Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1229/22.6T9STR.E1
Relator: LAURA GOULART MAURÍCIO
Descritores: PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PRAZO
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Para a interposição do recurso em processo de contraordenação, vem a jurisprudência defendendo o entendimento de que a notificação a que se refere a última parte do n.º 1 do artigo 74.º do RGCO apenas se aplica nas hipóteses em que a decisão seja proferida por despacho ou em que a audiência seja realizada sem notificação regular do arguido e já não nos casos em que tenha defensor/mandatário e este haja sido notificado da data da leitura da sentença, contando-se nestes o prazo de interposição do recurso a partir do depósito da sentença mesmo que nenhum deles àquela haja comparecido. Entendimento que teve juízo de conformidade constitucional no Ac. TC n.º 77/2005 de 15/2/2005.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório
No âmbito dos autos de recurso de contraordenacão com o nº1229/22.6T9STR, no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Santarém, Juiz 2, por sentença de 18 de janeiro de 2023, foi decidido:
1. julgar improcedentes as nulidades da decisão administrativa invocadas pela recorrente.
2. Condenar a recorrente AA, Lda., pela prática da contraordenação prevista nas alíneas a), e), f) e l) do n.º 1 do artigo 4.º e art.º 10.º, n.º 1 do DL n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 47/2014 de 28 de Julho, DL n.º 78/2018 de 15 de Outubro e DL n.º 9/2021 de 29 de Janeiro, punível nos termos do n.º 2 e 4 do artigo 31.º do mesmo diploma em conjugação com a subalínea II da alínea b) do artigo 18.º e 19.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJCE.
3. Negar provimento ao recurso da recorrente, quanto à pretensão de ver substituído o montante da coima por admoestação.
4. Atenuar, no entanto especialmente a coima, e consequentemente, condenar a recorrente pela prática da contraordenação referida em 2, numa coima que se fixa em €425,00 ( quatrocentos e vinte e cinco euros) – cf. art.º 23.º, n.º 4 do RJCE.
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Inconformada com o assim decidido, recorreu AA, Lda, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
1- O novel RJCE não pode impedir a admissibilidade de um recurso como o presente.
2- Por um lado, porque o cit. RJCE não está autorizado a ultrapassar os limites do RGCO e é, por isso, orgânica e formalmente inconstitucional à luz da 2ª parte da alínea d) do nº1 do art.165º da Lei Fundamental.
3- E, por outro lado, porque do próprio RGCO consta norma própria ou específica que permite a aceitação de um recurso “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito” (cfr., nele, o nº2 do art.73º)
4- Uma das hipóteses assim claramente abrangidas é a que se verifica nos autos. A necessidade de evitar a aplicação de uma lei inconstitucional, ex vi dos arts.18º, nº1, 32º, nº10, e 204º da Constituição.
5- Em síntese: a alínea a) do nº1 do art.75º do RJCE não está habilitada – em lei de autorização legislativa com previsão específica (cf. o nº2 do cit. Art.165º da Constituição) – para ultrapassar a alínea a) do nº1 do art.73º do RGCO.
6- Ora, não desconhecendo embora o caráter genérico e global ou abrangente de previsões do RGCO tais como a do seu art.51º - que, essa sim, teria obstado à admissibilidade do recurso ao menos na hipótese da alínea a) do nº1 do art.73º do RGCO,
7- terá de ser a partir do seu próprio contexto – marcado, no que toca à responsabilidade de uma pessoa coletiva, pela relação entre RGCO e Código Penal ex vi do art.32º do primeiro – que se poderá ajuizar a necessidade de não confundir a forma de culpa “negligência” com uma mera presunção de culpa.
8- A negligência tem de ser provada com base nos critérios legais que, no caso, e por isso que se trata de uma pessoa coletiva, impõem a relação entre definições gerais e normas próprias (arts.15º e 11º do Código Penal, aplicáveis por força da remissão contida no cit. Art.32º do RGCO).
9- E o que vem facticamente assente da 1ª instância é incompatível com essa prova: quem representava a pessoa coletiva não tinha a informação necessária e, logo que a teve, corrigiu a questão administrativa em falta e tudo isso sem qualquer prejuízo nem qualquer queixa.
10- Ao que tudo acresceria, se necessário fosse, a inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade de investigações aleatórias sem complemento probatório.
Termos em que e termos por que se espera e pede de V.Exas., Venerandos/as Desembargadores/as, que decreteis o arquivamento dos autos quer por inconstitucionalidade orgânica e formal do RJCE, quer por impossibilidade de fundar uma imputação subjetiva “contraordenacional” numa mera presunção de culpa. Porque o que se Vos pede é JUSTIÇA!
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Em 24.02.2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Referência 9429328: Na sequência do recurso apresentado, foi a recorrente notificada para efetuar o pagamento de uma multa, pela prática de tal ato no 2.º dia útil seguinte ao termo do prazo, nos termos do art.º 107.º A do CPP. – referências 92400672 e 92400684. Por requerimento de 13.02.2022 veio a recorrente reclamar, no que respeita ao pagamento da multa processual, alegando que, por ser uma norma especial, tem aplicação o disposto no art.º 73.º, n.º 1 do RGCO, que determina que o inicio do prazo de interposição de recurso se conta da notificação ao arguido, não do depósito de sentença, previsto na norma geral do art.º 411.º, n.º 1 alínea b) do CPP. Nestes termos requer a anulação da multa de que foi notificada. Apreciando: A propósito do regime de recurso, o art.º 74.º do RGCO prevê que: “ 1 - O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.” Contrariamente ao sufragado pela recorrente, entendemos que, o inicio do prazo para a apresentação do recurso, no caso concreto, ocorre com o depósito da sentença na secretaria, após a sua leitura, exatamente em conformidade com a 1.ª parte do n.º 1 do art.º 74.º do RGCO. As contraordenações têm um regime especifico e diversamente do que sucede em processo penal não se exige que o arguido esteja acompanhado de advogado e se o juiz não considerar necessária a sua presença em julgamento pode este não comparecer nem se fazer representar na mesma por advogado – cf. artigo 67º do RGCO. Posto isto, o art.º 74.º, n.º 1, quando faz depender o inicio do prazo de recurso, também “da (…) notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste”, visa acautelar os casos em que o arguido não está presente nem representado por advogado no ato em que a mesma é proferida e, como tal, em que é possível que o prazo decorra, no seu desconhecimento da existência da decisão e do decurso do prazo, como ocorrerá na hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido ou eventualmente até do seu Advogado. Sobre esta questão e neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência. A titulo de exemplo, no Acórdão da Relação do Porto, processo n.º 56/22.5Y9PRT.P1, datado de 28.09.2022, disponível www.dgsi.pt, no qual diga-se, é feita menção a diversos Acórdãos que seguem também este entendimento, escreve-se que: “ Sendo, pois, de 10 dias o prazo do recurso, há então que determinar a partir de quando ele começa a correr. Na busca da solução para esta questão, sempre se deverá ter em atenção que, mesmo nos casos não regulamentados, o regime processual que resulta do C.P.P. não pode ser importado, sem mais, para o processo de contraordenação, desde logo porque não há identidade entre os princípios que regem os processos desta natureza e os processos de natureza criminal, encontrando-se a razão de ser das diferenças na menor ressonância ética do ilícito de mera ordenação social, com reflexos nos respetivos regimes processuais. No que respeita ao “dies a quo” para a interposição do recurso em processo de contraordenação, vem a jurisprudência, que reputamos maioritária, defendendo o entendimento de que a notificação a que se refere a última parte do nº 1 do art. 74º apenas se aplica nas hipóteses em que a decisão seja proferida por despacho ou em que a audiência seja realizada sem notificação regular do arguido e já não nos casos em que tenha defensor/mandatário e este haja sido notificado da data da leitura da sentença, contando-se nestes o prazo de interposição do recurso a partir do depósito da sentença mesmo que nenhum deles àquela haja comparecido. (sublinhado nosso) Entendimento que teve juízo de conformidade constitucional no Ac. TC nº 77/2005 de 15/2/05”.” Pela sua relevância transcrevemos também o que a propósito consta exatamente neste Acórdão do Tribunal Constitucional, correspondente ao Processo n.º 149/04, 2.ª Secção, Relator: Paulo Mota Pinto: “tendo o arguido em processo contraordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, refletir sobre ela, ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. O que não merece tutela, nem é tocado pela garantia de defesa do arguido em processo de contraordenação, é o absentismo simultâneo do arguido — que viu a sua presença logo no julgamento dispensada - e do seu mandatário constituído que foi notificado da data para leitura da decisão, ou, muito menos, a falta de interesse ou diligência deste último, no sentido de notificado do dia da leitura da decisão ainda que a esta não possa assistir, concretizar a possibilidade de tomar conhecimento da decisão e a comunicar ao arguido. Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do acto judicial de leitura da decisão, e, em processo de contraordenação, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse ato faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído.”
Ainda e a este propósito, o Professor Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Regime Geral das Contraordenações, UCE, Lisboa 2011, pág. 307, diz expressamente que “Sendo notificado o mandatário do dia designado para leitura de sentença, o prazo para recorrer conta-se a partir da data da leitura em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário (Acórdão do TC nº 77/2005).”
Regressando ao caso concreto, importa considerar que, a recorrente se encontra, desde o inicio, representada por Mandatário. O recurso foi recebido por despacho de 14.10.2022, e neste foi agendada data para a realização da audiência de julgamento, tendo sido dispensada a presença do representante legal da recorrente.
Foi realizada a inquirição das testemunhas, e proferida decisão em 18.01.2023, que foi também depositada neste dia, mantendo-se a recorrente representada por Mandatário, que esteve presente, também, no ato da leitura.
Consequentemente, dispensada a recorrente, que se encontrava representada por Advogado, o prazo de recurso, inicia-se em conformidade com a 1.ª parte do n.º 1 do art.º 74.º do RGCO em conjugação com o disposto no art.º 411.º, n.º 1 alínea b) do CPP, aplicado ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO, com a leitura da sentença e em concreto com o respetivo depósito da mesma.
É certo que, no dia 20.01.2023 foi remetida à recorrente a sentença proferida, tendo o respetivo AR sido assinado a 26.01.2023. Porém, esta notificação não tem a virtualidade de só a partir da sua efetivação permitir o inicio do prazo de recurso. O referido prazo iniciou-se a partir daquela data de leitura e depósito, devendo entender-se que a falta do representante da recorrente, já que o seu Advogado esteve presente, foi totalmente irrelevante para o inicio daquele prazo de l0 dias, pois tudo se passou, afinal como se estivesse estado presente fisicamente, já que a sua presença processual esteve sempre assegurada. Também na senda do Acórdão da Relação de Lisboa, processo n.º 768/11.9TBSSB.L1-5, datado de 06.11.2012, disponível www.dgsi.pt, acrescentamos que: “ Outro entendimento seria intolerável, atendendo à natureza do processo contraordenacional, dotado de prazos mais curtos (até os de prescrição) e permitiria que se alargasse inadmissivelmente o prazo de recurso em caso de falta à audiência e/ou à leitura da sentença pelos arguidos, por extensão das regras processuais penais (sabendo-se que as notificações, nesta ordem, poderiam ter de ser pessoais ou, no mínimo, para a morada do TIR, medida que em processo de contraordenação nem sequer existe).” Com efeito, afastada a aplicação da 2.ª parte do n.º 1 do art.º 74.º do RGCO, tendo a sentença sido proferida e depositada em 18.01.2023, o prazo legal de 10 dias para interpor o recurso começou a correr no dia seguinte (cf. artigo 279°, alínea b), do Código Civil), de forma contínua (artigos 104.º do C.P.P, e 144.º do C.P.C. aplicados ex vi do art.º 41.º, n.º1 do RGCO), pelo que teremos de concluir que o seu termo ocorreu no dia 30.01.2023 (dia 28 foi sábado). Certo é que, até ao terceiro dia útil seguinte ao dia 30.01.2023 (portanto, até ao dia 02.02.2023) poderia ainda a recorrente apresentar o recurso, observado que fosse também o pagamento (imediato) da multa prevista no art.º 107 A do C. P. Penal e 139.º, n.ºs 5 a 7 ( anterior 145.º) do CPC ex vi artº 41º, nº 1, do RGCO. A recorrente apresentou o recurso no dia 01.02.2023, isto é no 2.º dia útil seguinte ao termo do prazo, sem porém efetuar o pagamento da multa, do qual dependia e depende a sua validade - cf. art.º 107.º A, alínea b) do CPP, no valor de 1 UC ( €102,00).
Consequentemente, prevê o art.º 139.º, n.º 6 do CPC, aplicado ex vi do art.º 107.º A do CPP e art.º 41.º, n.º 1 do RGCO, que praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, quando o ato tenha sido praticado por mandatário. A esta multa corresponde a guia que foi remetida à recorrente, e que foi objeto de reclamação. Sucede que, atentas as referidas disposições legais, bem andou a secção ao emitir a guia referente à prática do ato fora do prazo, não existindo assim qualquer violação do direito de defesa da recorrente, aliás muito pelo contrário. Estando a validade do ato dependente do pagamento da referida multa e agora, da respetiva penalização, a sua falta levará a considerar o recurso legalmente inadmissível, por intempestivo. Face ao exposto, julgamos improcedente a reclamação apresentada, mantendo-se a multa processual e respetiva penalização.
Notifique.”
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Inconformada com o assim decidido, recorreu AA, Lda, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
1ª A decisão recorrida recusa-se a anular uma multa decretada com base numa interpretação errada do art.74º, nº1. Do RGCO.
2ª Esta norma legal apresenta uma alternativa relativamente ao início da contagem do prazo especial aí previsto – e especial por confronto com as previsões do art.411º do Código de Processo Penal (CPP) quer quanto à duração do prazo, quer quanto ao elenco das hipóteses do respetivo termo a quo; o que, por isso mesmo, dispensa a sucessão (erradamente feita na 1ª instância) CPP – CPC que resultaria da aplicação (aqui desnecessária), por inexistência de lacuna) do art.41º, nº1, do RGCO, e do art.4º do CPP.
3ª Essa alternativa é a seguinte: ou se começa a contar os 10 dias “a partir da sentença ou do despacho” (1ª parte do cit.art.74º, nº1) “ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste” (2ª parte do cit. Art.74º, nº1).
4ª Tertium non datur; mas, erradamente, a decisão recorrida mistura as duas partes da norma e invoca o que entende ser um argumento de autoridade para aplicar ao 2º termo da alternativa um juízo não adequado à matéria dos presentes autos.
5ª O pretenso argumento de autoridade não vale.
6ª E não vale por dizer respeito a uma situação que não é a verificada nos presentes autos: nestes, houve lugar à notificação da sentença à Arguida e esta não esteve presente quando ela foi proferida, tudo em preenchimento cabal da 2ª parte do nº1 do art.74º do RGCO.
7ª Interpretar e aplicar esta norma no modo como o fez a 1ª inStância equivale a aplicação manifestamente inconstitucional, ex vi dos arts.18º, 32º, nº10, e 204º da Constituição.
8ª Pelo que se impõe anular a multa que, in casu, apenas por mera cautela de patrocínio foi paga, ordenando-se outrossim a devolução desse montante à Arguida.
Termos em que e termos por que se pede e espera de V.Exas., Venerandos/as Desembargadores/as, que decreteis esta anulação. Porque o que se Vos pede é JUSTIÇA!
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Em 10-07-2023, os recursos foram admitidos por despacho com o seguinte teor:
“Em cumprimento da decisão proferida pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Évora, admitimos os recursos apresentados, nos seguintes termos:
A) Recurso do despacho proferido em 24.02.2023 que julgou improcedente a reclamação apresentada pela recorrente, no que respeita ao pagamento da multa por interposição do recurso após o termo do prazo:
Por ser legal e ter sido interposto em tempo – artº 27.º, n.º 6 do RCP - por quem tem legitimidade e interesse em agir, admito o recurso do referido despacho interposto pela recorrente – a que corresponde a referência 9503419 - para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, recurso este que suspende os efeitos da decisão recorrida – artº 408º nº 2 al. a) do C.P.Penal - sobe de imediato – artº 407º nº 2 al. d) do CPPenal aplicados ex vi do 74.º n.º 4 do RGCO e 79.º do RJCOE - e nos próprios autos.
Cumpra-se o disposto nos artigos 411.º n.º 6 e 413.º ambos do CPPenal, por força do artigo 74.º n.º 4 do RGCO e 79.º do RJCOE.
B) Recurso da decisão final:
Por ser legal – artº 73.º do RGCO e 75.º do RJCOE - ter sido interposto em tempo – artº 74.º, n.º 2 do RGCO e 75.º, n.º 2 do RJCOE - por quem tem legitimidade e interesse em agir, admito o recurso da sentença interposto pela recorrente – a que corresponde a referência 9398607 - para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, recurso este que tem efeito suspensivo – artº 408º nº 1 al. a) do CPPenal - sobe de imediato – artº 407º nº 1 al. a) do CPPenal e 74.º n.º 4 do RGCO e 79.º do RJCOE - e nos próprios autos.
Cumpra-se o disposto nos artigos 411.º n.º 6 e 413.º ambos do CPPenal, por força do artigo 74.º n.º 4 do RGCO e 79.º do RJCOE.”
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O Ministério Público respondeu aos recursos interpostos, pugnando pela respetiva improcedência e formulando as seguintes conclusões:
- da resposta ao recurso interposto do despacho de 24-02-2023:
1- A sociedade recorrente em 15.07.2022 apresentou impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela ASAE, constituindo Mandatário (ref.ª 91295638 Citius).
2- Essa impugnação judicial foi recebida e por despacho de 14.10.2022, foi agendada data para a realização da audiência de julgamento, relevando-se que não era obrigatória a presença na audiência de julgamento do representante legal da recorrente (art.º 67 nº 1 do RGCO).
3- Foi realizada a inquirição das testemunhas, e proferida decisão em 18.01.2023, que foi também depositada neste dia, mantendo-se a recorrente representada por Mandatário, que esteve presente, também, no ato da leitura.
4- Não obstante a sociedade recorrente encontrar-se representada por Mandatário que esteve presente na leitura da sentença, em 20.01.2023 (ref.ª 92263314) foi notificada, via postal registada (registo RE402292205PT) entregue em 26.01.2023 (conforme resulta do AR – ref.ª 9399633).
5- Em 01.02.2023 (ref.ª 9394059 Citius) a recorrente apresentou recurso do despacho (e sentença) proferida considerando que entende que o recurso foi interposto dentro do prazo de 10 dias contados deste a data da notificação da sentença à arguida/recorrente, considerando que não esteve presente na sua leitura.
6- Em 02.02.2023 (ref.ª 92400684 Citius) a Secção notificou a recorrente na pessoa do seu Ilustre Mandatário que “relativamente ao processo supra identificado, (deveria) proceder ao pagamento da multa de sua responsabilidade, nos termos do disposto no artº 107º - A do C.P. Penal e do nº 6, do art.º 139.º , do C.P. Civil”, juntando a guia n.º 703280091473721 refente ao valor de 127,50 € correspondente ao 2º dia útil de multa com prazo de pagamento até 16.02.2023.
7- O art.º 74º n.º 1 do RGCO prescreve que “1- O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.
8- O art.74, nº 1, do RGCO, não se refere à presença física, mas antes à presença processual, considerando-se o arguido notificado da sentença, depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído, contando-se o prazo de recurso a partir dessa data, mesmo que o arguido não tenha comparecido a esse acto.
9- Em processo de contraordenação, diversamente do que ocorre em processo penal, o arguido pode litigar por si, desacompanhado de advogado ou defensor, e se o juiz não considerar como necessária a sua presença na audiência de julgamento, pode não comparecer, nem se fazer representar na mesma por advogado” e daí, esta distinção de inicio de contagem de prazo para interposição de recurso.
10- Em processo de contraordenação, nada sendo ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência de julgamento, este pode, simplesmente não comparecer, comparecer em pessoa ou fazer-se representar por advogado. Neste último caso, tudo se passa como se ele estivesse presente, através do advogado ou defensor.
11- No caso concreto, considerando que não foi determinada a presença do representante legal da recorrente e considerando que encontrava-se representada por Mandatário que também esteve presente no ato de leitura de sentença, o prazo para o recurso tem de contar-se da sentença (e do seu depósito na secretaria), nos termos da primeira proposição do n.º 1, do artigo 74.º, do R.G.C.O., interpretado de forma conjugada com o artigo 411.º, n.º 1, do C.P. Penal.
12- Trata-se, aliás, do regime estabelecido pela lei processual penal para os casos de ausência do arguido à audiência de julgamento fora dos casos especiais do artigo 334.º do C.P.P., como decorre do disposto nos artigos 332.º, n.º 5, 372.º, n.º 4 e 373.º, n.º 3, do mesmo diploma, prescrevendo este último que o arguido que não estiver presente (e no caso em apreço, pelas razões apontadas, esteve presente através do seu advogado) considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.
13- A segunda proposição do n.º 1, do artigo 74.º, do R.G.C.O., «(...) ou da notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste», visa acautelar os casos em que o arguido não está presente nem representado por advogado no acto em que a mesma é proferida e, como tal, em que é possível que o prazo decorra, no seu desconhecimento da existência da decisão e do decurso do prazo, como ocorrerá na hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido.
14- Tendo o arguido em processo contraordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, reflectir sobre ela, ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma.
15- Tendo sido proferida e depositada em 18.01.2023 o prazo legal de 10 dias para interposição de recurso começou a correr no dia seguinte (art.º 279 al. b) do Código Civil) de forma contínua (artigos 104.º do C.P.P, e 144.º do C.P.C.), pelo que, teremos de concluir que o seu termo ocorreu no dia 30.01.2023 (dia 28 foi sábado).
16- Até ao terceiro dia útil seguinte ao dia 30.01.2023 (portanto, até ao dia 02.02.2023) poderia ainda apresentar o recurso, observado que fosse também o pagamento da multa prevista no artigo 145º, n.º 5, do C. Processo Civil, aplicável por força das disposições conjugadas dos artigos 41.º, n.º 1, do R.G.C.O. e 104.º, n.º 1 do C. P. Penal.
17- Consequentemente, prevê o art.º 139.º, n.º 6 do CPC, aplicado ex vi do art.º 107.º A do CPP e art.º 41.º, n.º 1 do RGCO, que praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, quando o ato tenha sido praticado por mandatário.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a multa processual e respetiva penalização Mas V. Ex.ªs decidirão, fazendo, como sempre, JUSTIÇA.
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- da resposta ao recurso interposto da sentença:
1- A sociedade recorrente/arguida “AA, Comércio e Turismo Lda” em 18.01.2023 foi condenada pela prática da contraordenação prevista nas alíneas a), e), f) e l) do n.º 1 do artigo 4.º e art.º 10.º, n.º 1 do DL n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 47/2014 de 28 de Julho, DL n.º 78/2018 de 15 de Outubro e DL n.º 9/2021 de 29 de Janeiro, punível nos termos do n.º 2 e 4 do artigo 31.º do mesmo diploma em conjugação com a subalínea II da alínea b) do artigo 18.º e 19.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJCE, negando ainda provimento ao recurso da recorrente, quanto à pretensão de ver substituído o montante da coima por admoestação, atenuando especialmente a coima, e consequentemente, condenando a recorrente pela prática da contraordenação referida, numa coima que se fixa em €425,00 (quatrocentos e vinte e cinco euros) – cf. art.º 23.º, n.º 4 do RJCE.
2- Entende que o RJCE não está autorizado a ultrapassar os limites do RGCO e é por isso, orgânica e formalmente uma lei ferida de inconstitucionalidade à luz da 2ª parte da alínea d) do nº 1 do art.º 165º da Constituição da República Portuguesa
3- Concretizando que a alínea a) do nº 1 do art.º 75º do RJCE não está habilitada em lei de autorização legislativa com previsão especifica (cfr. o nº 2 do art.º 165º da Constituição da República Portuguesa) – para ultrapassar a alínea a) do nº 1 do art.º 73º do RGCO
4- Acrescenta que não ficou provado com base em critérios legais, a atuação negligente da sociedade arguida/recorrente na medida em que não tinha a informação necessária e logo que a teve, corrigiu a questão administrativa em falta e tudo isso sem qualquer prejuízo nem qualquer queixa.
5- O art.º 17 do RGCO estabelece a moldura geral e abstrata relativamente às coimas, sem prejuízo de serem fixados diferentes montantes em outros diplomas especiais, como é o caso aqui em análise.
6- O mínimo e máximos previstos nessa disposição legal só podem ser alterados por lei da Assembleia da República, ou por ato legislativo por ela autorizado, dado o disposto no art.º 165º nº 1 d) da Constituição da República Portuguesa.
7- O Governo apenas pode, por Decreto-Lei, estabelecer um mínimo ou máximo superior, se o fizer mediante autorização da Assembleia da República.
8- No domínio do ilícito de mera ordenação social, cabe à Assembleia da República ou ao Governo, mediante autorização legislativa concedida por aquela, estabelecer apenas o regime geral de punição dos atos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo
9- É da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo (e admitindo hipoteticamente a subsistência constitucional da figura da contravenção), legislar sobre o regime geral de punição das contraordenações e contravenções e dos respetivos processos e definir contravenções puníveis com pena de prisão e modificar o quantum desta;
10- O RJCOE foi publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 9/2021 de 29 de janeiro, o qual entrou em vigor em 28 de julho de 2021.
11- Este diploma foi aprovado em Conselho de Ministros realizado em 22.12.2020 no uso da autorização legislativa concedida pelo n.º 1 do artigo 325.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei de Orçamento de Estado), na sua redação atual, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, promulgada em 18.01.2021.
12- A Lei nº 2/2020 de 31 de março (Lei de Orçamento de Estado) assume um valor reforçado, prevalecendo sobre as normas legais, gerias e especiais que disponham em sentido contrário, tendo sido aprovada pela Assembleia da República.
13- Ficou provado e demonstrado que a sociedade arguida não procedeu com o cuidado de que era capaz e a que estava obrigada por lei, atuando a titulo negligente, pois deveria ter disponibilizado no site de vendas a retalho on line de livros, antiguidades, velharias, curiosidades e artigos de colecionismo que explorava, no endereço www.lojadocaopreto.com, a identidade do fornecedor de bens, o preço total dos bens e informação sobre o direito de livre resolução, seu prazo e procedimento.
14- Não o fez, apesar de ser capaz (e de não ter qualquer impedimento) para tal, violando assim a lei, que tinha a obrigação de procurar conhecer, dado ser comerciante.
15- Esta conduta da sociedade recorrente/ arguida integra o conceito de negligencia que é vista como a falta de cuidado devido e de que era capaz, que tem como consequência a realização do facto proibido por lei o que se enquadra no disposto no art.º 15.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal.
16- A verificação objetiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contraordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência que o agente agiu, por acção ou por omissão, pelo menos, negligentemente.
17- Do comportamento da recorrente/arguida, retira-se a sua imputação. Pelo que, não se trata de uma mera presunção de culpa. Trata-se antes sim de uma apreciação do comportamento da recorrente, inferindo deste a intenção que lhe esteve subjacente. E foi o que fez a entidade administrativa.
Analisou o comportamento da sociedade recorrente, e deste comportamento concluiu que agiu (pelo menos) a titulo negligente.
18- Ainda, e atento o disposto no art.º 7.º, n.º 1 do RGCO, acrescentamos que, no regime contraordenacional é admissível a imputação de um facto à pessoa coletiva sem que seja necessária a ocorrência de uma transferência da culpa e da ação dos agentes individuais para a pessoa jurídica pois esta, ao nível das contraordenações, possui culpa própria
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a sentença.
Mas V. Ex.ªs decidirão, fazendo, como sempre, JUSTIÇA.
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No Tribunal da Relação o Exmª Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
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Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, respondeu a recorrente reiterando, em síntese, o já alegado na motivação do recurso interposto da sentença.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre decidir
Fundamentação
Delimitação do objeto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).
No caso sub judice as questões suscitadas pela recorrente são:
- no recurso interposto da decisão de 24 de fevereiro de 2023:
a) tempestividade do recurso interposto da sentença e consequente anulação da multa que, “ (...) in casu, apenas por mera cautela de patrocínio foi paga, ordenando-se outrossim a devolução desse montante à Arguida.”
- no recurso interposto da sentença:
a) inconstitucionalidade orgânica e formal do RJCE;
b) impossibilidade de fundar uma imputação subjetiva “contraordenacional” numa mera presunção de culpa.
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Apreciando
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- Do recurso interposto da decisão de 24 de fevereiro de 2023
Dispõe o art. 74º n.º 1 do RGCO que o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste, sendo que este art.74, nº 1, do RGCO, não se refere à presença física, mas antes à presença processual, considerando-se o arguido notificado da sentença, depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído, contando-se o prazo de recurso a partir dessa data, mesmo que o arguido não tenha comparecido a esse ato.
Ora, no caso sub judice, tendo a recorrente apresentado impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela ASAE, constituindo Mandatário, em 27 de setembro de 2022 o Ministério Público, nos termos do disposto no art. 62º, nº1, do D.L.nº433/82, de 27/10, apresentou os autos de Processo de Contra-Ordenação, e em 14 de outubro de 2022 procedeu-se ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa, tendo sido designada a data de 22 de novembro de 2022 para realização da audiência de discussão e julgamento, relevando-se que não era obrigatória a presença na audiência de julgamento do representante legal da recorrente (art.º 67 nº 1 do RGCO)..
Em 22 de novembro de 2022 foi dada sem efeito tal data designada para julgamento e, em substituição, designada a data de 12 de dezembro de 2022, posteriormente transferida, por despacho de 1 de dezembro de 2022, para o dia 9 de janeiro de 2023.
Em 9 de janeiro de 2023 procedeu-se à audiência de julgamento, sem a presença de representante legal da ora recorrente, tendo-se procedido à inquirição de testemunhas.
Em 18 de janeiro de 2023 foi proferida sentença, depositada nesse dia, mantendo-se a recorrente representada por Mandatário, que esteve presente, também, no ato da leitura.
Não obstante a sociedade recorrente encontrar-se representada por Mandatário que esteve presente na leitura da sentença, em 20.01.2023 (ref.ª 92263314) foi notificada, via postal registada (registo RE402292205PT) entregue em 26.01.2023 (conforme resulta do AR – ref.ª 9399633), e, em 01.02.2023 (ref.ª 9394059 Citius) a recorrente apresentou recurso da sentença proferida considerando que entende que o recurso foi interposto dentro do prazo de 10 dias contados deste a data da notificação da sentença à arguida/recorrente, considerando que não esteve presente na sua leitura.
Em 02.02.2023 (ref.ª 92400684 Citius) a Secção notificou a recorrente na pessoa do seu Ilustre Mandatário que “relativamente ao processo supra identificado, (deveria) proceder ao pagamento da multa de sua responsabilidade, nos termos do disposto no artº 107º - A do C.P. Penal e do nº 6, do art.º 139.º , do C.P. Civil”, juntando a guia n.º 703280091473721 referente ao valor de 127,50 € correspondente ao 2º dia útil de multa com prazo de pagamento até 16.02.2023.
Ora, como bem referido pelo Ministério Público na resposta ao recurso “9- Em processo de contraordenação, diversamente do que ocorre em processo penal, o arguido pode litigar por si, desacompanhado de advogado ou defensor, e se o juiz não considerar como necessária a sua presença na audiência de julgamento, pode não comparecer, nem se fazer representar na mesma por advogado” e daí, esta distinção de inicio de contagem de prazo para interposição de recurso.
10- Em processo de contraordenação, nada sendo ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência de julgamento, este pode, simplesmente não comparecer, comparecer em pessoa ou fazer-se representar por advogado. Neste último caso, tudo se passa como se ele estivesse presente, através do advogado ou defensor.
11- No caso concreto, considerando que não foi determinada a presença do representante legal da recorrente e considerando que encontrava-se representada por Mandatário que também esteve presente no ato de leitura de sentença, o prazo para o recurso tem de contar-se da sentença (e do seu depósito na secretaria), nos termos da primeira proposição do n.º 1, do artigo 74.º, do R.G.C.O., interpretado de forma conjugada com o artigo 411.º, n.º 1, do C.P. Penal.
12- Trata-se, aliás, do regime estabelecido pela lei processual penal para os casos de ausência do arguido à audiência de julgamento fora dos casos especiais do artigo 334.º do C.P.P., como decorre do disposto nos artigos 332.º, n.º 5, 372.º, n.º 4 e 373.º, n.º 3, do mesmo diploma, prescrevendo este último que o arguido que não estiver presente (e no caso em apreço, pelas razões apontadas, esteve presente através do seu advogado) considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.
13- A segunda proposição do n.º 1, do artigo 74.º, do R.G.C.O., «(...) ou da notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste», visa acautelar os casos em que o arguido não está presente nem representado por advogado no acto em que a mesma é proferida e, como tal, em que é possível que o prazo decorra, no seu desconhecimento da existência da decisão e do decurso do prazo, como ocorrerá na hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido.
14- Tendo o arguido em processo contraordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, reflectir sobre ela, ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma.
15- Tendo sido proferida e depositada em 18.01.2023 o prazo legal de 10 dias para interposição de recurso começou a correr no dia seguinte (art.º 279 al. b) do Código Civil) de forma contínua (artigos 104.º do C.P.P, e 144.º do C.P.C.), pelo que, teremos de concluir que o seu termo ocorreu no dia 30.01.2023 (dia 28 foi sábado).
16- Até ao terceiro dia útil seguinte ao dia 30.01.2023 (portanto, até ao dia 02.02.2023) poderia ainda apresentar o recurso, observado que fosse também o pagamento da multa prevista no artigo 145º, n.º 5, do C. Processo Civil, aplicável por força das disposições conjugadas dos artigos 41.º, n.º 1, do R.G.C.O. e 104.º, n.º 1 do C. P. Penal.
17- Consequentemente, prevê o art.º 139.º, n.º 6 do CPC, aplicado ex vi do art.º 107.º A do CPP e art.º 41.º, n.º 1 do RGCO, que praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, quando o ato tenha sido praticado por mandatário.”
Este é também o nosso entendimento, estribado ainda nos Acórdãos também citados pelo Ministério Público na resposta ao recurso: Acórdão do TRL de 21.09.2011 (processo n.º 2486/10.6TBOER.L1-5 in www.dgsi.pt) “O art.74, nº1, do RGCO, não se refere à presença física, mas antes à presença processual, considerando-se o arguido notificado da sentença, depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído, contando-se o prazo de recurso a partir dessa data, mesmo que o arguido não tenha comparecido a esse acto” salientando que “Em processo de contraordenação, diversamente do que ocorre em processo penal, o arguido pode litigar por si, desacompanhado de advogado ou defensor, e se o juiz não considerar como necessária a sua presença na audiência de julgamento, pode não comparecer, nem se fazer representar na mesma por advogado” e daí, esta distinção de inicio de contagem de prazo para interposição de recurso”; Acórdão do TRG de 6 de Outubro de 2004 (Processo: 1874/03-2, www.dgsi.pt), onde se conclui que em processo de contraordenação, nada sendo ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência de julgamento, este pode, simplesmente não comparecer, comparecer em pessoa ou fazer-se representar por advogado.
Neste último caso, tudo se passa como se ele estivesse presente, através do advogado ou defensor.
No caso concreto, considerando que não foi determinada a presença do representante legal da recorrente e considerando que encontrava-se representada por Mandatário que também esteve presente no ato de leitura de sentença, concordando com o despacho proferido e corroborado os argumentos aduzidos no já citado Ac. do TRL de 21.09.2011 “o prazo para o recurso tem de contar-se da sentença (ou melhor, do seu depósito na secretaria), nos termos da primeira proposição do n.º 1, do artigo 74.º, do R.G.C.O., interpretado de forma conjugada com o artigo 411.º, n.º1, do C.P. Penal)”; Acórdão do TRC, de 10 de Março de 2004 (Processo: 3147/03, www.dgsi.pt), “a presença a que se faz referência naquele normativo interpreta-se no sentido não de presença física, mas de presença processual, ou seja, regularmente convocado para a audiência e não estando presente fisicamente, tal não impede que se considere que esteve presente (processualmente) e, como tal, o prazo para interposição de recurso conta-se a partir da data do depósito da sentença na secretaria”.
Termos em que se conclui pela improcedência do recurso interposto da decisão proferida em 24 de fevereiro de 2023.
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- Do recurso interposto da sentença
Nas questões a apreciar pelo tribunal, incluem-se as de conhecimento oficioso e a prescrição do procedimento é questão de conhecimento oficioso.
Vejamos
Por decisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica de 29 de abril de 2022 foi aplicada à ora recorrente AA, Lda., a coima no montante de €850,00, acrescida de custas no valor de €153,00, pela prática com negligência da infração referente à falta de informação pré-contratual em contratos celebrados à distância, prevista nas alíneas a), e), f) e l) do n.º 1 do artigo 4.º e art.º 10.º, n.º 1 do DL n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 47/2014 de 28 de Julho, DL n.º 78/2018 de 15 de Outubro e DL n.º 9/2021 de 29 de Janeiro, punível nos termos do n.º 2 e 4 do artigo 31.º do mesmo diploma em conjugação com a subalínea II da alínea b) do artigo 18.º e 19.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJCE.
Aí se concluiu, tal como na sentença recorrida, que, relativamente ao limite mínimo e máximo das coimas o regime mais favorável à recorrente é o introduzido no DL n.º24/2014, de 14 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de Janeiro.
Sendo negligente, os limites mínimos e máximos das coimas são reduzidos a metade – cf. art.º 8.º, n.º 2 do RJCE, o que significa que, o limite mínimo passa para €850,00 e o máximo para €1.500,00.
Nos termos do disposto no art.27º do RGCO o procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49 879,79;
b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2 493,99 e inferior a (euro) 49 879,79;
c) Um ano, nos restantes casos.
Ora, em matéria de causas de suspensão e de interrupção da prescrição (quer do procedimento, quer das sanções), o regime é o previsto nos artºs 27º-A e 28º nº 3 do DL nº 433/82, de 27 de outubro (RGCOC).
Vejamos então se o procedimento contraordenacional se mostra ou não prescrito.
A ocorrência teve lugar em 23 de Setembro de 2019 (factos provados sob os nºs 1 a 9 da sentença).
A ora recorrente foi notificada em 23 de junho de 2020 nos termos e para efeitos do disposto no art.50º do D.L 433/82, de 27/10.
Face a tal notificação a ora recorrente respondeu em 3 de agosto de 2020.
Resulta da prova documental que por decisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica de 29 de abril de 2022 foi aplicada à ora recorrente AA, Lda., a coima no montante de €850,00, acrescida de custas no valor de €153,00, pela prática com negligência da infração referente à falta de informação pré-contratual em contratos celebrados à distância, prevista nas alíneas a), e), f) e l) do n.º 1 do artigo 4.º e art.º 10.º, n.º 1 do DL n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 47/2014 de 28 de Julho, DL n.º 78/2018 de 15 de Outubro e DL n.º 9/2021 de 29 de Janeiro, punível nos termos do n.º 2 e 4 do artigo 31.º do mesmo diploma em conjugação com a subalínea II da alínea b) do artigo 18.º e 19.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJCE.
A arguida foi notificada de tal decisão por carta registada com AR datada de 6 de junho de 2022 e recebida em 17 de junho de 2022.
A ora recorrente impugnou judicialmente a decisão em 15 de julho de 2022.
Em 19 de julho de 2022 foi determinado o envio dos autos ao Ministério Público.
Em 27 de setembro de 2022, o Ministério Público, nos termos do disposto no art. 62º, nº1, do D.L.nº433/82, de 27/10, apresentou os autos de Processo de Contraordenação.
Em 14 de outubro de 2022 procedeu-se ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa e à designação da data para audiência de discussão e julgamento.
Em 18 de janeiro de 2023 foi proferida sentença em que se decidiu julgar:
“1. Improcedentes as nulidades da decisão administrativa invocadas pela recorrente;
2. Condenar a recorrente AA, Lda., pela prática da contraordenação prevista nas alíneas a), e), f) e l) do n.º 1 do artigo 4.º e art.º 10.º, n.º 1 do DL n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 47/2014 de 28 de Julho, DL n.º 78/2018 de 15 de Outubro e DL n.º 9/2021 de 29 de Janeiro, punível nos termos do n.º 2 e 4 do artigo 31.º do mesmo diploma em conjugação com a subalínea II da alínea b) do artigo 18.º e 19.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJCE;
3. Negar provimento ao recurso da recorrente, quanto à pretensão de ver substituído o montante da coima por admoestação;
4. Atenuar, no entanto especialmente a coima, e consequentemente, condenar a recorrente pela prática da contraordenação referida em 2, numa coima que se fixa em €425,00 ( quatrocentos e vinte e cinco euros) – cf. art.º 23.º, n.º 4 do RJCE.”
Como “o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado” (art. 119º- nº1 do Código Penal e aplicável ex vi art. 32º do RGCOC) e a contraordenação se terá consumado em 23 de setembro de 2019, a prescrição ocorreria em 23 de setembro de 2020 caso não se verificasse alguma das causas de interrupção e/ou de suspensão do decurso do prazo daquela, atento o disposto na al.c) do art.27º do RGCO e o limite máximo da coima aplicável.
Ora, nos termos do artº 28º nº1 do RGCOC, na redação da Lei 109/2001 de 24/12) “A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
.a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação;
.b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa.
.c) Com a notificação ao arguido para o exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
.d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.”
Sendo que nos termos do artº 28º nº3 do RGCOC a prescrição do procedimento tem sempre lugar, quando desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
Por sua vez no artº 27º-A do RGCO dispõe-se que:
“1. A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
.a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
.b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Publico até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artº 40º;
.c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
.2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”
Por fim, tratando-se de um processo de natureza contraordenacional pendente por factos anteriores à vigência da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março há ainda a considerar a legislação sobre medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
“Neste âmbito, há, desde logo, que considerar o disposto no nº 3 [A situação excepcional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimento], no nº 4 [O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional] e no nº 6º, b) [O disposto no presente artigo aplica-se ainda, com as necessárias adaptações, a: (…); b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, e respetivos atos e diligências que corram termos em serviços da administração directa, indirecta, regional, autárquica, e demais entidades administrativas independentes, incluindo o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Imobiliários], do art.7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, entrada em vigor no dia seguinte (art. 11º), mas produzindo efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março (art.10º), vindo a norma interpretativa do art. 5º da Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, a fixar em 9 de Março de 2020 a data do início de produção de efeitos das disposições do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março.
Depois, o art. 8º da Lei nº 16/2020, de 29 de Maio, entrada em vigor no quinto dia posterior ao da sua publicação (art. 10º), revogou, além do mais, o art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, e estabeleceu, no seu art. 6º, que os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas [pela Lei nº 16/2020] são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.
Por último, a Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, entrada em vigor a 2 de Fevereiro de 2021 (art. 5º), aditou à Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, além do mais, o art. 6º-B, produzindo efeitos a partir de 22 de Janeiro de 2021 (art. 4º), que dispõe, na parte em que agora releva:
1 – São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos, e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais,, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes;
(…).
3 – São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no nº 1.
4 – O disposto no número anterior prevaleça sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
(…).
Vindo a Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril, entrada em vigor a 6 de Abril de 2021 (art. 7º), no seu art. 6º a revogar, além do mais, o art. 6º-B da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, e a dispor, no seu art. 5º que, sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.
Assim, no âmbito da legislação sobre medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, há a considerar os períodos de suspensão dos prazos de prescrição, entre 9 de Março e 2 de Junho de 2020 e entre 22 de Janeiro e 6 de Abril de 2021.” (cfr. Ac. TRC. de 17-03-2022, acessível in www.dgsi.pt).
E considerando o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 500/2021, de 9 de Julho, onde se decidiu « (…) para além de absolutamente congruente com o mais amplo critério seguido na jurisprudência do TEDH e do TJUE, a norma extraída dos nºs 3 e 4 do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, não se encontra abrangida, nem pela letra, nem pela ratio da proibição da retroatividade in pejus a que a Constituição, no seu artigo 29º, nºs 1, 3 e 4, sujeita a aplicação das leis que definem as ações e omissões puníveis e fixam as penas correspondentes.» e « (…) Resta concluir, assim, que, ao proibir que qualquer cidadão seja «sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão» ou sofra pena que não esteja expressamente cominada «em lei anterior» ou mais grave do que a prevista «no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos», o artigo 29.º da Constituição, respetivamente nos seus n.ºs 1, 3 e 4, não se opõe à aplicação de uma causa de suspensão da prescrição com a função e o recorte daquela que foi prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2000, a procedimentos contraordenacionais pendentes por factos praticados antes do início da respetiva vigência.», é de concluir não se mostrar violado o disposto no art. 3º, nº 2, do RGCOC ao considerar-se conforme com o art. 29º, nºs 1, 3 e 4 da Constituição da República a aplicação da causa de suspensão da prescrição prevista nos arts. 7º, nº 3 e 6, b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e na Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, aos processos de natureza contraordenacional pendentes por factos anteriores à sua vigência, devendo tal causa de suspensão ser considerada no caso dos autos.
Assim, no âmbito da legislação sobre medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, há a considerar, como já supra dito os períodos de suspensão dos prazos de prescrição, entre 9 de março e 2 de junho de 2020 e entre 22 de janeiro e 6 de abril de 2021.
Tendo presentes estes parâmetros, considerando os atos de interrupção do procedimento contraordenacional e os períodos de suspensão dos prazos de prescrição supra referidos, e atentando nas datas em que ocorreram e supra referidas e bem assim na data da ocorrência dos factos, facilmente então se evidenciará que o procedimento contraordenacional prescreveu em 31 de agosto de 2021.
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Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente da decisão de 24 de fevereiro de 2023.
- declarar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional.
- Sem custas (art. 513º, nº 1, do Código de Processo Penal (a contrario)).
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Elaborado e revisto pela primeira signatária
Évora, 24 de outubro de 2023
Laura Goulart Maurício
Edgar Valente
Jorge Antunes