Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
90/17.7T8PTG.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: INVENTÁRIO
NOTÁRIO
COMPETÊNCIA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Respeitando os autos a questão conexa com a relacionação de bens na partilha subsequente ao divórcio entre autora e réu e não tendo sido determinada, no inventário subsequente a divórcio pendente em cartório notarial, a remessa das partes para os meios judiciais comuns, não poderá o tribunal sobre a mesma pronunciar-se, uma vez que compete ao notário dirimir todas as questões que importem à partilha;
II - Tal impedimento configura uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

AA intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra o seu ex-cônjuge BB, pedindo a condenação do réu no pagamento à autora da quantia de € 21 637,61, correspondente ao pagamento por esta efetuado de dívidas da exclusiva responsabilidade do réu.
Alega que foi casada com o réu, tendo o primeiro casamento entre ambos celebrado sido dissolvido por divórcio decretado a 27-02-2007, na sequência do que voltaram a casar a 09-05-2009, casamento este que foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 06-06-2015, transitada em julgado a 15-07-2015; acrescenta que são ambos titulares, desde 2001, de uma conta solidária aberta no balcão de Portalegre do Banco Santander Totta, a qual tem sido utilizada em exclusivo pelo réu; acrescenta que foi concedido ao réu pelo indicado banco um empréstimo no montante de € 23 000, aprovado a 03-12-2009 e creditado na indicada conta, tendo sido celebrado contrato de mútuo com hipoteca, no qual intervieram, além do banco, o réu como mutuário e autora na qualidade de terceira, procedendo o réu ao pagamento das prestações mensais acordadas, situação que se manteve até julho de 2015, tendo o réu deixado de proceder a tal pagamento após o divórcio; na sequência da falta de pagamento pelo réu de montantes vencidos, o banco exigiu tal pagamento à autora, que pagou a quantia de € 2056,57 relativa ao saldo negativo existente na indicada conta e a quantia de € 19 581,04 relativa ao empréstimo concedido, montantes cujo pagamento competia ao réu e os quais pretende reaver, invocando o direito de regresso, como tudo melhor consta da petição inicial.
Citado, o réu contestou, defendendo-se por exceção – sustentando que, no âmbito da partilha dos bens comuns do casal subsequente ao primeiro divórcio, ficou estabelecido que o pagamento dos montantes em causa caberia à autora, bem como que se encontra pendente, no cartório notarial que identifica, processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal subsequente ao segundo divórcio, no qual foi relacionada pela autora a verba cujo pagamento ora reclama e que o réu não reconhece, não se encontrando ainda dirimida a questão nesse processo – e por impugnação.
Foi realizada a audiência prévia, na qual se efetuou tentativa de conciliação, na sequência do que foi comunicada às partes a intenção do tribunal conhecer do mérito da causa, tendo sido dado contraditório para pronúncia sobre as questões elencadas na ata respetiva.
A autora apresentou articulado, no qual se pronunciou no sentido de não se encontrar o processo em condições de ser proferido saneador-sentença, pelos motivos que expôs.
Foi proferida decisão na qual, tendo-se considerado verificadas as exceções dilatórias de nulidade de todo o processo, por erro na forma do processo, e de incompetência absoluta, por incompetência em razão da matéria, foi o réu absolvido da instância, pelos motivos seguintes:
“(…) Ora, atenta a factualidade provada, desde já se conclui que nos encontramos no domínio das dívidas dos cônjuges previsto nos artigos 1690.º e sgs. do Código Civil, pretendendo a A. imputar em exclusivo ao R. a responsabilidade pelo seu pagamento e operar o seu direito à compensação previsto no artigo 1697.º do mesmo Código.
Sendo que o aludido regime das dívidas conjugais aplica-se, não só a dívidas contraídas durante a vigência do casamento, como antes e depois, como expressamente se observa pelo preceituado nos artigos 1691.º, n.º 1, alínea a) e 1692.º, alínea a), ambos do CC.
Não se aplica assim o regime geral das obrigações solidárias traçado nos artigos 512.º e sgs. do Código Civil como pretende a A., pois que esta foi casada, inclusive por duas vezes, com o R., e o regime das dívidas conjugais, por se tratar de um regime especial, prevalece sobre o regime geral.
Não se trata aqui de “convolar” (sic) nenhuma acção, ou de o tribunal se pronunciar sobre questões que não lhe foram colocadas, como erradamente argumenta a A. no artigo 15.º do requerimento de 21/06/2017, mas de aplicar o direito aos factos, prerrogativa que assiste, em qualquer dos casos, ao tribunal, pois como claramente refere o disposto no artigo 5.º, n.º 3 do NCPC «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».
Ora, e desde logo, verifica-se pelo disposto no citado artigo 1691.º, n.º 1, alínea a) do CC que são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro.
Assim falece de imediato a pretensão da R. de assacar a exclusiva responsabilidade pelo pagamento das dívidas em apreço, pois que a mesma nem sequer alegou que não deu o consentimento para a sua contracção, facto essencial para a procedência da sua pretensão, cujo ónus de alegação lhe cabe nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do NCPC.
Pelo contrário, pela simples circunstância de a A. ter participado no contrato de mútuo como terceira, afere-se de imediato o seu consentimento; o mesmo sucedendo com o descoberto na conta-bancária, pelo facto de ser co-titular da respectiva conta.
Para além de que, tendo a A. oferecido como garantia um imóvel próprio seu, há lugar à aplicação do disposto nos artigos 1692.º, alínea c) e 1694.º, n.º 2, ambos do CC, que expressamente determinam a incomunicabilidade das dívidas que oneram bens certos e determinados de um dos cônjuges, sendo assim a dívida do empréstimo bancário da exclusiva responsabilidade da A..
Note-se que a alínea c) do artigo 1692.º afasta a aplicação de qualquer norma do artigo 1691.º, inclusive a da alínea a).
Assim é dado que essa dívida não se refere à percepção dos rendimentos do imóvel mas está antes relacionada com o bem em si, acompanhando-o como encargo sobre o mesmo, como é o caso da hipoteca que, como direito real de garantia, goza do direito de sequela, não se aplicando assim a parte final do n.º 2 do artigo 1694.º do CC.
(…) Só assim seria se estivéssemos, por exemplo, perante o pagamento do imposto sobre o rendimento, o qual é comum quando o regime de bens é o de comunhão geral ou comunhão de adquiridos, pois que neste último caso os frutos de bens próprios são bens comuns (cfr. artigo 1733.º, n.º 2).
Vem a A. dizer, em sede de pronúncia nos termos do artigo 591.º, n.º 1, alínea b) do NCPC, que o artigo 1694.º, n.º 2 do CC só se refere às dívidas que pela sua natureza oneram um bem concreto, e não quando o bem é dado por mera garantia, e que seria «contraproducente, ilegal e imoral, que o credor não pudesse acionar o R., como mutuário, e ficasse limitado a executar o bem hipotecado da A..» (cfr. artigos 8º a 12º do requerimento de 21/06/2017).
Ora, em primeiro lugar, a redacção do n.º 2 do artigo 1694.º do CC não circunscreve as dívidas que pela sua natureza oneram um bem concreto, mas apenas exclui as que se referem à percepção dos respectivos rendimentos e, estes, por força do regime aplicável, forem considerados comuns, o que é bastante diferente.
Ou seja, não é pelo facto de uma situação estar excluída que apenas o oposto da mesma seja aplicável, caso contrário não era necessário excluir uma situação mas prever apenas a aplicação da norma à situação inversa.
Apesar de este regime poder ser criticável, como aliás já fazia o Prof. Pamplona Corte Real nos seus ensinamentos orais, o que é facto é que o que se encontra consagrado na lei é que «as dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges», e não que «as dívidas que, pela sua própria natureza, onerem bens próprios de um dos cônjuges», não podendo o intérprete, com apelo ao espírito da lei, restringir o que o legislador não restringiu.
Em segundo lugar, e mais uma vez ao contrário do que refere a A. no artigo 11º do requerimento, o banco não está obviamente impedido de accionar o R., como mutuário, ficando limitado a executar o bem hipotecado da A., pois uma coisa é o regime de responsabilidade pelas dívidas entre cônjuges, outra é o regime de responsabilidade dos cônjuges perante terceiros, como é o caso do banco.
O A., na qualidade de mutuário, é obviamente contratualmente responsável pelo pagamento do empréstimo, tal como o é a A. ao ter oferecido um bem seu como garantia do bom pagamento do empréstimo, situação que, como se viu, não a inibiu de vir exigir do R. a compensação pelo que pagou, embora sem razão.
Em terceiro lugar, a aplicação do citado artigo 1694.º, n.º 2 não depende do bem responder efectivamente pelo pagamento das dívidas em apreço, mas tão só da sua oneração, não tendo assim qualquer sentido a afirmação contida no artigo 12.º do dito requerimento.
Por fim, e no que concerne à dívida do descoberto da conta bancária solidária, é, por ora irrelevante apurar se a mesma se refere ao pagamento das prestações do referido empréstimo, dado que o direito de compensação só é exigível no momento da partilha como expressamente dispõe o artigo 1697.º, n.º 1 do NCPC, uma vez que a A. não veio alegar que se encontra casada no regime de separação de bens, tendo pelo contrário referido em sede de audiência prévia referido que foi casada sob o regime subsidiário de comunhão de adquiridos.
Efectivamente, não se tendo ainda efectuado a partilha do património conjugal, encontrando-se pendente o competente processo de inventário no cartório notarial, em qualquer dos casos, não é nesta sede que a A. pode efectivar o seu hipotético direito de compensação mas antes no aludido processo de inventário.
(…) Neste âmbito alega a A., nos artigos 5º, 6º e 14º do requerimento que antecede, que se está na fase da partilha e que dada a complexidade da questão e o não acordo das partes sempre a mesma seria dirimida em tribunal, e não ao contrário remetida pelo tribunal competente para o cartório.
Mais uma vez não assiste razão à A. que se pretende antecipar à decisão a efectuar no processo de inventário, e separar a decisão da presente questão desse processo, antecipando-a, sendo que a A. nem sequer alegou que tenha relacionado o seu crédito sobre o R. no referido processo, a sede própria para o efeito.
Face ao exposto, conclui-se que, ainda que se julgassem provados todos os factos constantes da petição inicial, a pretensão da A. nunca poderia ser atendida, pelo que, encontrando-se proibidos os actos inúteis nos termos do artigo 130.º do NCPC, importa desde já julgar proferir decisão final, absolvendo o R. da instância por verificação da excepção dilatória inominada, de nulidade de todo o processo, por erro na forma do processo, de conhecimento oficioso, não havendo lugar ao aproveitamento de nenhum acto, dado que o processo de inventário não é actualmente da competência do tribunal mas antes do cartório notarial, e o mesmo inclusivamente já se encontra pendente, verificando-se a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria, igualmente de conhecimento oficioso – cfr. artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, e artigos 96.º, alínea a), 97.º, 98.º, 99.º, 193.º, 195.º, 196.º, 200.º, n.º 2, 277.º, alínea e), 576.º, n.º 2, 577.º, alíneas a) e b), e 578.º, todos do NCPC.”
Inconformada, a autora recorreu desta decisão, pugnando no sentido de que seja revogada e se determine o prosseguimento dos autos, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
“1ª
A A., exerceu corretamente o direito de regresso que diz ter sobre o R., por via da ação declarativa comum, no tribunal judicial da comarca de Portalegre, entendendo que utilizou a forma de processo correta, e que a interpôs no local adequado, concluindo que o tribunal recorrido é o competente para apreciar e julgar a ação.
O tribunal a quo, violou o art. 576º nº2 e art.278.º nº1 alínea a) e b) do CPC, uma vez que decretando-se incompetente em razão da matéria, e anulando todo o processo, deveria ter-se abstido de conhecer do pedido e do mérito da causa, (v. art. 576.º e art.278º do CPC).
A forma de processo afere-se em função da pretensão formulada pela A. que era o reconhecimento do seu direito de regresso, e não como entendeu o tribunal recorrido, em referencia à pretensão do direito de compensação, que devia por ela ter sido deduzida.
Decretando ainda o tribunal nos termos da alínea b) do art.577º do CPC, nulo todo o processo, não teve em conta as regras gerais sobre as nulidades dos atos, prevista no art.195º do CPC, nem a consequência legal da anulabilidade como expressamente previsto no art. 193º do CPC.
Dito de outro modo, o tribunal estava obrigado a apreciar os atos aproveitáveis, e decidir, a questão tal como lhe foi colocada, isto é, assiste ou não à A., o direito de regresso sobre o R?
E entre as soluções possíveis, a A., vislumbra três:
a) Se se demonstrasse e provasse que as dívidas liquidadas, eram dívidas exclusivas e próprias A., não existiria qualquer direito de regresso e a ação deveria improceder na totalidade.
b) Se ao invés se demonstrasse e provasse que essas dívidas eram exclusivas e próprias do R., mas que foram liquidadas pela A., então assistiria à A., o direito de regresso e a ação deveria proceder na sua totalidade.
c) Se se viesse a demonstrar e a provar que essas dívidas eram dívidas comuns dos ex cônjuges, A., e R., e foram liquidadas pela A., então assistiria então à A., o direito de reclamar do R., o valor que pagou a mais, procedendo parcialmente a ação.
De todo o modo, não fosse a A. ter alegado que de facto o empréstimo foi contraído na constância do 2º casamento, mas foi-o para pagar dívidas próprias do R, concedidas e utilizadas em seu proveito próprio, antes desse casamento, aceitar-se-ia nessas circunstancias, que as dívidas em causa eram comuns.
Ora o tribunal ao decidir logo no despacho saneador que as dívidas eram próprias e exclusivas da A., decidiu prematuramente, não dando às partes a oportunidade de poderem vir a demonstrar que as dividas eram próprias de um ou de outro,
E decidindo como o fez, que as dividas eram exclusivas e próprias da A., não poderia remeter a A. para o processo de inventário, por um lado por nas dividas próprias não existir qualquer comunhão, e por outro a liquidação dessas dividas não ter resultado dos bens comuns, mas antes pagas com o património próprio da A.
10ª
O tribunal recorrido interpretou incorretamente o art. 3º n.º1 da Lei nº23/2013 de 5 de março, uma vez que remeteu para o processo de inventário e para o cartório, a discussão de dívidas próprias, quando fixando-as como da responsabilidade exclusiva da A., não existe comunhão, nem necessidade de partilha.
11ª
Ademais interpretou ainda o tribunal a quo, incorretamente o art. 1697º do CC., uma vez que também aqui para que se verificasse o direito de compensação, necessário seria que as dividas fossem da responsabilidade de A., e R., ex cônjuges, sendo que decretando-as a meritíssima juiz a quo, como exclusivas da A. afastou esse direito.
12ª
Para além do mais, ainda que se verificasse ERRO NA FORMA DE PROCESSO, apenas importaria a anulação dos atos que não pudessem ser aproveitados e não a sua nulidade, é o que resulta expressamente do art.193º do CPC, e uma vez que só há nulidade quando a lei a indica, sendo apenas nulo o processo, nas situações indicadas no art.186º do CPC, salientando-se que o tribunal a quo, nenhuma alusão ou referência faz a esta norma legal.
13ª
Por quanto vai exposto, o saneador sentença é nulo, por força da alínea c) do nº1 do art. 615º do CPC, em razão dos fundamentos que sustentaram a decisão sobre a incompetência absoluta em razão da matéria, estarem em clara oposição com os fundamentos que levaram a decidir o mérito da causa, uma vez que as dívidas próprias liquidadas com bens próprios não carecem de partilha, nem consubstanciam dividas que possam ser reclamadas no inventário, pelo direito de compensação previsto no art. 1697º do CC.
14ª
É ainda nulo o saneador sentença nos termos da alínea d)do nº1 do art.615º do CPC, por o tribunal recorrido, não ter julgado o direito de regresso reclamado, e mas antes uma questão que não lhe foi sequer colocada, o direito de compensação.
15ª
E absolvendo o R., com fundamento no direito de compensação previsto no art. 1697º do CC., e não com base no direito de regresso do art. 524º do CC reclamado pela A., absolveu o R., por objeto diverso do pedido, o que torna igualmente o saneador sentença nulo, nos termos da alínea e) do nº1 do art.615º do CPC.
16ª
Por fim, não tendo o tribunal dado oportunidade à A., de demonstrar que as dividas eram próprias do R, por contraídas antes do casamento, apesar de regularizadas já no decorrer deste, deu o tribunal recorrido por verificados os pressupostos do art. 1692º n.º1 do CC, proferindo uma decisão antecipada e prematura.”
O réu não apresentou contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar o seguinte:
- da nulidade da decisão recorrida;
- do meio processual próprio para a autora reclamar o crédito que invoca.

2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto
Em 1.ª instância, foram considerados provados os factos seguintes:
1. A e R. casaram em 2001.06.09 e divorciaram-se em 2007.02.27, voltando a casar em 2009.05.09, mas divorciando-se novamente por sentença proferida em 2015.06.06, e transitada em julgado em 2015.07.15.
2. Entretanto o R., após o 1º casamento, e ainda em 2001, celebrou um acordo de depósito no Banco Santander Totta, balcão de Portalegre, a que foi atribuído a conta n.º 0000…. 001.
3. Essa conta bancária era uma conta solidária, e tinha como primeiro titular o R., e como segunda titular a A..
4. Apesar de se terem divorciado em 2007.02.27, essa conta bancária manteve-se sempre activa e solidária e titulada pela A. e pelo R..
5. O R. solicitou ao Banco Santander Totta um empréstimo de 23.000,00€, que veio a ser-lhe aprovado em 2009.12.03.
6. Empréstimo que veio a ser denominado: “Empréstimo: 0040…. / Balcão Portalegre-Rossio Multifunções – Reestruturação de Hp’s; com hipoteca do imóvel sito em: Av. …, Portalegre;
7. Tal empréstimo foi concedido exclusivamente ao R., que assumiu a posição de único mutuário.
8. Intervindo a A., nesse acordo de empréstimo com hipoteca, não como mutuária, mas apenas como terceira, prestando para o bom pagamento desse empréstimo, uma hipoteca do imóvel bem próprio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre, sob o n.º … da freguesia da ….
9. A A. liquidou a quantia global de 2.056,57€, respeitante ao valor a descoberto na conta n.º 0000….001.
10. Liquidou ainda a A., em 2016.09.15, os 19.581,04€, respeitante ao empréstimo n.º 0003…..6, que se encontrava em incumprimento e tinha um saldo em dívida equivalente de 19.581,04€.
11. A partilha do património conjugal ainda não se encontra efectuada, encontrando-se pendente o competente processo de inventário no cartório notarial.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
A recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe os vícios previstos nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
A justificar tal arguição, sustenta que a decisão recorrida: i) ao não decidir se assiste à autora o direito de regresso pela mesma invocado, omitiu pronúncia sobre questão que lhe foi colocada; ii) ao decidir que não assiste à autora o direito de compensação, conheceu de questão que não lhe foi colocada; iii) ao absolver o réu da instância com fundamento na não verificação do direito de compensação, fê-lo com base em objeto diverso do pedido e da causa de pedir; iv) ao apreciar e decidir questões de facto e de direito, não obstante ter considerado verificada a exceção de incompetência em razão da matéria, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento; v) ao considerar que as dívidas liquidadas pela autora eram da sua exclusiva responsabilidade e decidir que a questão suscitada deve ser dirimida no processo de inventário, proferiu decisão contraditória com os fundamentos invocados.
Discorda a recorrente, ainda, da decisão do tribunal de 1.ª instância, na parte em que considerou que o meio processual próprio para apreciar e decidir a questão que constitui o objeto da presente ação é o processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal, o qual se encontra pendente em cartório notarial.
Considerando que a determinação do meio processual próprio para a autora reclamar o crédito peticionado nos presentes autos constitui uma questão prévia à apreciação das nulidades arguidas pela recorrente, alterar-se-á a ordem de conhecimento das questões suscitadas, procedendo à apreciação da indicada questão previamente ao conhecimento das nulidades apontadas à decisão recorrida.
Existe acordo entre as partes quanto ao facto de terem autora e réu sido casados entre si, de ter o casamento sido dissolvido por divórcio e de se encontrar pendente em cartório notarial processo de inventário para a partilha dos bens em consequência do divórcio. Sustenta o réu que o crédito ora invocado foi relacionado pela autora no processo de inventário e objeto de reclamação por si apresentada; a autora, por seu turno, não questionando a relacionação desse crédito, alega que o mesmo é litigioso e que a questão deve ser decidida em tribunal.
Destinando-se o processo de inventário pendente entre as partes à partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges (cf. artigo 2.º, n.º 3, do Regime jurídico do processo de inventário estabelecido pela Lei n.º 23/2013, de 05-03), através da partilha dos bens e valores que integram o património comum do ex-casal, nele deverão ser resolvidas todas as questões relativas à relacionação de bens.
Porém, quando a natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito subjacente às questões suscitadas, designadamente nas reclamações à relação de bens, tornar inconveniente a respetiva decisão no processo de inventário, poderá o notário, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do RJPI, determinar a suspensão da tramitação do processo e remeter as partes para os meios judiciais comuns até que ocorra decisão definitiva, para o que lhe cumpre identificar as questões controvertidas e justificar fundamentadamente a sua complexidade; esclarece o n.º 3 do preceito que a remessa para os meios judiciais comuns prevista no n.º 1 pode ter lugar a requerimento de qualquer interessado, cabendo recurso da decisão do notário que indeferir o pedido de remessa efetuado pelas partes.
No caso presente, encontrando-se pendente em cartório notarial o processo de inventário, não consta dos autos que tenha sido determinada a remessa das partes para os meios judiciais comuns, nos termos previstos no citado artigo 16.º.
Ora, o notário tem competência para dirimir todas as questões que importem a exata definição do património a partilhar, e só excecionalmente, nos casos em que a natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito subjacente às questões suscitadas o exija, e para evitar a redução das normais garantias das partes, poderá fazer uso da possibilidade de se abster de decidir e de remeter os interessados para os meios judiciais comuns.
A remessa dos interessados para os meios judiciais comuns, no indicado contexto, destina-se, assim, a obter decisão judicial de determinadas questões, designadamente de reclamações à relação de bens apresentadas no inventário, devendo o notário identificar as concretas questões controvertidas, identificação esta que delimitará o objeto a apreciar no âmbito do processo judicial.
Respeitando os presentes autos a questão conexa com a relacionação de bens na partilha subsequente ao divórcio entre autora e réu, encontrando-se pendente processo de inventário e não tendo o notário feito uso da possibilidade de se abster de decidir e de remeter os interessados para os meios judiciais comuns, daqui decorre que não podem os interessados recorrer livremente aos meios judiciais comuns, devendo a questão ser colocada no inventário e decidida pelo notário.
Nesta conformidade, não poderá o tribunal de 1.ª instância pronunciar-se sobre a questão em causa, uma vez que compete ao notário dirimir todas as questões que importem à partilha.
Tal impedimento configura uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (artigos 576.º, n.º 2, e 578.º do CPC).
Não obstante a diversa qualificação jurídica efetuada na decisão recorrida, mostra-se acertada a conclusão a que chegou o tribunal de 1.ª instância, no sentido de dever a questão que constitui o objeto da presente ação ser decidida no processo de inventário, absolvendo-se o réu da presente instância.
Encontrando-se o tribunal impedido de apreciar a questão que constitui o objeto da ação, ao analisar questões de facto e de direito, apreciando a natureza do crédito invocado pela autora e o respetivo regime jurídico, a decisão recorrida conheceu de questões de que não devia tomar conhecimento, o que configura a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. No entanto, considerando que não foi proferida decisão sobre o mérito da causa, tal apreciação não conduziu a qualquer segmento decisório que cumpra alterar.
Quando às demais causas de nulidade da decisão recorrida arguidas pela recorrente, mostra-se a respetiva apreciação prejudicada pela decisão da questão prévia supra apreciada.
Confirma-se, assim, ainda que com diversa fundamentação, a decisão recorrida, na parte em que determinou a absolvição do réu da instância.

Em conclusão:
I - Respeitando os autos a questão conexa com a relacionação de bens na partilha subsequente ao divórcio entre autora e réu e não tendo sido determinada, no inventário subsequente a divórcio pendente em cartório notarial, a remessa das partes para os meios judiciais comuns, não poderá o tribunal sobre a mesma pronunciar-se, uma vez que compete ao notário dirimir todas as questões que importem à partilha;
II - Tal impedimento configura uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.

3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, ainda que com diversa fundamentação, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Évora, 08-02-2018
Ana Margarida Leite
Bernardo Domingos
Silva Rato