tendo a ré sido citada em Março de 2016 -a interpelação mediante mail enviado em 2014 não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional em curso, conforme resulta claro do disposto no art.º 323.º do CC – encontram-se prescritas as prestações vencidas até Fevereiro de 2011, com excepção do montante relativo ao 2.º trimestre de 2010, cuja dívida a ré inequivocamente reconheceu (cf. facto assente em 17.a). Deste modo, são devidas as prestações relativas ao 2.º semestre de 2010, no valor de € 375,00 (5 lotes[7] x €25 x 3 meses), aos meses de Março a Dezembro de 2011, Janeiro a Dezembro de 2012, Janeiro a Dezembro de 2013, Janeiro a Dezembro de 2014 e Janeiro a Dezembro 2015, num total de € 7.625,00, sendo ainda devidas as vencidas na pendência da acção à razão de € 125,00 e as vincendas até que a ré se desvincule.
Sobre a quantia apurada são devidos juros de mora nos termos conjugados dos art.ºs 804.º e 805.º, n.º 1, do CC desde a citação, por assim ter sido pedido.
*
III Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida e condenando a ré a pagar à autora apelante a quantia de € 7.625,00 (sete mil, seiscentos e vinte e cinco euros) acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal contados da citação até integral pagamento, e ainda as prestações vencidas na pendência da acção à razão de € 25,00 por mês e cada um dos 5 lotes (…), (…), (…), (…) e (…), bem como as vincendas até eventual desvinculação da ré.
Custas nesta e na 1.ª instância a cargo de autora e ré na proporção dos seus decaimentos.
*
Sumário:
I. A regra da denunciabilidade das relações duradouras ou estabelecidas por tempo indeterminado não vale para as denominadas obrigações “propter rem”.
II. A admissibilidade de criação de obrigações desta natureza pela via contratual implica um confronto com a tipicidade dos direitos reais, mas “A realidade social mostra múltiplos casos de empreendimentos imobiliários divididos em fracções com características que obrigam à existência de uma gestão integrada de algumas necessidades comuns (…)” em que “As despesas relativas a tal gestão integral das necessidades em causa são, de um modo ou de outro, repartidas pelos interessados”.
III. Tal ocorre no nosso direito com o regime da propriedade horizontal, que desde 1994 “pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem”, identificando-se idênticas soluções nos regimes do direito de habitação turística, dos empreendimentos turísticos e das áreas de localização empresarial, em todos os casos deles resultando obrigações para os respectivos titulares tendencialmente perpétuas e não denunciáveis, a consentir que por analogia júris daí se retire a existência de uma regra geral que admite obrigações com as características em causa.
IV. Dada a incontornável similitude, no caso dos autos, entre a obrigação dos proprietários dos lotes em relação à conservação das partes comuns, a que se aplica o regime dos art.ºs 1420.º a 1438.º-A do CC, conforme previa o n.º 3 do art.º 15.º do DL 448/91 e prevê o n.º 4 do art.º 43.º do RJUE agora em vigor, e aquela que decorre do alvará de loteamento tendo por objecto a gestão e conservação das áreas de enquadramento e segurança que passaram a integrar o domínio público municipal, nada obsta, parece, a que sigam o mesmo regime, não sendo portanto livremente denunciáveis e sem que por tal motivo ocorra nulidade do contrato celebrado com a loteadora por violação da ordem pública.
*
Évora, 08 de Março de 2018
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sérgio Sequinho dos Santos
Maria da Conceição Ferreira
__________________________________________________
[1] Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação” comentado, 2016-4.ª ed., pág. 412
[2] cfr. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, 1, 1987, Coimbra Editora, pág. 223.
[3] Obrigação propter rem ou real é «a conexa com o conteúdo de certo direito real, imposta a quem seja titular desse direito.
[4] Prof. Rui Pinto Duarte, “A denunciabilidade das obrigações contratuais duradouras propter rem”, acessível em https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2010/ano-70-vol-iiv-2010/doutrina/rui-pinto-duarte-a-denunciabilidade-das-obriacoes-contratuais-duradouras-propter-r
[5] O que na opinião do mesmo autor se deve a duas razões fundamentais: “A primeira é a de o obrigado numa obrigação propter rem pode libertar-se da sua obrigação por meio da alienação do direito real a que a mesma está ligada.
A segunda é a de que as obrigações de tal natureza não envolvem a realização pelo obrigado de prestações análogas às que são tidas em consideração ou subentendidas pelos autores que escrevem sobre a denunciabilidade dos contratos de duração indeterminada”.
[6] “A denunciabilidade das obrigações contratuais duradouras propter rem” cit..
[7] Apesar de a ré ter adquirido seis lotes, a autora limitou o seu pedido aos lotes (…), (…), (…), (…) e (…).