Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
236/20.8T8GDL.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- É requisito essencial da constituição do direito de preferência a alienação do prédio a terceiro não confinante, nos termos previstos pelo artigo 1380.º/1, do CC.
II.- O regime previsto no artigo 1380.º/2, do CC e o processo previsto no artigo 1037.º do CPC, visam o exercício do direito de preferência sempre que a alienação tenha sido concretizada a um terceiro não confinante.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc.º 236/20.8T8GDL.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…) e (…)

Recorridos: (…), (…) e (…)
*
No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Local de Grândola, (…), e mulher, (…), propuseram ação de preferência sob a forma de processo comum contra (…), (…) e (…), peticionando:
- Que se reconheça aos Autores o direito de preferência sobre o prédio rústico por se verificarem todos os factos constitutivos do direito de preferência;
- Em consequência, que se substitua os Autores ao Réu na escritura de compra e venda;
- A condenação dos Réus a entregar o referido prédio aos Autores livre de quaisquer ónus ou encargos;
- Que se declare o cancelamento de todos e quaisquer registos que o 3º Réu comprador haja feito a seu favor em consequência da compra do referido prédio, designadamente o constante da apresentação 2065 de 2019/07/29 e outras que venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem, averbando-se, posteriormente a aquisição dos Autores de modo a substituir a inscrição que ali consta o ora 3º Réu a favor dos Autores, na qualidade de adquirentes.
Alegaram para tanto ser proprietários de um prédio rústico com uma área de 1,25 hectares que confina pelo lado nascente com o prédio rústico designado (…) – (…), com uma área de 0,121900 hectares que foi vendido ao Réu sem que lhe tenha sido dado a possibilidade de exercer direito de preferência, que agora pretendem exercer.
Alegaram que os prédios são confinantes; que ambos têm uma área inferior à unidade mínima de cultura e que o 3º Réu era, em data anterior à aquisição, proprietário de prédio confinante, adquirido sem respeito também pela preferência dos Autores.
Mais alegaram que apenas tiveram conhecimento que o prédio tinha sido vendido em fevereiro de 2020 e que a partir de então, após diligenciar junto da Conservatória, tomaram conhecimento dos termos do negócio celebrado entre os Réus a 14 de março de 2020.
O3º Réu contestou e reconveio.
Impugnou a factualidade invocada pelos Autores.
Alegou a caducidade de os Autores exercerem o direito de preferência porquanto comunicou ao Autor em agosto de 2019 que tinha adquirido o terreno.
Mais alegou que o prédio esteve à venda durante mais de 2 anos sem que os Autores tivessem manifestado adquiri-lo.
Que o Sr. (…) contactou os Autores, informando-os das condições do negócio, tendo estes dito não estar interessados.
Mais alegou não estarem verificados os pressupostos de que depende o exercício do direito de preferência, uma vez que já era proprietário de outro terreno confinante.
Deduziu pedido reconvencional.
Responderam os Autores pugnando pela inadmissibilidade do pedido reconvencional e respondendo à exceção de caducidade invocada, pugnando pela sua improcedência.
Realizada audiência prévia, não foi admitido o pedido reconvencional, mas foi proferido despacho saneador que procedeu à identificação do litígio e aos temas de prova.
Procedeu-se ao julgamento tendo, a final, sido proferida a seguinte decisão:
Em face do exposto, julgo improcedente por não provada a presente ação e, em consequência, absolvo os Réus dos pedidos contra si formulados.
Custas a suportar pelos Autores, que deram causa à ação.
Registe e notifique.
Oportunamente e após trânsito:
- Diligencie-se pelo registo da ação.
- Proceda-se à restituição a quantia depositada nos autos.

*

Não se conformando com o decidido, os recorrentes apelaram da sentença, formulando as seguintes conclusões que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

Em súmula, e conforme supra alegado, indicam-se as razões ou fundamentos pelos quais se requer seja a Sentença “a quo” revogada e substituída, por decisão que julgue procedente a ação intentada pelos AA, dando provimento a todos os seus pedidos, reconhecendo o direito de preferência dos AA:

I. Vem o presente recurso impugnar a sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou improcedente por não provada a presente ação e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos contra si formulados.

II. Os AA. Ora recorrentes não podem admitir a justeza e legalidade de tal decisão, cujos fundamentos se contradizem e se baseiam em errada interpretação das normas legais aplicáveis e dos conceitos de direito em causa, violando designadamente o artigo 1380.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil e o artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e a), do Código de processo Civil.

III. Estando em causa na decisão a procedência do direito de preferir invocado pelos Autores e se o mesmo foi exercido tempestivamente ou se pelo contrário, caducou, exceção invocada pelos RR na ação.

IV. E se existe direito de preferência por banda dos Autores por se verificarem os respetivos pressupostos conforme os mesmos alegaram – e lograram provar – ou se existe alguma circunstância que exclua o exercício de tal direito, designadamente, no entender da sentença a quo produzida, se por virtude de se considerar o R. (…), proprietário confinante do prédio em causa, este não pode ser exercido.

V. Quanto a um dos temas de prova a convicção do tribunal após apreciação de toda a prova realizada e não realizada não podia ser senão a que foi e bem, ou seja, encontrando-se o R. (…) onerado com o ónus da prova sobre a data relativa ao conhecimento do Autor sobre a venda e os elementos essenciais do negócio, facto constitutivo da exceção de caducidade invocada pelo Réu, não logrou fazer prova do mesmo, pelo que, cfr. artigo 414.º do Código de Processo Civil, improcede a exceção de caducidade invocada pelo R. (…).

Aliás, os demais RR na ação, ou seja, os vendedores, que eram os sujeitos que, de acordo com a lei, tinham a obrigação de ter dado conhecimento aos AA. de todas as condições do contrato para exercício do direito de preferência, confessam, quer pela sua revelia, quer pelos depoimentos prestados.

VI. A convicção do Tribunal “alicerçou-se no conjunto da prova produzida, analisada de forma critica e conjugada, apreciada segundo juízos de lógica, probabilidade e normalidade social”.

VII. O Tribunal a quo debruça-se então na análise do restante tema de prova relevante na ação proposta: a existência de todos os pressupostos e requisitos para o reconhecimento do direito de preferência a favor dos RR.

VIII. Os requisitos ou pressupostos supracitados, constantes do artigo 1380.º do CC, bem como todos os que a doutrina e jurisprudência tem dado como assentes, foram preenchidos, salvo melhor opinião, na íntegra para que seja julgada procedente a ação e reconhecido aos AA. o exercício do direito de preferência.

IX. É um facto, dado como provado aliás que o R. (…) se encontrava, à data da propositura desta ação, na posse e registo de prédio confinante com o ora em causa.

X. Porém relativamente a este prédio anteriormente adquirido os AA. também intentaram ação de preferência.

XI. Cuja litispendência não será aceite nesta ação pelo facto de na mesma, obviamente não constarem os mesmos RR vendedores que na atual ação, sendo as restantes partes semelhantes: AA e Réu (…) são os mesmos em ambas as ações, mas não deixam os AA. de articular esta situação, que pode entender-se que condiciona a decisão desta ação.

XII. Situação que é do conhecimento oficioso do tribunal, até porque foi a mesma Mma. Juiz a julgar e decidir em ambas as ações, sendo que a sentença proferida na ação anterior (que se junta) julga procedente o exercício da preferência pelos AA, devendo, por consequência, ter-se em consideração nesta ação que o R (…) nunca foi proprietário confinante do prédio ora em causa, atento o efeito ex tunc daquela sentença.

XIII. Aliás, por efeito daquela ação os AA. desde a data de venda pelos vendedores ao R. (…)do terreno em que preferiram, devem substituir o mesmo em todas as obrigações e direitos fiscais e outros, bem como no registo predial, com inscrição que deve retroagir a esta data,

XIV. Sob pena de esvaziamento de todos os princípios de direito em causa, deve atender-se a que o desfecho daquela ação é relevante ao que aqui importa, na medida em que a decisão da mesma funciona e tem efeitos “ex tunc”.

XV. Consubstanciando um facto extintivo do direito que baseia e fundamente (errada e contraditoriamente) a convicção do Tribunal a quo e todos os factos foram do conhecimento do mesmo Tribunal.

XVI. Pelo que não pode considerar-se adequada a afirmação isolada na sentença a quo de que:

“Resultou provado, à data da aquisição do prédio a que se refere a presente preferência – 22 de julho de 2022 – o Réu era já proprietário confinante do prédio que havia adquirido anteriormente e sobre o qual, tal como alegam os Autores, estes igualmente intentaram ação de preferência” (sic sentença a quo) justificando a errada conclusão, s.m.o., de que “Ora, sendo o Réu proprietário confinante, não se reconhece o direito de preferência exercido pelos Autores” (sic sentença).

XVII. Não podem os AA. admitir tal conclusão por duas ordens de razões: A primeira prende-se com a interpretação, restritiva como afirmado na própria sentença a quo, de que o artigo 1380.º, n.º 1, em conjugação com o n.º 2.

XVIII. Aliás como a própria sentença refere (para, depois, surpreendentemente e sem fundamento ou justificação material ou jurídica contradizer):

É óbvio que se poderia discutir qual o efeito que a ação: procedendo a primeira ação de preferência e perdendo o Réu a qualidade de proprietário confinante, poderão os Autores igualmente preferir na segunda aquisição?” (sic sentença a quo).

XIX. Parece-nos que obviamente que sim, uma vez que a procedência de tal ação determina o “apagamento” de tudo o que conste em Registo, Finanças e demais instituições acerca da “posse e propriedade” do Réu (…) no dito prédio confinante, tudo se passando, pois, como se aquele R. (…) nunca tivesse sequer tido a posse da propriedade em causa.

XX. Sob pena de esvaziamento de todos os princípios legais sobre o que significa o efeito ex tunc de uma decisão, sobre a natureza e razão de ser do direito de preferência e sobre a intenção do legislador ao tutelar este direito.

XXI. Parece-nos, sobretudo que favorecer uma “propriedade” que não o foi nunca afinal, adquirida de forma ilegal e anulada, para fundamentar uma outra aquisição, igualmente ilegal, não cumpre os desígnios do direito e da justiça.

XXII. Como bem se diz na sentença a quo não existe doutrina ou jurisprudência sobre este caso concerto.

XXIII. Mas existem princípios de legalidade e conceitos há muito estabelecidos como a importância do efeito ex tunc de uma decisão e o facto de a restrição do mesmo só ser aplicável excecionalmente e em casos em que não afete os direitos de terceiros e as normas legais aplicáveis, sob pena de esse efeito ser esvaziado de conteúdo e a sua restrição originar distorções graves à legalidade e validade de atos jurídicos que afetam a esfera de terceiros.

XXIV. Ora, a aquisição da qualidade de proprietário ou não do réu (…), cerne desta questão porque o torna ou não proprietário confinante quanto à presente aquisição, parece-nos matéria demasiado importante para fazer parte das restrições ao efeito ex tunc de uma sentença, por todas as razões que se alegaram e pelo facto de gerar prejuízo grave e irreparável ao direito de terceiros, os AA ou quaisquer outros que podem exercer o seu direito de preferência.

XXV. Não pode ser aceitável que se baseie numa situação ilegal à partida a perpetuação de uma aquisição, também ela contra a legalidade imposta pelo cumprimento do direito de preferência.

XXVI. Decidir deste modo desvirtua todos os princípios legais aplicáveis ao caso concreto, e viola as normas do artigo 1380.º do Código Civil.

XXVII. Por outro lado, este facto (a não propriedade confinante do R. …, conforme julgado) é do conhecimento oficioso do Tribunal a quo, que viola o disposto no artigo 611.º, n.º 1, na sentença.

XXVIII. Parece-nos, no modesto entender dos AA. que as considerações e citações jurisprudenciais e doutrinais usadas não justificam a decisão final.

XXIX. Mais, não podem os AA concordar que “a repristinação de tal direito por via da ação de preferência intentada sobra a primeira aquisição seria sancionar os vendedores por incumprir”. Na modesta opinião dos AA., apesar de a violação do exercício do direito de preferência ser imputável a omissão dos vendedores, não pretende a lei ou o legislador que oferece a tutela do direito a esta questão, “punir” ou “condenar” os vendedores, cuja esfera jurídica não é, de todo, beliscada, alterada ou punida com o exercício deste direito, nada se alterando para os mesmos.

XXX. E não podendo o R. (…) ser definido como proprietário confinante, verifica-se a existência de todos os requisitos e pressupostos para o exercício, atempado e justificado, do direito de preferência pelo meio que os AA. usaram, devendo a esta ação ser dado provimento total.

XXXI. Não deve ser validada por decisão judicial uma situação de clara violação da lei, a favor de quem nunca foi proprietário legal, e em prejuízo dos AA., quem sempre teve e tem a qualidade de proprietário confinante, e reúne todos os demais pressupostos para o exercício deste direito de preferência, ou seja, os AA. ora recorrentes.

XXXII. A esmagadora maioria dos autores parece aceitar que o ganho de causa pelo preferente na respetiva ação tem como efeito a substituição do adquirente pelo titular do direito de preferir, substituição essa que se opera com eficácia retractiva à data da celebração do contrato entre o sujeito passivo e o adquirente, tudo se passando como se o contrato tivesse sido originariamente celebrado entre aquele e o titular da prelação (sic sentença a quo).

XXXIII. Esta decisão viola a interpretação das normas aplicáveis e entra em contradição com os fundamentos indicados, pelo que o Recorrente vem impugnar essa decisão e a matéria de facto dada como não provada que motiva erro na decisão a quo que deve ser revogada e substituída.

O erro manifesto na interpretação e consideração dos conceitos jurídicos e das normas legais aplicáveis não pode ser admitido e, por consequência, deverá aplicar-se o direito de forma distinta, conforme alegado, porquanto a lei aplicável indica que todos os pressupostos e requisitos para o exercício da ação de preferência se verificam, quer por correta interpretação das normas do artigo 1380.º, n.ºs 1 e 2, quer por, em última análise, o R. (…) nunca poder ser considerado proprietário confinante.

Deve a sentença a quo” ser revogada e substituída concedendo provimento ao peticionado pelos AA, com todos os efeitos legais ex tunc, reconhecendo o seu direito de preferência e ordenando a entrega e o registo do prédio a favor dos AA, julgando procedente o presente recurso, assim se fazendo a costumada justiça.


*
A questão que importa decidir é a de saber se estão verificados os requisitos do direito de preferência dos recorrentes e, em caso afirmativo, a consequente contradição entre os fundamentos e a decisão.
*
A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:
Factos Provados
A) Os Autores têm descrito a seu favor o prédio rústico denominado “(…)”, sito na freguesia de Melides, concelho de Grândola, com a área de 1,25 ha, a confrontar do Norte com (…), a Sul com (…), a Poente com (…) e a Nascente com (…), inscrito na matriz rústica sob o artigo (…) da secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…) da freguesia de Melides.
B) Desde 1991, data em que celebraram a escritura de compra e venda que os Autores usam o se prédio de acordo com os fins naturais da parcela e a colher os respetivos frutos.
C) Os Autores podem facilmente ser contactados, quer pessoalmente, quer através dos seus contactos, pois são conhecidos da vizinhança há mais de 30 anos.
D) O prédio dos Autores, confina, pelo lado nascente, entre outros, com um prédio rústico inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo (…) da secção (…), prédio este com a área de 0,122800 ha., designado “(…)”.
E) O qual, de acordo com a certidão predial, confronta do Norte com (…) e (…), do Nascente com (…), do Sul com (…) e do Poente com (…), inscrito na matriz respetiva sob o artigo (…) rústico, secção (…), tratando-se de terreno para cultura arvense e descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…), da freguesia de Melides.
F) Em conversa com vizinho conhecido como (…), o qual veio comprar cortiça à sua propriedade, o Autor referiu-se à estranheza sobre a construção de uma espécie de casa abarracada em parcela de terreno confinante com este e de semelhante metragem, comunicando que precisava de conversar com os vizinhos de nascente para saber porque razão os mesmos se teriam decidido a retirar toda a vegetação arbórea e outra do local, bem como a encostarem a dita construção a pouco mais de um metro da vedação existente entre as propriedades, sem nada lhe comunicarem.
G) O Autor tentou então contactar o 3º Réu e questionar qual a sua relação com o terreno em causa, confinante com a sua propriedade.
H) O 3º Réu confirmou então que havia comprado o terreno onde se encontra cultura arvense.
I) Este prédio rústico para cultura arvense é paralelo a uma outra fatia de terreno, confinando com o mesmo Sul, que o 3º Réu adquiriu de forma semelhante, descrito sob o artigo (…) da freguesia de Melides, transação acerca da qual, atentas as semelhanças circunstâncias e pressupostos verificados os Autores interpuseram também ação para o exercício do direito de preferência.
J) Após estas notícias e logo que lhes foi possível, tendo em conta os seus compromissos pessoais e profissionais, os Autores, com esforço pessoal e acabando por ter de recorrer aos serviços de mandatária, bem como a buscas demoradas inicialmente infrutíferas na Conservatória do Registo Predial e Grândola acabaram por localizar a descrição predial e artigo matricial da parcela e causa.
K) Tendo de imediato solicitado cópias dos documentos que deram base ao registo de aquisição por compra e venda a favor do 3º Réu.
L) Ficaram na posse destes elementos no dia 14 de Março de 2020, data em que puderam finalmente tomar conhecimento dos elementos essenciais do negócio de aquisição da propriedade.
M) Por compra a favor do 3º Réu e venda realizada pelos 1º e 2º Réus, no dia 22 de Julho de 2019, pelo valor de € 6.000,00, o Réu adquiriu o prédio identificado em D) e E).
N) Nenhum dos Réus deu conhecimento aos Autores da sua intenção de vender o prédio e de o comprar, das condições principais da venda, fosse o preço, as condições de pagamento ou a pessoa do comprador e efetuaram o negócio no completo desconhecimento dos Autores.
O) Quer o prédio dos Autores, quer o prédio alienado ao 3º Réu são prédios de cultura.
P) O prédio rústico que é propriedade dos Autores confinante com o prédio que foi alienado tem área inferior à unidade mínima de cultura estabelecida.
Q) O 3º Réu comprador, à data da realização da transação referida em 2019, era proprietário de outro prédio confinante com o Autor e com aquele que adquiriu.
R) Logo após a aquisição do prédio, o 3º Réu começou a limpeza do mato, remoção das árvores mortas e limpeza e poda das restantes árvores.
S) A ação foi intentada em 31-07-2020.
*
Factos não provados
1) O referido vizinho, bem como, entretanto, outros, acabaram por lhe informar que lhes parecia quer o terreno onde havia sido construída a tal construção abarracada ilegal quer este terreno ora descrito, contíguo ao mesmo e à propriedade dos Autores teriam sido “apalavrados” ou mesmo vendidos a um terceiro, e que iam procurar indagar os seus contactos.
2) Como o Autor normalmente, no Inverno não passa todos os fins de semana na sua propriedade não pode precisar exatamente, mas crê que no último fim de semana de fevereiro de 2020 chegou à posse um contacto telefónico e o primeiro nome “Emanuel” do 3º Réu que até aí lhe era completamente desconhecido.
3) E que tinha passado a ser “dono” do terreno e dele faria o que bem entendesse, sem qualquer outra explicação, elemento documental ou informação.
4) Os Réus tinham conhecimento do direito dos Autores em preferir na compra.
5) Os Autores sempre tiverem e pretendem continuar a ter e preservar na sua propriedade as culturas arvenses e demais agricultura a que o mesmo se destina.
6) É esse o destino que pretendem da ao prédio confinante.
7) O Reu, em dia que não sabe precisar, mas durante o mês de agosto de 2019, recebeu no seu telemóvel uma mensagem que dia ser do seu vizinho em (…) e que gostaria de falar com ele.
8) O Réu dirigiu-se ao terreno que havia comprado, em agosto de 2018 (artigo …) e junto da vedação conversou com o Autor.
9) O prédio esteve à venda durante mais de dois anos e os Autores nunca manifestaram interesse na aquisição, apesar de terem sido contactados pelo Sr. (…), agente imobiliário que mediou o negócio.
10) Tendo o Sr. (…) contactado os Autores, informando-os das condições do negócio, tendo os Autores referido não estarem interessados em exercer o seu direito de preferência.
11) O prédio propriedade do Réu não se destina nem nunca se destinou à agricultura por ser composto por cerca de meia dúzia de oliveiras já muito antigas e encontrava-se coberto de mato.
12) O Réu adquiriu o prédio para fins recreativos e de lazer.
***
Conhecendo.
Alegam os recorrentes que se mostram reunidos os requisitos de que depende o reconhecimento do seu direito de preferência na aquisição do imóvel dos autos, que confina com um imóvel de sua propriedade, tendo o tribunal a quo violado o que dispõe o artigo 1380.º/1 e 2, do CC.
Este preceito legal, sob a epígrafe “Direito de preferência”, dispõe o seguinte:
1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
2. Sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito:
a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem;
b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.
3. Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.
4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações.
O n.º 1 estabelece os requisitos de que depende a constituição, na esfera jurídica do proprietário, do direito a preferir na aquisição do prédio que com o seu confina e são os seguintes:
A.- Os dois prédios têm que confinar;
B.- Têm que ter uma dimensão inferior à unidade de cultura estabelecida para a área onde se situam;
C.- E a venda ou a dação em cumprimento ou aforamento (sem significado porque se extinguiu a enfiteuse) tenha sido efetuada a um terceiro, ou seja, a quem não seja proprietário confinante.
O escopo da lei é diminuir o minifúndio e promover o alargamento da extensão das propriedades agrícolas, tendo em vista a sua maior rentabilidade dada a economia de escala que se consegue com o emparcelamento.
No caso que apreciamos, o prédio vendido e o dos recorrentes confinam entre si e têm uma área inferior à unidade de cultura legalmente prevista para a zona do país em que se encontram (Portaria 202/70, de 21-04 e Dec. Lei 384/88, de 25-10, conferindo este também direito de preferência ao prédio confinante que tenha uma área superior à unidade de cultura – artigo 18.º).
Mas o requisito que o tribunal a quo não considerou verificado foi que o prédio tenha sido vendido a um terceiro, ou seja, a alguém que não é proprietário de prédio que confina com o prédio vendido.
Facto com o qual, num primeiro momento, os recorrentes não discordam, nem podiam, porque se encontra registada na Conservatória de Registo Predial de Grândola a aquisição a favor do 3º réu na ação – (…) –, sob o n.º (…) da freguesia e Melides, de um prédio rústico que confina com o prédio vendido.
Aqui chegados, verificamos que, num segundo momento, a discordância é absoluta.
Com efeito, a grande questão que motiva a discordância dos recorrentes com a decisão em crise é o facto de ter sido proposta uma outra ação, pelos ora recorrentes contra o mesmo 3º réu, ação em que este ficou vencido, pelo que consideram este 3º réu como terceiro adquirente do prédio em causa nos presentes autos.
O que implica, no seu entendimento, mostrar-se também preenchido o requisito de que o prédio tenha sido vendido a um terceiro que não goza do direito de preferência.
Com efeito, a referida ação já foi julgada procedente na primeira instância, o que implica não poder o tribunal a quo ignorar tal questão até porque foi a mesma sra. juiz que julgou a causa e proferiu a decisão, com o que se mostra violado o que dispõe o artigo 611.º/1, do CPC – que estipula deverem ser tomados em consideração na sentença todos os factos que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Assim sendo, o adquirente nos presentes autos, apesar de ainda constar como tal no registo predial, não é proprietário do prédio que na presente ação o classifica como tal, porque o efeito da decisão irá retroagir ao momento da aquisição (efeito ex tunc), sendo nela substituído o adquirente pelos ora recorrentes, mostrando-se, por isso, verificados todos os requisitos exigidos pelo artigo 1380.º/1.
O tribunal a quo confrontou-se com a questão e chegou à conclusão de que nem a doutrina nem a jurisprudência se tinham debruçado sobre um caso semelhante.
É nestes momentos que se costuma reconhecer que toda a aplicação do direito contém em si sempre algo de criativo, porque os regimes legais não podem prever todas as situações de vida com que se confrontam os cidadãos o que é, aliás, também reflexo da antiga confrontação entre a jurisprudência dos conceitos e a jurisprudência dos interesses (o juiz deve atender apenas aos conceitos que o sistema lhe proporciona para encontrar a solução dentro desses conceitos (primeira fase do positivismo jurídico) ou aos interesses envolvidos nas situações concretas e nas consequências do resultado final da decisão (segunda fase) – Sobre a questão Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 3ª. Ed., págs. 518/19.
O nosso entendimento é que dever ser adotada uma solução eclética que atenda aos interesses das partes e ao resultado da decisão, mas que não ignore os conceitos que enformam o sistema e os institutos que se encontram em confronto.
Vejamos.
A sentença proferida, que teve como objeto um outro prédio adquirido pelo 3º réu na presente ação, foi junta pelos recorrentes e nela não consta que tenha transitado em julgado, consta apenas que foi proferida em 06-06-2022 e que foi registada no livro de sentenças do tribunal no dia seguinte.
Ora, não tendo transitado em julgado tal decisão, não produziu qualquer modificação na ordem jurídica, o que implica manter-se ainda, no momento em que o tribunal a quo decidiu, o 3º réu – (…) – como proprietário de um prédio rústico que confina com o prédio objeto da venda, não sendo, por isso, terceiro, nos termos exigidos pelo inciso legal acima transcrito.
Com efeito, apesar de o registo não ser constitutivo de direitos no nosso sistema jurídico, a inscrição no registo predial de um prédio a favor de certa pessoa é uma presunção de propriedade e esta presunção não se mostra ilidida.
Logo, o ora 3º réu e recorrido, mantém-se como proprietário confinante e, por isso, beneficia do direito de preferência na aquisição do imóvel.
A questão de saber se é ou não requisito essencial que o primeiro adquirente tenha sido um terceiro, para que se constitua na esfera jurídica do proprietário de prédio confinante o direito de preferir na sua aquisição, tem sido objeto de apreciação jurisprudencial, verificando-se unanimidade na sua exigência, como o demonstram os Acs. do STJ de 15-05-2007, Proc.º 07A958, da RE de 11-11-2021, Proc.º 41/08.0TBSTB.E1; RC de 20-01-2009, Proc.º 486/07.2TBALB.C1; RG de 14-12-2010, Proc.º 473/08.3TBVCT.G1 e de 3-10-2019, Proc.º 23/19.6T8PRG.G1.
No Ac. STJ de 14-01-2021, Proc.º 892/18.7T8BJA.E1.S1 decidiu-se o seguinte:
“I. O direito real de preferência atribuído pelo artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, aos proprietários de prédios rústicos confinantes depende da verificação dos seguintes requisitos:
i) ter sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura;
ii) ser o preferente a dono de prédio confinante com o prédio alienado;
iii) ter o prédio do proprietário que se apresenta a preferir área inferior à unidade de cultura;
iv) não ser o adquirente do prédio proprietário confinante.”
Logo, mais uma vez se reafirma, é requisito essencial da constituição do direito de preferência a alienação do prédio a terceiro não confinante, seguindo também Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. III, 1987, pág. 271.
O único acórdão dissonante é o proferido pelo TRC de 12-09-2006, processo 654/05.1TBNLS.C, com o qual se não concorda.
Este entendimento vem sendo seguido por este Tribunal da Relação, como é exemplo o Ac. RE de 11-11-2021, Proc.º 41/08.0TBSTB.E1 onde se decidiu:
É pressuposto do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante, pelo que, se a venda foi feita a um proprietário de terreno confinante já nenhum outro proprietário confinante terá direito de preferência nessa venda.
E Ac. TRG de 19-11-2020, Proc.º 143/16.9T8MAC.G1:
São elementos constitutivos do direito de preferência emergente do artigo 1380.º, n.º 1, do C. Civil, que: a) o prédio vendido ou dado em cumprimento apresenta uma área inferior à unidade de cultura; b) o preferente é dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) o prédio preferente apresenta uma área inferior à unidade de cultura (se bem que o artigo 18.º, n.º 1, do D.L. n.º 384/88, de 25.10, possibilite o recurso ao exercício do direito em causa a proprietários de prédios confinantes com área superior); d) o adquirente não é proprietário de terreno confinante.

Aqui chegados, conclui-se também que o regime previsto no artigo 1380.º/2, do CC e o processo previsto no artigo 1037.º do CPC, visam o exercício do direito de preferência sempre que a alienação tenha sido concretizada a um terceiro não confinante.

Não obstante, no caso dos autos, assiste sempre aos recorrentes o direito de interpor recurso de revisão, caso a sentença acima referida e proferida pelo mesmo tribunal, venha a transitar em julgado, como o permite e prevê o artigo 696.º/c), do CPC.
Resta concluir pela improcedência da apelação pelos motivos expostos, com a consequente confirmação da sentença recorrida, por se não verificarem também quaisquer contradições ente os fundamentos e a decisão.
***

Sumário:

(…)


***

DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes – Artigo 527.º do CPC.
Notifique.

***
Évora, 12-01-2023

José Manuel Barata (relator)

Cristina Dá Mesquita

Rui Machado e Moura