Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
516/05.2TBELV-A.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: PERSI
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - o PERSI foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro;
- o respetivo regime legal entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013;
- tendo a execução sido instaurada no ano de 2005, não há lugar à discussão da questão de saber se se verificava a condição de procedibilidade da ação executiva decorrente do artigo 18.º/1, alínea b), do PERSI.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Executada: (…) e (…)
Recorrido / Exequente / Cessionário: (…), STC, SA

Os autos consistem em ação executiva instaurada no ano de 2005 pelo Banco (…), SA contra as Executadas com vista à cobrança da quantia de € 51.525,34.
Foram penhorados bens e direitos, estando em curso a penhora de 1/6 do vencimento da Executada (…) e diligências para venda.

II – O Objeto do Recurso
A 21/09/2023, as Executadas endereçaram ao processo requerimento com o seguinte teor:
«(…) e Outros, executados nos autos em epígrafe, tomaram conhecimento, na pessoa do seu mandatário, da resposta dada pela empresa (…) – STC, S.A.
É a mesma subscrita por douta Senhora Advogada que não hesita em rotular o seu requerimento de 13/09/23 “como descabido e sem qualquer fundamento legal”.
Efetivamente tal não sucede e não pode deixar de lastimar expressões tão desadequadas.
Na verdade, no documento enviado pelo AE (…) ao seu mandatário junto com n.º 1, consta como exequente o (…) Banco, S.A. e Outros mas não se diz quem são os Outros em causa.
E no mesmo documento oferecido (n.º 1 com 7 fls.) decorre ter havido Cessão de Créditos, embora não conste a respetiva data.
O reparo feito justifica-se por não lhe competir de estar a par de qualquer falha na atualização dos dados na plataforma do Sr. Agente de Execução.
Por outro lado, será importante também saber se a obrigação que recai sobre os executados foi integrada na Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – PERSI (Dec.-lei n.º 227/12, de 25/10).
Entende assim merecer o devido esclarecimento sobre a situação em causa e devidamente considerada a sua justeza.
Deve acrescentar que desde 2016 a executada/devedora (…) tem visto ser penhorado 1/6 do seu vencimento pago pela empregadora (…) – Gabinete de Contabilidade em valores que se cifram entre € 100,00 a € 150,00 mensais os quais supõem serem carreados para a conta do AE.»
A alusão ao PERSI foi objeto de decisão conforme segue:
«Sendo obrigatório o procedimento de integração de cliente bancário no PERSI, uma vez verificados os respetivos pressupostos, e até à sua extinção (artigo 17.º), a instituição de crédito está impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento, de intentar ações judiciais para a satisfação do crédito, de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito ou de transmitir a terceiro a sua posição contratual (artigo 18.º, n.º 1). Assim, a instituição de crédito só pode instaurar ação judicial destinada à cobrança do crédito após a extinção do PERSI quando haja lugar a este.
A comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível que determina a extinção da instância executiva quanto ao crédito correspondente (artigo 576.º, n.º 2, do CPC).
Saber se foram cumpridas as formalidades do PERSI constitui matéria de embargos (sendo que no caso os executados não alegam que não foram cumpridas essas obrigações), os quais não foram tempestivamente deduzidos e como tal, não pode o Tribunal, neste momento, apreciar tal matéria. Efetivamente o incumprimento do PERSI constitui exceção dilatória inominada que não é do conhecimento oficioso, pelo que caberia aos executados, em devido tempo, terem suscitado o conhecimento de tal questão. Não o tendo feito a alegação agora apresentada é extemporânea, o que se decide.»
Inconformadas, as Executadas apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine a demonstração pela cedente da inclusão no PERSI do crédito concedido. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1) Não compete às executadas assegurarem perante a cessão dum crédito de que eram responsáveis acatar em embargos o respetivo procedimento prescrito no diploma acima referido.
2) O procedimento em causa cabia ao (…) Banco, na qualidade de instituição de crédito, assumindo assim os deveres que legalmente lhe cabiam no âmbito do diploma citado e fazer a respetiva prova da concessão de integração daquele no PERSI e da sua extinção.»
Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar a oportunidade/tempestividade da arguição, pelas Executadas, da falta de regular cumprimento do PERSI e se o Exequente originário, a instituição de crédito que instaurou a presente ação executiva, está em falta com o cumprimento das obrigações decorrentes do referido regime.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os relatados supra.

B – As questões do Recurso
O PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) visa “aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.”[1] Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI, recaindo sobre a instituição de crédito o dever informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro – artigo 14.º, n.ºs 1 e 4, do DL n.º 227/2012; extinto que seja o PERSI, cabe à instituição de crédito informar o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento – artigo 17.º, n.º 3, do citado DL.
O artigo 17.º do mencionado procedimento, dispondo sobre a extinção do PERSI, determina o seguinte:
1 - O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou
d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.
2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:
a) (…)
3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.

5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.
Segue o artigo 18.º, dispondo sobre as garantias do cliente bancário, estatuindo que no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito – cfr. n.º 1, alínea b).
Decorre do citado regime que a integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória quando verificados os seus pressupostos e a ação judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI, conforme decorre do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012. A omissão da informação, a falta de integração do devedor no PERSI pela instituição de crédito ou a ausência de comunicação da extinção do procedimento constituem violação de normas de carácter imperativo. Deste modo, sendo o seu cumprimento verdadeira condição de procedibilidade, o respetivo incumprimento configura exceção dilatória atípica ou inominada e insuprível.[2]
Afigura-se que, quer em sede de despacho liminar (cfr. artigo 726.º do CPC) quer em sede de subsequente despacho de rejeição (cfr. artigo 734.º/1, do CPC), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º, n.º 1, alínea c), n.ºs 3 a 5, 18.º do DL n.º 227/2012 e 9.º do Aviso do BP n.º 7/2021, deve o juiz apreciar o regular cumprimento do regime legal atinente à integração e extinção do PERSI de modo a aferir se não existe impedimento para instauração da ação executiva (sem embargo de não estar adstrito a, oficiosamente, analisar as diligências operadas no âmbito do referido procedimento, o que constituiria um incidente prévio à execução, não previsto na lei).
Os Executados, por seu turno, pretendendo discutir a irregularidade do procedimento adotado pela instituição de crédito face ao regime do PERSI e a respetiva repercussão na regularidade da instância executiva, devem lançar mão da oposição por embargos, no prazo legalmente definido para o efeito – cfr. artigos 728.º, 729.º e 730.º do CPC. Tal como, aliás, consta da decisão proferida em 1.ª Instância.
No caso em apreço, as Executadas não invocaram a falta de cumprimento do PERSI, limitando-se a alertar que “será importante também saber se a obrigação que recai sobre os executados foi integrada na Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – PERSI).”
Importa considerar que o PERSI foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro. O respetivo regime legal entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013 (artigo 40.º), prevendo-se a respetiva aplicação automática aos clientes bancários que, à data de entrada em vigor do diploma, se encontrassem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permanecessem em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias, e a integração no PERSI, nos termos previstos no artigo 14.º/1, dos clientes bancários que, à data de entrada em vigor do diploma, se encontrassem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias (cfr. artigo 39.º/1 e 3).
Uma vez que a presente execução foi instaurada no ano de 2005, não há lugar à discussão da questão de saber se se verificava a condição de procedibilidade da ação executiva decorrente do artigo 18.º/1, alínea b), do PERSI.

Improcedem as conclusões da alegação do presente recurso.

As custas recaem sobre as Recorrentes – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso.

Custas pelas Recorrentes.

*


Évora, 11 de janeiro de 2024
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Mário João Canelas Brás
Vítor Sequinho dos Santos


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[1] Cfr. Preâmbulo do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro.
[2] Ac. TRE de 15/09/2022 (Maria Domingas Simões).