Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
48/25.2T8ENT-B.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O efeito excecional da suspensão da execução sem que seja prestada caução, recebidos que sejam os embargos, não se justifica se os termos em que foi impugnada a exigibilidade da obrigação exequenda não fizer antever venha a ser a Embargante desonerada do respetivo pagamento coercivo.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Embargante: (…)
Recorrida / Embargada: (…) STC, SA

Os autos consistem em embargos de executado deduzidos por apenso à ação executiva alicerçada em injunção para cobrança da quantia de € 15.926,51.
A Embargante, com vista à extinção da execução, alegou que sempre procedeu aos pagamentos devidos relativamente ao contrato de crédito ao consumo por si celebrado no ano de 2007 e que, uma vez que o procedimento de injunção foi impulsionado em 2011 e o requerimento executivo foi apresentado em 2025, se encontram prescritas todas as quantias que estão a ser coercivamente cobradas, atento o regime inserto no artigo 310.º, alínea e), do CC.
Apresentou-se a Embargante a sustentar que se justifica a suspensão da execução sem que lhe seja exigida a prestação de caução porquanto o seu salário de € 1.200,00, com o qual sustenta ainda um filho menor que tem a cargo, não permite fazer face a tal encargo.
Os embargos foram liminarmente admitidos.
A Embargada não se pronunciou sobre o pedido de suspensão da ação executiva.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferida decisão que indeferiu o pedido de suspensão da execução sem que seja prestada caução.
Inconformada, a Embargante apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete a suspensão da execução sem que seja prestada caução. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«i. Nos Embargos de Executado que apresentou, a Embargante, aqui Recorrente, solicitou a suspensão do prosseguimento da execução, sem prestação de caução, alegando que entende que não é exigível a quantia peticionada pelo Embargado, aqui Recorrido, desde logo por prescrição, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 733º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., pode ser declarado o efeito suspensivo dos embargos se “Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
ii. Alegou ainda, comprovadamente, que tem tido várias dificuldades financeiras.
iii. Na verdade, a Recorrente vive exclusivamente do seu salário de cerca de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), tem um filho menor a seu cargo, de quem cuida sem apoio ou ajudas, tendo muitas despesas, e está divorciada.
iv. A penhora de 1/3 do salário iria colocar (como tem colocado) em risco a sua sobrevivência e a do seu filho, que depende exclusivamente da mãe, e que, sem um terço do salário, durante os meses que o processo se arraste, vai inviabilizar que suporte as suas necessidades mais básicas.
v. A verdade é que a Recorrente, em virtude de apenas receber cerca de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) por mês de vencimento, não tem possibilidades financeiras de prestar caução no âmbito do presente processo para conseguir o efeito suspensivo, e apenas não o faz por completa impossibilidade económica.
vi. No entanto, entende-se que a Embargante não poderá ser prejudicada por causa da sua situação financeira.
vii. Também não se pode esquecer que o prosseguimento da execução irá prejudicar ainda mais a Embargante e tornar ainda mais vulnerável a sua já difícil situação financeira.
viii. Desta forma, entende-se que, também por este motivo, o recebimento dos embargos deveria suspender o prosseguimento da execução.
ix. No caso concreto, o douto Tribunal a quo, entendeu que não estavam reunidos os requisitos para ser decretada essa suspensão; salvo melhor opinião, e com o devido respeito, olvidou o Tribunal a quo o seguinte.
x. Como referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-02-2022 Processo n.º 5242/20.0T8VNF-C.G1, o artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC deve ser interpretado à luz de critérios de ponderação de interesses conflituantes, designadamente “o interesse do executado/embargante em evitar o ataque ao seu património em processo executivo que não cumpre requisitos legalmente exigidos” e “o interesse do exequente / embargado em não ver paralisada a execução em consequência de uma gratuita e não consistentemente sustentada arguição da inexigibilidade e/ou iliquidez da obrigação exequenda”.
xi. Ora, com o devido respeito, tal ponderação não chegou a ser realizada, nem sequer a existir em termos efetivos, pois, a ter ocorrido, ter-se-iam necessariamente considerado vários aspetos relevantes, entre eles:
xii. O que já foi anteriormente invocado nos autos que a executada/embargante não dispõem de condições económico financeiras para prestar caução com vista à obtenção do efeito suspensivo do atual processo, nos termos do artigo 733.º/1/c), do CPC.
xiii. Assim entende-se que a Embargante/Executada não pode ser prejudicada unicamente pelo facto de não possuir meios económicos para esse efeito.
xiv. O facto de a Embargante sobreviver exclusivamente com o seu salário mensal de €1.200,00 tendo a seu cargo um filho menor e suportando diversas despesas essenciais.
xv. Sendo mãe solteira, a penhora de um terço do seu vencimento, prolongada durante os meses em que o processo se arrasta, representa um risco iminente para a subsistência do seu agregado familiar.
xvi. Tal prejuízo mostra-se incomparavelmente mais grave, danoso e irreversível do que a eventual demora que a suspensão da execução poderia acarretar para o credor.
xvii. Aliás, o tempo que mediou entre o incumprimento e a execução (mais de 14 anos) é bem demonstrativo de que não haverá qualquer prejuízo relevante para o embargado em mais uns meses ou poucos anos de demora acrescida.
xviii. A situação de penhora sobre os rendimentos da Embargante, incluindo a afetação de créditos fiscais como o reembolso do IRS, compromete diretamente valores constitucionalmente protegidos, designadamente a dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP) e a proteção da família (artigo 67.º da CRP).
xix. Assim, mesmo perante eventuais dúvidas quanto à prescrição, a suspensão da execução surge como a solução mais adequada e proporcional até decisão final.
xx. Importa ainda referir que, no longo lapso temporal decorrido entre 2007 e 2025, a Executada formou a convicção de que a dívida em causa já se encontrava liquidada,
xxi. Convicção essa que foi reforçada pelo facto de o até então marido lhe ter transmitido, até à data, a ideia de que estaria a assegurar o pagamento dos montantes em dívida.
xxii. Ao caso concreto é aplicável a norma do artigo 310.º, alínea e), do CC que fixa em 5 anos o prazo de prescrição da dívida em apreço.
xxiii. A aplicação desta norma à dívida da Recorrente resulta do contrato de crédito celebrado em 2007, sendo que estava previsto no contrato que o crédito concedido pelo (…) seria reembolsado pelo titular através do pagamento de prestações mensais, iguais e sucessivas, englobando simultaneamente capital e juros.
xxiv. Tal regime contratual caracteriza de forma inequívoca a obrigação como “quotas de amortização do capital pagáveis com juros”, exatamente o tipo de prestações que o artigo 310.º, alínea e), do Código Civil sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos.
xxv. À luz da jurisprudência consolidada e uniformizada, não subsistem dúvidas de que a dívida exequenda se encontra prescrita, uma vez que, tendo o alegado incumprimento ocorrido em 2010/2011 e apenas sendo a execução intentada em 2025, decorreu largamente o prazo legal de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, impondo-se a absolvição da Executada do peticionado.
xxvi. Mas mais, tudo isto comprova o carácter imperativo do pedido de suspensão do prosseguimento da execução, porque prosseguir com a execução será lesar os mais básicos direitos da Recorrente até com consagração constitucional em benefício de um alegado direito do Recorrido cuja suspensão não lhe trará o mínimo prejuízo, requerendo-se, por isso, que seja alterada a decisão e substituída por outra que defira o pedido de suspensão do prosseguimento da execução.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar se existe fundamento para que o recebimento dos embargos implique na suspensão do prosseguimento da execução sem que seja prestada caução.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os acima referidos.

B – A Questão do Recurso
Nos termos do disposto no artigo 733.º, n.º 1, do CPC, o recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se o embargante prestar caução (alínea a) ou, designadamente, se tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução (alínea c).
Tratam-se de situações que, a par da versada na alínea b) daquele normativo legal, constituem exceções ao regime regra de que o recebimento da petição de embargos não suspende a tramitação da execução, sendo certo, no entanto, que nem o exequente nem outro credor pode ser pago, na pendência dos embargos, sem prestar caução (cfr. artigo 733.º, n.º 4, do CPC).
A prestação de caução viabiliza os efeitos suspensivos dos embargos na medida em que, por via dela, fica garantido o cumprimento coercivo do crédito exequendo pois, sendo os embargos julgados improcedentes, a satisfação desse crédito opera-se através do acionamento da caução. «Numa clara intenção de compatibilizar os interesses contrapostos do exequente e do executado, esta suspensão é justificada pelo facto de a prestação de caução acautelar suficientemente o direito do exequente e simultaneamente revelar a seriedade da defesa do embargante.»[1]
Sem que seja prestada caução, tendo sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, podem justificar-se, ainda assim, os efeitos suspensivos dos embargos sobre a marcha da execução. «(…) havendo alguma divergência séria em torno da exigibilidade da obrigação ou do montante da quantia exequenda, o prosseguimento da execução, sem a certificação dessas condições de procedência, é suscetível de expor o executado a um risco significativo, justificando, em face das concretas circunstâncias, a suspensão da instância executiva.
Para efeitos da aplicação desta previsão, exige-se que o embargante suporte a alegação numa versão factual verosímil, conforme às regras da experiência, apresentando logo meios de prova com forte valor probatório, sob pena de não se poder afastar a regra de que a suspensão da execução apenas se pode obter mediante a prévia prestação de caução (RC 13-11-18, 35664/15 e RP 02-07-15, 602/14).»[2]
No caso em apreço, importa levar em linha de conta a invocada fragilidade económico-financeira da Embargante, tomando-se por certa e segura a respetiva incapacidade de a mesma prestar caução, dado o salário que aufere e a circunstância de ter um filho menor a seu cargo.
A par disso, porém, cumpre apreciar, num juízo sumário de prognose, a viabilidade da oposição deduzida, em face dos argumentos expendidos pela Embargante e dos dados disponíveis no processo.
A alegação de que sempre procedeu aos pagamentos a que se encontrava adstrita assume caráter vago e genérico, além de não ser acompanhada de qualquer meio de prova.
A alegação da prescrição da dívida exequenda resulta colocada em crise pelo regime inserto no artigo 311.º/1 conjugado com o artigo 309.º, ambos do CC. O que aponta para o prazo ordinário da prescrição, de 20 anos, uma vez que sobreveio o título executivo da injunção[3].
Sem prejuízo do julgamento que, oportunamente, venha a ser feito nos presentes autos de embargos de executado, certo é que os termos em que foi impugnada a exigibilidade da obrigação exequenda, que não faz antever que venha a ser a Embargante desonerada do respetivo pagamento coercivo, não justifica o efeito excecional da suspensão da execução sem que seja prestada caução.

É manifesto que improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida.

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 27 de novembro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Isabel Calheiros
Ana Margarida Pinheiro Leite


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[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. II, pág. 92.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. II, pág. 93.
[3] Cfr. Ac. TRP de 09/03/2023 (Aristides Rodrigues de Almeida).