Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1678/07-1
Relator: PROENÇA DA COSTA
Descritores: JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
Data do Acordão: 03/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
1 - Os jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente da sorte (art. 1.º do DL 422/89, de 02-12), e estão tipificados, de modo exemplificativo, mas, no contexto, tendencialmente especificados, no art. 4.º, n.º 1, do mesmo diploma.

2 - No que releva para o caso, os jogos de fortuna ou azar são os jogos bancados previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 4.º do DL 422/89, de 02-12, os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» e os «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem formas próprias dos jogos de fortuna ou azar, ou apresentam como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte».

3 - Fora desta descrição, modalidades de jogos cujos resultados também dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte não constituem, na disciplina da lei, jogos de fortuna ou azar, mas modalidades afins, com regulamentação e consequências próprias. «Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar» ou outras formas de jogo, são, nos termos do art. 159.º, n.º 1, do referido diploma, «as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e na perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémio coisas com valor económico»; como exemplos do tipo de “modalidades afins” refere a lei, «nomeadamente», «rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos» – n.º 2 do mencionado preceito.

4. As modalidades afins e outras formas de jogo não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, «nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos» – art. 161.º, n.º 3, do referido diploma.

5 - Constituem modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar os jogos desenvolvidos pelas máquinas em causa nos autos, que, embora os resultados dependessem da sorte e não da perícia ou destreza dos jogadores, não versavam sobre temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

No âmbito do Processo Comum Singular n.º …./04.0 F1STC do Tribunal Judicial de Alcácer do Sal, o Ministério Público, em processo comum e perante Tribunal Singular, deduziu acusação contra: N.B., J.P. e A.F.

Imputando-lhes a prática de:

aos arguidos J.P. e N.B., como co-autores materiais e na forma consumada um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 1°, 3º, e 108º n° l do D.L. n° 422/89, de 02/12.

aos arguidos A.F. e N.B., como co-autores materiais e na forma consumada, um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugados dos arts. 1°, 3°, e 108º, n° l do D.L. n° 422/89, de 02/12;

ao arguido J.P. como autor material e na forma consumada um crime de Jogo Fraudulento, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 1°, 3°, 4º nº l, al. g) e 108º nº l do D.L no 422/89, de 02/12; e

ao arguido N.B., como autor matéria! e na forma consumada, um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 1°, 3º e l08º n° l do D.L n° 422/89, de 02/12.

O arguido J.P. apresentou contestação, os restantes arguidos não apresentaram contestação nem rol de testemunhas.

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, vindo-se, no seu seguimento, a prolatar pertinente Sentença, onde se DECIDIU:

a) Absolver o arguido N.B., pela prática em co-autoria e autoria material, de três crimes de exploração ilícita de jogo, previsto e punível, pelos artigos108º, número l, 116° e 117°, e por referência aos artigos 1° e 3°, número l, todos do D.L nº 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações do D.L nº 10/95, de 19 de Janeiro.

b) Absolver o arguido J.P., pela prática, de um crime de jogo fraudulento, previsto e punível, pelos artigos 113°, número l e 2 do D.L nº 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações do D.L nº 10/95, de 19 de Janeiro.

c) Condenar o arguido J. P., pela prática, de um crime exploração ilícita de jogo, previsto e punível, pelos artigos 108º, número l, 116° e 117°, e por referência aos artigos 1° e 3°, número l, todos do D.L nº 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações do D.L n° 10/95, de 19 de Janeiro, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de prisão e 100 (cem) dias de muita, à taxa diária de € 5 (cinco euros).

d) Decidir substituir a pena de prisão identificada em c) por igual período 160 (cento e sessenta) dias de muita, à taxa diária de € 5 (cinco euros).

e) Condenar o arguido J.P. na pena única de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 1300 (mil e trezentos euros).

f) Condenar o arguido A.F., pela prática, de um crime exploração ilícita de jogo, previsto e punível, petos artigos 108º, número l, 116° e 117°, e por referência aos artigos 1° e 3º, número l, todos do D.L nº 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações do D.L nº 10/95, de 19 de Janeiro, na pena de 30 (trinta) dias de prisão e 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 2 (dois euros).

g) Decidir substituir a pena de prisão identificada em f) por igual período 30 (trinta) dias de multa, à taxa diária de € 2 (dois euros).

h) Condenar o arguido A.F. na pena única de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 2 (dois euros), o que perfaz o montante global de € 180 (cento e oitenta euros).

i) Determinar a destruição das máquinas de jogo e utensílios, apreendidas nos autos (artigo 116° do Decreto-Lei n.° 422/89 de 2 de Outubro).

j) Declarar perdida, a favor do Fundo de Turismo, as quantias apreendidas nos autos (artigo 117° do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Outubro).

Inconformado com o assim DECIDIDO, traz o arguido J.P. o presente Recurso, onde formula as seguintes CONCLUSÕES.

A. O enquadramento jurídico efectuado pelo Digníssimo Tribunal "a quo", no que à máquina propriedade do ora recorrente, e ao jogo pela mesma desenvolvido, se refere, não foi, no seu modesto entendimento, o correcto, pois que resulta da douta sentença ora recorrida que esse mesmo Tribunal não entende o jogo desenvolvido pela dita máquina como modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, pois, lançando mão de um critério que define tais modalidades afins como meras “operações oferecidas ao público" resulta para esse Tribunal que a máquina dos autos desenvolve um jogo que será de considerar como de fortuna ou azar,

B. Ora, atendendo a toda uma série de jurisprudência que vem entendendo máquinas como as dos autos, como desenvolvendo, quanto muito, jogos que assumem a natureza de modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, e já não dos próprios jogos de fortuna ou azar em si mesmos, é de referir que essencial para a boa decisão da causa através de uma correcta qualificação jurídica de tal material, seria o Digníssimo Tribunal “a quo” ter ponderado convenientemente o que serão as ditas “operações oferecidas ao público”, e de que forma poderão, ou não, os jogos dos autos serem entendidos como fazendo parte dessas "operações”.

C. E bem assim ter apurado da hermenêutica dos artigos 1.º, 4°, 159°, n .º1, 2e 3, e 161.º n.º3, todos do D.L n.º 422/89, de onde decorre, por um lado, que a lei distingue jogo de fortuna ou azar das modalidades afins e, por outro lado, que prevê a existência doutros jogos não enquadráveis em qualquer daqueles dois tipos de jogos.

D. Conforme bem resulta da douta sentença sob recurso, a distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins desses jogos não poderá colher no factor ou critério da aleatoriedade do resultado, porquanto tanto uns como as outras perfilham dessa mesma aleatoriedade, devendo, ao invés, atender-se aos critérios presentes na nossa jurisprudência, como seja o entendimento expresso no Ac. da R.P. de 26.04.2000, segundo o qual a linha de fronteira entre estas figuras jurídicas estaria demarcada pelo simples facto de, nas modalidades afins, as promotoras oferecerem os jogos ao público, enquanto que nos jogos de fortuna ou azar elas se limitam a colocá-los em estabelecimentos, aos quais s o público se dirige para os praticar.

E. Ora, consagrou o Ac. da R.L. de 14.3.2000 que “fundamentalmente, o que caracteriza as operações oferecidas ao público são duas coisas incompatíveis com o jogo de fortuna ou azar: os prémios fixados previamente, como assim, a participação, à partida, de um número de pessoas indeterminado. Realmente nos jogos de fortuna ou azar, os prémios não são fixados previamente, além de que só pode jogar um número determinado de pessoas, de cada vez».

F. De modo que, o elemento balizador corporiza-se no facto de nas modalidades afins, existirem um ou vários prémios previamente definidos, determinados ou "oferecidos", enquanto nos jogos de fortuna ou azar, em antinomia, não tem de haver, e em regra não há, um prémio fixado. (Cfr. Douto Acórdão desta Relação de Évora de 06111990, in CL, XV, T. V, pg. 277), pelo que, é de afirmar que, no caso sub judice não estamos perante um qualquer jogo de fortuna ou azar, mas sim perante uma modalidade afim desses jogos de fortuna ou azar, pois, os prémios atribuídos, além de o serem sempre em espécie, estavam previamente fixados e o número de jogadores podia ser indeterminado.

G. Sendo certo que, ao contrário do que defende o Digníssimo Tribunal "a quo", a oferta ao público do jogo em causa sempre resultará explícita da colocação da máquina sobre o balcão do estabelecimento comercial, o que sempre exigirá uma qualquer actuação por parte do explorador de tal jogo, que não é passível de utilização sem o auxílio imediato do seu explorador, até porque, conforme resulta provado, toda e qualquer jogada daria sempre direito a prémio.

H. Além do que, o jogo desenvolvido por tal máquina sempre deverá ser considerado como "operação" no sentido que a essa expressão é atribuída na nossa Jurisprudência, pois que, tem sempre uma vida útil limitada, uma vez que se encontra limitada pelo número de apostas possíveis, limitada ao número de senhas existentes, bem como, se encontra limitada pelo número de prémios a atribuir, que, como referido, se encontram previamente definidos, sendo certo que, estando a máquina associada a um cartaz específico sempre a vida útil do jogo desenvolvido se circunscreverá à vida útil de tal cartaz.

I. A que sempre acresce o facto de não existir uma qualquer definição legal do que será de entender por "operações oferecidas ao público", e bem assim, ao contrário do vertido na douta sentença sob recurso, o facto de a máquina não estar presente num estabelecimento onde o público se dirigia para a prática do jogo por ela oferecida, pois que, ao invés, a máquina estaria presente, isso sim, para ser "oferecido" o seu jogo, a quem àquele estabelecimento comercial se dirigisse no intuito de consumir os produtos no mesmo disponibilizados.

J. Haverá, por isso, que se atender a toda uma série de Jurisprudência, onde se inserem os doutos Arestos da Relação do Porto de 14.07.1999 e 28.03.2001, e da Relação de Lisboa de 08.10.1996, sendo de concluir que, "in casu", estaremos perante jogos com todas as características referidas no n.° l e n.° 2 do art. 159º do D.L. 422/89, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L 10/95, de 19 de Janeiro, sendo que tal jogo sempre deveriam ser classificado como jogo de rifas.

K. Não sendo, naturalmente, de descurar a Jurisprudência mais recente, onde se inserem os doutos arestos da Relação de Lisboa de 26.10.2005 e 05.04.2006, desta Relação de Évora de 23.05.2006 e 11.07.2006, e da Relação de Coimbra de 01.02.2007 e 21.03.2007, o que sempre permitirá afirmar estarmos claramente perante uma situação que não se poderá enquadrar na previsão do art. 108º do D.L 422/89, de 02 de Dezembro, pois que, atento o exposto, de forma alguma a máquina apreendida nestes autos desenvolve um qualquer tipo de jogo tipificado na lei como sendo de fortuna ou azar.

L. Assim, e uma vez que no caso concreto não estamos perante um qualquer jogo de fortuna ou azar, conforme descritos no art. 4° do diploma legal supra referido, até porque, não se verifica em tais jogos uma qualquer potencialidade de viciação, que se entende ser o critério a considerar para a determinação do conceito de jogo de fortuna ou azar, visto que, pelas suas características, a sua utilização é sempre imediata e instantânea, esgotando-se a cada "jogada", não se propiciando de forma alguma a que o seu utilizador se sinta preso, com a ânsia de por novamente em jogo a sua sorte, pois, não é de forma alguma possível uma qualquer duplicação de apostas, ou mesmo fazer depender o prémio a receber do montante efectivamente gasto, será de concluir que nunca a conduta do ora Recorrente poderia ser criminalmente punível, pois que, não estaríamos perante um qualquer crime de exploração ilícita de jogo, mas sim já, e quanto muito, perante uma mera contra-ordenação.

M. A douta sentença recorrida violou os artigos 1°, 3º, 4°, 108°, 159° e 163°, todos do D.L n.º 422/89, de 02 de Dezembro, com a redacção dada pelo D.L n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
Conclui pedindo seja revogada a Sentença Recorrida e substituída por outra que absolva o recorrente da prática do crime pelo qual foi condenado.

Respondeu ao Recurso o Magistrado do Ministério Público, dizendo:

1. Tem entendido a jurisprudência que o traço delimitador entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins reside na existência ou não de uma directa interpelação ao público.

2. Com efeito, as modalidades afins supõem sempre a procura e oferta ao público, pelos respectivos promotores, dessas modalidades afins, e não a mera colocação dos jogos em estabelecimentos para o efeito, em que o público aí se dirige para a respectiva prática. Ou seja, as modalidades afins distinguem-se pela directa interpelação ao público;

3. A exploração de jogos de fortuna ou azar envolve, em maior ou menor medida, a implementação de uma actividade empresarial visando a obtenção de lucro, ideia que sai reforçada pela sua exploração em estabelecimento comercial, com a repartição de lucros entre o proprietário da máquina e o explorador do estabelecimento, como, aliás, sucede no caso em apreço;

4. Diversamente, quando a Lei fala em "modalidades afins" (art. 159.°), não fala em "exploração", mas sim em "operações oferecidas ao público", como sucede, nomeadamente, com as rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários;

5. "Operações" que, como o nome indica, podendo prolongar-se no tempo, não encerram a virtual perenidade que o termo "exploração" parece indiciar;

6. Com efeito, das modalidades afins expressamente previstas na Lei perpassa a ideia de uma actividade fortuita, ocasional, cingida a um período temporal que, muitas vezes, se confunde com uma determinada festividade religiosa ou pagã;

7. Contrariamente, nos jogos de fortuna ou azar, tal como são definidos na Lei, o que releva é o carácter continuado da actividade, visando a maximização do lucro.

8. Contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, a douta sentença recorrida analisou a hermenêutica das normas alegadamente violadas e concluiu de harmonia com o entendimento que tem sido seguido a este respeito pela jurisprudência maioritária;

9. Não merecendo qualquer reparo a subsunção da factualidade provada ao crime p. e p. pelo artigo 108.° do D.L 422/89, de 2/12.

Nesta instância, a Ex.ma Procuradora Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido de:

1. Ser de rejeitar o Recurso, por inadmissível, atento o disposto nos artºs 414.º n° 2 e 420º n.ºl, do CPP;

2. À cautela, entende que o Recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre APRECIAR e DECIDIR.

Em SEDE de DECISÃO RECORRIDA, mostram-se ASSENTES os seguintes FACTOS:

Em Novembro de 2004 o arguido N.B. explorava o café “…" sito…, no Torrão, sendo ele quem decidia todas as questões relacionadas com o seu funcionamento.

No dia 9 desse mês e ano, pelas 17h00, foi encontrado no estabelecimento:

Um expositor de forma rectangular, de pequenas dimensões, com estrutura plástica, de cor azul e amarela, com parede em fibra de vidro acrílico transparente que continha no seu interior várias cápsulas verdes e vermelhas.

Este expositor tinha sido colocado naquele estabelecimento em data não apurada pelo arguido J.P. que o trouxe consigo e após ter combinado com o N. B. uma repartição de lucros pela exploração do jogo que aquele expositor permitia, na proporção de 20% para o arguido N.B. e 80% para o arguido J.P..

O expositor supra referido tinha afixado um autocolante com a indicação do plano de prémios e outro com o valor de cada cápsula. Assim, o jogador adquiria uma cápsula pelo valor de € 0,50. Após a sua aquisição, retirava a cápsula do expositor e abrindo-a encontraria uma senha no seu interior que teria inscrito uma de duas situações:

a) ou a senha continha as letras A, B, C ou D e o jogador ganhava um dos prémios avulsos descrito no plano de prémios: isqueiro, porta-chaves, lápis ou esferográfica;

b) ou a senha era numerada de l a 50 e o jogador ganharia o prémio correspondente àquele que estivesse indicado no placard visível no local - canivetes, isqueiros, relógios e o prémio final de uma ventoinha.

O jogo permitido por este expositor assenta exclusivamente na sorte do jogador, não sendo a perícia deste determinante para a obtenção do prémio aberto este expositor, foi encontrado no seu interior uma embalagem plástica que continha 6 cápsulas.

Foi, igualmente encontrado no interior do estabelecimento supra referido um expositor de forma rectangular, de pequenas dimensões, com estrutura plástica, de cor azul e amarela, com parede em fibra de vidro acrílico transparente que continha no seu interior um número indeterminado de cápsulas ovais de plástico de várias cores.

Este expositor apresentava, ainda, na parte frontal um dispositivo para introdução de moedas de € 0,50 e um manípulo rotativo que seria desbloqueado para uma só volta após a introdução da respectiva moeda, libertando a cápsula.

Este expositor tinha sido colocado naquele estabelecimento em data não apurada pelo arguido A.F. e após ter combinado com o N.B. uma repartição de lucros pela exploração do jogo que aquele expositor permitia. Na proporção de 20% para o arguido N.B. e 80% para o arguido A.F..

O expositor supra referido tinha afixado um autocolante com a indicação do valor necessário para se jogar.

Assim, o jogador adquiria uma cápsula pelo valor de € 0,50. Após a sua aquisição, extraía a cápsula do expositor e abrindo-a encontraria uma senha no seu interior que teria inscrito uma letra que teria correspondência num chocolate. Os chocolates entregues divergiam de tamanho e marca consoante a letra inscrita na senha, sendo que os diversos chocolates identificados pela letra respectiva estavam expostos num placard demonstrativo visível ao jogador.

O jogo permitido por este expositor assenta exclusivamente na sorte do jogador, não sendo a perícia deste determinante para a obtenção do prémio.

Estava igualmente exposto no Café '…' naquele dia e hora um Cabaz Natalício que serviria de prémio a quem:

l. apostando numa das cidades existentes num cartaz exposto no local e

2. mediante o pagamento da quantia de €1,50,

3. conseguisse acertar no nome da cidade inscrita no canto superior direito do dito cartaz
4. que até ao preenchimento de todas as cidades se mostrava oculto.

Ora, neste jogo, para a obtenção do prémio final, não era determinante a perícia do jogador/apostador, já que se tratava de um jogo que depende exclusivamente da sorte e organizado pelo próprio N.B. que para o efeito adquiriu o cabaz e restantes materiais.

Sabia o arguido J.P. as características da máquina apreendida e quis explorá-la, sabendo igualmente que tal jogo dependia exclusivamente da sorte, sendo considerado de fortuna ou azar e carecia de licença;

Agiu o arguido J.P. de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

Sabia o arguido A.F. as características da máquina apreendida e quis explorá-la, sabendo igualmente que tal jogo dependia exclusivamente da sorte, sendo considerado de fortuna ou azar e carecia de licença;

Agiu o arguido A.F. de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

O arguido J.P. tem antecedentes criminais:

Proc. n.° …/96, decisão de 16.02.00, factos de 08.94, Trib. Elvas, condenado na pena de 100 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;
Proc. n.º ../01, decisão de 24.05.01, factos de 01.06.99, Trib. Montemor-o-Novo, condenado na pena de 120 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito, em cúmulo na pena única de 180 dias de multa;

Proc. n.° ../00, decisão de 12.03.02 factos de 30.08.00, Trib. Arraiolos, condenado na pena de 300 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;

Proc. n.° ../00.9 GDARL decisão de 12.03,02 factos de 30.08.00, Trib. Arraiolos, condenado na pena de 300 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;

Proc. n.° ../00.0 GCARL decisão de 12.03.02 factos de 30.08.00, Trib. Arraiolos, condenado na pena de 300 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;

Proc. n.° …/00.8 GDARL decisão de 12.03.02 factos de 30.08.00, Tnb. Arraiolos, condenado na pena de 300 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;

Proc. n.° …/00.0 6AARL decisão de 21.03.02, factos de 30.08.00, Trib. Arraiolos, condenado na pena única de 300 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;

Proc. n° …/01.0 GAARL decisão de 21.03.02, factos de 30.08.00, Trib. Arraiolos, condenado na pena única de 390 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;

Proc. n° …/00.3 GCARL decisão de 05.11.02, factos de 30.08.00, Trib. Arraiolos, condenado na pena de 90 dias de prisão substituída por multa e na pena de 60 dias de muita pela prática do crime de jogo ilícito;

Proc. n.° …/99.9 FAEVR, decisão de 17.03.03 de cúmulo, Trib. Montemor-o- Novo, condenado na pena única de 600 dias de multa peta prática do crime de jogo ilícito;

Proc. n.° …/00.5 FASRP, decisão de 11.07.03, factos de 26.10.00, Trib. Cuba, condenado na pena de um mês de prisão substituída por multa e na pena de 50 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito, em cúmulo na pena única de 200 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;

Proc. nº …/00.7 PAMRA, decisão de 15.07.03, factos de 21.03.00, Trib. Moura, condenado na pena de 290 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;

Proc. n.° …/01.1 FASRP, decisão de 18.12.02, factos de 26.10.00, Trib. Serpa, condenado na pena de 9 meses de prisão suspensa por 2 anos e na pena de 100 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;

Proc. n.º …/00.7 PAMRA, decisão de 18.02.04, factos de 09.01.03, condenado na pena de 190 dias de multa pela prática do crime de jogo ilícito;

O arguido A.F. não tem antecedentes criminais.

O arguido N.B. não tem antecedentes criminais.

O arguido N.B. vive com os pais, aufere cerca de € 600,00 da exploração do Café "…".
Tem o 7.º ano de escolaridade.

O arguido J.P. vive com a sua companheira e tem duas filhas de 9 e 4 anos de idade.

Vive em casa arrendada pela qual paga cerca de € 250,00 mensais. Aufere mensalmente cerca de € 1.000,00, e paga € 150,00 de um empréstimo que contraiu. Tem o 9º ano de escolaridade.

O arguido António Fernandes vive com o seu pai. Está desempregado e vive da pensão auferida pelo seu pai, no montante de € 250,00. Possui a 4ª classe de escolaridade.

Factos não provados

Produzida a prova e discutida a causa, não resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão da mesma:

a. As seis cápsulas estavam separadas das restantes de forma a que nunca fossem retiradas pelo sistema extractor e continham senhas que permitiam ao jogador ganhar os prémios de maior valor.

O arguido N.B. agiu de uma forma voluntária, livre e consciente, conhecia as características dos jogos e sabia que os explorava fora dos locais permitidos por lei.

Agiram os arguidos em comunhão de esforços.

O arguido J.P. sabia, ainda, que explorava o jogo que deixou naquele estabelecimento enganando os apostadores quanto à possibilidade de ganharem os prémios de maior valor, fazendo-o de forma voluntária, livre e consciente e bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei penal.

O arguido N.B., ao organizar o Cabaz de Natal da forma como o fez e fazendo depender a entrega do mesmo da aposta certeira do jogador sem que a perícia deste tivesse qualquer influência, fê-lo com o propósito de explorar de um Jogo, assente exclusivamente na sorte, bem sabendo que aquele tipo de jogos apenas pode existir em locais autorizados por lei para o efeito, não se coibindo mesmo assim de o levar a efeito.

Em SEDE de FUNDAMENTAÇÃO da DECISÃO de FACTO consignou-se o seguinte:

Foram relevantes para a decisão da matéria de facto os depoimentos dos arguidos e das testemunhas, bem como os documentos junto aos autos.

Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto peto ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas.

A motivação do Tribunal quanto aos factos provados e não provados assentou nas declarações prestadas pelos arguidos, os quais no essencial relataram aquilo que aconteceu, contudo, os arguidos J.P. e A.F. não convenceram o Tribunal relativamente ao facto de desconhecerem que a exploração das máquinas de jogo era punido por lei penal.

Nem quanto à circunstância dos jogos darem sempre prémio, logo não era jogo proibido, pois que tal foi contrariado de forma inequívoca pelos demais meios de prova produzidos, designadamente o relatório pericial.

O arguido N.B. convenceu o Tribunal de que desconhecia que a exploração das máquinas de jogo era punido por lei penal. Sendo as suas declarações corroboradas pelos restantes arguidos e pela testemunhas P. F., militar da GNR, da Brigada Fiscal, A.C., militar da GNR., os quais procederam à apreensão das máquinas e relataram as circunstâncias dessas apreensões, referindo também, a atitude colaborante do arguido e a surpresa manifestada pelo mesmo. Referiram, igualmente, o modo como decorreu a operação e que conduziram à apreensão das máquinas em apreço. Descreveram-nas como contendo um jogo de Fortuna ou azar afirmando que as referidas máquinas estavam localizadas em sítio acessível ao público.

Os seus depoimentos foram isentos e credíveis.

Quanto às condições sócio-económicas dos arguidos, atentou o Tribunal nas declarações dos mesmos.

Valorou o Tribunal os certificados de Registo Criminal dos arguidos.

Valorou também o Tribunal os autos de apreensão juntos aos autos.

Quanto à matéria de facto não provada deriva dos meios de prova acima referidos, designadamente das declarações dos arguidos, conjugadas com os depoimentos das testemunhas.
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Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.

No caso em análise o recorrente J.P. pretende ver decretada a sua absolvição do crime pelo qual veio a sofrer condenação, ou seja: de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108.º n.º1 do D.L. n.º 422/89, de 12 de Dezembro, na redacção dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro.

Vejamos, pois, se a pretensão do aqui recorrente merece ou não acolhimento por parte deste Tribunal.

No fundo, o que se cura de saber é se a conduta do arguido/recorrente J.P. integra ou não a prática do predito crime de exploração ilícita de jogo.

Para delucidar tal questão iremos seguir de perto o tecido em dois arestos desta Relação – arestos em que tivemos intervenção como adjunto – proferidos no âmbito dos recursos 2346/07 e 2220/07, respectivamente (e ainda o expendido no recurso 1093/08, de que fomos relator e bem ainda, e nessa qualidade, o recurso n.º 1249/08).

De facto, a questão a decidir não tem tido acolhimento e tratamento uniforme por banda da jurisprudência, encontrando-se esta dividida.

A razão para tal divergência deve encontrar-se na falta de clareza conceptual na actual legislação que regula a matéria em análise.

Se hoje essa falta de clareza é ponto assente, o mesmo não sucedia no âmbito do Decreto-lei n.º 48.912, de 18.03.1969, onde era clara a distinção entre jogo de fortuna ou azar e modalidade afim.

Enquanto o jogo de fortuna e azar era caracterizado em face da contingência do resultado, por depender exclusivamente da sorte; já as modalidades afins eram definidas como as “operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside essencialmente na sorte”.

Com a publicação e entrada em vigor do Dec. Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, deixou de ser clara a diferenciação entre os dois conceitos.

No art. 1.º definiram-se jogos de fortuna e azar como “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”:

A exclusividade do elemento sorte para a caracterização do jogo de fortuna ou azar deixa de existir com esta nova conceitualização do jogo.

Desaparecendo, também, aquele que era o traço distintivo da modalidade afim.

Mais e maiores dificuldades de interpretação surgem com a redacção conferida ao art.159.º por banda do Dec. Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.

Vindo-se, ora, definir modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar como as “operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do julgador, ou somente na sorte e que atribuem como prémio coisas com valor económico”.

Segundo o n.º2 consideram-se “(…) aqui abrangidos, nomeadamente as rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”.

O art. 4.º vem – de modo meramente exemplificativo – enumerar o que são jogos de fortuna e azar, dizendo que “nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna e azar (…):

Alin. g) – Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.

O art. 161.º n.º3 estipula que “as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo (de fortuna ou azar) referidas no art. 159.º não podem desenvolver temas característicos do jogo de fortuna ou azar, nomeadamente póquer, frutos, campainhas, roletas, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola ou totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.”

Constituindo contra-ordenação a violação do disposto no art. 161.º n.º3 (cf. art. 163.º n.º1).
Com base no quadro normativo acabado de citar, vário tem sido o entendimento que sobre o mesmo tem alcançado a jurisprudência, estando bem dividida, e quiçá, longe de vir a alcançar um critério uniformizador no que concerne à distinção entre jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins.

Para o acórdão da Relação do Porto de 8.07.1998, prolatado no Proc. n.º 98. 40524, a distinção deve encontrar-se na natureza dos prémios distribuídos.

Quando fossem em dinheiro estar-se-ia perante jogos de fortuna ou azar, ao passo que a distribuição de prémios de outra natureza caracterizariam a modalidade afim.

Já para o acórdão da mesma Relação de 14.07.1999, proferido no proc.99.10385, o que distingue os jogos de fortuna ou azar das modalidades afins é o facto de, no primeiro, o jogador poder auferir uma vantagem de valor determinado, em função da aposta, que pode multiplicar, de uma única vez, por forma a que entra num certo risco, auferindo uma vantagem em proporção não controlável por si, enquanto que no jogo afim, o jogador praticamente nada arrisca, a sua entrada não se reveste da característica da aposta, mas apenas do preço da jogada, que é simples, sem possibilidade de ela mesmo se multiplicar e o prémio que pode obter é fixo e pré-determinado.

Para o acórdão da Relação de Lisboa de 26.10.2005, proferido no Proc.76107/05 – 3, não existe distinção material entre os conceitos de jogo de fortuna ou azar e modalidade afim, defendendo que a distinção tem de ser formal.

Pelo que seriam considerados jogos de fortuna ou azar apenas aqueles cuja exploração, nos termos do art. 4.º n.º1 e 3, seja autorizada nos casinos, donde o campo de aplicação do ilícito criminal se restringiria à exploração e outras actividades ilícitas que tenham por objecto esses jogos de fortuna ou azar.

Em diversos arestos a Relação do Porto vem entendendo que as modalidades afins supõem sempre a procura e oferta ao público por parte dos respectivos promotores e não a mera colocação dos jogos em estabelecimentos onde o público se dirige para a sua prática. (cfr. Ac. de 5.02.1997, no Processo n.º 96 40932, de 25.11.1998, no Processo n.º 98 41137, de 29.09.1999, no Processo n.º 99 10508, de 5.01.2002, no Processo n.º 99 40170 e de 26.04.2002, no Processo n.º 99 41112).

Esta Relação, em acórdão datado de 13.02.2007, na CJ, tomo 1, pag. 258, veio a entender que os elementos de distinção que a lei utiliza no que respeita aos jogos afins são, por um lado, o tema do jogo que não pode coincidir com o tema do jogo de fortuna ou azar e, por outro lado, a natureza do prémio que não pode consistir em dinheiro. Para concluir que qualquer jogo cujo resultado depende exclusiva ou parcialmente da sorte e cujo prémio seja em dinheiro, desenvolva ou não tema de jogo de fortuna ou azar, integra o conceito de jogo de fortuna ou azar.

Recentemente o acórdão da Relação do Porto, datado de 26.09.2007, proferido no Processo n.º 07 40742168, veio defender que do confronto da definição de jogos de fortuna ou azar contida no art. 1.º - aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte – com a norma contida no art. 159.º, resulta serem elementos essenciais do conceito de modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar:
- O facto de serem operações de oferta ao público;
- O facto de ter de existir esperança de ganho;
- O facto de os resultados terem de depender conjuntamente da sorte e perícia do jogador ou só da sorte; e
- O facto de os prémios terem de consistir em coisas de valor económico.

Conjugando tal critério com a proibição contida no art. 161.º, n.º3 – atinente à utilização pelas modalidades afins de temas característicos dos jogos de fortuna ou azar e de substituição dos prémios por dinheiro ou fichas – veio firmar entendimento no sentido de que o legislador quis que o material reportado a jogos que tenham resultados dependentes essencialmente do acaso tenham o seu uso restrito às zonas de jogos autorizados e que os jogos proporcionados pelas mesmas sejam considerados de fortuna ou azar, quer paguem ou não paguem directamente prémios em dinheiro ou em fichas.

E estribando-se no aresto em causa, veio-se nos acórdãos desta Relação e que vimos seguindo de perto, a firmar entendimento de que o legislador optou por uma definição ampla de fortuna ou azar e modalidades afins, digo, de jogo de fortuna ou azar, podendo-se surpreender com elementos diferenciadores entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins, por um lado, num aspecto formal, o facto de “as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, as operações serem oferecidas ao público” e, por outro lado, numa perspectiva material, o facto de o resultado nos jogos de fortuna ou azar se fundar exclusiva ou fundamentalmente na sorte. Isto, independentemente da presença ou não de prémios e da sua qualidade, em dinheiro ou em espécie, prémios que, nas modalidades afins, não podem ser em dinheiro, nem trocados por dinheiro ou fichas.

Para concluir, que a linha de fronteira entre os jogos de fortuna ou azar das modalidades afins não se pode traçar pela existência ou não de prémios previamente fixados, nem pela participação, à partida, de um número indeterminado de pessoas, nem do factor potenciação da viciação.

Sendo que os jogos que dependem essencialmente do acaso e da sorte do jogador são aqueles em que este não tem qualquer possibilidade de influenciar ou condicionar o resultado do respectivo jogo.

Afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que teremos de procurar uma leitura mais restritiva da lei e, desse modo, melhor enquadrar o espírito do legislador ao estabelecer a diferença entre máquinas de fortuna e azar e seus respectivos jogos por elas desenvolvidos, das modalidades afins.

Aqui dissentimos do entendimento que vem sendo desenvolvido e que já subscrevemos.

Tudo, sob pena de se alargar de tal modo a punição, englobando-se todos os jogos como sendo de fortuna ou azar.

Entendendo-se que os jogos que exploram temas próprios dos jogos de fortuna ou azar se mostram reservados aos casinos e assim se entendendo o inciso normativo contido no art. 4.º do Dec. Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro.

Todos os demais jogos devem ser integrados nas modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, a que alude o art. 159.º do citado Dec. Lei n.º 422/89, de 2-12.

Assim já o entendeu o acórdão desta Relação de 11.07.2006, proferido no Processo n.º 1254/06.

Ao dar nota de que jogos de fortuna ou azar são apenas aqueles cuja exploração, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art. 4.º da actual redacção do Dec. Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, é autorizada nos casinos para os quais existem regras de execução, actualmente reunidas na Portaria n.º 817/2005, de 13/09, que abrange os jogos bancados, não bancados e máquinas automáticas – regras que se encontram dispersas pelas Portarias n.ºs 1441/95, 461/01, 1364/01, 849/02, de, respectivamente, 29.11, 8.05, 6.12 e 29.07.

No sentido do acabado de tecer, vemos o Ac. do STJ de 28.11.2007, no Processo n.º 3186/07.

Aí se dá nota que os jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusivamente ou fundamentalmente na sorte (art. 1.º do Dec. Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro) e que estão tipificados no art. 4.º, n.º1, do mesmo diploma.

No que releva para o caso, dado que o elemento essencial está ligado à detenção de determinadas máquinas de jogos, as alin. f) e g) do n.º1 do art. 4.º do Dec. Lei n.º 422/89, considera como tipos (modalidades) de jogos de fortuna ou azar os “jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas” e os “jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem formas próprias dos jogos de fortuna ou azar, ou apresentam como resultados pontuações dependentes exclusivamente ou fundamentalmente da sorte”.

Fora desta descrição, modalidades de jogos cujos resultados também dependem exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não constituem, na disciplina da Lei dos Jogos de fortuna ou azar, mas modalidades afins, com regulamentação e consequências próprias.

Aqui chegados, respiguemos da factualidade tida como assente de que tipo de máquinas de jogos os autos versam, para, de seguida, se poder concluir se estamos perante máquinas que desenvolvem ou não jogos de fortuna ou azar – um expositor de forma rectangular, de pequenas dimensões, com estrutura plástica, de cor azul e amarela, com parede em fibra de vidro acrílico transparente que continha no seu interior várias cápsulas verdes e vermelhas.

O expositor afixado tinha um autocolante com a indicação do plano de prémios e outro com o valor de cada cápsula.

Assim, o jogador adquiria uma cápsula pelo valor de 0,50 Euros. Após a sua aquisição, retirava a cápsula do expositor e abrindo-a encontraria uma senha no seu interior que teria inscrito uma de duas situações:

a) Ou a senha continha as letras A, B, C ou D e o jogador ganhava um dos prémios – isqueiro, porta-chaves, lápis ou esferográfica;

b) Ou a senha era numerada de 1 a 50 e o jogador ganharia o prémio correspondente àquele que estivesse indicado no placard visível no local – canivetes, isqueiros, relógios e o prémio final de uma ventoinha.

A outra máquina em causa tinha as seguintes características e modo de funcionamento:

- Expositor em forma rectangular, de pequenas dimensões, com estrutura plástica, de cor azul e amarela, com parede em fibra de vidro acrílico transparente que continha no seu interior um número indeterminado de cápsulas ovais de plástico de várias cores.

Este expositor apresentava, ainda, na parte frontal um dispositivo para introdução de moedas de 0,50 Euros e um manípulo rotativo que seria desbloqueado para uma só volta após a introdução da respectiva moeda, libertando a cápsula.

Assim, o jogador adquiria uma cápsula pelo valor de 0,50 Euros. Após a sua aquisição, extraía a cápsula do expositor e abrindo-a encontraria uma senha no seu interior que teria inscrito uma letra que teria correspondência num chocolate.

Os chocolates entregues divergiam de tamanho e marca consoante a letra inscrita na senha, sendo que os diversos chocolates identificados pela letra respectiva estavam expostos num placard demonstrativo visível ao jogador.

Escreveu-se, ainda, na sentença recorrida que o(s) jogo(s) permitido(s) pelo(s) expositor(es) assentava(m) exclusivamente na sorte do jogador, não sendo a perícia deste determinante para a obtenção do prémio.

Do acabado de transcrever impõe-se concluir que o jogo/jogos desenvolvido(s) pela(s) predita(s) máquina(s), embora os resultados dependessem da sorte e não da perícia ou destreza dos jogadores, não exploravam, sem qualquer sombra de dúvida, temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.

Antes, temas próprios das modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar – cf. art. 159.º do Dec. Lei n.º 422/89, de 2.12.

Não podemos, a respeito, de chamar a terreiro o parecer do Ex.mo P.G.A., proferido no âmbito do recurso desta Relação, com o n.º 1249/08.

Escreveu o Ilustre Magistrado – e numa situação bem parecida com a retratada nos presentes autos – que como jogo de fortuna ou azar, as máquinas do tipo das que se encontravam apreendidas nos autos estariam, obviamente, condenadas ao insucesso, já que, só podendo funcionar em casinos, não vemos que as empresas que se dedicam à sua exploração (V.g., Estoril Sol, Solverde) ousassem colocar tais máquinas em causa nos seus estabelecimentos a sortear – chocolates a – por – 50 cêntimos.

O mesmo raciocínio e considerações valem “in totum” no caso vertente.

Se não se pode falar, no caso concreto, na prática de crime de exploração ilícita de jogo do art. 108.º n.º1 do D.L. n.º 422/89, de 2-12, poder-se-ia falar em contra-ordenação, p. e p. pelos art. 159.º, 160.º, n.º1, 161.º. n.º3 e 163.º, n.º1 do D.l. n.º 422/89, de 2.12.

O que é certo é que, dado o lapso de tempo já transcorrido, estaria prescrito o procedimento contra-ordenacional.

Porém, importa reter que não competia a este Tribunal o conhecimento da contra-ordenação. Tudo como melhor resulta dos art. 164.º do DL 422/89, de 2.12, e 38.º, n.º1 do RGCO.

Termos são em que Acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogam a sentença recorrida, absolvendo-se o recorrente J.P. do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108.º n.º1, por referência aos art. 1.º e 3.º, n.º1 do Dec. Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações do DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro, com todas as devidas consequências.

Sem tributação.

Évora, 10-03-09

Proença da Costa (relator)

A.M. Clemente Lima (1.º adjunto)

Alberto João Borges (2.º Adjunto)