Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
52/15.9 PEEVRE1
Relator: CARLOS DE CAMPOS LOBO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME DE VIOLAÇÃO
REABERTURA DE INQUÉRITO
NE BIS IN IDEM
Data do Acordão: 11/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - Apenas nos casos de arquivamento do inquérito abrangidos pelo n.º1 do artigo 277.º do CPPenal é que há consolidação do decidido, não podendo ser reaberto o inquérito. Não se trata propriamente de “caso julgado” pois este respeita apenas a decisões de natureza jurisdicional, mas de um caminho paralelo. Tendo entendido o Ministério Público arquivar o inquérito porque não se verificou um crime, ou porque o arguido não é o autor do crime ou porque é inadmissível o procedimento, não pode vir mais tarde, em nome da segurança e da certeza jurídicas, afirmar o contrário.

II – Já assim não sucederá, se o inquérito for arquivado por insuficiência de indícios, ao tempo.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório

1.No processo n.º52/15.9PEEVR.E1, da Comarca de Évora – Évora – Instância Central – Secção Cível e Criminal -J2, foi proferido acórdão em que se decidiu condenar o arguido A., casado, filho de…, nascido a 6 de abril de 1973 em Redondo, residente em …, Évora, como autor material de:

- um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, nºs 1 alínea a) e 2 do CPenal na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de violação p. e p. pelo artigo 164.º, nº1 alínea a) do CPenal na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

- em cúmulo jurídico na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2.Inconformado com o decidido, recorreu o arguido questionando a decisão proferida, concluindo: (transcrição)

-O acórdão recorrido viola o principio ne bis in idem .
-A B. desistiu da queixa apresentada em 2013 a qual abrangia os factos considerados provados constantes dos números 4 a 15 da sentença.
-Os factos supra referidos,não foram arquivados por falta de declarações da ofendida, mas por desistência, de acordo com as declarações prestadas em audiência de julgamento.
-O acórdão recorrido, não julgou adequadamente quanto ao facto dado como provado com o nº 19, (Em data não concretamente apurada mas em 2013 e em circunstâncias não apuradas, o arguido A. pegou numa faca e encostou-a ao pescoço de B.).
-Resulta das declarações da ofendida quais as razões e os motivos que levaram o arguido a encostar uma faca ao pescoço.
-Tais factos não podem ser entendidos como susceptíveis de integrar uma conduta penalmente punível, pois não houve qualquer intenção de molestar, seja de que forma fosse, a B., mas antes confrontá-la com um seu comportamento anterior.
-Existe manifesta contradição entre o declarado pela ofendida B. e os factos considerados provados.
-O arguido considera, nos termos do artigo 412º, nº 3 do CPP, incorrectamente julgados os factos referidos nos artigos 22 a 25, da douta sentença.
-Não está definido o local, o momento, as circunstancias que levaram ao relacionamento sexual.
-De acordo com as declarações da ofendida, desde o momento em que ela passou a negar ter relações sexuais, face à descoberta do relacionamento com a outra senhora, que as relações não eram queridas mas consentidas, inexistindo uma oposição à pratica das mesmas.
-A douta sentença proferida não valorou de forma correcta a prova produzida em audiência de julgamento, devendo passar a constar como factos não provados os constantes do artigo 17º e 18º.
-O arguido considera incorrectamente julgados os factos referidos nos artigos22º a 25º.
-Os factos dados como provados, os quais, atendendo à prova produzida em audiência de julgamento, deviam ter sido dados como parcialmente não provados
-As declarações da B. estão em manifesta oposição com a matéria dada como provada:
- Não desferiu várias bofetadas na face e socos na cabeça de B.
-Não colocou parte do mesmo no interior da boca de B.
- Não apertou o mesmo, exercendo força física sobre a ofendida, impedindo-a de se debater e procurando mantê-la imobilizada.
-Quanto ao crime de violação, de acordo com a douta sentença, ocorreu em data não concretamente apurada
-Não foi apurado quando aconteceu- em data não apurada- e o que aconteceu- pois a existir uma única prova do crime de violação esta é a declaração da B. de que, contra sua vontade impedindo-a de se debater e procurando mantê-la imobilizada introduziu o pénis erecto na vagina e consumou o acto sexual.
-O tribunal considerou ainda que resulta que…« Apurou-se ainda que actuando contra a vontade e sem o consentimento de B. introduziu o pénis erecto na vagina e consumou o acto sexual.»?
-Não existe qualquer prova, não existe exame médico, não há data certa, não sabemos qual o acto sexual consumado.
-Não se mostram assim reunidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de violação pelo qual o arguido vem acusado, pelo que deverá o arguido ser absolvido da pela prática de um crime de violação previsto e punido pelos artigos 164.º n.º 1 alínea a) do Código Penal.
-Quanto ao crime de violência domestica previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal.
-O Tribunal a quo considerou que no caso “sub judice”, atendendo aos factos provados, que se encontram preenchido esse bem jurídico complexo, pois considerou provado que o arguido injuriou, ameaçou e molestou física e psicologicamente a ofendida, sua cônjuge e mãe dos seus filhos, subjugando-a a um tratamento desrespeitoso da sua personalidade e auto-estima.
-Considerou o tribunal que as condutas perpetradas pelo arguido, na pessoa da ofendida B., revelam-se manifestamente atentatórias da dignidade humana daquela, enquanto ser humano, sua mulher e mãe dos seus filhos, mas
-Não atentou ao teor das mensagens da ofendida cujas as transcrições se mostram juntas aos autos a fls. 213-217.
As quais tem o condão de afastar o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de violência doméstica, não consubstanciando qualquer “consentimento” da ofendida à prática pelo arguido das condutas apuradas…
-Tendo que considerar e valorar o consentimento e o incitamento de B. ao relacionamento sexual que depois negava ao Arguido.
-O qual resultará evidente da prova da existência ou não de uma encomenda
- Resultante da prova, ou não, de solicitação do envio de mensagens e telefonemas deste através do nº 962… para o nº 926… por forma a poder confirmar o teor das declarações prestadas. Isto porque
-O crime de violência doméstica exige a prática de actos ofensivos consubstanciadores de maus tratos aptos e bastantes a molestar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde psíquica, emocional ou moral de modo incompatível com a dignidade humana.
-Incompatível com a livre remessa das mensagens por parte da ofendida.
-A pena aplicada, atendendo ao factos provados em sede de audiência de julgamento, é excessiva.
-Nos seus limites máximo e mínimo não se atendeu à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo, que social e normativamente se imponham nem ao quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
-Entende o arguido, ora recorrente, que no caso concreto dos autos, atendendo à situação de doença do arguido à prova do cumprimento das medidas impostas de afastamento da ofendida e do lar, ao
- Ao facto de estar inserido profissional e socialmente e não ter quaisquer antecedentes criminais,
- A douta sentença recorrida violou ou aplicou incorrectamente o disposto nos artigos 40º, 71º, 72º e 152º nº 1, a) e 2. todos do Código Penal .
- Assim deverá a sentença recorrida ser parcialmente anulada, nos termos do disposto no art. 379.º n.º 1 al. a) do CPP , por não ser cumprida a exigência legal de fundamentação.
-Ao deixar de pronunciar-se sobre uma questão de que deveria conhecer, assim incorrendo na nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.
-Termos em que devem ser conhecidas e decididas todas as questões adjectivas e substantivas suscitadas no presente recurso, com as legais consequências
Mas os Venerandos Desembargadores melhor decidirão, fazendo a costumada
JUSTIÇA!”.



3.O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da confirmação da sentença proferida, apresentando as seguintes conclusões:

1.O Acórdão recorrido não ofende o princípio “ne bis in idem” na vertente de “caso decidido”, porquanto o inquérito iniciado com base na queixa anteriormente apresentada por B. não foi arquivado por desistência de queixa, nos termos do disposto no n 1, do artº 277º, do C.P.P. mas por falta de indiciação dos factos denunciados, nos termos do nº 2, do artº 277º, do C.P.P..

2.O Acórdão não padece do vício de insuficiência/falta de fundamentação, previsto no artº 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a), do C.P.P. porquanto a fundamentação da matéria de facto identifica todas as testemunhas e outras provas a que o Tribunal atendeu, realiza uma síntese dos seus depoimentos e indica a respectiva razão de ciência.

3.Nomeadamente, no que tange aos factos jugados provados no nº 19, resulta da própria transcrição das declarações da vítima que estas sustentam os factos ali descritos e que ao praticá-los o arguido quis efectivamente intimidar a sua mulher.

4.As declarações de B. sustentam ainda os factos julgados provados nos nºs. 17, 18, 22 a 25 e 28, da matéria assente no Acórdão.

5.O depoimento de B. é, pois, plenamente válido e mostra-se consistente e conforme às regras da experiência comum e o tribunal recorrido explicita cabalmente os motivos da sua veracidade.

6.Com efeito, nos crimes de natureza sexual, por regra, não existem testemunhas presenciais dos factos, que são praticados em espaços fechados, reservados do público, sendo pois essencial o testemunho das vítimas.

7.Escrutinado o testemunho de B. verifica-se que este se mostrou sempre bastante espontâneo, claro, descritivo sem deixar de ser um depoimento emocionado, revelando um real sofrimento que só pode ser resultado da vivência dos factos que se encontrava a relatar e não de um qualquer interesse na prolacção da decisão.

8.Acresce que o filho do casal constituído por aquela e pelo arguido e as demais testemunhas, que presenciaram apenas parte dos factos relataram-nos, nessa parte, de forma coincidente com o realizado por B.

9.Em conclusão, as declarações de B. são completamente credíveis, por consistentes e mantidas no tempo, conformes às regras da experiência comum e, consequentemente, atendíveis pelo tribunal.

10.Bem andou o tribunal ao considerar essas declarações não se verificando, qualquer dúvida razoável que exija a aplicação do princípio “in dubio pro reo” .

11.O arguido efectua uma diferente valoração desse depoimento mas sem demonstrar uma incompatibilidade entre a valoração efectuada pelo tribunal e a própria decisão recorrida ou as regras da experiência comum, elemento essencial à verificação do apontado vício, pela singela razão de que tal incompatibilidade não existe.

12.Considerando os elementos descritos na fundamentação do Acórdão mostram-se ajustadas as penas parcelares aplicadas, próximas do meio das molduras penais aplicáveis, que devem ser mantidas nos seus precisos termos.

13.Na determinação da pena única o Tribunal “a quo” teve em conta os critérios previstos no artº 77º, do Cód. Penal sendo que nos termos ali apontados a globalidade dos factos e a personalidade do arguido exigem a aplicação de uma pena da grandeza da aplicada pelo tribunal colectivo também próxima do meio da moldura da pena única.

Nesta conformidade, negando provimento ao recurso e mantendo o Acórdão recorrido nos seus precisos termos V.as Ex.as afirmarão a costumada Justiça.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que se passa a designar de C.P.P.), emitiu parecer pronunciando-se também no sentido da improcedência do recurso, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, defendendo contudo que a pena única a aplicar, por ser mais ajustada, deve ser reduzida em um ano, impondo-se a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Não houve resposta ao parecer.

5. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação
1.Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o âmbito do recurso é dado, nos termos do art.º 412º, nº1 do CPPenal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido.

Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido – os quais nem sempre se mostram muito claros, atentando na motivação e nas conclusões apresentadas - e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:

-violação do princípio ne bis in dem;

-nulidade da sentença proferida por violação do disposto no artigo 379.º, nº 1 alíneas a) e c) do CPPenal;

-factos incorretamente julgados/impugnação – artigos 17, 18, 19, 22 a 25;

-quantum da pena aplicada.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição)

1) O arguido A. é casado com B., desde 8 de Maio de 1992, vivendo, desde então, em comunhão de leito, mesa e habitação com a mesma.

2) Nos últimos vinte e seis anos, A. e B. residiram na Quinta dos Loios…, em Évora.

3) Juntamente com o arguido A. e com B., a seu cargo e sob a sua assistência e protecção, vivia o filho de ambos AM, nascido a 14 de Agosto de 1998 e até há cerca de seis ou sete anos, RI, nascida a 9 de Agosto de 1988, filha de ambos, já maior de idade.

4) Há aproximadamente cinco anos, depois de B. o ter confrontado com uma relação extraconjugal, o arguido A., fazendo uso da sua superioridade física e de uma ascendência autoritária, começou a exercer violência física, a ameaçar, a ofender verbalmente e a forçar aquela a manter relações sexuais, o que fez repetidamente no interior da residência onde coabitavam, algumas vezes na presença do filho de ambos.

5) Nessas ocasiões, o arguido A. dirigiu-se a B., insinuou que ela tinha amantes e, entre outras expressões, disse-lhe “(…) puta (…)”, “(…) vaca (…)”, “és minha mulher, tens que fazer vida comigo”, “não queres viver comigo, não vives com mais ninguém”, “(…) deves-me respeito, nunca te dou o divórcio (…)”, “(…) gostas mais do cão do que de mim (…)”, “(…) se não queres nada comigo é porque andas com outro (…)”,“(…) ondes andas a dormir? Não te esqueças que ainda és casada comigo (…)”, “(…) mato-te, “(…)és uma vaca. (…)”

6) Ainda nessas ocasiões, o arguido A. desferiu socos na face, corpo e membros da ofendida, empurrou-a e desferiu-lhe pancadas com objectos que empunhava, nomeadamente, com uma vassoura.

7) Igualmente, nessas ocasiões, o arguido A. controlou os movimentos e horários de B., nomeadamente, aparecendo no local de trabalho da mesma.

8) No quadro do descrito comportamento, no dia 2 de Agosto de 2013, no interior do veículo que se encontrava imobilizado junto da residência onde coabitavam, na sequência de uma discussão verbal, o arguido A. colocou um dos braços junto do pescoço de B. e, fazendo força, pressionou o mesmo contra o banco do veículo.

9) Entretanto, surgiu o filho de ambos, AM, que pediu ao arguido A. que largasse a mãe.

10) De imediato, o arguido A. deixou de fazer força com o braço, libertando o pescoço de B, que abriu a porta do veículo, procurando sair do mesmo.

11) Acto contínuo, o arguido A. agarrou no braço direito de B., fazendo força e impedindo-a, desse modo, de sair do veículo.

12) Então, B. fez força, procurando libertar-se, tendo o arguido A. desferido uma bofetada na face da mesma.

13) Em consequência directa e necessária da conduta do arguido A., B. sofreu de hematoma na face posterior do braço direito, traumatismo na face direita e do pavilhão auricular direito, de dores físicas e de mal-estar psicológico, lesões que determinaram oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.

14) Ainda em 2013, depois de ter tomado conhecimento de que B. tinha apresentado queixa, o arguido A., por diversas vezes, disse à mesma que se ela não retirasse a queixa a matava.

15) Por recear pela sua vida, B. recusou-se a prestar depoimento, tendo o inquérito sido arquivado por não terem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime.

16) Noutras ocasiões, sempre que B. afirmava que não queria manter relações sexuais, o arguido A. dizia que ela tinha “a barriga cheia”, que andava com outros homens.

17) Em data não apurada, mas no ano de 2013, B. afirmou que não queria manter relações sexuais.

18) Após, A. deitou-se sobre B, introduziu o pénis erecto na vagina da mesma e fez com o seu corpo movimentos oscilantes próprios da relação sexual.

19) Em data não concretamente apurada mas em 2013 e em circunstâncias não apuradas, o arguido A. pegou numa faca e encostou-a ao pescoço de B.

20) Na noite de passagem de ano de 2014 para 2015, pelas 04H00, o arguido A. disse a B. que queria manter relações sexuais.

21) Como B. se recusou, o arguido A. agarrou-a e, fazendo força, procurou levá-la para o interior do quarto onde pernoitavam, o que só não logrou alcançar por ter chegado o filho de ambos.

22) Em data não concretamente apurada, mas entre 29 de Maio e 6 de Junho, por altura da queima das fitas, na cama onde pernoitavam, depois de B. se recusar a manter relações sexuais, o arguido A. desferiu várias bofetadas na face e socos na cabeça de B.

23) Acto contínuo, o arguido A. enrolou o lençol e colocou parte do mesmo no interior da boca de Sílvia Silva, impedindo-a de gritar.

24) De seguida, o arguido A. colocou o resto do lençol que tinha enrolado à volta do pescoço de B. e, fazendo força, apertou o mesmo, exercendo força física sobre a ofendida, impedindo-a de se debater e procurando mantê-la imobilizada.

25) Acto contínuo, o arguido actuando contra a vontade e sem o consentimento de B. introduziu o pénis erecto na vagina da mesma, mantendo acto sexual com introdução do pénis na vagina e satisfez os seus instintos libidinosos.

26) Noutra ocasião, em Maio de 2015, o arguido A. tentou desferir com um ferro, que empunhava, uma pancada na cabeça de B, por a mesma se ter recusado a manter relações sexuais, o que só não logrou alcançar por o filho de ambos ter agarrado no ferro.

27) Em consequência dos comportamentos do arguido A., B. deixou de viver em comunhão de leito, mesa e habitação com o mesmo.

28) Então, o arguido A. começou a ir ter com B. ao local de trabalho, a dizer-lhe que a matava, que se ela não queria viver com ele não vivia com mais ninguém, provocando-lhe mal-estar e fazendo-a recear pela sua vida.

29) Ao agir da forma descrita, o arguido A. sabia que molestava a saúde física de B., que a ofendia na sua honra e consideração, que fazia com que ela receasse pela sua vida, que abalava a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade, que desrespeitava a sua capacidade de decidir com quem se relacionar sexualmente, ou seja, sabia que lhe provocava grande sofrimento físico e psíquico, o que pretendeu e fez de forma reiterada, violando os deveres de respeito e solidariedade que se lhe impunha observar enquanto cônjuge.

30) Ao actuar da forma descrita, entre o dia 29 de Maio e o dia 6 de Junho de 2015, ciente de que agia contra a vontade e sem consentimento de B. e de que desrespeitava a sua capacidade de decidir com quem se relacionar sexualmente, o arguido A. quis exercer e exerceu força física sobre a mesma, impedindo-a de se debater e procurando mantê-la imobilizada, com o único propósito de com ela manter acto sexual com introdução do pénis na vagina e de, assim, satisfazer os seus instintos libidinosos, o que logrou alcançar.

31) O arguido A. actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.

Com relevância para a decisão da causa provou-se ainda que:
32) O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de proibição de contactos com a vítima fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância desde 21.10.2015.

33) Resulta do relatório de execução da medida de coacção de proibição de contactos com a vítima fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância de fls. 330-332 datado de 04.04.2016 que o arguido A. vem cumprindo a medida de coacção que lhe foi aplicada, não se registando ocorrências de relevo ou incumprimentos, resultando ainda do mesmo que a vítima informou não ter havido qualquer tentativa de aproximação por parte do arguido.

34) O arguido está desempregado há três ou quatro meses.

35) Vive em casa de um irmão.

36) Faz pequenos trabalhos como pedreiro auferindo entre €50,00 e €60,00 mensais.

37) Sofre de arritmia cardíaca.
38) Do relatório social para a determinação de sanção constante de fls. 369-375 cujo teor se dá por integralmente reproduzido resulta nomeadamente o seguinte:

-A. encontra-se sujeito à medida de coacção de proibição de contactos com a vítima desde 22.10.2015, medida que vem sendo cumprida, não se tendo registado qualquer incidente anómalo.

- Após o início da medida o arguido procurou apoio médico, tendo sido encaminhado para as consultas de psiquiatria e psicoterapia por apresentar «quadro depressivo major e ansioso na sequência de processo judicial. Está medicado mas não sente melhoria, refere ideação suicida».

- O arguido não se revê na presente acusação, o que constitui factor de risco.

- No seu percurso de vida o arguido assumiu as responsabilidades e os papéis sociais de acordo com o esperado, particularmente a nível laboral, evidenciando empenhamento e organização na sua actividade profissional.

39) O arguido não tem antecedentes criminais.

40) A ofendida é logista no mercado municipal, auferindo cerca de €400,00 mensais.

41) Vive com o filho menor com 17 anos de idade em casa arrendada pela qual paga a renda mensal de € 25,00.

42) A ofendida opôs-se ao arbitramento pelo Tribunal, em caso de condenação do arguido, de uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

Factos não provados

Com relevância para a decisão da causa não se provou o seguinte:

a) Juntamente com o arguido A. e com B., a seu cargo e sob a sua assistência e protecção, vivia RI.

b) Nas circunstâncias referidas em 5) dos factos provados o arguido A. dirigiu-se a B. e entre outras expressões, disse-lhe “(…) tens que falar comigo sozinha, não falas a bem falas a mal (…)”, “(…)mato-te a ti e a ele, não me importo o que aconteça à minha vida, já tenho a vida perdida”, “(…) tens três dias para resolver a nossa situação, senão não acabas de criar o nosso filho, estás casada comigo e não podes sair de casa”, “(…) deixaste-me cheio de dívidas e fiquei sem dinheiro”

c) Nas circunstâncias referidas em 6) dos factos provados o arguido A. desferiu socos na cabeça e pontapés na face, cabeça, corpo e membros de B.

d) Nas circunstâncias referidas em 7) dos factos provados o arguido A. viu o telemóvel da ofendida e procurou impedir que ela se relacionasse com terceiras pessoas.

e) Igualmente no quadro do descrito comportamento, em dia não apurado, mas em Outubro ou Novembro de 2013, no interior da residência onde coabitavam, depois de B. ter dito que não queria manter relações sexuais, o arguido A. desferiu vários socos no corpo da mesma.

f) De seguida, o arguido A. agarrou os cabelos de B. e, fazendo força, puxou-os, arrastando-a, desse modo, até à cama onde dormiam.

g) Na cama, o arguido A. deitou-se sobre B., introduziu o pénis erecto na vagina da mesma e fez com o seu corpo movimentos oscilantes próprios da relação sexual.

h) Simultaneamente, o arguido A. colocou uma das mãos sobre a boca de B., impedindo-a de gritar, e outra das mãos sobre o pescoço da mesma, apertando.

i) Nas circunstâncias referidas em 14) dos factos provados o arguido A. disse à ofendida que matava o filho de ambos e que se suicidava de seguida.
j) B. recusou-se a prestar depoimento, nos termos referidos em 15) dos factos provados por recear pela vida do seu filho.

k) Nas circunstâncias referidas em 19) dos factos provados o arguido A. disse a B. “não vais a bem, vais a mal”.

l) Nas circunstâncias referidas em 22) dos factos provados o arguido rasgou, com as mãos, a camisa de dormir que a ofendida vestia.

m) Nas circunstâncias referidas em 24) dos factos provados o arguido dizia à ofendida que a matava.

n) Ao aperceber-se de que B. não conseguia respirar e se encontrava a perder os sentidos, o arguido A. largou o lençol.

o) Nas circunstâncias referidas em 28) dos factos provados o arguido disse à ofendida que ela não acabava de criar o filho de ambos.

2.2. Fundamentação da matéria de facto: (transcrição)
A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, coerência do raciocínio e de atitude e sentido de responsabilidade manifestados – que, porventura, transpareçam em audiência.

No caso em apreço, a convicção do Tribunal quanto à prova da factualidade supra exposta, baseou-se na análise crítica e conjugada do depoimento da ofendida, bem como, das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e, ainda, na prova pericial e documental junta aos autos, tendo sempre como fio condutor as regras da vida e da experiência comum.

O arguido no exercício do direito de se remeter ao silêncio não prestou declarações sobre os factos que lhe são imputados.

No que tange à factualidade vertida em 1) a 3) atentou o Tribunal nas certidões de nascimento e de casamento constantes de fls. 156 a 158, em conjugação com o depoimento da ofendida B. que a confirmou.

Para apuramento da factualidade descrita em 4) a 14), 15) a 28) e 39) a 42) atentou-se no depoimento coerente, seguro e objectivo prestado pela ofendida B. e por isso merecedor da credibilidade do Tribunal, que a confirmou. Explicou que os últimos anos de vivência em comum com o arguido foram muito atribulados, tendo sido marcados por muitas discussões, violência física, injúrias e ameaças por parte daquele, motivadas na grande maioria dos casos pela recusa da ofendida em manter relações sexuais com o arguido. Explicou que o arguido era “obcecado por sexo” e que quando a ofendida se recusava relacionar-se sexualmente aquele lhe batia, a injuriava, a ameaçava e a forçava a manter relações sexuais contra a sua vontade, nos termos constantes da factualidade provada - que a ofendida descreveu em sede de audiência de discussão e julgamento. Disse também que a sua recusa se prendia com o facto de ter descoberto que o arguido mantinha um relacionamento extra-conjugal e que pese embora o tenha perdoado e tentado reatar a vida em comum, tal não veio a ser possível em face dos comportamentos violentos do arguido.

A ofendida referiu ainda ao Tribunal o número de telefone que usava à data dos factos descritos na factualidade provada, bem como o que era usado pelo arguido, tendo admitido ter sido a própria que enviou as mensagens cuja transcrição se mostra junta aos autos a fls. 213-217. Explicou que remetia ao arguido essas mensagens e outras de teor semelhante porque tal era do agrado do arguido, tendo referido contudo que não as enviava espontaneamente, mas antes a pedido do arguido, sendo o seu envio sempre antecedido de um telefonema ou de uma mensagem do arguido. Disse ainda que o conteúdo das mensagens não tinha correspondência com a realidade.

Cumpre referir, em abono da credibilidade do depoimento da ofendida, que com a mesma singeleza que relatou todas as ofensas perpetradas pelo arguido, também disse não se ter verificado ou não se recordar da factualidade elencada nos factos não provados.

Em abono da versão apresentada pela ofendida e servindo, igualmente, de fundamento à prova dos factos descritos em 4) a 12), 14), 15) e 26) a 28), atentou-se no depoimento sereno, objectivo e sério de AM, filho do arguido e da ofendida, que confirmou tal factualidade, tendo relatado com pormenor os factos ocorridos em 02.08.2013 (-factos provados em 8) a 12) e em Maio de 2015 (-facto provado em 26), que referiu ter presenciado, bem como que na noite da passagem de ano de 2014/2015 fugiu de casa com a sua mãe apressadamente e descalço após uma discussão entre os pais, tendo ambos sido recebidos em casa da “senhoria” e depois na casa dos amigos “Picamilho”. Disse que naquela noite tiveram que fugir para o pai não bater na mãe. Quanto aos factos ocorridos por altura da queima das fitas, referiu que viu a sua mãe com o olho negro. No que tange à factualidade vertida em 14) e 15), atestou que presenciou as ameaças por parte do pai, o que levou a ofendida a retirar a queixa poucos dias depois com receio do arguido.

Em abono da credibilidade atribuída ao depoimento desta testemunha e pese embora o visível constrangimento e sofrimento evidenciados no seu relato e expressão facial, invoca-se a espontaneidade, objectividade e coerência com que relatou os factos que presenciou, bem como o facto de o seu depoimento ter sido requerido já em sede de audiência de discussão e julgamento pelo Ministério Público e ter sido prestado no próprio dia, como resulta da acta de fls. 380 e seguintes.

Para apuramento da factualidade elencada em 20) e 21), a par do depoimento da ofendida e da testemunha AM atendeu-se ainda no depoimento sereno, objectivo e desinteressado colhido às testemunhas MB e TP que de forma clara e objectiva referiram que na noite da passagem de ano de 2014 para 2015 receberam a ofendida e o seu filho em suas casas. MB referiu que naquela noite a ofendida e o seu filho lhe pediram para os “acudir” porque o arguido queria bater na ofendida. Disse que a ofendida e o filho estavam muito assustados e que o AM estava descalço. Referiu ainda que o arguido nessa noite andava de carro às voltas em redor da sua casa e que a ofendida e o filho foram nessa mesma noite de táxi para casa de uns amigos. TP referiu que o arguido, a ofendida e o filho de ambos passaram a passagem de ano em sua casa até cerca das quatro horas da manhã, após o que foram para casa. Disse que algum tempo depois de terem saído a ofendida lhe telefonou pedindo que a deixasse dormir em sua casa com o filho, pedido a que a testemunha acedeu. Mais referiu que a ofendida lhe disse que tinha sido maltrada e que tinha batido com a cabeça no móvel.

Foi ainda colhido depoimento à testemunha LR, agenda da PSP que em depoimento sereno e que mereceu a credibilidade do Tribunal, confirmou o teor do auto de aditamento de fls. 24, tendo referido que os factos nele constantes lhe foram transmitidos pela ofendida.

Colheu-se ainda depoimento às testemunhas de defesa JT (cabo da GNR), VT (instrutor de condução) e JP (desempregado) que depuseram sobre a personalidade do arguido, referindo que o mesmo é trabalhador e que nunca presenciaram qualquer situação de violência entre o arguido e a ofendida.

Para apuramento da factualidade vertida em 13) atentou-se ainda no teor do relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal constante de fls. 67-69 e na informação clínica de fls. 80 e 81.

Para prova da factualidade vertida em 15) considerou-se ainda o expediente constante de fls. 45-149, mormente fls. 47-53, 133, 134, 148 e 149.

Mais se atentou nos autos de notícia, informações de serviço e aditamentos de fls. 3 a 5, 23, 24, 28, 29, 37, 47 a 53, 99 a 105, na informação da PSP de fls. 87-88 e 264 referente a autorização de detenção de arma no domicílio, no auto de apreensão de fls. 162, 163, 268 e declaração de fls. 269, nas transcrições de mensagens de fls. 213-217, no relatório de exame à arma de fls.270-271.

No que tange ao elemento subjectivo enformador das condutas em análise, os mesmos resultam do cotejo da matéria objectiva dada como provada, que permitiu a este Tribunal, com base no depoimento da ofendida e demais testemunhas em conjugação com a demais prova produzida e as regras de experiência comum, concluir pela sua verificação.

A factualidade provada em 32) e 33) apurou-se com base no auto de interrogatório de arguido detido constante de fls. 176-184 e no relatório de execução da medida de coacção de proibição de contactos com a vítima fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância de fls. 330-332 datado de 04.04.2016.

A situação sócio-económica do arguido apurou-se com base nas declarações do arguido em conjugação com o teor do relatório social para a determinação de sanção constante de fls. 369-375.

A ausência de antecedentes criminais resulta do certificado de registo criminal constante de fls. 364.

A factualidade elencada em 40) a 42) apurou-se com base no depoimento prestado pela ofendida em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo aquela manifestado oposição expressa ao arbitramento pelo Tribunal, em caso de condenação do arguido, de uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

A factualidade não provada em a) a o) resulta da circunstância de não ter sido produzida prova acerca da sua verificação, por não ter sido referida ou ter sido negada pela ofendida e não resultar de outras provas produzidas.

2.3. Das questões a decidir

Foi o arguido condenado, como autor material, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, nºs 1 alínea a) e 2 do CPenal na pena de 3 (três) anos de prisão e de um crime de violação p. e p. pelo artigo 164.º, nº1 alínea a) do CPenal na pena de 5 (cinco) anos de prisão, tendo-lhe sido aplicada em cúmulo jurídico a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Desde logo cabe ponderar a suscitada questão da violação do princípio ne bis in dem.

Esta máxima orientadora do ordenamento penal vigente, radica na figura do caso julgado, proibindo a instauração de um segundo processo, ao mesmo sujeito, pelo mesmo objeto e com o mesmo fundamento. Por seu turno a exceção do caso julgado tem a sua sede no disposto no artigo 29.º, nº5 da CRP – Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime – ao estabelecer-se a proibição de reviver processos já julgados e com decisão firmada, resultando numa proibição de que o que se decidiu numa sentença, seja atacado no mesmo processo ou noutro[1].

Atentando em todo o alegado e analisando o processado, crê-se não assistir qualquer razão para o defendido pelo arguido/recorrente.

Sustenta-se no recurso que os factos contidos na matéria provada nos pontos 4 a 15, dizem respeito a um processo que foi arquivado por desistência da ofendida. Não se aponta sequer no instrumento recursivo qual o processo, identificando-o.

Contudo em presença dos elementos constantes de todo o processado, crê-se, pretender o arguido/recorrente fazer referência ao inquérito nº 45/13.0PEEVR, cuja incorporação nestes autos foi efetuada – cf. fls. 45 a 152. Assim sendo, mostra-se claro que tal processo foi arquivado, não pelos fundamentos aduzidos pelo arguido/recorrente, mas antes por insuficiência de indícios, ao tempo – cf. fls. 148 e 149.

Ora parece ser pacífico que apenas nos casos de arquivamento do inquérito abrangidos pelo nº1 do artigo 277.º do CPPenal é que há consolidação do decidido, não podendo ser reaberto o inquérito. Não se trata propriamente de “caso julgado” pois este respeita apenas a decisões de natureza jurisdicional, mas de um caminho paralelo. Tendo entendido o Ministério Público arquivar porque não se verificou um crime, ou porque o arguido não é o autor do crime ou porque é inadmissível o procedimento, não pode vir mais tarde, em nome da segurança e da certeza jurídicas, afirmar o contrário[2].

Como se expendeu não é o caso destes autos, pelo que carece de qualquer fundamento esta invocação.

Importa agora analisar a adiantada nulidade praticada e regulada no artigo 379º, nº 1 alínea a) do CPPenal.

Atentando nesta previsão, retira-se que a nulidade em referência ocorre sempre que a sentença “(…) não contiver as menções referidas no nº2 e na alínea b) do nº3 do artigo 374.º (…)”, ou seja, nos casos em que falha “(…) a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a imputação penal, a determinação da sanção, a responsabilidade civil constantes da acusação ou pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respectivas contestações (….), incluindo os factos não provados da contestação, importando saber se o tribunal recorrido apreciou ou não toda a matéria relevante da contestação (…) a indicação da razão de ciência de cada pessoa cujo depoimento o tribunal tomou em consideração (…) a indicação dos motivos de credibilidade de testemunhas, documentos ou exames (…) a indicação dos motivos porque se preferiu uma versão dos factos em detrimento de outra”[3].

Com estas exigências pretendeu o legislador concretizar o princípio constitucional expresso no artigo 205.º, nº 1 da CRP, o qual no domínio penal reclama uma fundamentação reforçada, com vista a uma total transparência da decisão.

A clareza da decisão impõe que os seus destinatários a apreendam e entendam nas suas diversas dimensões, postulando que o tribunal para além de indicar com clareza os factos que considerou provados e aqueles que entendeu não provados, aponte também, de forma clara a razão de tal, demonstrando e explicitando o percurso feito para formar a sua convicção, indicando o caminho traçado quanto à valoração que fez das diversas provas e como as interpretou/leu [4].

Em suma, é de exigência legal inalienável que por força da leitura da sentença/acórdão, se perceba a razão que determinou o tribunal decidir num certo sentido e não noutro, também possível.

No caso dos autos, o que se questiona prende-se com a falência e/ou exiguidade da sua fundamentação, no que tange ao exame crítico da prova, ou seja, se de modo bastante e suficiente o tribunal a quo realizou uma “(…) enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevantes por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da sua convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável de vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”[5].

Debruçando a atenção para todo o decidido no acórdão em sindicância não se descortina em que medida tal exorbita. Na verdade, há uma preocupação e cuidado bastantes para justificar porque se entenderam provados determinados factos e a linha de pensamento seguida nesse sentido. A mera circunstância do arguido/recorrente discordar da ponderação e relevo, cabalmente justificados no acórdão, dados a cada meio de prova não preenche a aludida nulidade. O tribunal, dentro da sua livre convicção, em obediência ao plasmado no artigo 127.º do CPPenal, segue o caminho que considera adequado, fundamentado e correto.

Entende-se que o facto vertido no ponto 19 da matéria provada - Em data não concretamente apurada mas em 2013 e em circunstâncias não apuradas, o arguido A. pegou numa faca e encostou-a ao pescoço de B. - não tem suporte na prova produzida.

Considera-se que o tribunal não procedeu à correta valoração do depoimento da ofendida. Ora o que aqui está em causa é antes o exercício de valoração da prova produzida o que, na verdade o tribunal fez com detalhe, como decorre de toda a fundamentação que alicerçou a matéria provada.

E, sendo assim, o que é necessário, é antes saber se existe e é suficiente a motivação fáctica apresentada pelo tribunal recorrido, no uso do princípio da livre apreciação da prova[6]. Isto é, o que se questiona é se a fundamentação apresentada é completa e clara quanto aos factos apurados e metodologia utilizada para o seu apuramento, pelo tribunal recorrido.

Olhando todo o processo decisório produzido, entende-se que na verdade é clara, completa e segura a fundamentação apresentada pelo tribunal a quo, sendo evidente todo o caminho seguido para a sua concretização. Nem sequer invoca o arguido, o que falha aqui – limita-se a dizer que o tribunal não leu devidamente as declarações da ofendida. No acórdão proferido explica-se, de modo pormenorizado todo o raciocínio feito em relação as estas declarações. Uma coisa é discordar da avaliação feita, outra é inexistir qualquer fundamentação.

Tal não constitui ausência de fundamentação – o acórdão explicita em que se fundou para dar como assente o aludido facto, socorrendo-se do depoimento da ofendida e do modo como a mesma o prestou. O que se pretende antes abalar é o relevo atribuído a este meio de prova que o tribunal aponta para alicerçar tal facto e a avaliação que do mesmo fez, exercício este que cabe no espaço de liberdade de apreciação atribuído ao julgador.

E, na verdade, não se está perante situação decorrente de uma operação meramente subjetiva, irracional, mas antes na presença de um percurso feito pelo tribunal a quo onde transparece uma valoração racional e lógica, compatível com as regras da experiência comum e do raciocínio límpido e entendível. E isto constitui o respeito pelo princípio da livre apreciação da prova[7].

Desta feita, também aqui falece o argumentário deduzido.

Cabe agora ponderar o eventual cometimento da nulidade revista no artigo 379.º, nº1 alínea c) do CPPenal.

Também aqui o arguido/recorrente surge com uma alegação confusa e algo dispersa.

Olhando a previsão em causa, retira-se que ela ocorre sempre que o tribunal não respeita os seus poderes/deveres de cognição e ponderação, omitindo pronunciar-se de aspetos que devia ou, apreciando aspetos de que não devia tomar conhecimento.

Em presença do invocado – embora não se apresente muito claro o que se pretende apontar – crê-se, que na tese do arguido, o tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que devia, ou seja, operou uma omissão pela “(…) falta de pronuncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer” [8].

Ora a omissão de pronuncia significa, essencialmente, “(…) a ausência de posição ou decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa (…) a pronuncia cuja omissão determina a consequência prevista na alínea c) do nº1 do artigo 379º do CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegados”[9].

Do exame de todo o processado e atentando no constante do requerimento de interposição de recurso, não se descortina em que medida tal se verifica.

Opina-se em sede de conclusões que o tribunal “Ao deixar de pronunciar-se sobre uma questão de que deveria conhecer, assim incorrendo na nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.” Porém não se aponta qual o aspeto sobre qual não houve pronunciamento. Não se descortina de todo o instrumento recursivo, mesmo até apelando às motivações, o que se pretende abranger nesta sede se os factos relacionados com o preenchimento dos ilícitos imputados ao arguido, se a matéria atinente à sua personalidade, condição económica e situação social e familiar.

No entanto, sempre se dirá que percorrendo toda a decisão, nada transparece ou exorbita que desenhe tal nulidade.

Debruce-se agora a apreciação sobre a impugnação da matéria de facto relativa aos pontos 17, 18, 22 a 25 dos factos provados.

Vem o arguido/recorrente tentar abalar a decisão de se terem dado como provados, os seguintes factos:

17) Em data não apurada, mas no ano de 2013, B. afirmou que não queria manter relações sexuais.

18) Após, A. deitou-se sobre B, introduziu o pénis erecto na vagina da mesma e fez com o seu corpo movimentos oscilantes próprios da relação sexual.

22) Em data não concretamente apurada, mas entre 29 de Maio e 6 de Junho, por altura da queima das fitas, na cama onde pernoitavam, depois de B. se recusar a manter relações sexuais, o arguido A. desferiu várias bofetadas na face e socos na cabeça de B.

23) Acto contínuo, o arguido A. enrolou o lençol e colocou parte do mesmo no interior da boca de B., impedindo-a de gritar.

24) De seguida, o arguido A. colocou o resto do lençol que tinha enrolado à volta do pescoço de B. e, fazendo força, apertou o mesmo, exercendo força física sobre a ofendida, impedindo-a de se debater e procurando mantê-la imobilizada.

25) Acto contínuo, o arguido actuando contra a vontade e sem o consentimento de B. introduziu o pénis erecto na vagina da mesma, mantendo acto sexual com introdução do pénis na vagina e satisfez os seus instintos libidinosos.

O recurso da matéria de facto pode ocorrer por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPPenal, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.

No primeiro caso, está-se perante vícios decisórios, de conhecimento oficioso que, não sendo necessário que o recorrente impugne, impõe que demonstre racionalmente a existência dos mesmos. A sua indagação tem de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[10].

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que contém e se pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPPenal.

Aqui não está em causa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, mas antes constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.

Para tanto, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[11].

E, nessa medida, como o que está em questão é despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, ao recorrente impõe-se o específico ónus de proceder a uma tríplice especificação, como decorre do artigo 412.º, n.º3, do CPPenal:

-a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados - alínea a);

- a indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida – alínea b);

- a indicação das provas que devem ser renovadas – alínea c).

A indicação dos concretos pontos de facto traduz-se na referência aos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.

A especificação das concretas provas exige a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPPenal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. artigo 430.º do CPPenal).

No que tange às duas últimas especificações impende ainda sobre o recorrente um outro dever: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas e/ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (artigo 412º, n.ºs 4 e 6 do CPPenal.

Saliente-se que o S.T.J., no seu acórdão N.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido: “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.

Partindo do texto do instrumento recursivo pretende o arguido/recorrente apelar à apontada segunda via da impugnação, seguindo os pressupostos que são exigidos pelo artigo 412º nºs. 3 e 4 do CPPenal e por referência ao depoimento da ofendida.

E olhando as transcrições das partes do depoimento da ofendida e aqui constantes, tendo ainda em atenção o dito depoimento que foi auditado na sua totalidade, mais uma vez se conclui pela falência da argumentação apresentada, na sua maior parte.

Não se vislumbra qualquer contradição ou ausência de correspondência entre o declarado pela ofendida e o entendido como provado, a não ser no que tange ao constante do ponto 22, onde se concluiu estar provado que o arguido desferiu vários socos na cabeça da ofendida.

Com efeito das declarações desta e nesta situação, foi esbofeteada (logo sofreu várias bofetadas) e foi-lhe dado um soco na parte da vista.

Atente-se que o tribunal a quo fundamentou a prova desse facto do seguinte modo:

Para apuramento da factualidade descrita em 4) a 14), 15) a 28) e 39) a 42) atentou-se no depoimento coerente, seguro e objectivo prestado pela ofendida B. e por isso merecedor da credibilidade do Tribunal, que a confirmou. Explicou que os últimos anos de vivência em comum com o arguido foram muito atribulados, tendo sido marcados por muitas discussões, violência física, injúrias e ameaças por parte daquele, motivadas na grande maioria dos casos pela recusa da ofendida em manter relações sexuais com o arguido. Explicou que o arguido era “obcecado por sexo” e que quando a ofendida se recusava relacionar-se sexualmente aquele lhe batia, a injuriava, a ameaçava e a forçava a manter relações sexuais contra a sua vontade, nos termos constantes da factualidade provada - que a ofendida descreveu em sede de audiência de discussão e julgamento. Disse também que a sua recusa se prendia com o facto de ter descoberto que o arguido mantinha um relacionamento extra-conjugal e que pese embora o tenha perdoado e tentado reatar a vida em comum, tal não veio a ser possível em face dos comportamentos violentos do arguido.

Tendo-se socorrido o tribunal do depoimento da ofendida, detalhando-se as razões da credibilidade atribuída ao mesmo, tendo esta declarado, em relação à situação em concreto, “esbofeteou-me e ainda me deu um soco na parte da vista”, e na ausência de outros elementos probatórios, não pode ser dado como provado que o arguido desferiu vários socos.

No mais, e como acima já se salientou, o que ocorre é uma mera leitura divergente da prova produzida, mais precisamente o aceitar ou não a versão dos factos apresentada pela ofendida, bem como as explicações por esta fornecidas para o conteúdo e envio de diversas mensagens do seu telemóvel para o telemóvel do arguido.

Importa aqui de novo chamar à colação o princípio enformador do processo penal, princípio da livre apreciação da prova. O tribunal ouviu, avaliou, ponderou e decidiu. E todo esse processo foi seguido de um modo sustentado, lógico, racional e justificado, não resultando de uma mera opção arbitrária, caprichosa e/ou leviana, sendo clara a correspondência entre o declarado e considerado credível e a factualidade dada como assente.

Em último há que abordar a questão da (s) pena (s) imposta (s) ao arguido/recorrente. Também aqui o recurso não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão de primeira instância ou a este se substituir, é um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo tribunal a quo.

Nessa medida, impõe-se ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso que algo de errado ocorreu na decisão de primeira instância na matéria relativa à ou às penas impostas. E isso o arguido/recorrente fez, embora de modo um pouco geral, adiantando o facto de estar doente, estar inserido profissional e socialmente, ter respeitado a medida de afastamento da ofendida e do lar, não tendo antecedentes criminais.

Os factos dados como provados foram qualificados e bem, entenda-se, como integradores dos crimes de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, nºs 1 alínea a) e 2 e de violação p. e p. pelo artigo 164.º, nº1 alínea a), ambos do CPenal.

O que o arguido aduz constituem factos dados como provados, concluindo por se estar perante pena excessiva. Ou seja, nada é alegado de modo claro e direto que corresponda a uma errada apreciação, pelo tribunal recorrido, dos critérios de determinação da medida das penas.

Contudo há que olhar, face à matéria provada se algo transparece que permita alguma tolerância na ponderação/balanço dos critérios contidos no artigo 71º do Código Penal.

E procedendo a esse exercício entende-se que para além da ausência de antecedentes criminais, surgem igualmente como fatores de ponderação a situação de saúde do arguido (padece de problemas cardíacos), a sua situação económica e social (desempregado, vivendo em casa de um irmão), vetores estes que não surgem imediatamente sopesados na decisão em exame. Estes dados revelam alguma debilidade e dificuldades o que poderá ser entendido como fator atenuante a atender.

Acresce que, ao se ter concluído como acima se enunciou em relação ao facto constante do ponto 22 – ter o arguido/recorrente desferido um soco e não vários socos contra a ofendida -, sem embargo de se manter um quadro de violência no cometimento do crime de violação, o peso que se deu a este aspeto, surge agora menor.

Concatenando todos estes segmentos factuais e atentando em todo o suporte considerado na decisão recorrida, mormente quanto às necessidades de prevenção geral e especial, e ainda às molduras abstratas correspondentes, crê-se, ser de aplicar a cada um dos crimes atribuídos ao arguido/recorrente penas em montante inferior ao ali encontrado.

Nesta medida, consideram-se adequadas as penas parcelares de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e de 4 (quatro) anos de prisão, respetivamente, para o crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, nºs 1 alínea a) e 2 e de violação p. e p. pelo artigo 164.º, nº1 alínea a), ambos do CPenal.

Em termos de cúmulo jurídico tem-se agora uma dosimetria a oscilar entre 4 (quatro) anos e 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Impõe-se neste momento suscitar de novo a intervenção do estatuído no artigo 71.º do CPenal, por forma a encontrar a pena que, em concreto e em cúmulo jurídico, se deverá aplicar ao arguido/recorrente.

Olhando a todo o manancial fático existente, mormente no que concerne à personalidade revelada pelo arguido na prática dos ilícitos em causa, pelo modo como tudo ocorreu, exibindo um atuar violento/agressivo, com uma atuação distendida no tempo, pouco sensível ao outro (vítima) e aos seus emoção/estar/sentir, nada revelador de sentido crítico e de capacidade de autocensura e, bem assim, às necessidades decorrentes das exigências de prevenção geral – a comunidade reclama postura de rigor e severidade em relação a atos atentatórios da dignidade da pessoa humana que interfiram na esfera mais íntima do seu espaço enquanto individuo -, ponderando ainda o facto de o arguido/recorrente não possuir antecedentes criminais, vivenciar situação económica e social num patamar modesto e padecer de problemas de saúde, entende-se se de aplicar uma pena acima do limite mínimo encontrado, situada no intervalo da média ente este e o máximo possível.

Assim fixa-se como pena única, a de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

III – Dispositivo
Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ªSubsecção - desta Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido A. e, em consequência:

a) Altera-se o facto constante do ponto 22 da matéria provada, passando a ter a seguinte redação: Em data não concretamente apurada, mas entre 29 de Maio e 6 de Junho, por altura da queima das fitas, na cama onde pernoitavam, depois de B. se recusar a manter relações sexuais, o arguido A. desferiu várias bofetadas na face e um soco na parte da vista de B;

b) Condena-se o arguido como autor material de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, nºs 1 alínea a) e 2 do CPenal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e de um crime de violação p. e p. pelo artigo 164.º, nº1 alínea a) do CPenal na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

c) Em cúmulo jurídico condena-se o arguido na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Sem custas pelo arguido/recorrente, nos termos do que decorre do preceituado no artigo 513.º, nº1, última parte do CPPenal.

Évora, 15 de novembro de 2016
(o presente acórdão, integrado por vinte e uma páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do CPPenal)

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(Carlos de Campos Lobo)
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(António Condesso)

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[1] Neste sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 13/04/2011, proferido no processo nº 250/06.6PCLRS.L1-3 e da Relação de Coimbra, de 3/02/2016, proferido no processo nº 64/14.0TAMMV.C1, disponíveis em dgsi.pt

[2] GASPAR, António da Silva Henriques e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª Edição Revista, Almedina, pg.928.

[3] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, pg.944-945.

No mesmo sentido, GASPAR, António da Silva Henriques e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª Edição Revista, Almedina, pg.1120-1121.

[4] No Acórdão do STJ de 10/04/07, proferido no processo nº 83/03.1TALLE.E1.S1, in dgsi.pt, escreveu-se “(…)Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto (…) A mesma fundamentação implica um exame crítico da prova, no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido (…)”.

[5] Acórdão da Relação de Lisboa de 07/06/2016, processo nº 26/14.7 GCMFR.L1-5 Relator ARTUR VARGUES

[6] Direito constitucional concretizado, “A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e critica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão”, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, pg. 328.

[7] No mesmo sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, pg.328.

[8] GASPAR, António da Silva Henriques e outros, ibidem, pg.1132.

No mesmo sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, pg.960.

[9] Acórdão do STJ, de 21/01/2009, Processo nº 111/09 referido em GASPAR, António da Silva Henriques, ibidem pg. 1136.

[10] Neste sentido GONÇALVES, Maia, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª edição, pg. 873, SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, pg. 339, ANTUNES, Maria João, Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121.

[11] Neste sentido ver os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em dgsi.pt.