Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4/21.0GACCH.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: REGISTO DE IMAGENS
ILEGALIDADE
PROVA PROÍBIDA
PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DA PROVA DERIVADA DA PROVA PROIBIDA
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Cumpre salientar que, ao permitir, relativamente a certos crimes taxativamente indicados, dentre os quais o de tráfico de estupefacientes, o uso de registo de voz e de imagem como meio de produção de prova, o artigo 6.º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, estabelece que “1 - É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado. 2 - A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos. 3 - São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal”. A norma que acabamos de transcrever faz depender de prévia autorização ou ordem do juiz a produção de registos de voz e de imagem, sem consentimento do visado, fazendo aplicar as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal, aos registos obtidos. Ou seja, os registos de voz e de imagem para que possam ser recolhidos dependem de pressupostos substanciais, que são os previstos no n.º 2 do artigo 6.º – autorização ou ordem do juiz de instrução, consoante a recolha seja levada a efeito na fase de inquérito ou na fase de instrução –, ficando sujeitos aos mencionados pressupostos formais constantes do artigo 188.º do Código de Processo Penal.
No caso dos autos, as informações e as fotografias foram obtidas por “pessoa que solicitou que a sua identidade não fosse revelada devido ao facto de eventuais represálias” e em circunstâncias não concretamente apuradas, sem a autorização ou consentimento dos arguidos, não tendo havido qualquer despacho a autorizar ou ordenar o registo fotográfico, e desconhecendo-se igualmente se a captação de imagens ocorreu em lugar público, entendido este no sentido de lugar de livre acesso de público;

Assim, pode, desde já afirmar-se que, no caso em apreço, os elementos constantes dos autos permitem uma conclusão segura e objectivamente fundada no sentido da ilegalidade da recolha dos registos de imagem juntos ao auto de notícia, que não serão, portanto, valorados como elemento de prova documental.

Na decisão recorrida, porém, afirma-se que tal ilegalidade não se comunica às demais e subsequentes diligências probatórias, uma vez que os elementos da GNR percepcionaram directamente, independentemente daqueles elementos, um forte odor característico da planta do cannabis oriundo do interior dos armazéns, da cobertura das janelas com aparente plástico de cor preta, do gradeamento e das saídas de tubos que pelo som e calor aparentam vir de um ventilador instalado no interior dos armazéns para produzir calor, para auxiliar o desenvolvimento das plantas, conduzindo inevitavelmente ao mesmo resultado.

A questão que se coloca é, porém, como chegaram tais elementos da GNR a tal percepção.

Ainda nos termos da decisão recorrida, tal percepção surgiu no seguinte contexto:

“Ora, avulta ostensivamente da análise do auto de notícia elaborado pela testemunha [VV, militar da GNR] que as fotografias foram fornecidas pela testemunha/informador e que a testemunha e o militar JJ, que o acompanhava, acederam por uma zona de eucaliptos que não se encontrava vedada até junto dos armazéns.

Portanto, não sendo possível determinar se os militares acederam ou não ao interior da Quinta ... por se desconhecerem os limites da propriedade (que não estava vedada), a verdade é que se afigura muito provável que o tenham feito uma vez que se aproximaram dos armazéns para confirmar o que se passava no interior.”

O tribunal exterioriza, neste contexto, uma situação de dúvida.

Afigura-se-nos como evidente que, atento o princípio in dubio pro reo, tal dúvida deve ser resolvida a favor da defesa, ou seja, deve considerar-se que os elementos da GNR, sem qualquer mandado judicial, efectivamente acederam ao “interior” da Quinta ....

Consequentemente, surpreende-se uma contradição entre o decidido quanto aos registos de imagens juntos ao auto de notícia e quanto à percepção ulterior das aludidas realidades pelos elementos da GNR, em face de uma fundamentação essencialmente semelhante.

Os vícios previstos no n.º 2 do art.º 410.º dão origem ao reenvio do processo para novo julgamento, excepto se for possível «decidir da causa» (art.º 426.º, n.º 1).

In casu, cremos que é possível decidir a causa sem que seja necessário o mencionado reenvio.

Com efeito, atentas as considerações feitas pelo tribunal a quo quanto à ilegalidade dos registos de imagem juntos ao auto de notícia ilegalidade (que se subscrevem) e considerando que as mesmas terão (por identidade de razão, como vimos) de aplicar-se aos elementos recolhidos pelos agentes da GNR, também estes (vertidos no auto de notícia) não poderão, assim, ser valorados como elemento de prova. (art.º 126.º, n.º 3 )

Considerando, como também nota o MP na sua resposta ao recurso, que os mandados de busca “foram emitidos unicamente com base na informação constante do auto de notícia” e que este se mostra, como vimos, inquinado por uma proibição de prova, resta decidir se todas as provas ulteriores se encontram irremediavelmente contaminadas pela chamado “efeito-à-distância”.

Entendeu-se na decisão recorrida que as buscas e apreensões sempre seriam realizadas na sequência da constatação pelo órgão de polícia criminal do forte odor característico da planta do cannabis oriundo do interior dos armazéns, da cobertura das janelas com aparente plástico de cor preta, do gradeamento e das saídas de tubos que pelo som e calor aparentam vir de um ventilador instalado no interior dos armazéns para produzir calor, para auxiliar o desenvolvimento das plantas, conduzindo inevitavelmente ao mesmo resultado. Sobre este aspecto já nos pronunciámos, estando a actividade policial que conduziu àquelas percepções, ela própria, manchada por uma proibição de prova.

Quanto à (mencionada) valoração da decisão autónoma e produto da livre vontade dos arguidos de confissão parcial dos factos, corroborando, com as suas declarações, a prática de todos os factos que integram o tipo de ilícito objectivo do crime em apreço, diremos o seguinte: A aludida “confissão parcial dos factos” só poderia ser susceptível de integrar a dissipação da mácula da prova proibida pretérita caso, para além de livre, tivesse sido integralmente esclarecida (o que não aconteceu), no sentido de comunicar aos arguidos que a prova primária proibida não poderia contra si ser valorada: “Sem essa "informação qualificada" (ac. TEDH Gäfgen v. Alemanha 30.6.2008) o nexo de ilicitude entre a prova primária e a prova derivada mantém-se firme em termos tais de ter de se afirmar o efeito remoto.”

Flui do exposto que, não se vislumbrando quaisquer obstáculos (por qualquer dos aludidos critérios) à proibição de valoração da prova derivada da prova proibida, não pode tal prova derivada ser de todo considerada, atentos o comando constitucional vertido no art.º 32.º, n.º 8 da CRP e o comando legal materializado no art.º 126.º, n.º 3 do CPP.

Tais proibições conduzem directamente à nulidade da prova dos factos que motivaram a condenação, implicando, necessariamente, a absolvição dos arguidos.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo Central Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo comum colectivo n.º 116/18.7PAABT contra os arguidos:

AA, filho de BB e de CC, natural da ..., nascido em .../.../1984, solteiro, residente na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., titular do passaporte n.º ..., atualmente detido no Estabelecimento Prisional ...,

DD, filho de EE e de FF, natural da ..., nascido em .../.../1983, solteiro, residente na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., titular do passaporte n.º ..., atualmente detido no Estabelecimento Prisional ...,

GG, filho de HH e de II, natural da ..., nascido em .../.../1991, solteiro, residente na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., titular do passaporte n.º ...,

pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-B e I-C.

*

No decurso da audiência de julgamento foi comunicada uma alteração não substancial da factualidade descrita na acusação e da qualificação jurídica, mediante a imputação aos arguidos da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelos artigos 17.º, n.º 2, e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-B e I-C.

*

Após a realização da audiência de julgamento, foi proferido acórdão, com o seguinte dispositivo (transcrição):

“Tudo ponderado, decide o Tribunal:

a) Julgar procedente, por provada, a invalidade processual probatória que determina a nulidade da prova documental consubstanciada no registo fotográfico de fls. 7 a 17;

b) Julgar improcedentes, por não provadas, as demais nulidades de prova invocadas susceptíveis de afectar a validade das diligências de busca e apreensão documentadas nos autos;

c) Condenar AA pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 17.º, n.º 2, e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-B e I-C, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

d) Condenar DD pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 17.º, n.º 2, e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-B e I-C, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

e) Condenar GG pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 17.º, n.º 2, e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-B e I-C;, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

f) Determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada a GG pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova, assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social;

(…).”

Inconformados, os arguidos interpuseram recurso de tal decisão.

O recurso foi admitido.

Conclusões do recurso: (transcrição)

“1. AA, DD e GG, arguidos melhor identificados nos autos à margem, e neles Arguidos, não se conformando com o teor do Acórdão Condenatório proferido nos presentes autos a 23 de fevereiro de 2022, com a referência: ..., vêm dele INTERPOR RECURSO, em MATÉRIA DE FACTO e em MATÉRIA DE DIREITO para este Alto Tribunal, nos termos do disposto no art. 427º do C.P.P.

2. Os recorrentes, quanto à matéria de facto, não irão proceder à transcrição dos depoimentos das testemunhas que se revelaram importantíssimas para a decisão da matéria de facto e, portanto, importantíssimas para aferir da bondade ou não da decisão proferida quanto a tal matéria, porque os recorrentes dão como boa e suficiente a súmula que o Tribunal recorrido faz de cada um dos depoimentos e que consta expressamente da decisão recorrida, concordando os recorrentes com a mesma., indicando-se apenas e tão só – por cautela – o inicio e o fim de cada um dos depoimentos por referência ao consignado nas respetivas actas de julgamento.

3. Se efectivamente for diferente o entendimento deste Tribunal sobre tal matéria, ie, se este Tribunal entender que sobre o recorrente assenta não só o ónus de indicação dos minutos das passagens tendo em conta o consignado em acta, mas também a transcrição dessas mesmas passagens para o texto da motivação do recurso, deverão então os recorrentes serem notificados para os recorrentes procederem à junção da transcrição das concretas passagens em que funda a sua impugnação da matéria de facto., já que tal indicação não consubstancia uma modificação do âmbito do recurso.

4. DA NULIDADE DA PROVA INICIAL: O espaço considera-se "vedado" quando o acesso não foi permitido para os fins utilizados pelos guardas da GNR, que nele se introduziram arbitrariamente, aí permanecendo sem o consentimento ou autorização do titular do direito protegido, ou legitimado por despacho judicial que o permitisse. O bem jurídico protegido através da incriminação (a inviolabilidade do espaço em causa) não deixa de ser dessa forma afectado, da mesma forma que não deixa de ser afectada a privacidade do domicílio quando alguém nele se introduz, contra a vontade do seu titular e sem despacho judicial que o legitimasse, mesmo que a vedação em rede tivesse, em alguma da sua parte, incompleta ou até no caso do portão se encontrar aberto. O crime de introdução em lugar vedado ao público não é um crime contra o património, mas sim um crime contra as pessoas, visando-se, através dele tutelar ainda a intimidade pessoal a que todo o cidadão tem direito. Impõe-se, assim, com base na factualidade descrita no douto acórdão e na oferecida fundamentação a propósito referida, concluir pela subsunção comportamental dos militares da GNR ao tipo incriminador p. pelo artº 191º do C.P, preenchidos que se mostram os respectivos elementos objectivos e subjetivos.

5. Os militares da GNR o que fizeram foi: entraram num lugar privado e vedado ao público sem qualquer ordem que o legitimasse, espreitaram por janelas, subiram por paredes até aos telhados da residência e suas dependências, percorreram toda a extensão da quinta e tiraram algumas fotografais daquilo que iam vendo, não tendo praticado qualquer acto cautelar… deixaram tudo conforme estava e vieram embora. Só depois deram conhecimento ao MP da denúncia, das fotografias juntas pelo informador, do auto de notícia de fls. e sgs e das fotografias que os próprios tiraram, só então propondo a emissão de mandados de busca domiciliária.

6. No caso dos autos, houve um verdadeiro “pré-inquérito” por parte da G.N.R.: a G.N.R. tomou conhecimento direto da prática de crime através da denúncia por parte de um informador habitual da GNR, tendo aquele fornecido à GNR as fotografias que demonstravam a prática do crime. A GNR tinha, ainda, a identificação completa dos suspeitos (tendo em conta a tal fiscalização do incumprimento das regras impostas pelo estado de emergência) e decidiram proceder a diligências prévias de investigação sem qualquer tipo de formalização, invadindo uma propriedade privada e vedada sem que se encontrassem legitimados a fazê-lo.

7. O artigo 248º nº 1 do Código de Processo Penal permite – no prazo ali indicado e sem abuso policial - a recolha de informação que vise assegurar a prática de actos cautelares previstos nos artigos 249º a 252º do diploma, o que não foi o caso em concreto dos presentes autos!

8. Pelo que entendemos que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare ilegítima a entrada dos militares da GNR no dia 6 de março de 2021 na …. – ..., tendo em conta a sua subsunção ao tipo incriminador p. pelo artº 191º do C.P. preenchidos que se mostram os respectivos elementos objectivos e subjetivos devendo ser declarado, consequentemente, a ilegalidade da recolha de informações contidas e juntas ao auto de notícia de fls. 3, não podendo portanto, serem as mesmas (informações) valoradas como elemento de prova documental nem poderão servir como fundamento para a emissão de quaisquer mandados de busca posterior.

9. DA NULIDADE DAS BUSCAS: Quanto a esta matéria os recorrentes vieram pugnar pela declaração de nulidade das buscas e apreensões, atento o disposto nos artigos 176.º, 177.º e 178.º, todos do Código de Processo Penal e artigo 32.º, n.º 8, da Lei Fundamental, na medida em que a suscitada nulidade do auto de notícia e da reportagem fotográfica que o acompanha contamina irremediavelmente a validade das diligências de busca e apreensão subsequentemente realizadas

10. De facto, tendo em conta o teor dos mandados de busca e respectiva fundamentação, verificamos - sem margem para dúvidas – que os mesmos foram emitidos exclusivamente tendo em conta (fls. 24) “a descrição dos factos efectuados pelo NIC da GNR, mas igualmente o relatório fotográfico de fls. 7 a 17”. Ou seja, foi proferido despacho a autorizar as buscas domiciliárias e a emissão dos respectivos mandados tendo em conta os factos percepcionados pelos militares da GNR quando entraram ilegitimamente na referida quinta e tendo em conta as fotografias que foram entregues pelo informador aos Militares da GNR, pois é destas que resulta que “ali se encontram plantadas, dezenas de plantas que aparatem ser canábis, cultivadas, com altura superior a 80 cm” (fls. 24)

11. Deste despacho resulta, ainda, expressamente que o lugar “encontra-se vedado com rede, encontrando-se as plantas no interior de um armazém, dotado de ventiladores e com janelas cobertas com plásticos pretos (fls. 24).

12. Resulta ainda do despacho que ordena as buscas domiciliárias que o domicílio em causa – enquanto lugar reservado e não acessível ao público – se encontram pessoas e objectos relacionados com um crime suscetíveis de servir de prova.

13. Assim, foi ilegítima a recolha quer das fotografias de fls. 7 a 17 como foi ilegítima, também, a entrada dos militares na referida quinta no dia 6 de março de 2021, e, consequentemente e porque os mandados de busca e apreensão só foram emitidos exclusivamente tendo em conta aquelas fotografias e as informações obtidas pelos militares da GNR com aquela entrada, também estes são nulos.

14. que estamos perante um lugar vedado ao público, porque os factos dos militares entraram na quinta por uma zona que não tinha vedação não faz com que não estejamos perante um lugar vedado ao público, uma vez que estamos perante um crime contra as pessoas e não contra o património, logo a sua entrada na mesma é ilegítima e as informações por eles ali recolhidas são inválidas, sendo também, inválidos – consequentemente - os mandados posteriormente emitidos com base nessas informações.

15. Note-se: sem as fotografias que o Tribunal recorrido já entendeu serem inválidas e sem as informações trazidas pelos militares da GNR a fls. 3 e seguintes que nós consideramos igualmente inválidas não existia nos autos nenhum outro elemento de prova.

16. Sem aqueles não havia sequer processo, muito menos mandados de busca domiciliária ou qualquer outro.

17. Ou seja, os mandados de busca foram emitidos exclusivamente tendo em conta as fotografias e a informação trazida aos autos por parte dos Militares da GNR quando ilegitimamente se introduziram no interior da quinta.

18. Por todo o exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que declare não só a nulidade do aludido registo de imagem – já declarado na decisão recorrida, como também a ilegalidade da introdução dos militares da GNR no interior da quinta, por terem-se introduzido - sem estarem legitimados para tal - em lugar vedado ao público, ilegalidades que condicionam irremediavelmente a validade das demais diligências probatórias realizadas ao longo da investigação que se baseiam nas informações recolhidas pelo órgão de polícia criminal e vertidas no auto de notícia de fls. 3 e ss. e posteriores mandados de busca domiciliária, buscas e apreensões.

19. PONTOS DE FACTO QUE O RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS (art. 412º, nº 3, al. a), do CPP): pontos 1, 2, 3, 13, 15 a 19 dos factos provados.

20. AS CONCRETAS PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA (ART. 412º, Nº 3 E 4 DO CPP): Relativamente aos pontos que supra indicamos entendem os recorrentes que temos uma total ausência de prova que permitisse o Tribunal recorrido dá-los como provados, sendo que impõem decisão diversa as declarações dos arguidos que são totalmente corroboradas pelas testemunhas (o que resulta da própria fundamentação da decisão recorrida) e não são infirmadas por nenhum elemento de prova, revelando-se as mesmas credíveis e de acordo com as regras do normal acontecer.

21. Os recorrentes concordam com a súmula que o tribunal faz das declarações dos arguidos, motivo pelo qual não as transcrevem por se revelar desnecessária tal transcrição e, ainda, porque a sinopse realizada resulta da totalidade das declarações prestadas pelos arguidos e não de partes concretas de tais declarações - o que implica também a desnecessidade da transcrição ou da indicação das concretas passagens que entendemos como relevantes, na medida em que são relevantes a totalidade das declarações pelos três arguidos – encontrando-se estas gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, sendo que as declarações do AA foram prestadas na sessão de julgamento do dia 5/1/2022 sendo que o seu início ocorreu pelas 14h58m34s e o seu termo pelas 16h50m09s; as declarações do arguido DD, foram prestadas na sessão de julgamento do dia 9/2/2022 tendo o seu início ocorreu pelas 10h16m56s e o seu termo pelas 11h19m53s; declarações do arguido GG, tendo as mesmas sido prestadas no mesmo dia 9/2/2022, tendo o seu inicio ocorrido pelas 11h19m59s e o seu termo pelas 11h40m47s.

22. Os arguidos contaram os factos tal como se passaram, sendo que os factos tais como descritos pelos arguidos para além de serem totalmente coincidentes entre eles e estarem de acordo com as regras da experiência e do normal acontecer estão em total acordo – naquilo que é do conhecimento das restantes testemunhas – com o que foi declarado por cada uma das testemunhas (sem execepção) indo ainda de acordo com as declarações prestadas pela testemunha JJ quanto aos motivos da abordarem dos arguidos (na sequência da violação do regime legal especial em vigor naquela fase pandémica), a forma como procederam à identificação dos mesmos, a consequente deslocação da GNR à Quinta ... com os arguidos a fim de recolherem os respectivos documentos identificativos, a total colaboração manifestada pelos arguidos e a forma natural como se comportaram quando se dirigiram juntamente com a autoridade policial à residência sita junto aos armazéns onde os mesos desenvolviam a actividade criminosa.

23. As declarações dos arguidos foram ainda de acordo com o que foi declarado pelas testemunhas KK e LL, quanto ao facto dos arguidos nada terem a ver com o arrendamento da quinta à respetiva proprietária nem com o pagamento da renda e demais despesas. Sendo que estas testemunhas referiram nunca terem visto os arguidos, sendo que a primeira é a proprietária da Quinta e o segundo foi o intermediário entre aquela e um tal MM que celebrou o respectivo contrato de arrendamento enquanto arrendatário.

24. Tudo isto resulta da súmula e interpretação que o Tribunal recorrido faz da análise da prova produzida e que consta expressamente do texto da decisão recorrida – pelo que não procedemos à transcrição de nenhum dos depoimentos

25. A testemunha JJ de forma expressa, afirmou que ambos (a testemunha e o seu Colega, o NN) entraram na quinta no dia 6 de março de 2021, circularam livremente pela mesma, tornearam os armazéns e a habitação dos arguidos, um dos militares por um dos lados de cada um dos edifícios e outro pelo outro lado, acederam às janelas dos armazéns e habitação, tentaram inclusivamente abrir as portas o que não conseguiram por estarem trancadas a cadeados , pelo que não se entende como pode o Tribunal afirmar que “não sendo possível determinar se os militares acederam ou não ao interior da Quinta ... por se desconhecerem os limites da propriedade (que não estava vedada), a verdade é que se afigura muito provável que o tenham feito uma vez que se aproximaram dos armazéns para confirmar o que se passava no interior

26. não corresponde à verdade que da valoração positiva e criticamente feita pelo Tribunal recorrido e que acabamos de analisar conjugada das declarações dos arguidos e dos depoimentos das mencionadas testemunhas produzidos em audiência de julgamento também sumariamente descritas e analisadas na decisão recorrida e que acabamos de analisar cuidadosamente concatenados com a prova documental e pericial elencada na decisão recorrida resulta demonstrado os factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 13 e 15 na parte aqui impugnada.

27. Ou seja, do que acabamos de ler e de analisar da prova indicada e concatenada entre si e da valoração que o próprio Tribunal recorrido faz desses mesmos elementos de prova não resulta demonstrado, nem muito nem pouco, que os arguidos decidiram proceder ao cultivo de produto estupefaciente canábis para a venda e cedência a terceiros que, para tanto, os procurassem, assim obtendo proventos económicos (ponto 1 dos factos provados), nem que as plantas apreendidas destinavam-se à venda, distribuição e cedência a terceiras pessoas que, para o efeito, procurassem os arguidos (ponto 15).

28. O que resulta é que os arguidos foram contratados por terceiros para, sob as suas ordens e direcção, virem trabalhar para Portugal na agricultura. Que aqui chegados deparam-se com uma plantação de canábis já implantada e em franca evolução na quinta onde tinham de trabalhar, tendo-lhes sido dito que tal plantação era para fins medicinais. Aos arguidos não cabia vender o que quer que fosse, mas apenas cuidar da plantação existente. Não houve uma única testemunha ou meio de prova que demonstre que os arguidos venderam produto estupefaciente ou que as plantas apreendidas se destinassem a ser por eles vendidas a terceiros. Zero!

29. Da mesma forma, da prova indicada e concatenada entre si e da valoração que o Tribunal recorrido faz desses mesmos elementos de prova não resulta demonstrado, nem muito nem pouco, que foram os arguidos AA, DD e GG que decidiram que o cultivo seria efetuado na quinta sita na Rua ..., Quinta ..., localidade de ..., ..., .... (Ponto 2)

30. Na boa verdade resulta precisamente o contrário. Resulta da prova documental junta aos autos (contrato de arrendamento de fls. 207, suportes fotográficos de fls. 214 e seguintes, Apenso 1 – documentos apreendidos no interior da residência) das declarações dos arguidos e do depoimento das testemunhas KK e LL que não foram os arguidos quem decidiram que o cultivo de canábis seria feito naquela quinta. Já antes dos arguidos outros passaram por lá.

31. Sendo que tal realidade resulta ainda das regras e do normal acontecer tendo em conta que o tempo dado como provado que os arguidos se encontravam em Portugal na plantação de canábis não era suficiente para termos já canábis embalado e pronto a ser comercializado.

32. De igual forma, ainda, da prova indicada e concatenada entre si e da valoração que o Tribunal recorrido faz desses mesmos elementos de prova não resulta demonstrado, nem muito nem pouco, que tivesse havido um qualquer plano traçado pelos arguidos AA, DD e GG para o cultivo de plantas de cannabis (ponto 3), sendo que o arguido GG só conhece os restantes arguidos quando chega à quinta após ter sido recrutado, por um anúncio na internet, para vir trabalhar para Portugal.

33. De igual forma, ainda, da prova indicada e concatenada entre si e da valoração que o Tribunal recorrido faz desses mesmos elementos de prova não resulta demonstrado que as quantias monetárias que detinham eram provenientes da actividade de tráfico desenvolvida pelos arguidos – Ponto 13.

34. No que diz respeito aos factos dados como provados nos pontos 15 a 19 e supra indicados como incorrectamente julgados, diz a decisão recorrida o seguinte:

35. Nos presentes autos estamos a falar de uma plantação de canábis com centenas de pés de canábis que como referido pelos militares da GNR deixavam no local um cheiro intenso a canábis, sendo necessário grandes áreas e condições muito especiais para o seu desenvolvimento, pelo que jamais poderia tal plantação ser num armazém no meio da cidade ou junto à estrada. Por outro lado, tais plantas no mercado do narcotráfico têm um valor absurdamente elevado, pelo que as portas teriam de ser seguríssimas e devidamente trancadas, sob pena serem alvo de roubos.

36. Vejam-se as 5 plantações de canábis legais existentes em Portugal e veremos que o Tribunal recorrido não tem razão nos argumentos que indica para, com esforço, justificar que os arguidos não previram, mas deveriam ter previsto que a plantação de canábis onde trabalhavam por conta de outrem era ilegal.

37. Por outro lado, a circunstância de não existirem quaisquer elementos no local associados ao controle médico-científico da actividade de cultivo de cannabis de molde a garantir que os produtos são produzidos de acordo com todas as boas práticas e requisitos aplicáveis é realizada pela Infamed, I.P. não é algo que se tenha nas próprias instalações como parece crer o tribunal recorrido.

38. Diz o Tribunal recorrido que os arguidos ainda deveriam ter previsto que tal plantação onde trabalhavam por conta de terceiros era ilegal e punido pela lei portuguesa, porque esta actividade é igualmente ilícita no seu país de origem, porque os arguidos se deslocaram propositadamente do estrangeiro para desenvolver aquela actividade profissional com o alegado escopo de melhorar as suas condições de vida pelo que deveriam conhecer a natureza actividade desenvolvida e a dimensão dos proveitos que podiam advir da mesma.

39. Os recorrentes foram aliciados para virem trabalhar para Portugal, na agricultura, tendo-lhes sido prometidos o pagamento de um vencimento mensal de mil euros com todas as despesas de alimentação e habitação pagas.

40. Foi nestas condições e nestas concretas circunstâncias que os recorrentes vêm para Portugal.

41. Só aqui chegados percebem que se trata de uma plantação de canábis, tendo-lhes sido explicado que se tratava de uma plantação de canábis para fins medicinais e que tal realidade não era crime em Portugal, existindo outras, para além daquela em Portugal.

42. Plantação de canábis para fins medicinais e devidamente autorizada, no país de origem dos arguidos não sabemos, mas em Portugal é legal.

43. Assim, não percebemos a fundamentação apresentada pelo Tribunal recorrido para justificar a sua conclusão de que os arguidos não previram, mas deveriam ter previsto que a plantação de canábis em Portugal era ilegal.

44. O que eles não sabiam, não previram nem teriam como prever é que a plantação de canábis e Portugal para fins medicinais e devidamente autorizada era ilegal., pois foi isso que lhes foi comunicado. O que lhes foi comunicado é que se tratava de plantação de canábis para fins medicinais e nada os fez desconfiar que assim não fosse.

45. Pelo que entendemos que à luz das regras da experiência comum, em sentido oposto, que os arguidos não tinham como prever que a detenção e cultivo de tais plantas e produtos estupefacientes, no circunstancialismo acima descrito, era proibido e punido por lei como crime, porque não destinados a fins medicinais.

46. Note-se, ainda, que os arguidos são de nacionalidade estrangeira, não conhecendo a língua portuguesa, não sendo nenhum deles capazes de falar ou entender uma só palavra em português.

47. Não lhes era exigível que previssem, no circunstancialismo acima descrito, que a sua conduta era proibida e punida pela Lei portuguesa como crime.

48. No caso em concreto, ao contrário do tribunal recorrido, os recorrentes entendem estarmos perante uma falta de consciência da ilicitude, sendo que essa falta de consciência não lhes e censurável, tendo em conta as circunstâncias concretas e que supra explanamos.

49. No caso em concreto os recorrentes estavam convictos que a produção de canábis em que trabalhavam por conta de outrem era para fins medicinais e que se encontrava devidamente autorizada – e, portanto, se assim fosse não haveria qualquer questão de ilicitude.

50. Por outro lado, é necessária à não censurabilidade da falta de consciência da ilicitude, que o agente tenha actuado com o propósito de corresponder a um ponto de vista juridicamente relevante, ou seja, que tenha, pelo menos, feito um esforço no sentido de corresponder às exigências do direito.

51. O que também se verifica no caso em concreto, os arguidos quando perceberam que estavam perante uma plantação de canábis e que era nessa plantação que tinham sido contratados para trabalhar, questionaram – todos eles sem excepção - quais os fins a que se destinava o Canábis ali existente e se tal plantação era legal em Portugal. Foi-lhes dito que era para fins medicinais e que para tal fim em Portugal era legal plantar canábis. Ora face à dimensão da plantação e de todas as características que a envolviam bem como ao facto dos arguidos poderem circular livremente, poderem falar com quem quisessem, não lhes ter sido pedido qualquer segredo quanto à existência daquela plantação, a plantação já existir quando chegaram, já terem lá estado outros trabalhadores, não terem – durante todo o período que lá se encontraram qualquer movimento estranho ou a retirada e/ou comercialização de qualquer produto – acreditaram que a mesma se destinava a fins medicinais e que a mesma , para esses fins, era legal.

52. E, portanto, não aceitamos e aqui impugnamos o juízo que o Tribunal recorrido faz quanto à censurabilidade da falta de consciência da ilicitude em que se encontravam os arguidos.

53. a nosso ver, o grande erro da decisão recorrida é quando diz que não saber que é proibido deter e cultivar produto estupefaciente revela uma deficiente consciência ética, porque não é isto que aqui está em causa… não foi esse o facto que os arguidos afirmaram não saber. O que os arguidos disseram é que não sabiam que aquela plantação não se destinava a fins medicinais.

54. O que está aqui em causa é saber se, nas circunstâncias concretas do presente caso (angariados no estrangeiro para trabalhar, para trabalhar em Portugal, com promessas de trabalho rentável na agricultura) e atendendo às características singulares dos arguidos (estrangeiros sem perceberem uma só palavra em português e desconhecedores da lei portuguesa) é-lhes ou não censurável o erro em que se encontravam de que aquela plantação de canábis em concreto se destinava a fins medicinais e se plantar canábis em Portugal para fins medicinais é crime.

55. Então: a questão que deveria ter sido colocada quanto a esta matéria é a seguinte: é censurável a falta de consciência da ilicitude por parte dos arguidos quando lhes faltou a consciência de que aquela plantação de canábis não se destinava a fins medicinais.

56. Nós entendemos que não lhes é censurável.

57. Assim, e pelo exposto entendemos que os recorrentes deveriam ter sido absolvidos, na medida em que se verifica, a nosso ver, uma causa de exclusão da culpa.

58. Mas mesmo que assim não se entenda – o que só por mera hipótese académica se coloca - sempre se dirá que quando censurável, o erro sobre a punibilidade pode ainda constituir circunstância atenuante da culpa, levando em sede de determinação judicial da pena à sua atenuação especial – o que no caso em concreto o Tribunal não fez, como veremos infra no ponto que deixamos para a determinação da espécie e medida da pena.

59. qualificação jurídica dos factos:

Quanto a esta matéria, o Ministério Público de 1ª instância nas suas doutas alegações veio defender que estaríamos perante um tráfico do art. 25º do DL 15/93 de 22 de janeiro, pois apesar das quantidades apreendidas a verdade é que teríamos que atender às circunstâncias do caso concreto – alegações que aqui damos por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais e com as quais concordamos inteiramente.

60. Por sua vez, o tribunal recorrido entendeu qualificar os factos em causa como tráfico do art. 21º do Dl 15/93 de 22 de janeiro, para o qual atendeu exclusivamente à quantidade de droga apreendida e aos meios de sofisticação da sua produção, esquecendo-se por completo o Tribunal recorrido das concretas circunstâncias do caso concreto e de como os arguidos “foram parar ali” e a total ausência de lucros por parte dos mesmos.

61. Esqueceu-se o Tribunal que os arguidos foram, também eles, vítimas em todo este processo?!

62. Na verdade, importa ponderar que, sendo censurável a falta de consciência da ilicitude por parte dos recorrentes, o Tribunal recorrido podia e devia ter sido equacionada a imputação de responsabilidade penal aos arguidos a título de cumplicidade, tendo em conta desde logo que, para a existência da cumplicidade importa a autoria do facto, sendo fundamental a existência de uma relação causal entre a actividade do cúmplice e a actividade do autor, não podendo aquela existir sem esta.

63. Assim se impondo a alteração da qualificação jurídica dos factos e consequentemente a medida concreta de cada uma das penas aplicadas aos recorrentes ser reduzida de um terço, devendo assim os recorrentes AA e DD serem condenados a 4 anos cada um, e o recorrente GG a 1 ano e 8 meses.

64. As penas concretamente aplicadas devem, ainda, serem suspensas na sua execução, nos termos que infra defenderemos.

65. Da aplicação da atenuação especial da pena o que resulta da prova produzida é que os arguidos foram recrutados no estrangeiro por terceiros para virem para Portugal, sob promessas de trabalho na agricultura, auferindo um salário mínimo de 1.000,00 € /mês com todas as despesas por conta da entidade patronal. Resulta, ainda, que uma vez chegados a Portugal foram encaminhados para uma Quinta e verificaram que o trabalho consistia, então, na manutenção de uma plantação de canábis, cabendo-lhes a função de cuidar das plantas segundo métodos e fórmulas que lhe foram ensinadas por outro trabalhador que lá se encontrava. Confrontados com tal realidade os arguidos questionaram se tal plantação de canábis era legal em Portugal ao que lhes foi respondido que se tratava de uma plantação para fins medicinais e que, portanto, completamente legal. Os arguidos acreditaram e ficaram convictos que estavam a trabalhar como trabalhadores de uma plantação legal de canábis, pois a mesma destinava-se à indústria medicinal.

66. Em suma, entendemos verificar-se o pressuposto de aplicação da atenuação especial da pena prevista no art. 72º do C. Penal, devendo proceder a pretensão dos recorrentes de ver-lhes ser aplicado este instituto. e consequentemente a medida concreta de cada uma das penas aplicadas aos recorrentes ser reduzida de um terço, devendo assim os recorrentes AA e DD serem condenados a 4 anos cada um, e o recorrente GG a 1 ano e 8 meses.

67. As penas concretamente aplicadas devem, ainda, serem suspensas na sua execução, nos termos que infra defenderemos.

68. Do Quantum da pena: mesmo que se entenda como correcta a fundamentação constante da decisão recorrida quanto ao grau da ilicitude, a falta de arrependimento, pensamos que a medida concreta da pena para os arguidos AA e DD não deveria nunca ser superior aos 5 anos de prisão e que a mesma deveria, sempre e em qualquer circunstância, suspensa na sua execução.

69. Relativamente ao arguido GG a pena deveria ter sido fixada no seu limite mínimo de 4 anos suspensa na sua execução.

70. Mas a verdade é que não concordamos com a fundamentação dada pelo Tribunal por tudo o que expusemos nos pontos anteriores em que defendemos uma diminuição acentuada da ilicitude e, portanto, aos arguidos nunca deveriam ter sido aplicadas penas de prisão superiores a 5 anos e jamais em penas efectivas, pois caso contrário em nenhum processo de tráfico de droga será mais possível o entendimento da acentuada diminuição da ilicitude.

71. Os recorrentes não têm averbado nos respectivos certificados de registo criminal a prática de qualquer ilícito, encontram-se inseridos quer profissional, social e familiarmente, sendo homens trabalhadores e apenas com uma ambição no momento: recuperarem a sua liberdade que lhes foi roubada de uma forma que nunca imaginaram ser possível, regressarem ao seu País de origem para junto de quem mais amam e retirarem desta experiência em Portugal um ensinamento para toda a vida: nunca mais trabalharem num pais estrangeiro sem, antes ir à policia, requerer um intérprete e esclarecerem-se do que é legal e ilegal nesse país para que nunca mais alguém lhes diga que a deviam ter previsto e não previram…

72. A decisão recorrida revela-se, acima de tudo, injusta tendo em conta as circunstâncias concretas do presente caso – e nada há que nos deixe mais tristes do que uma decisão injusta.

normas violadas:

Art. 248, nº 1; 249, nº 1; art. 176, 177 e 178 todos do CPP

Art. 191º CP, art. 13º e 18º; art. 72º e 73º todos do CP;

art. 32º, nº 8 da CRP.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente com todas as consequências legais.”

Resposta do MP (conclusões):

“1. Pretendendo, como pretendem os recorrentes, impugnar a matéria de facto, na sua motivação, OO, DD e GG não observaram minimamente o disposto no artigo 412.º, n.º 3 do CPPenal quanto à necessidade de especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) as provas que devem ser renovadas.

2. Se pode aceitar-se que na motivação em apreço se cumpre, ainda que de forma muito deficiente, a exigência da alínea a), é evidente que o mesmo já não sucede no respeitante às prescrições estabelecidas nas alíneas b) e c), uma vez que nessa motivação não se especificam minimamente as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, nem se faz a mais ténue menção às provas que, no entender do recorrente, devem ser renovadas.

3. Não tendo os recorrentes indicado qualquer prova, documental, pericial, por reconhecimento, ou, como determina o artigo 412.º, n.º 4 do CPPenal, passagem da prova testemunhal gravada em julgamento, para fundar a sua impugnação, o presente recurso deverá ser rejeitado em matéria de facto.

4. Certamente por deficiência de compreensão da signatária, da leitura do trecho atinente à discussão da “nulidade da prova inicial” não emerge claramente se essa prova é ou não inválida, apenas se concluindo com segurança – mas sem indicação dos fundamentos em que tal segurança se escora – que, mesmo que seja, não afecta a validade da produzida subsequentemente.

5. Quando o acórdão recorrido se debruça sobre a análise da prova testemunhal produzida, mormente, sobre o testemunho do NN, autuante, procurando “validar” as diligências descritas no auto de notícia, desconhecidas de qualquer autoridade judiciária, não deixa de se enredar numa contradição insanável [artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do CPPenal], ao referir que, “Ora, avulta ostensivamente da análise do auto de notícia elaborado pela testemunha que as fotografias foram fornecidas pela testemunha/informador e que a testemunha e o militar JJ, que o acompanhava, acederam por uma zona de eucaliptos que não se encontrava vedada até junto dos armazéns.

Portanto, não sendo possível determinar se os militares acederam ou não ao interior da Quinta ... por se desconhecerem os limites da propriedade (que não estava vedada), a verdade é que se afigura muito provável que o tenham feito uma vez que se aproximaram dos armazéns para confirmar o que se passava no interior.”.

6. O tribunal a quo afirma uma coisa e o seu contrário: que o autor (putativo informador anónimo) das fotografias, que estão no dealbar de toda a investigação, entrou na Quinta ..., mas que os Militares não têm noção se entraram, porque acederam, por local não vedado, até junto dos armazéns dessa quinta, caso em que é possível que nela tenham entrado.

7. Tal argumentação, de tão intrincada e antinómica, não permite induzir a conclusão de que não foi obtida prova, em espaço não livremente acessível ao público – que a inexistência de vedação não afasta –, sem mandado da autoridade judiciária competente.

8. A “prova inicial”, ou seja, aquela a que é feita menção no auto de notícia e o instrui é, efectivamente, nula.

9. Relativamente aos casos em que a extensão dessa nulidade à prova subsequente se não verifica, a jurisprudência e a própria lei (artigo 122.º n.º 2 do CPPenal), com base no direito anglo-saxónico, mais norte-americano, divisa três hipóteses: a chamada limitação da fonte independente, a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula “(nódoa) dissipada”.

10. Se os mandados de busca foram emitidos unicamente com base na informação constante no auto de notícia, se redundaram, como se antecipava, na detecção das apreciáveis plantações de canabis em diferentes estágios de maturação, junto das quais foram encontrados somente os arguidos, a sua confissão não pode deixar se achar determinada pelas circunstâncias probatórias antecedentes.

11. O efeito à distância da nulidade do acesso ilegítimo à Quinta ... e aos seus armazéns e das fotografias tiradas nesse contexto não é passível de afastamento por nenhum dos critérios citados

12. Caso assim não se entenda, a subsunção dos factos ao tipo do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro não é ajustada

13. Olhando à matéria de facto dada como assente, mormente, nos Pontos 1) a 4), 6), 29), 30), 55), 56), 78) e 79) dos FACTOS PROVADOS, à luz dos parâmetros comummente aceites na jurisprudência para a caracterização de uma substancial ou acentuada diminuição do desvalor da acção e menor dimensão e expressão do ilícito, por um lado, neste segmento, a decisão volta a enfermar de contradição insanável – ao dar como assente que os arguidos gizaram um plano para cultivar a canabis, decidindo fazê-lo na Quinta ... e, ao mesmo tempo, que independente e separadamente, ou seja sem qualquer concerto, ao menos com o arguido GG, aceitaram, uma proposta de trabalho e vieram para Portugal desenvolver essa actividade – e, por outro, a imagem global dos factos praticados pelos arguidos, ao contrário do propugnado, quadra perfeitamente com a factispécie do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

14. Os três arguidos trabalharam por conta de outrem, por um período de duas semanas a seis meses, sem receberem qualquer contrapartida monetária por tal trabalho, a cuidar de plantas de canabis que não lhes pertenciam.

15. No que concerne o número de consumidores contactados, a perigosidade das substâncias detidas e disseminadas, os valores dos proventos obtidos ou expectáveis, a afectação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas e a extensão da área geográfica em que se exerce a actividade, nada se conseguiu apurar, atento, desde logo, o curtíssimo período que mediou entre a notícia do crime e a detenção/prisão preventiva dos arguidos.

16. Não há evidências de que os arguidos disseminaram a canabis e, muito menos, outras substâncias, que tenham granjeado proventos com a actividade exercida e que ela haja transcendido os limites da Quinta ....

17. Tendo-se apenas como certo, em bom rigor, que, por conta de outrem, os arguidos cuidavam de plantas de canabis alheias, a ilicitude dessa sua actuação mostra-se claramente mitigada, ao ponto de dever ser punida pelo artigo 25.º e não pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

18. O acórdão recorrido não deixa de tornar a incorrer em contradição, rectius, em incoerência, ao imputar aos arguidos a prática do tipo do artigo 21.º – a que corresponde uma ilicitude mais intensa – para depois afirmar a sua falta de consciência da ilicitude, pese embora censurável.

19. No que toca o ilícito em apreço, as necessidades de prevenção geral são, obviamente, expressivas.

20. Quanto às necessidades de prevenção especial, as mesmas não podem considerar-se de tomo, atendendo às circunstâncias do cometimento dos factos e à ausência de antecedentes criminais dos arguidos.

21. O dolo dos arguidos, enquanto elemento subjectivo do ilícito, de harmonia com os factos nessa matéria assentes na sentença recorrida, expressou-se numa forma menos intensa, em virtude do seu alegado erro sobre a ilicitude.

22. Não podem descurar-se as circunstâncias já assinaladas, de que os arguidos trabalharam por conta de outrem, por um período de duas semanas a seis meses, sem receberem qualquer contrapartida monetária por tal trabalho, a cuidar de plantas de canabis que não lhes pertenciam, todas em sentido atenuante da ilicitude e da culpa e, por conseguinte, da medida da pena.

23. A fixação da pena em medida não superior a três anos, para os arguidos OO e DD, e não superior a dois, para o arguido GG, era de molde a permitir a tutela retrospectiva dos bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora e, do mesmo passo, a “emenda” e ressocialização dos mesmos.

24. Pelo exposto, com particular destaque para a ausência de antecedentes criminais dos arguidos, era possível fazer um juízo de prognose favorável quanto à sua susceptibilidade de se deixarem influenciar pela pena e pela mera ameaça da prisão, ou seja, a mesma pena devia ser substituída por pena de prisão suspensa na sua execução, ainda que com sujeição a deveres ou regras de conduta.

Termos em que, concedendo parcial provimento ao recurso, farão Vossas Excelências, como sempre, JUSTIÇA.”

*

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que os recursos interpostos devem ser julgados parcialmente procedentes, de acordo com a resposta do MP na 1.ª instância.

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP (1), sem resposta.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, nas partes que interessam:

“A) – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1.º FACTOS PROVADOS

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma:

1) Desde data não concretamente apurada, mas antes de 8 de Março de 2021, AA, DD e GG em conjugação de esforços e intentos, decidiram proceder ao cultivo de produto estupefaciente “cannabis”, cuja colheita pretendiam levar a cabo e com as quais pretendiam retirar os condimentos indispensáveis à produção dos extratos necessários para a reprodução de novas plantas, para a venda e cedência a terceiros que, para tanto, os procurassem, assim obtendo proventos económicos.

2) AA, DD e GG decidiram que o cultivo seria efetuado numa quinta sita na Rua ..., Quinta ..., localidade de ..., ..., ..., local onde residiam igualmente e que se encontrava arrendado.

3) Na execução do plano traçado, AA, DD e GG cultivavam plantas de cannabis, procediam à sua seleção, apanha, pesagem, embalamento e armazenamento, tudo nos armazéns existentes naquela quinta, dotando os mesmos de equipamentos necessários ao bom desenvolvimento das plantas, tais como sistema de ventilação, tubagens de rega, armazenamento de adubos e fertilizantes, sistema de iluminação, sistema elétrico térmico, equipamentos de embalamento a vácuo.

4) AA e DD desenvolveram tal actividade por um período de 6 (seis) meses, ao passo que GG o fez por um período de 3 semanas.

5) No armazém anteriormente destinado a agropecuária, subdividido em três armazéns, sito na referida quinta, AA, DD e GG cultivaram 459 (quatrocentos e cinquenta e nove) pés de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas) divididas, designadamente, da seguinte forma:

- num primeiro armazém subdividido, existente no interior do armazém de agropecuária da quinta, plantaram 72 (setenta e duas) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), que apresentavam cerca de 130cm de altura e 72 (setenta e duas) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), que apresentavam cerca de 80cm de altura;

- num segundo armazém subdividido, existente no interior do armazém de agropecuária da quinta, plantaram 36 (trinta e seis) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), que apresentavam cerca de 130cm de altura e 102 (cento e duas) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), que apresentavam cerca de 80cm de altura;

- num terceiro armazém subdividido, existente no interior do armazém de agropecuária da quinta, plantaram 3 (três) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas),que apresentavam cerca de 110cm de altura; 5 (cinco) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas),que apresentavam cerca de 100cm de altura; 11(onze) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), que apresentavam cerca de 60cm de altura; 158 (cento e cinquenta e oito) plantas de cannabis sativa em fase inicial de germinação.

6) AA, DD e GG procediam regularmente à rega e cuidado daquelas plantas, regando-as, adubando-as, diligenciando para que estivessem adubadas e iluminadas diariamente.

7) No dia 9 de Março de 2021, pelas 12h20, foram efectuadas buscas domiciliárias e não domiciliárias pela Guarda Nacional Republicana, na quinta sita na Rua ..., Quinta ..., localidade de ..., ..., ..., na casa de habitação ali existente, no armazém dependência desta casa e no armazém ali existente, e nessa ocasião foram apreendidos os seguintes objetos, que se encontravam na posse de AA, DD e GG e que os detinham:

I. 72 (setenta e duas) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), que apresentavam cerca de 130cm de altura;

II. 72 (setenta e duas) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), que apresentavam cerca de 80cm de altura;

III. 36 (trinta e seis) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas),que apresentavam cerca de 130cm de altura;

IV. 102 (cento e duas) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), que apresentavam cerca de 80cm de altura;

V. 3 (três) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas),que apresentavam cerca de 110cm de altura;

VI. 5 (cinco) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), que apresentavam cerca de 100cm de altura;

VII. 11(onze) plantas de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), que apresentavam cerca de 60cm de altura;

VIII. 158 (cento e cinquenta e oito) plantas de cannabis sativa em fase inicial de germinação;

IX. 1(um) saco embalado a vácuo contendo no seu interior um produto de cor esverdeada, com características de cor, textura e de cheiro de cannabis sativa, que após análise efectuada pelo teste rápido resultou como sendo cannabis com peso bruto de 750gr;

X. 26 (vinte e seis) sacos avulsos contendo no seu interior um produto de cor esverdeada, com características de cor, textura e cheiro de cannabis sativa, que após análise efectuada pelo teste rápido resultou como sendo cannabis, com peso bruto de 36,600kg;

XI. 14 (catorze) caixas de plástico contendo no seu interior um produto de cor esverdeada, com características de cor, textura e cheiro de cannabis sativa, que após análise efectuada pelo teste rápido resultou como sendo cannabis, com peso bruto de 58,650kg.

8) Nesse mesmo dia, no interior da casa onde residem, AA, DD e GG naquela quinta sita Rua ..., Quinta ..., localidade de ..., ..., ... encontrava-se no hall de entrada/marquise partilhada por todos, um pacote contendo no interior 7,330 gramas de cocaína, peso líquido, com um grau de pureza de 73,6%, a que correspondem 26 (vinte e seis) diária individuais.

9) Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, AA, DD e GG detinham ainda na sua posse os seguintes objectos, que foram apreendidos:

HABITAÇÃO

- ENTRADA/MARQUISE

- 3 (três) rádios portáteis de marca ..., vulgarmente designados walkie talkie.

- 1 (uma) ventoinha/extrator de ar de tamanho industrial.

– 2 (duas) condutas de extração de ar.

– 1 (um) caderno em tamanho A4, contendo diversos apontamentos.

– 1 (uma) ampulheta, contendo na respetiva caixa, o nome do destinatário.

– 3 (três) frascos de ETHANOL ABSOLUTE.

– 4 (quatro) pedaços de cartão, contendo manuscritos diversos apontamentos e dosagens de plantas.

– Material diverso em INOX de sistemas de alta pressão.

– 1 (uma) máquina elétrica de selagem de sacos em plástico.

– 1 (um) extrator de ar com tubo acoplado.

– 2 (duas) estufas em lona de cor preto.

– 1 (um) sistema/componente cientifico de marca ....

– 10 (dez) bombas de extração de água.

QUARTO 1 (AA)

– Diversos documentos, nomeadamente, faturas de água, luz e venda de objetos.

– 4 (quatro) talões de depósito bancários da instituição bancária …, referentes a depósitos de €400,00, efetuados pela conta bancária de MM.

– 1 (um) manual de fertilizantes e 1 (um) manual de instruções de máquina/sistema de marca ....

– 3 (três) frascos contento liquido suspeito de ser GLICERINA EP.

– 11 (onze) recipientes em laboratório.

– 1 (um) computador portátil de marca ... e 1 (um) computador portátil de marca ....

– 1 (uma) mala contendo no seu interior 1 (um) rádio portátil de marca ..., vulgarmente designados Walkie Talkie e diversos componentes.

– 1 (uma) fatura/recibo e guia de transporte em nome de PP.

– 1 (um) microscópio.

– 1 (uma) balança digital elétrica de marca ....

– 1 (um) saco contendo diversas fotografias de indivíduos desconhecidos.

– 3 (três) embalagens contendo adubo liquido de marca ....

– 1 (uma) caixa contendo diversos fatos descartáveis.

– Conjunto de diversos documentos e livros.

– Conjunto de material de laboratório.

– Valor monetário no valor de 510 (quinhentas e dez) libras esterlinas.

QUARTO 3 (DD)

– 1 (um) telemóvel de marca ... de cor ....

– 1 (um) telemóvel de marca ... de cor ….

– 1 (um) caderno A5 e bloco de notas, contendo diversos apontamentos.

– Valor monetário de 35 libras esterlinas e 100 euros.

QUARTO 4 (GG)

– 1 (uma) bolsa/porta cartões de cor azul, contendo 2 (dois) cartões Multibanco do banco … em nome de MM e diversos talões.

– 8 (oito) embalagens com sementes de CANNABIS.

– 1 (um) telemóvel de marca ... de cor …, 1 (um) telemóvel de marca ... de cores … 1 (um) telemóvel de marca ... de cor ….

– 1 (um) disco rígido.

– 1 (uma) câmara de filmar portátil de marca ....

– 1 (um) telemóvel de marca ..., contendo no seu interior um cartão telefónico da operadora ....

– 1 (um) disco rígido de marca ..., com capacidade de 120GB.

– 1 (um) Ipad de marca ....

– 1 (um) ecrã/monitor de marca ... e 1 (um) Computador com caixa de marca ....

– Valor monetário em 20 libras esterlinas.

ANEXO

COMPARTIMENTO A

– Sistema em inox para purgar/extrair óleo da planta de cannabis.

– 1 (uma) caixa em esferovite com resíduos de cannabis planta.

COMPARTIMENTO B

– 13 (treze) conversores de potência de luz de marca ... de cor ….

– 17(dezassete) conversores de potência de luz de marca ... de cor ….

– 3 (três) conversores de potência de luz de marca ... de cor ….

– 3 (três) conversores de potência de luz de marca ... de cores ….

– 1 (uma) motosserra de marca ... de cor ….

– 16 (dezasseis) painéis refletores/balastros de luz.

– 5 (cinco) turbinas de extração de ar.

– 3 (três) redes para secagem de plantas de cor verde.

– 10 (dez) tanques em plástico de cor …, utilizados para sistemas de regas.

- 18 (dezoito) painéis refletores/balastros de luz.

– 2 (duas) estufas em lona de cor ….

– Diversas condutas, filtros e mangas de extração de ar.

– 2000 (dois mil) vasos para plantas de diversos tamanhos.

– Diversos tubos/ferros para estruturas.

– 35 (trinta e cinco) projetores de luz com 1000W de potência de cor …

– 16 (dezasseis) vidros e 16 (dezasseis) projetores de marca ... e cor ….

– 30 (trinta) placas de Roofmate.

ARMAZÉM 1 (3 compartimentos)

ENTRADA

– Sistema de filtragem de água.

– W.C. /SALA DE SECAGEM

– 2 (dois) projetores de luz de cor ….

ESPAÇO DE PLANTAÇÃO

– 72 (setenta e duas) plantas de cannabis com altura aproximada de 130cm, e 72(setenta e duas) plantas de cannabis com altura aproximada de 80cm. [produto já supra referenciado no ponto 6.]

– 32 (trinta e dois) projetores de luz de cor ….

– 18 (dezoito) ventoinhas colocadas em diversos locais.

– Diversas tubagens/mangas de extração de ar.

– Estrutura metálica para suporte de vasos de plantas CANNABIS e sistema elétrico.

– Diversos tubos em plástico (sistema) de rega.

ARMAZÉM 2 (compartimento único)

– 43 (quarenta e três) fertilizantes líquidos e 2 (duas) caixas com diversos fertilizantes de pequenas dimensões.

– 10 (dez) recipientes.

– 1 (um) livro de capa … com diversas anotações.

– 6 (seis) aparelhos medidores.

– 130 (cento e trinta) esponjas de germinação.

– Várias lonas de cor ….

– 12 (doze) lâmpadas de luz de marca ....

– 1 (um) tubo de ventilação de ar.

– 1 (um) aparelho de colocação de embalagens em vácuo.

– 1(uma) máscara com filtro, modelo ..., marca ....

– 2 (duas) ventoinhas, marca ....

– 1 (um) desumidificador.

– 1(um) pulverizador ….

– 1(uma) máquina elétrica de selar embalagens a vácuo.

– Conjunto de várias peças em inox.

– 1(um) extintor, capacidade de 2Kg.

– 1(um) destilador.

– 1(um) aquecedor ....

– 13(treze) caixas de gás de isqueiros.

– 400(quatrocentos) vasos em plástico.

– 1(um) saco com tensores/cabos de aço.

– 1(um) extrator de ar.

– 1(um) berbequim, marca ....

– 1(uma) máquina de pregos, marca ....

– 2(duas) chaves de torque.

– 1(um) conjunto de abrir rosca em tubos (tarraxa).

– 1(um) conjunto de chave de roquete.

– 1(um) filtro de ar, marca ....

– 1(um) compressor de ar, marca ....

– 1(uma) máquina de lavar á pressão.

– 1(um) conjunto de chave de bocas.

– 1(uma) máquina afagadora, marca ....

– 1(um) temporizador.

– 1(uma) bomba de água.

– 1(uma) rebarbadora, 1(um) serra tico-tico, marca ....

– 1(um) medidor de pressão, marca ....

– 1(um) conjunto de brocas.

– 1(uma) pistola de ar quente, marca ....

– 1(uma) extensão eléctrica.

– 1(uma) serra eléctrica, marca ....

– 1(uma) máquina de vácuo, marca ....

– 1(uma) bomba de vácuo.

– 3(três) tabuleiros em material maleável, contendo os mesmos, substância cristalizada de cor …

– 1(uma) máquina de vácuo, marca ....

– 1(uma) câmara de refrigeração, marca ....

– 3(três) ventoinhas.

– 1(uma) bomba de vácuo.

– 1(uma) caixa com sacos de embalamento.

– 1(uma) máquina, marca ....

– 26 (vinte e seis) sacos e 7 (sete) caixas plásticas com folhas e flores de cannabis seco, de várias qualidades [produto já supra referenciado no facto provado 6]

– 1(um) climatizador, marca ....

– 1(um) cabo de alimentação da máquina(climatizador) ao quadro elétrico.

– 2(dois) Cabos de ligação da máquina, perfurando a parede para a estufa.

– Terminal dos cabos reportados anteriormente, tendo acoplado um regulador de climatização e um sensor.

– Mangas de extração e purificação de ar.

– 1(um) climatizador, marca ..., com electroválvula de optimização de climatização, em funcionamento (ligados na sala).

- 1(um) climatizador, marca ..., com electroválvula de optimização de climatização, em funcionamento (ligados na sala).

- 1(um) climatizador, marca ..., com electroválvula de optimização de climatização, em funcionamento (ligados na sala).

- 1(um) climatizador, marca ..., com electroválvula de optimização de climatização, em funcionamento (ligados na sala).

- 1(um) climatizador, marca ..., com electroválvula de optimização de climatização, em funcionamento (ligados na sala).

– 5(cinco) jerrycans.

– filtro de ambiente.

– 2(duas) condutas de ar, com ligação directa às duas estufas.

– 16(dezasseis) transformadores.

– 1(um) quadro eléctrico.

– 1(um) quadro eléctrico.

– 7(sete) depósitos de água em lona(desmontados).

– 2(dois) depósitos de água em lona, montados, com respectivo equipamento de filtragem, tratamento e bombagem de águas para as estufas.

ARMAZÉM 3 (4 compartimentos)

ESPAÇO DE PLANTAÇÃO

- 36 (trinta e seis) plantas de cannabis com altura aproximada de 130cm, e 102 (cento e duas) plantas de cannabis com altura aproximada de 80cm. [produto já supra referenciado no ponto 6.]

– 14 (catorze) unidades de luz retangulares.

– 11 (onze) unidades de luz de pequenas dimensões.

– 14 (catorze) unidades de projetores de luz ....

– 8 (oito) ventoinhas.

– 19 (dezanove) sacos de terra fertilizante.

– 1 (um) desumidificador.

– 40 (quarenta) vasos para plantas de tamanhos diversos.

– 5 (cinco) extratores de Ar.

– 1 (um) dispositivo elétrico de SPRAY de cor ….

– 2 (dois) telemóveis de marca ... de cor … e 1 (um) … de cor … e pertença de AA.

- Estrutura metálica para suporte de vasos de plantas cannabis.

CORREDOR

– 13 (treze) sacos de terra tratada.

– 2 (duas) garrafas de dióxido de carbono.

– 2 (dois) disjuntores, 1 (uma) ventoinha.

COMPARTIMENTO DE SECAGEM E EMBALAMENTO

– 7 (sete) recipientes com cannabis [produto já supra referenciado no facto provado 6]

– 1(um) saco com cannabis em plantas secas. [produto já supra referenciado no facto provado 6]

– 5(cinco) ventiladores.

– 1(um) desumidificador.

– 1(um) aparelho, marca ....

– 1(um) aparelho, marca ....

– 1(um) filtro de ar ambiental.

COMPARTIMENTO DE PRODUÇÃO

– 3 (três) plantas de canábis com altura de 110cm, 5(cinco) plantas de cannabis com altura de 100cm, 11 (onze) plantas de canábis com altura de 60cm [produto já supra referenciado no facto provado 6]

– 3 (três) mini-estufas contento no total 158 (cento e cinquenta e oitos) plantas de cannabis sativa em fase inicial de germinação. [produto já supra referenciado no facto provado 6]

– 11 (onze) lâmpadas ..., quadradas.

– 1 (uma) lâmpada retangular.

– 1 (um) filtro de ar ambiental.

– 2 (duas) ventoinhas.

– 2 (duas) disjuntores.

10) Foram ainda apreendidos os seguintes veículos:

- Veículo ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ... matrícula ....

- Veículo ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ... matrícula ....

- Veículo ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ... matrícula ....

- Veículo pesado de mercadorias de marca ..., modelo ... matrícula ....

11) A cannabis apreendida e detida pelos arguidos, apresentava diversos graus de pureza, correspondendo a um total de 216.178 (duzentas e dezasseis mil cento e setenta e oito) doses diárias individuais; encontrando-se em diversos estágios de crescimento

12) AA, DD e GG conheciam a natureza e características das plantas supra mencionadas, que tinham na sua posse, cuidavam e cultivavam e dos produtos estupefacientes que detinham.

13) As quantias monetárias que detinham eram provenientes da actividade de tráfico desenvolvida por AA, DD e GG.

14) AA, DD e GG trabalhavam todo o dia no cultivo das plantas de cannabis, não tendo outros rendimentos de uma actividade profissional.

15) As plantas e produtos estupefacientes detidos por AA, DD e GG, e que foram apreendidas, destinavam-se à venda, distribuição e cedência a terceiras pessoas que, para o efeito, procurassem os mesmos.

16) Com a conduta descrita, actuaram AA, DD e GG de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e intentos, com total falta de cuidado e prudência a que estavam obrigados e eram capazes de adoptar, descurando que a detenção e cultivo de tais plantas e produtos estupefacientes, no circunstancialismo acima descrito, era proibido e punido por lei como crime, assim como o seu consumo, distribuição, venda e cedência a terceiras pessoas, dessa forma não evitando a conduta proibida e punida por lei como crime que podiam e deviam prever, mas não previram.

17) AA, DD e GG descuraram também que ao deter, cultivar tais plantas e substância com a intenção de as transacionarem e venderem punham em perigo não só a sua saúde, como a saúde pública decorrente da utilização no meio ambiente e na comunidade de tal substância perigosa, dessa forma não evitando a conduta proibida e punida por lei como crime que podiam e deviam prever, mas não previram.

18) AA, DD e GG descuraram a possibilidade da posse, venda e cedência de tais produtos estupefacientes lhes estar legalmente vedada, actuando com o propósito de auferirem vantagens económicas e, dessa forma, não evitando a conduta proibida e punida por lei como crime que podiam e deviam prever, mas não previram.

19) AA, DD e GG não podiam desconhecer que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

*

20) AA, DD e GG não têm antecedentes criminais.

*

21) O processo de socialização de AA decorreu na ..., país de onde é natural, no quadro de uma dinâmica familiar adequada, mas uma situação económica fragilizada.

22) AA é o mais novo de dois irmãos germanos; o pai faleceu há cerca de 5 (cinco) anos, na sequência de problemas …, mas a mãe mantém-se laboralmente ativa e trabalha como administrativa numa oficina de ...

23) AA frequentou a escola até ao 10.º ano de escolaridade.

24) Após a conclusão dos estudos, com 18 (dezoito) anos de idade, AA ingressou no mercado de trabalho e desempenhou funções essencialmente no setor da ….

25) No entanto, o seu percurso profissional tem sido condicionado, em termos de laboração continuada e estruturada, pelo consumo de drogas que iniciou com 19 (dezanove) anos de idade.

26) Inicialmente AA apenas consumia haxixe, mas depois escalou para outros tipos de produto estupefaciente, resultando numa problemática complexa de toxicodependência que tem apresentado ao longo da vida.

27) No período que antecedeu a vinda para Portugal, AA encontrava-se desempregado, residindo com a mãe, laboralmente ativa, e com a avó materna, reformada.

28) Não obstante os problemas aditivos que AA apresentava, a família sempre lhe demonstrou afeto e apoio.

29) Em Novembro de 2020, AA aceitou uma proposta de trabalho e veio para Portugal com DD desenvolver a actividade supra descrita.

30) AA recebeu algum dinheiro para despesas, mas não chegou a receber qualquer contrapartida monetária pela actividade que desenvolveu na Quinta ....

31) Em Portugal AA manteve os consumos de estupefacientes, pelo que, quando foi preso preventivamente, apresentava uma postura de instabilidade emocional e ansiedade.

32) AA foi encaminhado para acompanhamento médico e psiquiátrico, tendo deixado os consumos de drogas sem recurso a qualquer tipo de medicamento de substituição.

33) AA não tem amigos ou familiares em Portugal, pelo que deseja regressar à ... logo que possível, onde afirma ter oportunidade de colocação laboral e conta com o apoio da família.

34) Em contexto Prisional AA mantem um comportamento consentâneo com as normas institucionais, mantem acompanhamento médico e psiquiátrico e faz medicação a nível de ansiolíticos.

35) Neste momento, AA estabelece unicamente contactos telefónicos com a mãe por telefone uma a duas vezes por semana.

*

36) O processo de socialização de DD decorreu na ..., país de onde é natural.

37) DD é o mais velho de dois irmãos germanos, tendo mantido, ao longo da infância, uma dinâmica familiar adequada e uma situação económica estável.

38) DD tinha 9 (nove) anos de idade quando o pai faleceu.

39) Após esse infortúnio, o agregado familiar de DD passou a viver com dificuldades económicas, uma vez que a mãe assumia sozinha o sustento da família e educação dos filhos.

40) Presentemente, a mãe de DD está reformada e é a principal cuidadora do irmão do arguido que padece de ….

41) DD frequentou a escola até ao 12º ano, alegadamente, de forma adequada.

42) Depois, durante dois anos DD frequentou um curso técnico de … que concluiu.

43) Após a conclusão dos estudos DD ingressou no mercado de trabalho e desempenhou funções como … e posteriormente como ….

44) Na ... o percurso laboral foi pouco expressivo devido aos problemas de saúde (…) que passou a apresentar.

45) Devido a essa patologia DD foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas, e nessa sequência foi-lhe atribuído um grau de invalidez de 40%.

46) O seu percurso profissional tem sido condicionado em termos de laboração continuada e estruturada, pelo consumo de álcool que iniciou aos 16 (dezasseis) anos de idade e pelo consumo de drogas que iniciou com 18 (dezoito) anos de idade.

47) DD inicialmente apenas consumia haxixe, mas depois escalou para heroína, resultando numa problemática complexa de toxicodependência que tem apresentado ao longo dos anos.

48) Salienta que já fez internamentos em comunidades terapêuticas, tendo conseguido debelar esta problemática aos 30 (trinta)anos de idade.

49) Após o período de internamento e, apesar dos problemas de saúde persistirem, DD que viu-se forçado a procurar colocação laboral para poder ajudar a família.

50) DD trabalhou durante algum tempo como …, mas o salário que auferia era muito baixo.

51) Assim, em 2018 DD decidiu imigrar para ..., onde trabalhou cerca de 2 (dois) anos no sector da ….

52) Na altura DD auferia um bom salário, mas viu-se forçado a regressar à ... pois os problemas de saúde agravaram-se.

53) Antes de vir para Portugal, DD residia com a mãe, reformada e com o irmão, desempregado, devido aos problemas de saúde … de que padece.

54) DD mantinha uma relação de grande proximidade afetiva com a família, apesar de todas as dificuldades que estavam a passar.

55) Em Novembro de 2020, DD aceitou uma proposta de trabalho e veio para Portugal com AA desenvolver a actividade supra descrita.

56) DD recebeu algum dinheiro para despesas, mas não chegou a receber qualquer contrapartida monetária pela actividade que desenvolveu na Quinta ....

57) Em Portugal, DD manteve-se abstinente de heroína, mas registou consumos esporádicos de haxixe, até porque a tinha à descrição e não necessitava de gastar qualquer quantia monetária para o adquirir.

58) DD não tem amigos ou familiares em Portugal, pelo que deseja regressar à ... logo que possível, onde afirma igualmente ter oportunidade de voltar a trabalhar como … e onde tem apoio da família.

59) No Estabelecimento Prisional, DD mantém acompanhamento médico e faz medicação para os problemas de … que apresenta.

60) Neste momento, DD estabelece unicamente contactos telefónicos com a mãe por telefone uma a duas vezes por semana.

*

61) GG nasceu em …na ..., sendo o filho mais novo de dois.

62) Os pais separaram-se na infância de GG, o qual só esteve com o pai por 3 (três) vezes, tendo o mesmo falecido há 4 (quatro) anos.

63) A mãe assumiu o processo educativo dos filhos tendo experienciado acentuadas dificuldades económicas que condicionaram as condições de vida da família.

64) Durante a infância, GG residiu com a mãe e o irmão num espaço que partilhavam com outras pessoas sem vínculo familiar ou de afinidade - eram espaços comunitários onde partilham entre si a cozinha e as instalações sanitárias.

65) Só mais tarde, há cerca de 10 anos, a mãe conseguiu adquirir uma pequena moradia onde reside atualmente; tratava-se de um espaço muito degradado, sem as devidas condições de conforto, por exemplo sem instalação de gás para aquecimento, que a pouco e pouco a mãe foi melhorando.

66) GG frequentou a escola até ao 9.º ano de forma estável.

67) Durante 3 (três) anos GG frequentou o curso técnico de … que concluiu.

68) Entre os 9 (nove) e os 18 (dezoito) anos de idade GG praticou judo, chegando a participar em competições.

69) Devido a problemas nos dois joelhos, GG foi obrigado a abandonar a competição, mas manteve a prática desportiva regular em ginásio.

70) Como experiências profissionais, GG regista duas significativas; no seu país de origem, como … num salão de beleza durante 3 (três) anos e, entre 2017 e 2019, na ... (...), onde trabalhou como operário na ... durante cerca de um ano e meio.

71) Ao nível afetivo, GG regista uma relação de namoro significativa, cujo término gerou uma fase conturbada na vida do mesmo, com experiência depressiva e tendência suicida.

72) Ao nível de consumo de substâncias, GG assume duas experiências com erva, mas em ambas sentiu-se fisicamente mal, pelo que não repetiu consumos destas substâncias.

73) Antes de vir para Portugal, GG residia na cidade ... (... ocidental) onde constituía agregado familiar com a mãe, de 56 (cinquenta e seis) anos de idade, empregada de balcão numa loja de ….

74) GG mantém uma relação de grande proximidade afetiva com a mãe, a quem reconhece o esforço pessoal ao longo da vida.

75) O irmão germano, mais velho 3 (três) anos, treinador de …, constituiu família residindo a cerca de 75 Km da mãe.

76) O irmão desconhece que GG está preso preventivamente, sendo este desconhecimento intencional e uma forma de o preservar uma vez que sofreu acidente …..

77) Neste momento, GG estabelece unicamente contactos telefónicos com a mãe por telefone uma a duas vezes por semana.

78) Em Fevereiro de 2022, GG aceitou uma proposta de trabalho e veio para Portugal desenvolver a actividade supra descrita.

79) GG recebeu algum dinheiro para despesas, mas não chegou a receber qualquer contrapartida monetária pela actividade que desenvolveu na Quinta ....

80) GG não tem amigos ou familiares em Portugal, pelo que deseja regressar à ... logo que possível, onde afirma ter oportunidade de retomar o anterior trabalho e onde quer voltar a praticar … como professor.

2.º FACTOS NÃO PROVADOS

Nenhuns outros factos se provaram com interesse para a boa decisão da causa, designadamente, e no essencial, que:

I. Os telemóveis em causa serviam para AA, DD e GG se contactarem entre si e com os consumidores/compradores de produtos estupefacientes, utilizando diversos aparelhos e cartões de acesso ao serviço telefónico móvel.

II. Os veículos serviam para transportar a droga que AA, DD e GG transaccionavam e foram adquiridos com os rendimentos provenientes dessa actividade.

3.º MOTIVAÇÃO DE FACTO

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente as declarações dos arguidos, os depoimentos das testemunhas e a prova documental e pericial produzida e examinada em audiência.

O nosso sistema processual penal em sede probatória acolheu o sistema da prova livre e da livre convicção do legislador (cfr. artigo 127.º do Código de Processo Penal). Este princípio é aplicável quanto à prova produzida oralmente na audiência de julgamento proveniente dos arguidos e das testemunhas, mas também quanto às conversações telefónicas e à prova documental que nela for feita, com excepção neste caso dos documentos autênticos, caso em que se aplica o critério do artigo 169.° do Código de Processo Penal e que não abrange o teor das conversações telefónicas. A prova pericial é valorada nos termos do critério legal plasmado no artigo 163°, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Em primeiro lugar, os arguidos prestaram declarações sobre o elenco fáctico objecto de julgamento e contribuíram parcialmente para a descoberta da verdade.

Neste contexto, o arguido RR afirmou que o co-arguido DD que lhe propôs trabalho numa quinta agrícola em Portugal, por um período de 6 (seis) meses, mediante o pagamento de um vencimento mensal no valor de €1.000,00 (mil euros) e despesas de alimentação e alojamento; que receberam instruções para se apresentarem num determinado local em ..., onde os aguardava SS, o capataz da quinta; que conheceram este capataz nessa altura, o qual lhes deu todas as instruções sobre o modo de funcionamento e cultivo das plantas; e que ficou surpreso com o tipo de plantação que encontraram, pelo que, questionou o capataz sobre a legalidade das plantas de cannabis que estavam a cultivar, tendo-lhe sido dito que a produção se destinava a fins medicinais.

Esclareceu que, no final do mês de janeiro de 2022, o capataz SS ausentou-se da quinta, alegando que teria de se deslocar ao seu país de origem para proceder à renovação de passaporte, e não mais voltou; que, a partir de então, passaram a receber instruções apenas através de chamadas telefónicas de …, que se arrogava de patrão; que este afirmou que se encontrava fora do país, mas que viria a Portugal assim que a situação pandémica de Covid-19 o permitisse e, nessa altura, saldaria os meses de ordenado em falta; que não chegou a receber qualquer valor monetário durante todo o tempo que trabalhou na quinta em ...; que o capataz SS, quando se ausentou da quinta, deixou algum dinheiro - cerca de €1.000,00 (mil euros) - para despesas de alimentação; que desconhece quem assumia as restantes despesas inerentes à manutenção da quinta; que, três semanas antes da prisão preventiva, se deslocaram a um determinado local com a finalidade de irem buscar o co-arguido GG; e que este passou também a ajuda-los nas tarefas da quinta.

Mais referiu que a quinta onde habitavam tinha fracas condições de habitabilidade e que no período que antecedeu a prisão preventiva estavam a passar algumas dificuldades, pois o dinheiro que lhe foi dado para a satisfação das necessidades básicas estava a acabar.

Por fim, explicou que não encarou a possibilidade de se ausentar da quinta, pois não tinha dinheiro para pagar a viagem de regresso ao seu país e também porque tinha esperança de poder receber os salários que estavam em atraso; mantendo sempre que achava que o seu trabalho estaria legitimado uma vez que se tratava de produção para fins medicinais.

Por sua vez, o arguido DD esclareceu que, na ..., a mesma pessoa que lhe indicou o trabalho em ... (denominada TT) contactou-o com a finalidade de lhe propor trabalho numa quinta agrícola em Portugal por um período de 6 (seis) meses; que entrou em contacto telefónico com …, o suposto patrão, o qual lhe propôs um vencimento mensal de €1000,00 (mil euros) acrescido do pagamento das despesas inerentes à alimentação e alojamento; e que aceitou a proposta de trabalho e veio para Portugal.

Salientou ainda que na altura convidou o co-arguido UU para vir com ele, porque o tinham informado que precisavam de mais pessoas para trabalhar na quinta, conhecia aquele desde a infância e sabia que ele vivia com algumas dificuldades devido ao facto de também apresentar problemática aditiva, pelo que achou que seria benéfico o amigo ter uma oportunidade para se afastar do contexto de risco onde estava inserido.

No mais, no essencial, DD confirmou toda a actividade desenvolvida pelos arguidos em território nacional de um modo absolutamente consentâneo com o relato do co-arguido UU, confirmando ambos de forma pormenorizada, coerente e convincente a factualidade objectiva elencada em 1) a 14).

Por seu turno, o arguido GG afirmou que veio sozinho para Portugal com o objetivo de melhorar as condições económicas, em Fevereiro de 2021. Asseverou que a oportunidade surgiu através de um anúncio na internet onde constava o nome de um … o qual assumiu a posição de intermediário com quem contactou telefonicamente e que lhe dirigiu uma posposta de trabalho em moldes idênticos aos dos co-arguidos. Assim, veio para Portugal por via terrestre, numa carrinha de 8 (oito) lugares, a cujo motorista afirma ter pagado €350,00 (trezentos e cinquenta euros); sendo que, durante o itinerário, em diversas localidades, foram saindo os passageiros, sendo o único sair em ..., onde o aguardavam os co-arguidos, que conheceu nessa altura.

Mais assumiu que desenvolveu a actividade de cultivo das plantas de cannabis em conjunto com o co-arguidos e igualmente convencido que se tratava de uma plantação com fins medicinais, mas que durante as 3 (três) semanas que trabalhou na quinta em ... não recebeu, nem pagou qualquer valor monetário; tendo sido preso preventivamente pouco tempo depois de chegar a território nacional.

No mais, os arguidos corroboraram integralmente as apreensões realizadas e a quantidade e as características do produto estupefaciente, confessando, sem reservas, os factos descritos em 1) a 14), atinentes à detenção e o cultivo de uma relevante quantidade de produto estupefaciente.

No fundo, os arguidos somente divergiram da acusação no que concerne à intencionalidade subjacente à sua conduta na medida em que afirmaram estar convencidos de que se tratava de uma actividade lícita e de que cultivavam uma plantação de cannabis para fins medicinais como outras que existem no país.

Ora, os arguidos revelaram, no essencial, uma vontade crível de contribuir para a descoberta da verdade, mas somente na medida estritamente necessária para explicar a panóplia de elementos probatórios carreados para os autos e para tentar atenuar a sua responsabilidade.

Com efeito, a confissão parcial foi marcada por uma ostensiva vontade de não admitir os factos que avultam da prova indiscutível carreada para os autos e de, concomitantemente, tentar empolar as circunstâncias de facto que entendem que justificam a sua conduta ilícita.

Face às declarações tendenciosas (reveladoras de manifesta tendência para minimizar a sua responsabilidade e o valor da prova concludente de cariz incriminatório indicada na acusação), assumiram particular relevo para a convicção do tribunal quanto aos factos que resultaram como provados em 1) a 19), no que respeita à actuação dada por assente dos arguidos, a análise crítica e conjugada de toda a extensa prova documental e pericial junta aos autos, com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, concretamente nos seguintes depoimentos:

1. VV, militar da Guarda Nacional Republicana que recebeu a notícia do crime e se deslocou imediatamente ao local para aquilatar a veracidade da informação prestada pela “fonte anónima”, o qual depôs com rigor e isenção, confirmando a autenticidade e veracidade do auto de notícia de fls. 3 e ss.

Esta testemunha, apesar de ter revelado grande hesitação e dúvida quanto ao modo como foram carreadas para os autos as fotografias anexadas ao auto de notícia, demonstrou total segurança na forma circunstanciada e credível como descreveu as diligências realizadas para percepcionar os indícios da prática do crime de tráfico de estupefacientes que consignou expressamente no referido auto, asseverando, no essencial, a veracidade e autenticidade do segmento que consigna que “ao chegarmos junto da referida Quinta acedemos por uma zona de eucaliptos que não se encontrava vedada até junto dos armazéns que se encontravam junto a estrada de acesso à Quinta, onde foi notório um forte odor característico da planta do cannabis, cheiro esse que é oriundo do interior dos armazéns, assim como foi possível visualizar janelas dos armazéns tapadas aparentemente com plástico de cor preta, com gradeamento e as saídas de tubos que pelo som e calor aparentam vir de um ventilador instalado no interior dos armazéns para produzir calor, para auxiliar o desenvolvimento das plantas”.

Sucede que, quando sujeita ao contraditório, a testemunha revelou um ostensivo esforço de demonstrar brio profissional e colmatar compreensíveis falhas de memória, atento o lapso temporal decorrido e a panóplia de investigações similares em que os militares da Guarda Nacional Republicana se encontram envolvidos em simultâneo, arrogando estar seguro de que ele próprio tirou algumas das fotos anexadas ao auto de notícia e que jamais acedeu ao interior da Quinta ....

Ora, avulta ostensivamente da análise do auto de notícia elaborado pela testemunha que as fotografias foram fornecidas pela testemunha/informador e que a testemunha e o militar JJ, que o acompanhava, acederam por uma zona de eucaliptos que não se encontrava vedada até junto dos armazéns.

Portanto, não sendo possível determinar se os militares acederam ou não ao interior da Quinta ... por se desconhecerem os limites da propriedade (que não estava vedada), a verdade é que se afigura muito provável que o tenham feito uma vez que se aproximaram dos armazéns para confirmar o que se passava no interior.

As fragilidades deste depoimento, baseadas numa notória vontade firme de sustentar a todo o custo a validade do trabalho policial desenvolvido, não afecta a validade da informação vertida no auto de notícia de fls. 3 e ss, nem no subsequente relatório de vigilância de fls. 42 e ss, na medida em que não só o seu teor foi confirmado por este depoente, mas sobretudo foi corroborado pelo depoimento da testemunha JJ, que também se deslocou diversas vezes ao local do crime e percepcionou directamente os factos relevantes consignados na mencionada prova documental. Ademais, o facto dos militares terem eventualmente realizado a vigilância numa área não vedada e livremente acessível a público não afecta, como vimos, a validade dos actos probatórios em que participaram.

2. Por seu turno, JJ, militar da Guarda Nacional Republicana que tomou contacto com os arguidos no dia 5 de Março de 2021 nas circunstâncias que deram origem à elaboração do auto de contra-ordenação junto aos autos sob a ref.ª .. e se deslocou igualmente ao local do crime para aquilatar a veracidade da informação prestada pela aludida “fonte anónima”, confirmou de forma objectiva, rigorosa, credível e manifestamente convincente a veracidade e autenticidade dos autos subjacentes à realização de todos os actos de investigação em que participou no processo, com realce para a deslocação ao local e observação dos indícios da prática do crime - percepcionados directamente pelo mesmo e vertidos no auto de notícia de fls. 3 e ss - , o que confirmou de forma íntegra e isenta de maculada, colmatando todas as mencionadas fragilidades do depoimento da testemunha VV.

Ademais, a testemunha participou na vigilância realizada no dia 8 de Março de 2021 e documentada no relatório de fls. 42 e ss, confirmando com o mesmo rigor e credibilidade que, nessa data, verificou que os arguidos acederam ao interior dos armazéns onde era desenvolvida a actividade delituosa – conduta que os arguidos confirmaram e densificaram nas suas declarações confessórias.

Mais cumpre salientar que a testemunha esclareceu todo o circunstancialismo subjacente à abordagem dos arguidos no âmbito da operação “…” que deu causa ao levantamento do aludido auto de contraordenação (cfr. ref.ª ...) de um modo absolutamente consentâneo com as declarações dos próprios arguidos, referindo que os mesmos foram abordados em virtude de se encontrarem os três no interior do mesmo veículo automóvel alegadamente para aceder a rede wi-fi pública e gratuita e, bem assim, contactarem os seus familiares. Neste circunspecto, a testemunha clarificou os motivos da abordarem dos arguidos (na sequência da violação do regime legal especial em vigor naquela fase pandémica), a forma como procederam à identificação dos mesmos, a consequente deslocação da autoridade policial à Quinta ... com os arguidos a fim de recolherem os respectivos documentos identificativos, a total colaboração manifestada pelos arguidos e a forma natural como se comportaram quando se dirigiram juntamente com a autoridade policial à residência sita junto aos armazéns onde os mesos desenvolviam a actividade criminosa.

Aliás, a testemunha JJ descreveu todos os episódios com a mesma honestidade, confiança, verosimilhança e consistência, que alicerçou a convicção segura do Tribunal quanto à demonstração desta factualidade.

3. WW, militar da Guarda Nacional Republicana que participou na realização das diligências de busca e apreensão documentadas no relatório de fls. 112 e ss e nos autos de fls. 120 e ss e 194 e ss, confirmou integralmente o contexto das diligências e os vestígios encontrados no local; tudo nos termos cabalmente documentados nos autos de busca e apreensão referidos, cuja veracidade e autenticidade de conteúdo não foi, por qualquer modo, posta em causa.

4. KK, proprietária da Quinta ..., prestou um depoimento imparcial, convincente e sincero, explicando o contexto em que foi celebrado o contrato de arrendamento rural reproduzido a fls. 207 e ss e asseverando que a testemunha LL foi o seu principal interlocutor com os arrendatários, que foi o seu ex-marido quem tratou da maior parte das formalidades e contactou, na maioria das vezes, com os intervenientes e, sobretudo, que não tomou qualquer conhecimento da actividade desenvolvida na sua propriedade, nem teve qualquer contacto com os próprios arguidos – o que corrobora a ideia que os arguidos estariam a desenvolver a actividade em concertação com terceiros que os recrutaram no estrangeiro, tal como afirmaram nas declarações que prestaram e tal como resulta da documentação apreendida na residência dos arguidos, reproduzida no apenso 1 e emitida na sua esmagadora maioria a favor de com MM. Aliás, esta testemunha revelou não se recordar bem de todos os pormenores, mas reconheceu que o nome … lhe era efectivamente familiar e que julgava que podia ter participado na celebração do arrendamento.

4. LL, prestou um depoimento imparcial, convincente e sincero, explicando o contexto em que travou conhecimento circunstancial com MM, que figura como arrendatário da Quinta ..., e em que, nesta sequência, este lhe solicitou que participasse na negociação tendente à celebração do aludido contrato de arrendamento na qualidade de intérprete. Mais referiu que desconhece em absoluto as posteriores vicissitudes contratuais, a não ser uma questão de atraso pontual de pagamento da renda que lhe foi comunicada por KK e que desconhece totalmente os arguidos e a sua eventual participação na prática dos factos.

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Os factos provados em 1) a 19) resultam, assim, da valoração positiva e criticamente conjugada das declarações dos arguidos e dos depoimentos das mencionadas testemunhas produzidos em audiência de julgamento concatenados com a prova documental e pericial de seguida elencada.

Assim, as apreensões efectuadas e respectivas condutas subjacentes fundam-se na conjugação do relatório de busca de fls. 112 e ss, dos autos de detenção de fls. 48 e ss, os autos de busca e apreensão de 120 e ss e fls. 194 e ss, do relatório fotográfico de fls. 138 e ss, do auto de detenção de fls. 48 e ss e do croquis de fls. 132 e ss, cuja autenticidade e veracidade de conteúdo foi integralmente corroborada pelo depoimento das mencionadas testemunhas VV, JJ e WW, militares da Guarda Nacional Republicana envolvidos na investigação da factualidade em apreço.

Em relação e ao produto estupefaciente apreendidos foram valorados os autos exame directo de fls. 168 e ss e o respectivo relatório de exame pericial de fls. 566 e ss, idóneos para o apuramento das respectivas características, natureza, quantidade, grau de pureza e dosagens.

Acresce que, a vigilâncias reproduzida a fls. 42 e ss atesta movimentações dos arguidos que são consentâneas, como se disse, com as declarações confessórias dos mesmos em relação ao cultivo do produto estupefaciente.

Cotejada toda a prova produzida, supra sumariada, resulta assim, à saciedade, para o Tribunal, da conjugação da prova documental, pericial, testemunhal e das declarações dos arguidos a convicção segura e fundada, face às regras da experiência comum e da livre apreciação da prova produzida, quanto à concreta intervenção dos arguidos nos factos objectivos em análise que por tal razão fizemos reverter nos factos que resultaram como provados em 1) a 15).

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Os factos subjectivos provados em 15) a 19) porque insusceptíveis de prova directa, dada a sua natureza, extraem-se das declarações dos arguidos concatenadas com os factos objectivos provados, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir tal factualidade.

Na verdade, os arguidos corroboraram a prática dos factos ilícitos objectivos, mas afirmaram unanimemente que não tinham consciência da ilicitude das suas condutas uma vez que sempre lhes foi dito que a mencionada plantação de cannabis tinha fins medicinais. Para tanto, invocaram que não dominavam a língua, nem a legislação nacional, que não mantiveram contactos com terceiros durante o período em que desenvolveram a actividade ilícita - com expecção das pessoas que os recrutaram e dos contactos pontuais com desconhecidos quando realização compras de bens geralmente essenciais – e, ainda, que se bastaram com a explicação prestada pelos indivíduos que os recrutaram no sentido de que aquela plantação tinha uma finalidade terapêutica e lícita.

Sucede que, as características do local, sobretudo o facto dos armazéns estarem localizado num sítio ermo, equipados com portas blindadas e trancados a cadeado (criando um ambiente de maior privacidade para o desenvolvimento da actividade ilícita), a circunstância de não existirem quaisquer elementos no local associados ao controle médico-científico da actividade de cultivo de cannabis de molde a garantir que os produtos são produzidos de acordo com todas as boas práticas e requisitos aplicáveis (naturalmente sempre exigível quando se trata de plantação com finalidade terapêutica), a experiência pessoal dos arguidos UU e DD enquanto consumidores durante longos anos (que os torna especialmente habilitados a ficarem despertos para o modo como é desenvolvida a actividade de tráfico e consumo de produtos estupefacientes no ambiente que os rodeia) e, sobretudo, o facto desta actividade ser igualmente ilícita no seu país de origem e dos arguidos se terem deslocado propositadamente do estrangeiro para desenvolver aquela actividade profissional com o alegado escopo de melhorar as suas condições de vida (donde se induz um manifesto interesse em conhecer a natureza actividade desenvolvida e a dimensão dos proveitos que podiam advir da mesma), indicam, à luz das regras da experiência comum, em sentido oposto, que os arguidos deveriam saber que a detenção e cultivo de tais plantas e produtos estupefacientes, no circunstancialismo acima descrito, era proibido e punido por lei como crime.

Cumpre, por fim, salientar que o facto dos arguidos terem conduzido o órgão de polícia criminal à sua residência no dia 5 de Março de 2021 no decurso daquele acção de fiscalização contraordenacional tanto pode significar que estavam descansados porque julgavam desenvolver actividade lícita e não receavam a fiscalização das autoridades, como que os mesmos sabiam que os seus documentos pessoais eram essenciais para alcançar o desfecho do processo contraordenacional a fim de encerrar aquele incidente e “livrarem-se” o mais rapidamente possível do controle da Guarda Nacional Republicana. Aliás, os arguidos afirmaram que liquidaram imediatamente a coima que lhes foi aplicada –o que foi corroborado pela testemunha JJ -, o que revela claramente que efetivamente queria ver aquele assunto resolvido o mais rapidamente possível.

De qualquer modo, tendo presentes, por um lado, as justificações apresentadas pelos arguidos, por um lado, e contexto altamente incriminatório em que desenvolveram a actividade ilícita, impõe-se concluir que subsistem dúvidas quanto à intencionalidade subjacente à sua actuação uma vez que nenhuma das versões se mostrou suficientemente concludente para fundar a convicção do tribunal. Neste contexto, importa reter que o princípio do in dúbio pro reo é uma emanação do princípio da presunção de inocência, surgindo como resposta ao problema da incerteza em processo penal, e impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de violação do dito princípio. Em todo o caso convém não olvidar que este princípio só tem aplicação quando, depois de avaliada a prova segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação, persistir no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto. Isto porquanto e com efeito, o in dubio pro reo “parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador.” (cfr. Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997). Ou seja, com excepção da prova vinculada, é, pois, no equilíbrio das duas vertentes – as regras da experiência e a livre convicção do julgador – que a prova há-de ser apreciada. Sucede que, a dificuldade, que frequentemente se coloca na apreciação da prova quando estão em causa factos subjectivos que não podem ser percepcionados directamente, suscita algumas dúvidas no caso concreto.

Ora, se é certo que umas declarações dos arguidos parciais e pouco credíveis não têm que ser necessariamente inverídicas, também é verdade que o julgador somente não deverá, em princípio, atribuir poder convicção a tais meios de prova quando se verifiquem razões atendíveis, à luz de critérios que devem orientar a livre apreciação da prova, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, para emprestar credibilidade à outra versão em confronto, em detrimento daquela, o que não se verifica in casum. Temos assim que, uma vez feita a análise crítica da prova produzida sobre o facto em discussão, se deve dar como provada, de acordo com as regras da lógica, a hipótese factual alternativa à hipótese probanda, mais favorável aos arguidos, baseada na justificação invocada pelos mesmos uma vez que os demais meios de prova produzidos - que se restringem à deteção e apreensão de todo o material e produtos utilizados pelos arguidos para desenvolver a actividade de detenção e cultivo de produtos estupefacientes que os próprios confessaram –não permitem ultrapassar a dúvida razoável e insanável sobre a realidade do facto em causa, justificativa do accionamento do princípio do in dubio pro reo.

Não obstante resulte, então, demonstrado que os arguidos não tinham consciência da ilicitude, cumpre salientar que na nossa sociedade actual não saber que é proibido deter e cultivar produtos estupefacientes, revela uma personalidade alheia aos valores jurídicos, que só pode ser atribuída a deficiência da consciência ética. A questão da ilicitude da detenção de produtos estupefacientes não é uma questão discutível e controvertida, estando bem sedimentada na consciência ética do cidadão comum.

No caso vertente, os arguidos conheciam bem as características dos produtos estupefacientes que detinham e ao não ter consciência de que era proibido cultivar os mesmos sem dispor da respectiva autorização, revela uma consciência ética desvaliosa, por indiferente ao direito.

Com efeito, estabelece o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 8/2019, de 15 de janeiro, que “As atividades de cultivo, fabrico, comércio por grosso, importação, exportação e trânsito de medicamentos, preparações ou substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais, carecem de autorização, nos termos previstos no artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na sua redação atual, devendo o exercício destas atividades observar o regime previsto nesse diploma bem como no Decreto Regulamentar n.º 61/94, de 12 de outubro, na redação introduzida pelo presente decreto-lei, e respetiva regulamentação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”

Quer dizer, é consabido que o cultivo lícito de produto estupefaciente constitui a excepção e tem carácter manifestamente residual no contexto da actividade agrícola, pelo modo altamente regulamentado e exigente em que o desenvolvimento da actividade é permitida.

Neste contexto, não pode deixar de concluir que a factualidade mais favorável aos arguidos que emerge como provada por aplicação do princípio do in dubio pro reo, não exclui a conclusão categórica de que o seu erro sobre a ilicitude lhes censurável in casu, sobretudo se consideramos que a plantação em apreço não reunia o mínimo de condições de controle de qualidade e segurança adequados a um contexto de produção medicamentosa. Portanto, neste contexto, era especialmente exigível aos arguidos que indagassem a licitude da sua conduta.

Efectivamente, os arguidos não precisam de conhecer em concreto a sanção penal prevista para o crime em que incorrem, mas só a sua indiferença perante a ordem jurídica é que pode levar a que não tenha consciência da ilicitude da sua conduta, sendo que tal erro sobre a ilicitude é fortemente censurável.

Nesta conformidade, como veremos adrede o comportamento dos arguidos não se subsume ao disposto no artigo 17.º, n.º 1, do Código Penal, sendo antes enquadrável no n.º 2 do mesmo dispositivo.

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A ausência de antecedentes criminais dos arguidos, factualidade provada em 20), resultam do teor dos Certificados de Registo Criminal dos mesmos juntos sob as ref.ªs ..., … e ....

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A factualidade provada em 21) a 80), respeitante ao comportamento dos arguidos em audiência e à situação pessoal dos mesmos alicerçou-se na análise das declarações por si prestadas concatenada com o teor dos relatórios sociais elaborados pela DGRSP reproduzidos nas ref.ªs ..., ... e ..., inexistindo outros elementos de prova que as infirmem. Pelo contrário, as declarações prestadas pelos arguidos vieram igualmente confirmar a factualidade vertida nos aludidos elementos documentais.

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A demais factualidade dada como não provada, elencada em I) e II), resultou da circunstância de não ter sido produzida prova concludente sobre a mesma.

Com efeito, não existem nos autos quaisquer elementos que permitam com a segurança exigida para a condenação em sede de processo penal concluir que os telemóveis e os veículos apreendidos foram efectivamente utilizados para a prática do crime uma vez que, a despeito da intenção lucrativa e de consequente venda a terceiros (que se deduz claramente da qualidade de doses individuais apreendidas que excediam largamente o necessário para o consumo), não se logrou demonstrar que os arguidos chegaram a ultrapassar a fase da detenção e cultivo do produto estupefaciente que antecedia a fase da venda a terceiros. Contrariamente, tendo ficado assente que os arguidos nunca auferiram quaisquer rendimentos, não temos dúvidas que as quantias monetárias apreendidas provinham da prática do ilícito criminal em presença.”

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2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objeto do recurso e decisão quanto ao mesmo.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

Assim:

As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:

1.ª questão – Conhecimento da (invocada) “nulidade da prova inicial” e das (consequentes) buscas realizadas, bem como contradição insanável da fundamentação (art.º 410.º, n.º 2, alínea b));

2.ª questão – Impugnação da matéria de facto;

3.ª questão – Alegada errada subsunção;

4.ª questão – A medida da pena.

Decidindo.

1.ª questão – Conhecimento da (invocada) “nulidade da prova inicial” e das (consequentes) buscas realizadas, bem como contradição insanável da fundamentação (art.º 410.º, n.º 2, alínea b))

Segundo os recorrentes, a nulidade da prova inicial decorre da circunstância de o auto de notícia e a reportagem fotográfica que o acompanha terem sido alegadamente obtidos de forma ilegal uma vez que os elementos da GNR entraram, sem autorização para o efeito de quem de direito e sem qualquer mandado judicial que o legitimasse, em propriedade privada devidamente vedada por rede, ali permaneceram por largo período de tempo, e captando imagens do que iam observando já no interior de tal propriedade e sem que tenham praticado, ou se revelasse necessário a prática de qualquer acto cautelar urgente, pelo que foram utilizados meios de prova obtidos com intromissão na vida privada dos recorrentes e com violação do seu direito à imagem, sendo que, quanto à invocada nulidade das buscas e apreensões, a acima mencionada nulidade do auto de notícia e da reportagem fotográfica que o acompanha, contamina irremediavelmente a validade das diligências de busca e apreensão subsequentemente realizadas, uma vez que a fundamentação dos mandados de busca repousa na “descrição dos factos efectuados pelo NIC da GNR, mas igualmente o relatório fotográfico de fls. 7 a 17”.

O MP, por seu turno, na sua resposta, entende que o “efeito à distância” decorrente do acesso ilegítimo (o que configura nulidade) à Quinta ... e aos seus armazéns e das fotografias tiradas nesse contexto, não pode ser afastado, existindo contradição na fundamentação da decisão recorrida quanto à entrada (ou não entrada) dos elementos da GNR naquela Quinta.

Quanto a estas duas nulidades, o tribunal recorrido pronunciou-se da seguinte forma:

“Os arguidos vieram arguir a nulidade do auto de notícia de fls. 3 e ss, bem como da reportagem fotográfica que o acompanha, por considerarem que tais meios de prova foram obtidos com intromissão na sua vida privada e com violação do seu direito à imagem.

Cumpre apreciar e decidir.

As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do Código Civil).

Os meios de prova são os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, pág.452). Os meios de obtenção de prova são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova (cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Tomo II, pág. 209).

Ainda a propósito da distinção entre meios de obtenção de prova e de meios de prova, escreve Germano Marques da Silva, ob. cit., pág.210.: “É claro que através dos meios de obtenção de prova se podem obter meios de prova de diferentes espécies, v.g., documentos, coisas, indicação de testemunhas, mas o que releva de modo particular é que, nalguns casos, o próprio meio de obtenção da prova acaba por ser também um meio de prova. Assim, por exemplo, enquanto a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova, as gravações são já um meio de prova.”

Contudo, prossegue o mesmo autor: “...pode suceder que a distinção resulte apenas da lei ter dado particular atenção ao modo de obtenção da prova, como nos parece acontecer, v.g., com as escutas telefónicas.”

Aos meios de obtenção da prova reportam-se os artigos 171.º a 190.º do Código de Processo Penal. São eles: os exames (artigos 171.º a 173.º), as revistas e buscas (artigos 174.º a 177.º), a apreensão (artigos 178.º a 186.º) e as escutas telefónicas (artigo 187.º e seg.).

Não previu expressamente o legislador, como meio de obtenção de prova os meios de recolha de imagem. Isto, porém, não significa sem mais que os meios de prova assim obtidos sejam ilegais, mas apenas que não lhes foi dada “particular atenção”.

Vejamos o que, a propósito, prevê a nossa Constituição: O artigo 32.º, n.º 8, dispõe: “são nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”

Em anotação a este número, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed., pág.206., “Os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade humana (artigo 1.º) e nos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (artigo 2.º), não podendo portanto valer-se de actos que ofendam direitos fundamentais básicos. Daí a nulidade das provas obtidas com ofensa da integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência (..). A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal, e relativa nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (artigo 32.º, n.ºs 2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada, ou quando aniquiladora dos próprios direitos (cfr. artigo 18.º, n.ºs 2 e 3)”.

Mas, porque os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados, prosseguem os mesmos autores, “O regime próprio dos direitos, liberdades e garantias não proíbe de todo em todo a possibilidade de restrição, por via de lei, do exercício dos direitos, liberdades e garantias”, ob. cit., pág.148.

“Nalguns preceitos, a Constituição autorizou a lei ordinária a restringir determinados direitos em alguns aspectos ou para determinadas finalidades, ou então atribuiu-lhe expressamente uma competência de regulação geral da matéria que pode ser interpretada como incluindo poderes de restrição.” – cfr. José Carlos Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª Ed., pág. 288.

Também João Conde Correia, escreve: “A própria Constituição remeteu para o legislador ordinário a conformação normativa das proibições de prova nos domínios da reserva da vida privada e da inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações. De tal forma que, as provas obtidas sem a observância destes mecanismos ou são abusivas ou restringem os direitos, liberdades e garantias de forma inadmissível e, portanto, também são proibidas.”, in Stvdia Ivridica n.º 44, Contributo para a Análise da Existência e das Nulidades Processuais Penais, pág.158 e ss.

Assim, a nossa lei constitucional, como forma de garantir a defesa dos direitos, liberdades e garantias que consagra, impõe limites à validade dos meios de prova.

Na sequência dessas disposições constitucionais, a lei processual, no seu artigo 126.º, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova”, estabelece, no seu n.º 3: “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”

Por outro lado, o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada. No direito à imagem está implícito, designadamente, o direito de cada um a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento.

O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar “analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (cfr. artigo 80.º do Código Civil)”, incumbindo a Constituição “a lei de garantir efectiva protecção a esse direito (n.º2), compreendendo-se essa preocupação suplementar face aos sofisticados meios que a técnica hodierna põe à disposição da devassa da vida privada e da colheita de dados sobre ela.” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed., pág.181).

Ainda relativamente ao direito à imagem, dispõe o artigo 79.º do Código Civil: “1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; (...). 2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente. 3. (...)”.

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À luz do enquadramento delineado, urge, pois, verificar se as informações vertidas no auto de notícia de fls. 3 e ss e as correspondentes fotografias foram obtidas ou não de forma ilícita, isto é, através de abusiva intromissão na vida privada dos arguidos com violação do direito à imagem ou do direito à reserva da vida privada.

Ora, é por todos aceite que as informações e as fotografias foram obtidas por “pessoa que solicitou que a sua identidade não fosse revelada devido ao facto de eventuais represálias por parte dos suspeitos, afirmando mesmo que tem receio que possa atentar contra a sua integridade física/vida” e em circunstâncias não concretamente apuradas, sem a autorização ou consentimento dos arguidos, conforme avulta expressamente da análise do mencionado auto de notícia.

Também é pacífico que não houve qualquer despacho a autorizar ou ordenar o registo fotográfico.

Desconhece-se igualmente se a captação de imagens ocorreu em lugar público, entendido este no sentido de lugar de livre acesso de público; mas afigura-se que, pelo menos, a fotografia da chaminé somente poderia ter sido tirada a partir do telhado do armazém, depois de se aceder ao interior da propriedade privada dos arguidos.

Neste circunspecto, cumpre salientar que, ao permitir, relativamente a certos crimes taxativamente indicados, dentre os quais o de tráfico de estupefacientes, o uso de registo de voz e de imagem como meio de produção de prova, o artigo 6.º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, estabelece que “1 - É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado. 2 - A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos. 3 - São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal”. A norma que acabamos de transcrever faz depender de prévia autorização ou ordem do juiz a produção de registos de voz e de imagem, sem consentimento do visado, fazendo aplicar as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal, aos registos obtidos. Ou seja, os registos de voz e de imagem para que possam ser recolhidos dependem de pressupostos substanciais, que são os previstos no n.º 2 do artigo 6.º – autorização ou ordem do juiz de instrução, consoante a recolha seja levada a efeito na fase de inquérito ou na fase de instrução –, ficando sujeitos aos mencionados pressupostos formais constantes do artigo 188.º do Código de Processo Penal.

Feitas estas considerações, pode, desde já afirmar-se que, no caso em apreço, os elementos constantes dos autos permitem uma conclusão segura e objectivamente fundada no sentido da ilegalidade da recolha dos registos de imagem juntos ao auto de notícia, que não serão, portanto, valorados como elemento de prova documental.

A reforçar o entendimento preconizado, impõe-se ainda referir que tais elementos de prova jamais poderiam ser valorados contra os arguidos na medida em que a localização das fotos em apreço - ou seja, a confirmação de que foram efectivamente recolhidas no armazém explorado pelos arguidos (senão em qualquer outra plantação ilícita) -, sempre resultaria do depoimento indirecto daquela testemunha que não se quis identificar e, por isso, não se logrou inquirir em sede de audiência de julgamento, em conformidade com o regime preconizado no artigo 129.º do Código de Processo Penal.

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Sem prejuízo, na sequência do depoimento indirecto daquela testemunha que não se quis identificar, mas que prestou informações à Guarda Nacional Republicana sobre a autoria do crime, os militares VV e JJ deslocaram-se à Quinta ... a fim de verificarem “a veracidade dos factos descritos pelo informador” e, nessa sequência, fizeram constar do auto de notícia posto em crise que “ao chegarmos junto da referida Quinta acedemos por uma zona de eucaliptos que não se encontrava vedada até junto dos armazéns que se encontravam junto a estrada de acesso à Quinta, onde foi notório um forte odor característico da planta do cannabis, cheiro esse que é oriundo do interior dos armazéns, assim como foi possível visualizar janelas dos armazéns tapadas aparentemente com plástico de cor preta, com gradeamento e as saídas de tubos que pelo som e calor aparentam vir de um ventilador instalado no interior dos armazéns para produzir calor, para auxiliar o desenvolvimento das plantas” (cfr. auto de notícia de fls. 3 e ss).

Verifica-se, assim, que o órgão de polícia criminal, em cumprimento do preceituado no disposto no n.º 1 do artigo 248.º do Código de Processo Penal, se limitou a recolher informação no sentido de confirmar comunicação da prática de actos ilícitos e de comprovar identidade e localização dos seus agentes, assim como o local da prática dos factos.

Contudo, alegam os arguidos que, para tanto, os militares da Guarda Nacional Republicana se introduziram indevidamente em lugar vedado ao público, recolhendo tais informações de forma ilícita.

Vejamos.

Dispõe o artigo 191.º do Código Penal que «quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias.»

A este propósito, importa referir que o objecto da acção tem de consistir num espaço fisicamente delimitado, por uma barreira que seja necessário ultrapassar para entrar (muro, sebe, rede portão) podendo mesmo tratar-se de uma barreira descontínua, «desde que não perca o carácter de uma protecção física».

A acção típica consiste na entrada ou permanência «arbitrárias», ou seja, a entrada sem consentimento e a permanência após a intimação para se retirar ou «depois de esgotado o fundamento de legitimação ou de não punição da permanência».

Trata-se de doutrina igualmente perfilhada por Paulo Pinto de Albuquerque, que sustenta, em anotação ao mencionado preceito no seu Comentário ao Código Penal, que «o tipo objectivo consiste na entrada ou permanência em local vedado ao público, sem consentimento ou autorização por quem de direito. Não é sequer necessário que essa permanência tenha lugar depois de advertência para o sujeito sair, revelando-se, pois, a protecção penal mais ampla do que a prevista para a violação do domicílio. Mas é imprescindível que o lugar se encontre fechado, com o acesso fisicamente vedado por uma construção humana (porta, arame, portão ou sebe), não sendo suficiente que ele se encontre reservado ao uso por determinados pessoas».

No caso sub judice, avultando ostensivamente dos depoimentos dos militares VV e JJ, conforme consta da motivação infra reproduzida, que os mesmos realizaram uma inspecção ao local, aproximando-se dos armazéns a partir de uma zona de eucaliptos que não se encontrava vedada, não restam dúvidas que os mesmos não acederam ilegitimamente ao local e que, por isso, as informações careeadas para os autos pelos mesmos não padecem de qualquer invalidade processual, podendo ser objecto de valoração em sede de análise crítica da prova.

2. Da nulidade das buscas e das apreensões

Concomitantemente, os arguidos vieram pugnar pela declaração de nulidade das buscas e apreensões, atento o disposto nos artigos 176.º, 177.º e 178.º, todos do Código de Processo Penal e artigo 32.º, n.º 8, da Lei Fundamental, por considerarem que inexistiu qualquer averiguação do grau de indiciação ou diligências de prova prévias, partindo-se para a realização da busca domiciliária e correspondentes apreensões com base unicamente nas informações obtidas pelo órgão de polícia criminal a partir da informação prestada pela testemunha que recusou identificar-se e prestar depoimento em sede de audiência de julgamento.

Mais invocam que a suscitada nulidade do auto de notícia e da reportagem fotográfica que o acompanha contamina a validade das diligências de busca e apreensão subsequentemente realizadas.

Cumpre apreciar e decidir.

A busca domiciliária é uma excepção ao princípio constitucional da inviolabilidade do domicílio, consagrado no artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual, a sua realização se encontra sujeita a um regime próprio.

Efectivamente, a admissibilidade de restrições ao princípio constitucional referido destina-se a salvaguardar outros bens jurídicos igualmente relevantes e que são também objecto de tutela constitucional.

Assim, nos termos do disposto no artigo 174.º do Código de Processo Penal, quando houver indícios de quaisquer objectos relacionados com o crime ou que possam servir de prova se encontrem em lugar reservado ou não livremente acessível ao público é ordenada a busca.

Por outro lado, quando a busca tem de ser efectuada em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada por juiz e efectuada entre as sete e as vinte e umas horas, sob pena de nulidade (cfr. artigo 177.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).

Ora, no caso vertente, havia indícios de que o crime de tráfico de estupefacientes viesse a ser imputado aos arguidos.

Tais indícios resultavam das informações percepcionadas directamente pelo órgão de polícia criminal, que verificaram uma panóplia de elementos reveladores de que os mesmos desenvolviam a actividade de tráfico (cultivo e plantação) de tráfico de estupefacientes, os quais exarara no aludido auto de notícia de fls. 3.

A jurisprudência tem vindo a entender que para a realização de uma busca a lei exige apenas a existência de indícios e não indícios suficientes ou fortes indícios – cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto em 29 de Novembro de 2006 (Processo n.º 0645900) e do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2007 (Processo n.º 3/07.4 GBCNT-A.C1), ambos disponíveis in www.dgsi.pt).

Aliás, como meio de obtenção de provas que é, a busca não pode depender da prévia existência das provas que visa, precisamente, obter.

Na verdade, em face dos indícios existentes, o direito à inviolabilidade do domicílio previsto no artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa deve ceder perante o interesse da investigação criminal para a boa administração da justiça.

Ora, a diligência solicitada teve, designadamente, em vista encontrar produtos estupefacientes armazenados no armazém situado nas proximidade da residência dos arguidos.

Assim, afigurando-se relevante para a continuação da investigação, e não se vislumbrando nenhuma outra diligência, menos penosa, que permitisse obter o resultado pretendido, considerou-se fundadamente que se mostrava efectivamente indispensável que se procedesse a uma busca domiciliária.

Por sua vez, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 178.º do Código de Processo Penal “são apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim, todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir de prova”.

Desta forma, conclui-se que, à data, se encontravam verificados os pressupostos de que dependia a realização de busca domiciliária com a finalidade de se proceder à apreensão dos objectos relacionados com o crime em investigação nestes autos.

Mostra-se, assim, observado, em termos suficientes e adequados, o formalismo previsto nos artigos 176.º e ss do Código de Processo Penal, não se vislumbrando motivo válido para anular as buscas e apreensões realizadas; pelo que deverá ser julgado improcedente o correspondente pedido de declaração de nulidade das buscas e apreensões formulado pelos arguidos.

*

Ademais, a nulidade do registo fotográfico apresentado ab initio pela testemunha/informandor que deu a notícia do crime não condiciona a validade das diligências probatória subsequentemente realizadas.

Na verdade, em nome de uma “exigência de superioridade ética” do Estado , das suas “mãos limpas” na veste de promotor da justiça penal, a violação das proibição de provas, que significaria o “encurtamento da diferença ética que deve existir entre a perseguição do crime e o próprio crime” , é hoje uma questão de actual e premente abordagem, uma vez que sob a égide de uma justiça penal eficaz , se vem mobilizando a doutrina e a jurisprudência para um “clima de moral panic”, um “estado de necessidade de investigação”, de que fala Hassemer, assistindo-se segundo este autor, a uma “dramatização da violência” que “encosta a sociedade à parede” e induz a “colonização da política criminal por lastros de irracionalidade”, escreve o Prof. Costa Andrade, in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, págs. 68 e ss.

As proibições de prova são autênticos limites à descoberta da verdade material, “barreiras colocadas à determinação do objecto do processo”, no dizer de Gössel; as regras sobre a produção das provas, configuram, diversamente, meras prescrições ordenativas da produção de prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova, no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, Processo Penal, pág. 446.

A declaração de nulidade declara quais os actos que passam a considerar-se inválidos ou ordena sempre que possível e necessário a sua repetição (n.º 2) e ao declará-la o juiz aproveita todos os actos que ainda podem ser salvos, de acordo com o princípio “utile per inutile non vitiatur” – n.º 3, daquele preceito.

O preceito em causa é um afloramento do problema “desesperadamente controverso”, no dizer de Rogall , citado pelo Prof. Costa Andrade , ob. cit ., pág. 61, denominado de “efeito à distância (Fernwirkung), ou seja quando se trata de indagar da comunicabilidade ou não da valoração aos meios secundários da prova tornados possíveis à custa de meios ou métodos proibidos de prova . Quando, parafraseando-se, ainda, o Prof. Costa Andrade, ob. cit., pág. 61, “encarando-se certo crime, que uma prova não é válida – caso das fotografias que não resulta de registo de imagem legalmente obtido -, tudo se passando como não existisse, importa apurar em que medida, complementarmente, essa proibição se projecta prospectivamente ou não nos factos ou provas ulteriores - designadamente nas buscas e apreensões -, de que modo a anomalia refrange, comunicando-se, a outros meios de prova, à distância” , tendo sempre presente que se a afirmação da culpabilidade penal dos arguidos é importante para a segurança colectiva e a afirmação do primado da lei sob o instinto primário e o restabelecimento da paz e da segurança, não menos importante é a materialização do julgamento à luz das regras pré-estabelecidas sem atropelo às garantias de defesa em favor do acusado.

O efeito à distância das provas inválidas sobre outras pressupõe e não abdica da indagação dicotómica sobre a verificação ou não de um “nexo de antijuridicidade” que aquele fundamente ou de um grau de independência, de autonomia, da prova relativamente à primeira, desta se destacando e se subtraindo. Historicamente o “efeito à distância”, já reconhecido como vigente entre nós por Figueiredo Dias, antes do Código de Processo Penal actual – cfr. Para uma Reforma Global do Processo Penal, in Para uma Nova Justiça Penal, Coimbra, 1983, pág. 208 - aparece pela primeira vez proclamado na sentença do juíz Oliver Wendell Holmes, em 1920, a propósito do caso Silverthorne Lumber Co .v. United States (251 U. S., 385) dela se extraindo que foi pensamento cristalino o de que se o conhecimento de factos obtidos ilegalmente o Governo não os pode aproveitar, já, e, diversamente, se “o conhecimento deles é adquirido por uma fonte independente (independent source) podem ser provados, como quaisquer outros …”

Em torno desta ideação construiu, em 1939, o Juíz Félix Frankfurter, do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos, no caso Nardone v. United States, (308, U S , 338 ) a metáfora, não mais abandonada, irradiando, desde logo para os direitos continentais, do “fruto da árvore venenosa” (Fruit of the poisonus tree), podendo dizer-se constituir o meio de prova inválido a árvore venenosa, importando saber se flui dela a prova ulterior, como “fruto” envenenado ou saudável.

Uma longa evolução jurisprudencial, de que dá nota o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/04, de 24 de Março de 2004, in Diário da República, II Série, de 2 de Junho de 2004, exemplificou os casos em que aquele efeito à distância se não projecta, os casos em que a indissolubilidade entre as provas é de repudiar, por não verificação da árvore venenosa, reconduzindo-os a três hipóteses que o limitam: a chamada limitação da fonte independente, a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula “(nódoa) dissipada” - cfr. Criminal Procedure , Jerold H .Israel e Wayne R. Lafave , 6.ª Ed., St . Paul, Minnesota , 2001 , págs. 291 e ss.

A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que originário tendia, mas foi impedido; ou seja quando a ilegalidade não foi “conditio sine qua non” da descoberta de novos factos.

O segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da “árvore envenenada” tem lugar quando se se demonstre que uma outra actividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado, ou seja quando inevitavelmente, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado.

É sintomático desta limitação o caso Williams II, de 1983, em que o interrogatório do arguido não foi precedido da leitura dos Miranda Warnings, todavia aquele localizou o cadáver da vítima, que viria, porque simultaneamente, corriam buscas, mais tarde, a ser descoberto. Estando em causa meios legais de descoberta de crimes, então a dissuasão para não uso dos meios ilegais, pela preponderância de outros meios, tendo os ilegais uma base tão reduzida, não justifica o seu afastamento.

A terceira limitação da “mácula dissipada” (purged taint limitation) leva a que uma prova, não obstante derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela representem uma forte autonomia relativamente a esta, em termos tais que produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente. Foi o caso Wong Sun e al.v. United States (371, US, 471, 1962), resumindo situações em que a ilegalidade de uma prova anterior se não projecta numa actividade posterior porque assente em decisões autónomas e produto de livre vontade em que se quebra o nexo de antijuridicidade entre a prova ilegal e a confissão.

Estes critérios provindos do direito anglo-saxónico, mais norte-americano, nem por isso deixam de servir de caminhos de orientação no direito europeu, que apontam para um esforço cuidado de interpretação dos factos com vista à fixação do “efeito à distância” , com consagração entre nós , como dito, no artigo 122.º n.º 2 , do Código de Processo Penal, cuja não aceitação equivaleria a neutralizar “a expressividade cultural e jurídica da proscrição dos meios proibidos de prova” e a “compelir o arguido a cooperar na sua própria condenação” – cfr., ainda, Prof. Costa Andrade, ob. cit., pág. 315.

Voltando ao caso sub judice, à luz do enquadramento jurídico delineado, verifica-se que a investigação desencadeada nos autos tem como ponto de partida uma denúncia anónima de que, grosso modo, os arguidos se dedicavam ao tráfico de estupefacientes, mantendo e cultivando uma plantação de cannabis.

Foi esta denúncia que desencadeou a subsequente recolha de informação do órgão de polícia criminal, bem como as fotografas apresentadas pela testemunha para ilustrar a presença da planta do cannabis.

Sucede que, as buscas e apreensões sempre seriam realizadas na sequência da constatação pelo órgão de polícia criminal do forte odor característico da planta do cannabis oriundo do interior dos armazéns, da cobertura das janelas com aparente plástico de cor preta, do gradeamento e das saídas de tubos que pelo som e calor aparentam vir de um ventilador instalado no interior dos armazéns para produzir calor, para auxiliar o desenvolvimento das plantas, conduzindo inevitavelmente ao mesmo resultado.

Ademais, a actividade probatória sindicada não se projecta na actividade posterior consubstanciada na decisão autónoma e produto da livre vontade dos arguidos de confissão parcial dos factos, corroborando, com as suas declarações, a prática de todos os factos que integram o tipo de ilícito objectivo do crime em apreço.

Portanto, por maioria de razão, a nulidade do aludido registo de imagem não condiciona minimamente a validade das demais diligências probatórias realizadas ao longo da investigação que se baseiam nas informações validamente recolhidas pelo órgão de polícia criminal e vertidas no auto de notícia de fls. 3 e ss.”

Relativamente à recolha dos registos de imagem juntos ao auto de notícia, acompanhamos a sedimentada decisão que conclui pela sua ilegalidade e, consequentemente, não valoração, nada mais sendo necessário acrescentar.

Na decisão recorrida, porém, afirma-se que tal ilegalidade não se comunica às demais e subsequentes diligências probatórias, uma vez que os elementos da GNR percepcionaram directamente, independentemente daqueles elementos, um forte odor característico da planta do cannabis oriundo do interior dos armazéns, da cobertura das janelas com aparente plástico de cor preta, do gradeamento e das saídas de tubos que pelo som e calor aparentam vir de um ventilador instalado no interior dos armazéns para produzir calor, para auxiliar o desenvolvimento das plantas, conduzindo inevitavelmente ao mesmo resultado.

A questão que se coloca é, porém, como chegaram tais elementos da GNR a tal percepção.

Ainda nos termos da decisão recorrida, tal percepção surgiu no seguinte contexto:

“Ora, avulta ostensivamente da análise do auto de notícia elaborado pela testemunha [VV, militar da GNR] que as fotografias foram fornecidas pela testemunha/informador e que a testemunha e o militar JJ, que o acompanhava, acederam por uma zona de eucaliptos que não se encontrava vedada até junto dos armazéns.

Portanto, não sendo possível determinar se os militares acederam ou não ao interior da Quinta ... por se desconhecerem os limites da propriedade (que não estava vedada), a verdade é que se afigura muito provável que o tenham feito uma vez que se aproximaram dos armazéns para confirmar o que se passava no interior.”

O tribunal exterioriza, neste contexto, uma situação de dúvida.

Afigura-se-nos como evidente que, atento o princípio in dubio pro reo (2), tal dúvida deve ser resolvida a favor da defesa, ou seja, deve considerar-se que os elementos da GNR, sem qualquer mandado judicial, efectivamente acederam ao “interior” da Quinta ....

Consequentemente, surpreende-se uma contradição entre o decidido quanto aos registos de imagens juntos ao auto de notícia e quanto à percepção ulterior das aludidas realidades pelos elementos da GNR, em face de uma fundamentação essencialmente semelhante.

Dizem-nos Simas Santos e Leal Henriques (3) , que “há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente”.

Os vícios previstos no n.º 2 do art.º 410.º dão origem ao reenvio do processo para novo julgamento, excepto se for possível «decidir da causa» (art.º 426.º, n.º 1).

In casu, cremos que é possível decidir a causa sem que seja necessário o mencionado reenvio.

Com efeito, atentas as considerações feitas pelo tribunal a quo quanto à ilegalidade dos registos de imagem juntos ao auto de notícia ilegalidade (que se subscrevem) e considerando que as mesmas terão (por identidade de razão, como vimos) de aplicar-se aos elementos recolhidos pelos agentes da GNR, também estes (vertidos no auto de notícia) não poderão, assim, ser valorados como elemento de prova. (art.º 126.º, n.º 3 )

Considerando, como também nota o MP na sua resposta ao recurso, que os mandados de busca “foram emitidos unicamente com base na informação constante do auto de notícia” e que este se mostra, como vimos, inquinado por uma proibição de prova, resta decidir se todas as provas ulteriores se encontram irremediavelmente contaminadas pela chamado “efeito-à-distância”.

Acompanhamos a exposição densificada efectuada na decisão recorrida e acima reproduzida, quanto aos «critérios que obstem a uma indiscriminada "nulificação" (quer dizer: proibição de valoração) da prova derivada» (4), ou seja, a chamada limitação da fonte independente, a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula “(nódoa) dissipada”.

Entendeu-se na decisão recorrida que as buscas e apreensões sempre seriam realizadas na sequência da constatação pelo órgão de polícia criminal do forte odor característico da planta do cannabis oriundo do interior dos armazéns, da cobertura das janelas com aparente plástico de cor preta, do gradeamento e das saídas de tubos que pelo som e calor aparentam vir de um ventilador instalado no interior dos armazéns para produzir calor, para auxiliar o desenvolvimento das plantas, conduzindo inevitavelmente ao mesmo resultado. Sobre este aspecto já nos pronunciámos, estando a actividade policial que conduziu àquelas percepções, ela própria, manchada por uma proibição de prova.

Quanto à (mencionada) valoração da decisão autónoma e produto da livre vontade dos arguidos de confissão parcial dos factos, corroborando, com as suas declarações, a prática de todos os factos que integram o tipo de ilícito objectivo do crime em apreço, diremos o seguinte: A aludida “confissão parcial dos factos” só poderia ser susceptível de integrar a dissipação da mácula da prova proibida pretérita caso, para além de livre, tivesse sido integralmente esclarecida (o que não aconteceu), no sentido de comunicar aos arguidos que a prova primária proibida não poderia contra si ser valorada: “Sem essa "informação qualificada" (ac. TEDH Gäfgen v. Alemanha 30.6.2008) o nexo de ilicitude entre a prova primária e a prova derivada mantém-se firme em termos tais de ter de se afirmar o efeito remoto. (5)”

Flui do exposto que, não se vislumbrando quaisquer obstáculos (por qualquer dos aludidos critérios) à proibição de valoração da prova derivada da prova proibida, não pode tal prova derivada ser de todo considerada, atentos o comando constitucional vertido no art.º 32.º, n.º 8 da CRP e o comando legal materializado no art.º 126.º, n.º 3 do CPP.

Tais proibições conduzem directamente à nulidade da prova dos factos que motivaram a condenação, implicando, necessariamente, a absolvição dos arguidos.

O conhecimento das demais questões fica, mostra-se, assim, prejudicado (6).

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se todos os arguidos dos crimes de que se encontravam acusados.

Sem custas.

Passe mandados para libertação imediata dos arguidos.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 11 de Outubro de 2022

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1 Diploma a que pertencerão todas as indicações normativas ulteriores que não tenham indicação diversa.

2 Importa recordar que “a dúvida relevante nesta sede é a do tribunal e não a do recorrente”, como se pode ler no Acórdão do STJ de 27.11.2019 proferido no processo 232/16.0JAGRD.C1.S1.2 (Relator Vinício Ribeiro). A este propósito, cumpre ainda convocar aqui a lição de Manuel da Costa Andrade (in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Gestlegal, Coimbra, 2022, página 325) quando nos diz que “[u]ma compreensão das coisas (…) obriga a valorar pro reo os coeficientes de dúvida e indeterminação em concreto subsistentes.”

3 Recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, 2020, página 78.

4 Pedro Soares de Albergaria in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo II, 2.ª edição, 2020, Almedina, página 71.

5 Pedro Soares de Albergaria in Ob. cit., página 72.

6 Art.º 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do art.º 4.º do CPP.