Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
753/20.0T8STB-A.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: INJUNÇÃO
CAUSA DE PEDIR
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. No requerimento injuntivo, encontrando-se alegada a identificação das partes, a fonte do direito de crédito invocado como correspondendo a um contrato de compra e venda de determinada mercadoria, a execução do contrato em determinado período concretamente identificado e o valor em dívida, discriminado e quantificado, estão sucintamente alegados os factos essenciais que enformam a causa de pedir deste tipo de providência.
2. A falta de identificação da correspondente faturação corresponde a uma deficiência alegatória que não significa falta de indicação de causa de pedir.
3. Por sua vez, a falta de junção de tais documentos situa-se ao nível do ónus de prova do alegado e não da falta ou deficiência da causa de pedir.
(Sumário pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
Por apenso à ação executiva sumária para pagamento de quantia certa instaurada, em 27-01-2020, por JÓIAS DA NATUREZA, LD.ª contra B.M.P.S., apresentando como título executivo um requerimento injuntivo ao qual foi aposta fórmula executória, o executado deduziu embargos de executado.
Fundamentou a oposição invocando a ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir, porquanto no requerimento injuntivo não foram concretamente indicadas as faturas que estariam por liquidar, tendo sido omitidos os prazos de emissão e data de vencimento das mesmas.
Mais alegou que cessou atividade em junho de 2013, não existindo dívidas.
Ademais, os juros comerciais contabilizados desde a apresentação do requerimento de injunção, no valor de €4.755,91, encontram-se parcialmente prescritos, na parte em que ultrapassam os cinco anos anteriores à citação; que não existe fundamento legal para ser exigido o pagamento de €900,00 a título de despesas administrativas e de contencioso, pois não está contratualmente fixado o pagamento de tal quantia.

Contestou a exequente alegando que o Embargante sabe perfeitamente que, no âmbito da sua atividade comercial, adquiriu fruta à embargada no valor total de €10.943,47, chegando a emitir cheques que não foram apresentados a pagamento a seu pedido, sendo que as datas dos cheques, das faturas e da apresentação da injunção são anteriores a junho de 2013, data da cessação da atividade em sede de IVA, facto que por si só não significa que o embargante não tivesse dívidas; e que são devidos os juros e as despesas administrativas e de contencioso.
Juntou com a contestação cópia de 8 cheques e um extrato de conta corrente com indicação das faturas.
As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre dispensa da audiência prévia e para os termos do artigo 591.º, n.º 1, do CPC.
O Embargante pronunciou-se, reiterando o que já tinha alegado na oposição à execução.
A Embargada também se pronunciou reiterando o pedido de improcedência dos embargos.
Foi proferida sentença em sede de saneamento dos autos, que julgou a causa nos seguintes termos:
«Por tudo o que vem de ser exposto, julgo os presentes embargos parcialmente procedentes e, consequentemente, determino a extinção da execução:
a) na parte em que são peticionados juros de mora à taxa legal referentes ao período decorrido de 10.04.2013 até 30.01.2015, relativamente aos quais procede a exceção da prescrição;
b) na parte em que é peticionado o pagamento de €900,00 a título de despesas administrativas e de contencioso.
Custas pelo embargante e pela exequente na proporção dos respetivos decaimentos.»

Inconformado, o Embargante interpôs recurso apelação pugnando pela revogação da sentença e procedência dos embargos, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«A) Há que considerar que toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 10º nº 5 do NCPC).
B) A obrigação para ser exequível tem de ser certa, líquida e exigível sendo que o título executivo tem de ser condição necessária e suficiente para se aferir da verificação de tais requisitos.
C) A exequente invoca como título executivo um requerimento injuntivo alegando a existência de uma determinada divida originada num contrato de compra e venda ocorrido entre 14/8/2009 e 10/5/2010.
D) Sucede porém que do requerimento apresentado não decorre que facturas estão em divida, nem a data de emissão nem a data de vencimento.
E) Daqui decorre, inexoravelmente, que o documento apresentado não tem aptidão como título executivo pois dele não é possível retirar uma obrigação certa, líquida e exigível.
F) A acção executiva visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado e tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta. (art. 10º nº 1, 4 e 5 do NCPC).
G) Embora a lei não exija a indicação de normas jurídicas ou das razões de direito em que o requerente baseia a sua pretensão, prevê o referido normativo que o requerimento deva conter a exposição sucinta dos factos fundamentadores da pretensão, o que não sucede no requerimento injuntivo (que deu origem ao presente título executivo), pelo que estamos perante uma situação de ausência de causa de pedir.
H) O facto de a Lei permitir, no que toca ao requerimento de injunção, uma exposição sucinta dos factos, isso não significa que esteja a Requerente dispensada de indicar os factos estruturantes da causa de pedir, como garantia do contraditório e da delimitação objectiva do caso julgado. (Ac. TRE 17/11/2016 – Proc.º 60592/14.4 YIPRT.E1)
I) Como refere Salvador da Costa « A lei não exige a pormenorizada alegação das matéria de facto, bastando-se com a alegação sucinta dos factos, ou seja, nos termos de brevidade e concisão. Mas isso não significa a postergação dos princípios gerais da concretização da matéria de facto em termos da sua aproximação às pertinentes normas jurídicas substantivas».
Acrescentando ainda que:
«A invocação dos factos integrantes da causa de pedir que a lei exige não se conforma com a mera afirmação conclusiva de facto ou fáctico- jurídica, pelo que não satisfaz a exigência legal de afirmação dos factos essenciais integrantes da causa de pedir a mera referência à celebração de contratos, certo que os factos em que eles se desenvolvem são as declarações negociais convergentes das partes»
“A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 8º Edição, pág. 31, Almedina)
J) Inexistindo a sucinta exposição dos factos, exigida nos termos do art. 552º nº 1 al. d) e art. 724º nº 1 al. e) do NCPC, estamos perante a ineptidão da petição inicial (art. 186º nº 2 al. que tem como consequência absolvição do executado da instância executiva (art.ºs 186º, n.ºs 1 e 2 a), 196º, 278º, n.º1, b), 577º, b), 578º, todos do NCPC) e não é suprível através do convite ao aperfeiçoamento previsto no art. 590º do CPC.
K) «Daquela referência à exposição sucinta dos factos havemos de extrair um encurtamento da causa de pedir, não sendo curial esperar que ela seja tratada em termos idênticos aos que conformariam a petição inicial de uma acção declarativa, nascida como tal – o que aliás está de acordo com a simplificação e celeridade processuais que com aquele procedimento se pretendeu introduzir. O Requerente não estará, contudo, dispensado de invocar no requerimento, os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, certo que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves (Salvador da Costa, «A Injunção e as Conexas Acção e Execução»)
L) No presente caso concreto ao Opoente não foi possível apreender com segurança a causa de pedir devido à ausência de exposição dos factos que originaram a obrigação.
M) Ao decidir como fez, a sentença interpretou e aplicou erradamente o disposto no art. 724º nº 1 al e) do NCPC uma vez que considera que “Se há factos que não são expressamente alegados no r.e., o que se verifica é que tais factos constam do título executivo, que é o documento donde consta a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva, por intermédio do Tribunal e constitui condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito de crédito, assumindo por isso, autonomia em relação à realidade que envolve”
E ainda “embora não se identifiquem as facturas pelos respectivos números e datas de emissão, está claramente identificado o período em que a mesmas foram emitidas e enviadas”
N) Sucede porém que não foi feita sequer qualquer prova sobre a emissão das facturas assim como do envio. Apesar de existir a menção de um prazo o mesmo não é suficiente para ver cumprido o estatuído na lei quanto à “exposição sucinta dos factos”.
O) A esse propósito refere Alberto dos Reis: «podem dar-se dois casos distintos: 1. A petição ser inteiramente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede; 2. Expor o acto ou facto, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual é a causa de pedir.» (in «Comentário», vol. II, págs. 371-372 e 374).
P) O Tribunal recorrido efectuou uma errada interpretação do Direito por si invocado porquanto existe, salvo o devido respeito, uma clara ineptidão por ausência de causa de pedir. (art. 724º nº 1 al. e).»

Não foi apresentada resposta ao recurso.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do recurso
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), importa apreciar da ineptidão da requerimento injuntivo e executivo por falta de causa de pedir

B- De Facto
A 1.ª instância considerou a seguinte factualidade:
«III. Factos assentes
Com relevância para a decisão a proferir, deve ter-se por assente a seguinte factualidade:
1. A execução baseia-se em requerimento de injunção apresentado em 12.02.2013, ao qual o Sr. Secretário de Justiça apôs fórmula executória no dia 09.04.2013.

2. No requerimento executivo, pode ler-se além do mais o seguinte:
“(…)
Factos

Em 09/04/2013, foi aposta a fórmula executória no Requerimento de Injunção que correu termos sob o Proc. nº. 27105/13.5YIPRT, no Balcão Nacional de Injunções, nos termos do qual;
2.º
A Exequente reclamava o pagamento por parte do Executado da quantia total de €13.741,90, sendo:
3.º
€10.943,47, devido a título de capital titulado pelas faturas emitidas e entregues ao Executado, vencidas e não liquidadas, facturas essas que melhor se identificou no referido Requerimento de Injunção;
4.º
€2.246,43, devido a título de juros de mora contabilizados desde a data de vencimento de cada uma das aludidas faturas até à apresentação do Requerimento de Injunção (12/02/2013);
5.º
€102,00, devido a título de taxa de justiça liquidada no âmbito do já referido Requerimento de Injunção e;
6.º
€ 450,00, devido a título de despesas administrativas e de contencioso a que o Executado deu lugar na sequência do seu incumprimento contratual que obrigou a Exequente a recorrer ao processo de Injunção.
7.º
Certo é que até à presente data, o Executado ainda não procedeu ao pagamento das quantias peticionadas, encontrando-se, por conseguinte, em dívida o valor global de € 13.741,90.
8.º
Pelo que à indicada quantia, são devidos os respectivos juros de mora contabilizados às sucessivas taxas anuais de juros fixadas para as dívidas comerciais e que se venceram desde a data da apresentação do referido Requerimento de Injunção, isto é, desde 12/02/2013, até total e integral pagamento, os quais, nesta data se cifram em € 4.755,91.
(…)
11º
€450,00, a título de despesas de contencioso a que o Executado deu lugar na sequência do seu incumprimento contratual e que obriga a Exequente a recorrer à execução do seu crédito, conforme peticionado no Requerimento de Injunção que ora se executa.
(…)
Liquidação da obrigação
Valor líquido: 13 741,90 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 7 814,09 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 475,50 €
_______________________
Total 22 031,49 €
A) Juros de mora calculados às sucessivas taxas de juro aplicáveis às transações comerciais que se venceram desde a data da apresentação do requerimento de Injunção que ora se executada até total e integral pagamento, os quais nesta data ascendem a € 4.755,91;
B) Juros de mora calculados à taxa anual de 5% desde a data da aposição da fórmula executória até total e integral pagamento, os quais nesta data se contabilizam em € 3.058,18;
C) Taxa de justiça devida pela apresentação do presente Requerimento de Execução, no valor de € 25,50;
D) Despesas administrativas e de contencioso decorrentes da presente ação de execução, as quais, nesta data ascendem a € 450,00.”.

3. No referido requerimento de injunção alega-se a existência de um contrato de “Compra e venda” de 14.08.2009, com referência ao período de 14.08.2009 a 10.05.2010, indica-se como estando em dívida, além do mais, a título de “outras quantias”, o valor de € 450,00, e procede-se à seguinte descrição dos factos que fundamentam a pretensão:
“1.º
A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica, com escopo lucrativo, ao comércio de frutas.
2.º
No âmbito da sua normal actividade, a Requerente foi oportunamente contactada pelo Requerido para lhe vender diversos artigos daquele seu comércio.
3.º
Concluída a transacção comercial operada entre as partes e com vista ao recebimento das quantias devidas pela mesma, a Requerente emitiu e entregou ao Requerido as respectivas facturas, as quais melhor se encontram identificadas no extracto de conta corrente do Requerido como é do perfeito conhecimento deste, extracto esse que apresenta um saldo devedor de € 10.943,47 para o período em referência.
4.º
Não obstante o vencimento das aludidas facturas, bem como de todas as tentativas feitas pela Requerente, no sentido de ver satisfeito o seu direito de crédito, a verdade é que o Requerido ainda não procedeu ao pagamento dos valores apostos nas mesmas, tendo apenas entregue cheques para pagamento parcial, sendo certo que todos eles, não obtiveram bom pagamento.
5.º
Face ao exposto, a Requerente vem requerer o pagamento por parte do Requerido do valor titulado pelas identificadas facturas, no valor total de € 10.943,47, acrescido, face à mora do Requerido, dos respectivos juros de mora contabilizados desde a data de vencimento de cada uma das facturas em causa até total e integral pagamento e calculados às sucessivas taxas de juros de mora aplicáveis às transacções comerciais, os quais nesta data se cifram em € 2.246,43, acrescido ainda do valor da taxa de justiça devida pela apresentação do presente requerimento de injunção, no valor de € 102,00, e ainda das despesas administrativas e de contencioso a que a Requerida deu e der lugar na sequência do seu incumprimento contratual, despesas essas que nesta data se contabilizam em € 450,00.
6.º
O que perfaz o valor global, vencido e exigível de € 13.741,90 (treze mil, setecentos e quarenta e um euros e noventa cêntimos), cujo pagamento desde já se requer.”.

4. O embargante declarou a cessação da sua atividade perante a Autoridade Tributária, para efeitos fiscais (IVA), em 30.06.2013.

5. A execução de que estes autos constituem apenso foi proposta em 27.01.2020.

6. O executado foi citado para os termos da execução em 13.11.2020.»

C- De Direito
1. Da natureza executiva do requerimento injuntivo
O Apelante defendeu nos embargos e reitera agora essa alegação, que o requerimento executivo é inepto por falta de causa de pedir, sendo, consequentemente, nulo; nulidade que é de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva por via dos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 278.º, n.º 1, alínea b), 577.º e 551.º, n.º 1, do CPC.
Em suma, a alegação do apelante centra-se no facto do requerimento injuntivo se reportar a uma dívida suportada em faturação não junta aos autos; o requerimento executivo remeter, quanto a essas faturas, para o requerimento injuntivo e na contestação dos embargos a Embargada remeter para o «conhecimento do embargante» em relação ao conhecimento da referida dívida.
Na sentença recorrida, admitindo, e bem, atenta a data da obtenção do título executivo, que poderiam ser invocados como fundamento da oposição todos os que poderiam ser invocados no processo de declaração, atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional adotada no acórdão n.º 264/2015, de 12-05, com força obrigatória geral, em relação à interpretação normativa do artigo 857.º, n.º 1, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, encontra-se a seguinte fundamentação:
«(…) de acordo com o art. 810.º n.º3, al. b) CPCivil, na redacção que lhe foi dada pelo DL 38/2003 de 8 de Março [corresponde à atual alínea e) do n.º 1 do art. 724º do NCPC], o requerimento executivo deve conter a exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”.
Analisando o r.e. e o título dado à execução, parece claro que dele consta a alegação da situação jurídica material que a exequente quer fazer valer em juízo, assim se cumprindo o comando legal que determina que o exequente proceda à exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo – cf. alínea e) do n.º 1 do art. 724º do CPC. E se factos há que não são expressamente alegados no r.e., o que se verifica é que tais factos constam do título executivo, que é o “documento donde consta a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva, por intermédio do Tribunal e constitui condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito de crédito, assumindo, por isso, autonomia em relação à realidade que envolve” (cf. o acórdão citado). Na verdade, embora não se identifiquem as faturas pelos respetivos números e datas de emissão, está claramente identificado o período em que as mesmas foram emitidas e enviadas.[1]
De tudo isto flui a conclusão de que não se verifica a ineptidão do r.e., improcedendo desta forma a exceção invocada pelo embargante.»
Vejamos, então, se se verifica ou não a alegada falta de causa de pedir.
Temos, então, como assente que a exequente apresentou como título executivo um requerimento injuntivo que correu termos sob o Proc. nº. 27105/13.5YIPRT, no Balcão Nacional de Injunções, ao qual foi aposta a fórmula executiva, em 09-04-2013, por não ter havido oposição do Requerido, ora apelante, tudo nos termos que constam do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09, e alterações subsequentes, até àquela data.
O teor do requerimento injuntivo consta do ponto 3 dos factos assentes, onde consta que foi ali alegado «(…) a existência de um contrato de “Compra e venda” de 14.08.2009, com referência ao período de 14.08.2009 a 10.05.2010, indica-se como estando em dívida, além do mais, a título de “outras quantias”, o valor de € 450,00, e procede-se à seguinte descrição dos factos que fundamentam a pretensão» nos termos que se podem sintetizar do seguinte modo: a Requerente é uma sociedade comercial que se dedica, com escopo lucrativo, ao comércio de frutas e no âmbito da sua normal actividade, a Requerente foi oportunamente contactada pelo Requerido para lhe vender diversos artigos daquele seu comércio. Concluída a transacção comercial operada entre as partes e com vista ao recebimento das quantias devidas pela mesma, a Requerente emitiu e entregou ao Requerido as respectivas facturas, as quais melhor se encontram identificadas no extracto de conta corrente do Requerido como é do perfeito conhecimento deste, extracto esse que apresenta um saldo devedor de € 10.943,47 para o período em referência. Apesar de vencidas, o Requerido não procedeu ao pagamento dos valores apostos nas mesmas, tendo apenas entregue cheques para pagamento parcial, sendo certo que todos eles, não obtiveram bom pagamento.
Assim, é pedido pela Requerente que o Requerido proceda ao «(…) pagamento do valor (…) titulado pelas identificadas facturas, no valor total de €10.943,47, acrescido, face à mora do Requerido, dos respectivos juros de mora contabilizados desde a data de vencimento de cada uma das facturas em causa até total e integral pagamento e calculados às sucessivas taxas de juros de mora aplicáveis às transacções comerciais, os quais nesta data se cifram em € 2.246,43, acrescido ainda do valor da taxa de justiça devida pela apresentação do presente requerimento de injunção, no valor de € 102,00, e ainda das despesas administrativas e de contencioso a que a Requerida deu e der lugar na sequência do seu incumprimento contratual, despesas essas que nesta data se contabilizam em € 450,00», perfazendo o valor global de €13.741,90.
No requerimento executivo, e como consta do ponto 2 dos factos assentes, é invocada a existência do requerimento injuntivo e da fórmula executória nele aposta, mais sendo alegado que as faturas em causa são as «que melhor se identificou no referido Requerimento de Injunção».
As ditas faturas não foram juntas nem com o requerimento injuntivo, nem com o requerimento executivo.
O que veio a ser junto aos autos foram as cópias dos cheques mencionados no ponto 4.º do requerimento de injunção e um documento onde constam referenciadas três faturas, os respetivos números, a data de emissão e de vencimento, o respetivo valor e o saldo em euros.
No âmbito do requerimento injuntivo, o Requerente, utilizando o modelo de requerimento aprovado por portaria do Ministro da Justiça, deve, entre outros, expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão, como se refere no artigo 10.º, n.º 1, 2 , alíneas d), do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09.
Trata-se de jurisprudência amplamente consensualizada que a alegação factual sucinta a que se reporta a lei, não dispensa o requerente de indicar o núcleo dos factos essenciais que integram a causa de pedir, elemento essencial para a compreensão do pedido formulado e da razão jurídica que o sustenta.
Como é sabido, a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido e corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido.
Ocorre ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir quando se deteta uma omissão desse núcleo essencial, ou seja, quando não tenham sido indicados os factos essenciais e estruturantes que integram a previsão das normas de direito substantivo que justificam a concessão do direito em causa (cfr. artigo 5.º, n.º 1, do CPC).
Situação que não se confunde com deficiências de alegação que, não se enquadrando no artigo 11.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09, não impedem a aposição de fórmula executória, caso não haja oposição do Requerido (artigo 14.º do mesmo diploma).
Caso ocorra alguma dessas situações em que se verifique deficiências ou insuficiências alegatórias, considerando os objetivos de simplificação e eficácia pretendidos pelo legislador com a introdução do processo injuntivo e com a menor exigência no concernente à exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão, compete ao juiz, já na fase contenciosa, aferir se, no requerimento injuntivo, foi ou não concretizado um núcleo mínimo de factos integradores da causa de pedir que cumpra o desiderato previsto no regime legal.
Sendo que não se deve confundir falta com deficiência de alegação do facto, nem aquelas com inexistência ou falta de junção de determinado meio de prova.
A falta de alegação de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir é que origina a ineptidão; a deficiência alegatória é suprida por via de aperfeiçoamento, quando tal se justifique, enquanto a inexistência ou não junção de determinado meio de prova pode, ou não, conduzir à improcedência da pretensão em discussão.
Se no requerimento injuntivo, como sucedeu no caso em apreço, é alegada a existência de uma concreta relação jurídica no âmbito do escopo lucrativo da Requerente (comércio de frutas), mais concretamente a celebração de um contrato de compra e venda entre as partes, em determinada data (14-08-2009), vigente até um determinado momento (10-05-2010), estando em dívida por parte do Requerido, que vendeu diversos daqueles produtos, um determinado montante (indicado quantitativamente), mais juros de mora e outras quantias (tudo também quantificado), referenciando-se que esses valores foram titulados por faturas que se encontram por pagar, apesar do vencimento da dívida, tendo o Requerido entregue cheques para pagamento dos valores apostos nas mesmas, que não obtiveram boa cobrança, será excessivo, em face das exigências legais no que concerne à alegação factual da causa de pedir no requerimento injuntivo, invocar dúvidas quanto à relação negocial concreta que está em causa na ação e que sustenta a pretensão deduzida, ainda que tais factos sempre pudessem ter maior especificação no que se refere à identificação da faturação.
Ou seja, no requerimento injuntivo encontrando-se alegada a identificação das partes, a fonte do direito de crédito invocado como correspondendo a um contrato de compra e venda de determinada mercadoria, a execução do contrato em determinado período concretamente identificado, e o valor em dívida, discriminado e quantificado, estão sucintamente alegados os factos essenciais que enformam a causa de pedir deste tipo de providência.
A falta de identificação da correspondente faturação corresponde a uma deficiência alegatória que não significa falta de indicação de causa de pedir. Por sua vez, a falta de junção de tais documentos situa-se ao nível do ónus de prova do alegado e não da falta ou deficiência da causa de pedir.
Em suma, a conclusão a retirar é que não existe falta de indicação de causa de pedir no requerimento de injunção.
Alega ainda o apelante que não lhe foi possível apreender com segurança a causa de pedir devido à ausência de exposição dos factos que originaram a obrigação.
Lida a oposição-embargos não se deteta essa falta de apreensão do que é pedido e da causa do mesmo. Aliás, o embargante não nega a existência da dívida, o que refere é que quando cessou a atividade em junho de 2013 não existiam dúvidas retratadas contabilisticamente, o que é deveras diferente das mesmas não existirem.
Por outro lado, quando foram juntos aos autos as cópias dos cheques e o documento onde se encontram mencionados os números das faturas, data de emissão, data de vencimento, valor e saldo, não impugnou tais documentos, o que indicia claramente que a relação comercial alegada pela Requerente no requerimento injuntivo e reiterada no requerimento executivo existiu e encontra-se em incumprimento nos termos alegados.
Em face de todo o exposto, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida na parte em que foi impugnada.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida na parte em que foi impugnada.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 07-04-2022
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Sublinhado nosso.