Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
394/09.2PFSTB-A.E1
Relator: JOSÉ PROENÇA DA COSTA
Descritores: MULTA CRIMINAL
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
ATIVIDADE OFICIOSA DO TRIBUNAL
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Tendo cada um dos arguidos sido condenado no pagamento de uma multa e requerido o pagamento da mesma em prestações, não obstante terem sido notificados pelo tribunal para fazerem prova da sua situação económica e, na sequência, nada terem dito ou requerido, o tribunal encontra-se obrigado a reunir as provas necessárias à decisão, oficiosamente, por todos os meios ao seu alcance e legalmente admissíveis;
II – Por consequência, não era lícito ao tribunal indeferir o requerido pagamento em prestações das multas, com fundamento que os arguidos, apesar de para tal notificados, não fizeram prova da sua situação económica, antes se impunha que o tribunal, oficiosamente, recolhesse as provas necessárias à decisão.
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 394/09.2PFSTB-A.

Acordam em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
No âmbito dos autos de Processo Comum Singular, com o n.º 394/09.2PFSTB, a correrem termos pela Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Setúbal – J2, foram os arguidos BB, CC e DD submetidos a julgamento, vindo, a final a ser condenados:
1. O arguido BB pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelo art.º 32.º A, n.º 2, do Dec. Lei 35/04, de 21/2, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/08, de 8/8., na pena de multa de 180 dias, à taxa diária de € 8,00, perfazendo € 1440, 00.
2. CC pela prática, como autor material e na forma consumada, de:
a) Um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada, p. e p. pelo art.º 32.º A, n.º 2, do Dec. Lei 35/04, de 21/2, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/08, de 8/8., na pena de multa de 140 dias, à taxa diária de € 5,00;
b) Um crime de um crime de detenção de arma em locais proibidos, p.e p. pelo artigo 89.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redação da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e, assim, na pena única de 260 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo € 1.300,00.
3. DD pela prática de:
a) Um crime de exercício ilícito da atividade de segurança privada, p. e p. pelo artigo art.º 32.º-A, n.º 2, do Dec. Lei 35/04, de 21/2, com as alterações introduzidas pela Lei 38/08, de 8/8, na pena de multa de 100 dias, à taxa diária de € 5,00;
b) Um crime de um crime de detenção de arma em locais proibidos, p. e p. pelo artigo 89.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, na pena 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e, assim, na pena única de 220 dias, à taxa diária de € 5,00, perfazendo € 1100.

Os arguidos BB, CC e DD vieram requerer o pagamento das multas em que foram condenados em 12 prestações iguais e sucessivas.

O M.P., ouvido, a respeito, veio promover se notificassem os arguidos para juntarem aos autos documentos comprovativos da sua situação sócio-económica e a fim de o habilitar a pronunciar-se sobre o requerido.

A 14.12.2016 o M.mo Juiz a quo veio proferir o seguinte despacho:
Do pagamento prestacional da pena de multa: como se promove, sob expressa cominação de indeferimento em caso de não correspondência.

A 22.02.2018 a M.ma Juiz a quo veio prolatar o seguinte despacho:
Face ao silêncio dos arguidos, por ausência de comprovação da sua situação económica, não obstante expressamente convidados para o efeito, indefere-se o pedido de pagamento das multas em prestações por si formulado a fls. 709.

Inconformados com o assim decidido trazem os arguidos BB, CC e DD o presente recurso, onde formulam as seguintes conclusões:
A- Tendo o Tribunal apreciado a situação pessoal, familiar e profissional dos arguidos na valoração da medida da pena, é conhecedor dos elementos de facto necessários à apreciação e deferimento, ou indeferimento, do requerimento para pagamento da multa em 12 prestações.
B- A notificação para “no prazo de dez dias juntarem aos autos documentos comprovativos da situação sócio-económica” é nula por consubstanciar um acto inútil, traduzindo-se numa mera repetição dos factos já dados como provados e apreciados pelo Tribunal.
C- Entendendo o Tribunal que a situação pessoal; familiar e profissional dos arguidos possa ter sofrido alterações pelo simples decurso do tempo, podia/devia ter solicitado a elaboração de relatório social, ou a respectiva actualização.
D- O despacho de 22-02-2018 que rejeita o pagamento da multa em 12 prestações fundado na “ausência de comprovação da sua situação económica, não obstante expressamente convidados para o efeito é ”nulo” por violação do dever de pronúncia.

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público, Dizendo:
1. Os recorrentes foram condenados nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 26.04.2016, nas seguintes penas:
- BB pela prática de um crime de exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo art.º 32.º-A, n.º 2, do Dec. Lei 35/04, de 21/2, com as alterações introduzidas pela Lei 38/08, de 8/8, numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, perfazendo €1.440,00;
- CC pela prática de um crime de exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo art.º 32.º-A, n.º 2, do Dec. Lei 35/04, de 21/2, com as alterações introduzidas pela Lei 38/08, de 8/8 e de um crime de um crime de detenção de arma em locais proibidos, previsto pelo artigo 89.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redação da lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, numa pena de 140 dias de multa e na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, e assim na pena única de 260 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo € 1.300,00;
- DD pela prática de um crime de exercício ilícito da atividade de segurança privada, previsto e punido pelo artigo 32.º-A, n.º 2, do Dec. Lei 35/04, de 21/2, com as alterações introduzidas pela Lei 38/08, de 8/8 e de um crime de um crime de detenção de arma em locais proibidos, previsto pelo artigo 89.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, numa pena de 100 dias de multa e na pena de 4 meses de prisão, substituída por 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo € 1.100,00.
2. -Foram notificados para procederam ao pagamento das penas de multa em que foram condenados até ao dia 15.09.2016, por guias de liquidação emitidas a fls. 685,687, e 689 - vide fls. 699 a 701, 706 a 708,
3. Por requerimento apresentado a 14.09.2016, a fls. 709, vieram os arguidos requerer “O pagamento das multas penais em 12 prestações iguais e sucessivas».
4. A fim de se ponderar da possibilidade do pagamento das penas de multa em prestações e de molde a apurar da situação sócio económica de cada um dos arguidos, foram os mesmos notificados em 03.01.2017, da decisão do M.mo juiz proferida pela fls. 713.
5. Os arguidos vieram interpor recurso deste despacho que indeferiu o pagamento da pena de multa em prestações, alegando para o efeito que prestaram declarações em sede de audiência de julgamento sobre a sua situação pessoal, familiar e profissional, razão pela qual o Tribunal a quo conhece as suas condições sócio económicas.
6. Conforme resulta deste último normativo, para que o Tribunal autorize o pagamento da pena de multa em prestações, importa apurar se «a situação econômica e financeira do condenado o justifica…”.
7. E isto exige que o tribunal conheça a situação económica e financeira dos arguidos à data desse pedido, precisamente para que se possa ponderar da possibilidade do pagamento em prestações e em que termos poderão as mesmas ser concedidas.
8. Ora, tendo os arguidos prestado declarações na audiência de julgamento em 06.09.2011 (cfr fls, 248 e SS), ou seja, decorrido já quase 7 anos, desconhece o tribunal a situação pessoal, familiar e profissional actual daqueles, que seguramente se terão modificado e alterado, até porque à data da sentença condenatória inclusivamente ainda eram jovens e viviam com os seus progenitores ou com os avós!
9. Com efeito, da análise da matéria de facto dada como provada na sentença exarada a fls. 30S e ss, resultou demonstrado que:
«24- O arguido BB vive com a mãe, é empresário, "aufere liquidas € 1000 e tem de despesas € 500,00,
25- O arguido CC, vive com a avó materna, é cabo da …, aufere €1.130,00 e tem de despesas € 200,00
26- O arguido DD vive com os pais, é cabo da …, aufere €1.130,00 e tem de despesas €500,00».
10. Por este motivo, cabia aos arguidos esclarecerem o tribunal quais as suas actuais condições sócio- económicas, juntando para o efeito aos autos os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos por si bem como das despesas suportadas, conforme foram expressamente notificados para o efeito.
11. Aliás, refira-se, ainda, que a situação económica dos arguidos exarada na sentença nem sequer permitia ou justificava o pagamento das penas de multa em prestações, já que naquela data eram jovens, exerciam actividade profissional remunerada e ainda viviam em casa de familiares.
12. É que importa ter em consideração que os arguidos foram condenados em penas criminais (não respeitando os autos a uma acção executiva para cobrança de um direito de crédito do Estado contra o arguido) pena que lhe foi imposta tendo em conta os fins de prevenção geral e especial que o caso exigiu.
13. Neste sentido, lê-se no Código Penal Anotado, de Leal Henriques e Simas Santos, in Vol. I, págs. 427, que “Deve ter-se ainda em conta que a multa deve traduzir-se num encargo sensível, não podendo converter-se em cómodo negócio de pagamento de prestações”.
14. Na verdade, só nos casos em que se verifica uma impossibilidade absoluta ou relativa, efectivamente justificada pela situação económica e financeira do condenado, pode ser feito apelo ao normativo indicado.
Em face do exposto, e por se concordar integralmente com a douta decisão, que indeferiu o pagamento da pena de multa em prestações, por ausência de comprovação da sua situação económica actual, deverá a mesma manter-se na íntegra.

Nesta Instância o Sr. Procurador geral-Adjunto entende que deve ser mantido o despacho recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.
Vem o presente recurso interposto do despacho judicial que indeferiu o pagamento em prestações da pena de multa em que foi condenado cada um dos arguidos.
Com o fundamento de não terem feito prova da sua situação económica, não obstante terem sido expressamente convidados para o efeito.
O que decidir?
Importa, a respeito, fazer apelo ao que se dispõe no art.º 47.º, n.º 3, do Cód. Pen., onde se estatue que sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.
O que quer significar ter o tribunal, antes de decidir sobre o deferimento, ou não, do pagamento da multa em prestações, de estar munido de informação bastante sobre a situação económica e financeira do condenado.
E dando expressão a tal necessidade veio prolatar pertinente despacho, proferido no seguimento do promovido pelo M.P., em que se ordenou a notificação dos arguidos/condenados para juntarem aos autos documentos comprovativos da sua situação sócio-económica e a fim de o habilitar (tribunal) a decidir sobre a pretensão pelos arguidos formulada.
É perante o silêncio - inactividade processual – dos arguidos/condenados que vem ser prolatado o despacho revidendo.
No contexto dos autos é inquestionável a necessidade da aportação de tais elementos probatórios aos autos, por forma a habilitar o tribunal a decidir a pretensão deduzida pelos arguidos/condenados.
Até pelo facto - ao invés do tecido pelos arguidos/condenados, ver conclusão A – de os elementos de que dispunha o tribunal recorrido, a respeito, datarem de 6.09.2011, como bem o refere o Magistrado recorrido, e haver necessidade de actualização dos preditos dados.
O que se cura de saber é se, perante a não aportação aos autos dos mencionados elementos probatórios, o tribunal recorrido poderia vir indeferir, como o fez, a pretensão do pagamento a prestações da pena de multa.
Aqui importa fazer apelo ao princípio da investigação, ínsito no art.º 340.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen., onde se refere que o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Se sistemáticamente colocado na fase da audiência de julgamento, onde assume particular relevo, este princípio atravessa todas as fases do processo.
Pelo que o tribunal está obrigado a reunir as provas necessárias à decisão, oficiosamente, por todos os meios ao seu alcance e legalmente admissíveis e independentemente do contributo dos demais intervenientes processuais.
Pelo que, face ao silêncio dos arguidos/condenados, impunha-se que o tribunal recorrido, oficiosamente, viesse determinar a elaboração de pertinente relatório social ou de quaisquer outros elementos de prova que se lhe afigurassem necessários para poder vir decidir a causa.
E não vir prolatar o despacho em causa, que não se vislumbra onde tenha sustento legal, na parte em que comina com o indeferimento da pretensão, caso os interessados não colaborem com o tribunal. Tudo, em clara violação do princípio da legalidade.
E do princípio do nemo tenetur se ipsum accusare, porquanto sobre os aqui arguidos/condenados não recai qualquer dever de colaborar na descoberta da verdade material.
Comportamento do tribunal recorrido que vai, pois, contra ao que se dispõe no art.º 6.º, da CEDH.
Impõe-se, pois, que o tribunal investigue da situação económica e financeira, actual, dos arguidos/condenados, com o lançar mão de todos os meios que a lei lhe faculta e obtidos os preditos elementos, venha pronunciar-se quanto à pretensão deduzida.
Não restando, assim, outro caminho que não seja o de revogar o despacho recorrido e, em sua substituição, seja proferido outro em que se ordene a realização de diligências de prova que entender por convenientes, de forma apurar da situação económica e financeira dos arguidos/condenados, vindo-se, no seu seguimento, a pronunciar-se sobre a pretensão formulada pelos arguidos/condenados.

Termos são em que Acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual será substituído por outro que ordene a realização de diligências probatórias que se lhe afigurarem convenientes, vindo-se, a final, decidir sobre a pretensão formulada.

Sem custas, por não devidas.

(texto elaborado e revisto pelo relator).
Évora, 18 de Outubro de 2018
José Proença da Costa (relator)
Alberto Borges