Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1120/23.9T8SLV-A.E1
Relator: MARIA ISABEL CALHEIROS
Descritores: DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O juiz pode dispensar a realização da audiência prévia no caso previsto no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do CPC, desde que seja precedida de audição das partes, que a ela tenham anuído e que lhes tenha sido concedida a possibilidade discutirem por escrito o mérito da causa.
II – Inexiste violação pela sentença recorrida do disposto nos artigos 781.º e 309.º do Código Civil, quando se está perante quotas de amortização do capital mutuado pagável com os juros, mostrando-se aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC, conforme orientação consagrada no referido AUJ n.º 6/2022.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo: 1120/23.9T8SLV-A.E1

SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora)
(…)
*
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
1.1. (…) – STC, S.A., instaurou execução para pagamento de quantia certa contra … (e co-executados), para haver a quantia de € 130.835,97, titulada por contrato de financiamento com constituição de hipoteca, alegando além do mais, no Requerimento Executivo que:
«I – Questão Prévia
(…) 4. Mais, por contrato de cessão de créditos celebrado em 07 de Junho de 2019, o (…) Banco, S.A., cedeu à (…) – STC, S.A., um conjunto do créditos vencidos de que era titular, conforme contrato que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido – Doc. n.º 1.
II – Crédito Garantido
8. O Banco (…), SA, por contrato de financiamento celebrado a 19/02/2009, emprestou aos mutuários, ora Executados (…) e (…), a importância de € 112.500,00, a liquidar em 120 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título, que junta e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais como doc. n.º 2.
9. A taxa de juro contratada foi à taxa Euribor a 1 mês e acrescida de um spread de 3,5%.
10. Em caso de mora ou incumprimento, tal taxa seria elevada de 3% – cfr. doc. n.º 2.
11. Para garantia do bom e pontual cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato de financiamento (…), supramencionado celebrado entre os mutuários e o Banco Cedente, a referida Executada (…), constituiu, duas hipotecas a favor do Banco Cedente sobre os seguintes imóveis – cfr. documento n.º 3 ao adiante junto:
(…) 15. A quantia emprestada, referida no aludido título, foi efetivamente entregue aos Executados (…) e (…), mediante créditos processados na sua Conta de Depósitos à Ordem n.º (…), domiciliada na agência do Banco, cfr. docs. n.º 1 e 2.
16. Que a movimentou e utilizou em proveito próprio os valores resultante daquele crédito,
Acontece que,
17. Os Executados (…) e (…) interromperam o pagamento das prestações do empréstimo a que se vem fazendo referência em 21/05/2011.
18. Nada mais tendo pago por conta do mesmo,
19. Apesar das diversas diligências suasórias desenvolvidas pela Exequente.
20. A situação descrita determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencidas toda a dívida, reportada à data da última prestação paga, e,
21. Consequentemente, exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida, à data daquela última prestação paga.
Assim,
22. No empréstimo a que se vem fazendo referência, o capital em dívida ascende a € 68.595,55.
23. Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias:
- Juros de 21/05/2011 a 03/06/2023 à taxa de 4,244 % + 3%: Euros 59.846,56
- Imposto de Selo: Euros 2.393,86
24. Perfazendo o montante de Euros 130.835,97
(…)».
1.2. A executada (…), citada para os termos da execução, veio deduzir Embargos de Executado, pedindo que seja declarada a extinção da obrigação e improcedente o pedido exequendo.
Alegou para o efeito e em síntese, a prescrição da obrigação exequenda defendendo a aplicação no caso vertente do prazo previsto no artigo 310.º do CC, já decorrido à data em que foi instaurada a execução.
Alegou, ainda, inexistir título executivo.
1.3. A Exequente deduziu contestação, pugnando pela improcedência dos Embargos.
1.4. Findos os articulados foi proferido em 24.05.2025 pelo Tribunal a quo o seguinte despacho:
«Nos presentes autos, atento o valor da causa, importaria agendar audiência prévia.
Neste Tribunal, trata-se de uma diligência sempre presencial, ritual e formal.
Notifiquem-se as partes para:
1) Informarem o Tribunal se pretendem o agendamento, ou se prescindem da realização da audiência prévia;
2) Prescindindo, podem, querendo, apresentar já as suas alegações por escrito.
Prazo: até 22 de Maio de 2025».
1.5. Embargante e Embargada recorrente não se opuseram à dispensa da realização da audiência prévia.
1.6. Foi proferido saneador sentença, que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição, com o seguinte teor decisório:
«Pelos fundamentos acima expostos, o Tribunal decide julgar procedente a presente oposição à execução mediante embargos da Executada e, em consequência, absolvê-la do pedido, por efeito da prescrição da quantia exequenda».
1.7. Inconformada com a sentença proferida a Embargada interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e proferido Acórdão que ordene o prosseguimento da instância executiva conta a Embargante, até ao efectivo e integral pagamento.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (que aqui se reproduz):
A. O aresto em crise foi proferido em violação do princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º do CPC, constituindo uma decisão surpresa e padecendo de nulidade a qual, tendo sido prolatada no âmbito de uma sentença, expressamente se invoca em sede deste recurso.
B. Findos os articulados, o Tribunal a quo entendeu notificar as partes para “1) Informarem o Tribunal se pretendem o agendamento, ou se prescindem da realização da audiência prévia; 2) Prescindindo, podem, querendo, apresentar já as suas alegações por escrito” – dispensa à qual as partes anuíram.
C. No entanto, o referido despacho não deu a conhecer às partes que o Tribunal a quo entendia que os autos já reuniam os elementos necessários à imediata prolação de decisão de mérito.
D. Ora, sendo pretensão do Tribunal a quo proferir, de imediato, decisão final da causa – ao abrigo dos princípios da economia e gestão processual – impunha-se a notificação das partes para pronúncia expressa não só quanto à dispensa de realização da diligência de Audiência Prévia mas, também, da possibilidade de conhecimento do pedido em fase de saneamento dos autos.
E. O que, não tendo ocorrido, consubstancia uma omissão pelo Tribunal a quo de acto / formalidade que a lei prescreve, assim gerando a nulidade do aresto em crise, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, do CPC.
F. Por ter decidido de questão de que não podia conhecer no momento processual em que o fez, constituindo o saneador-sentença proferido uma decisão-surpresa.
G. In casu, o saneador-sentença proferido conduziu à prolação de uma decisão de mérito – de procedência dos embargos – que, com o muito devido respeito por melhor douta opinião, não é uma situação que se insira num caso da manifesta desnecessidade que permitisse ao Tribunal recorrido proferi-la sem que as partes fossem ouvidas.
H. É entendimento da Recorrente que, ao prolatar aquele saneador-sentença sem audição prévia das partes quanto à possibilidade de apreciação imediata do mérito da causa e, nessa medida, com violação do princípio do contraditório, o Tribunal a quo incorreu simultaneamente numa nulidade processual (prevista no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e numa nulidade da sentença por excesso de pronúncia (prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil) – porquanto tal nulidade apenas se revelou com a prolação do saneador-sentença, pelo que a falta de contraditório, neste caso, constitui uma nulidade que se projeta na decisão, subsumível à previsão do artigo 615.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil (nulidade da decisão por excesso de pronúncia).
I. Nulidade que expressamente se argui nesta sede, rogando a V. Ex.ªs determinem a sua verificação e consequente remessa do processo ao tribunal a quo, para que aí, a manter-se a opção pela dispensa da audiência prévia, seja assegurado o exercício do contraditório quanto ao mérito da causa, de forma a possibilitar a efetiva audição das partes.
Subsidiariamente, e sem prescindir
J. O Tribunal a quo considerou que o prazo de prescrição aplicável ao caso é o de 5 anos, atento o disposto no artigo 310.º, alínea e), do CC e que esse prazo à data da entrada da presente execução já havia decorrido.
K. Na perspetiva da Recorrente e contrariamente ao que resulta da douta sentença recorrida, não se verifica, nem a aplicação do prazo de prescrição de cinco anos e muito menos que tenham decorrido o prazo de prescrição quer sejam 20 ou 5 anos.
L. É do seguinte teor a douta sentença de que se recorre “(…) A data que se encontra aceite pelas partes como sendo a do incumprimento definitivo do contrato é a do ano de 2011.
Ora, não é preciso grande esforço intelectual para perceber que à data da propositura da acção, em 2023, todas as prestações vencidas e não pagas já se encontravam prescritas, desde 2016. Em suma, encontram-se decorridos mais de cinco anos, quer sobre o correspondente às quotas de amortização (artigo 310.º, alínea e), do Código Civil), quer sobre os correspondentes juros (artigo 310.º, alínea d), do mesmo diploma).”
M. No entanto, o crédito exequendo tem por base um contrato de mútuo celebrado com a executada/embargante e cujo reembolso seria efetuado em prestações fracionadas ou repartidas, isto é, “obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objeto da prestação está previamente fixado (…)”, conforme escreveu Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 94.
N. In casu, o capital mutuado foi desde logo fixado e a obrigação de restituição dos executados era a de pagamento daquele montante, acrescido dos respetivos juros.
O. Pelo contrário, o artigo 310.º do CC, ao prever um prazo de prescrição reduzido, aplica-se, apenas, às prestações periodicamente renováveis.
P. A ratio do artigo 310.º do Código Civil, precisamente por prever um prazo curto de prescrição e, nessa medida, compreender as designadas prestações periodicamente renováveis, assenta na circunstância de, através dela, se obviar a que o credor, adiando a exigência do pagamento de prestações de abreviado quantitativo, acumule excessivamente o seu crédito, a tal ponto que torne demasiado onerosa a prestação do devedor.
Q. Acontece que, ao contrário das prestações periódicas, às prestações fracionadas aplica-se o disposto no artigo 781.º do Código Civil, isto é, o não pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas.
R. Assim, in casu, em virtude do incumprimento dos executados ao deixarem de liquidar as prestações a que se obrigaram, deu-se o vencimento antecipado das prestações vincendas, podendo a dívida!
S. Já relativamente às prestações periódicas, não há vencimento antecipado das prestações vincendas, uma vez que estamos perante várias obrigações distintas e autónomas, pelo que o não pagamento de uma delas não pode provocar o vencimento antecipado das restantes.
T. Daí que, quanto a este tipo de prestações (periódicas) faça todo o sentido reduzir o prazo de prescrição, por forma a que o credor não deixe acumular o não pagamento de várias obrigações e, posteriormente, reclame do devedor um montante avultado.
U. No caso dos presentes autos, por aplicação do artigo 781.º do CC, qualquer que fosse o momento da Recorrente exigir a dívida, esta teria sempre o direito de exigir a totalidade da dívida, isto é, tanto as prestações vencidas e não pagas como as prestações vincendas.
V. Verificado o incumprimento e dando-se o vencimento antecipado das prestações vincendas, o capital em dívida, quer decorram 5 anos (por hipotética aplicação do artigo 310.º do CC), quer decorram 20 anos (por aplicação, como entendemos dever ser, do artigo 309.º do CC), é sempre o mesmo!
W. Apenas variam os juros devidos, que, saliente-se, mesmo em caso de eventual acionamento judicial, continuam a vencer-se até efetivo e integral pagamento da dívida.
X. Ora, no caso dos presentes autos, ainda que se considerasse, hipoteticamente, que às quotas de amortização de capital se aplicaria a alínea e) do artigo 310.º do CC, o que não se concede, com o vencimento antecipado das prestações vincendas, no incumprimento, deixamos de ter várias prestações e passamos a ter uma prestação global em dívida.
Y. Assim, também por esta razão, bem se vê que a alíneas e) do artigo 310.º do CC, não pode ser aplicada ao crédito exequendo.
Z. Face ao supra exposto, deverá ser aplicado o prazo geral de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do CC.
AA. Pois, no caso em apreço, não estamos perante “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” nem “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.
BB. E, resultando tal circunstância da factualidade dada como provada e não tendo a Embargante questionado os títulos executivos da presente acção, logo se constata que os contratos são válidos, já que foram livremente celebrados entre as partes (artigo 405.º do CC).
CC. Por tudo quanto foi exposto, não é de aplicar ao caso concreto o regime especial da prescrição das alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil, mas o prazo geral da prescrição de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil).
DD. A sentença é violadora da igualdade processual das partes, e denega a justiça e o direito.
EE. Viola o princípio da segurança jurídica e proporcionalidade.
FF. De outra forma, denega-se à Recorrente a possibilidade de lhe serem reconhecidos os seus direitos adquiridos, fundamentados no princípio da proteção e confiança jurídica legitima.
GG. A sentença a quo, decidindo como decidiu, desrespeita e viola por completo o legitimamente estatuído no Código de Processo Civil e Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o disposto nos artigos 781.º e 309.º do Código Civil.
HH. Ora, tendo em conta o supra exposto, conclui-se que o Tribunal a quo não interpretou adequadamente a lei, devendo por esse motivo a sentença ora em crise revogada e substituída por outra que faça correta interpretação e aplicação do direito.
1.8. A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela manutenção do decidido.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II –OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser as de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do NCPC).
Tendo, então, em atenção as conclusões da Recorrentes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal são:
1.ª: se ocorreu nulidade do saneador – sentença ao ter conhecido do mérito sem audição prévia das partes quanto a essa possibilidade, por violação o princípio do contraditório (artigo 195.º do CPC) e por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
2.ª: se ocorreu erro de julgamento quanto à excepção de prescrição da obrigação exequenda.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal de 1ª Instância considerou a seguinte factualidade:
1. “(…) – STC, S.A.” veio propor acção executiva a 05 de Junho de 2023 contra (…) e outros, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 130.835,97.
2. Fundamentou a sua pretensão na escritura pública de hipoteca e mandato junta com o requerimento executivo como documento n.º 3, celebrada a 19 de Fevereiro de 2009, e cujo teor ora se dá por reproduzido.
3. A quantia financiada deveria ser paga em 120 prestações mensais.
4. A última prestação paga ocorreu em 21 de Maio de 2011.
5. No dia 07 de Junho de 2019, foi celebrada a escritura pública de cessão de créditos e garantias a favor da Exequente, junta como doc. n.º 2 com o requerimento executivo, e cujo teor ora se dá por reproduzido.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1.ª questão: se ocorreu nulidade do saneador – sentença por violação o princípio do contraditório (artigo 195.º do CPC) e por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
Sustenta a Recorrente que o tribunal a quo, ao proferir saneador-sentença sem audição prévia das partes quanto à possibilidade de apreciação imediata do mérito da causa, violou o princípio do contraditório e incorreu simultaneamente numa nulidade processual (prevista no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e numa nulidade da sentença por excesso de pronuncia (prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
Começa-se por referir que no processo de embargos de executado, após a contestação, é aplicável, sem mais, por força do disposto no artigo 732.º, n.º 2, parte final, do CPC, o processo comum de declaração.
Dispõe, com relevo para apreciação desta questão, o artigo 591.º, n.º 1, do CPC que «é convocada audiência prévia (…) destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias, ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas».
Por seu turno, de acordo com o disposto no artigo 592.º, n.º 1, do CPC, a «audiência prévia não se realiza:
alínea a) nas acções não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º [prevê excepções aos efeitos da revelia];
alínea b) quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados».
Estabelece, ainda, o artigo 593.º, n.º 1, do CPC, que quando as acções hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 591.º do mesmo CPC [ou seja, para proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º (identificar o objecto do litígio e enunciar os termas da prova) e decidir as reclamações deduzidas pelas partes].
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 685, «do confronto dos artigos 591.º, n.º 1, 592.º, n.º 1, 593.º, n.º 1, 593.º, n.º 3 e 597.º resulta claro que a tramitação de uma acção declarativa comum de valor superior a metade da alçada da Relação (€ 15.000,00) incluirá, em curso normal, a realização de uma audiência prévia, regra que apenas comporta duas exceções tipificadas: quando a lei assim o estabeleça, o que sucede nos casos indicados no artigo 592.º, n.º 1; quando o juiz dispense a realização da audiência, ao abrigo do artigo 593.º, n.º 1. Com tais ressalvas, a audiência prévia é obrigatória, decorrendo da sua dispensa uma nulidade».
O CPC institui, portanto, como regra, a obrigatoriedade de realização da audiência prévia nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação, tal como anunciado na Exposição de Motivos da Reforma, onde se refere que «A audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas acções que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados».
Acrescentam aqueles autores que «sempre que projecte conhecer do mérito da causa no despacho saneador, seja quanto a algum pedido, seja quanto a alguma excepção peremptória, e independentemente do possível sentido da decisão, deverá convocar audiência prévia para os efeitos do artigo 591.º, n.º 1, alínea b)» [Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias, ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa]. «Daqui resulta com total clareza o propósito legislativo, no sentido de que as acções declarativas não incluídas na previsão do artigo 597.º [de valor não superior a metade da alçada da Relação] não podem terminar com decisão de mérito no despacho saneador sem que o mesmo seja proferido no contexto da realização de uma audiência prévia» (ob. cit., pág. 691).
Na verdade, «as situações de não realização da audiência prévia constam do artigo 592.º e nelas não cabem com toda a evidência os presentes embargos. A dispensa de audiência prévia carece de preencher os requisitos previstos no artigo 593.º, desde logo que a acção haja de prosseguir. Só neste caso o juiz pode dispensar a realização daquela audiência, contanto que se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 591.º. O conhecimento da totalidade do mérito não é de considerar para efeitos do artigo 593.º, pois não satisfaz o primeiro requisito da norma habilitadora da dispensa: “acções que hajam de prosseguir”.
Em qualquer caso, juiz não pode dispensar a realização da audiência prévia quando, para satisfação dos respetivos fins, haja necessidade de realizar qualquer dos actos previstos nas alíneas a), b), c) e g) do n.º 1 do artigo 591.º. Ela é de realização necessária, designadamente, “quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa, se a questão não tiver sido debatida nos articulados. Mesmo quando o tenha sido, a decisão de dispensa deve, todavia, ser precedida da consulta das partes (artigo 3.º, n.º 3), assim se garantindo não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, como também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa”» (Ac. do TRP de 11.12.2015, rel. Filipe Caroço, Proc. n.º 4507/13.1TBMTS-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Contudo, tem sido entendimento da jurisprudência que, mesmo nos casos em que o juiz pretende conhecer do mérito da causa no despacho saneador, pode dispensar a realização de audiência prévia ao abrigo do poder / dever de gestão processual, previsto no artigo 6.º do CPC e de adequação formal previsto no artigo 547.º do CPC, desde que sejam previamente ouvidas as partes sobre a dispensa da audiência prévia, a ela tenham anuído e lhes seja possibilitada a discussão das questões suscitadas nos articulados ou de outras que o tribunal entenda conhecer oficiosamente.
Veja, a título de mero exemplo, o Ac. do TRC de 20.02.2024, Processo n.º 4367/22.1T8LRA.C1 (disponível em www.dgsi.pt), onde se escreveu que «sempre que o juiz tencione conhecer, imediatamente, no todo em parte, do objecto do processo, a realização da audiência prévia é obrigatória e, portanto, não pode ser dispensada (artigo 591.º, n.º 1, b), do CPC). Simplesmente, há que conjugar esta regra de realização injuntiva da audiência prévia com os poderes de gestão processual que a lei reconhece ao juiz e, bem assim, com o princípio da economia processual.
O dever de gestão processual, no aspecto substancial, concretiza-se no dever de condução do processo que recai sobre o juiz, dever que é justificado pela necessidade de o juiz providenciar pelo andamento célere do processo, fim para obtenção do qual, lhe incumbe promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção ou do incidente e recusar o que for impertinente ou meramente dilatório, cabendo-lhe, assim, um poder de direcção do processo e um poder de correcção do processo (artigo 6.º, n.º 1, do CPC). O dever de gestão processual, e o seu fundamento material, há-de, realmente, permitir ao juiz a quebra, desde que justificada, da rigidez do processo, adequando-o, em cada momento processual, à sua finalidade última: a obtenção célere de uma decisão fundada no direito.
Por sua vez, o princípio da economia processual diz-nos, no plano institucional, que o processo não deve implicar custos desnecessários e desproporcionais à prossecução da sua finalidade e que os meios disponíveis devem ser utilizados de molde a optimizar o fim do processo, evitando a perda de tempo e custos escusáveis, e, num plano individual – no plano de cada acto processual – que é proibido praticar actos inúteis, que se não devem praticar actos tanto objectiva como subjetivamente inúteis ou supérfluos num processo pendente (artigo 130.º do CPC).
Assim, se o juiz assegurar, por modo processual diverso, as funções primárias que a audiência prévia cumpre – v.g., a de facultar às partes, a discussão dos aspectos de facto e de direito da causa, com vista à antecipação do conhecimento do seu mérito logo no despacho saneador – deve reconhecer-se-lhe o poder-dever de julgar dispensada a realização da audiência prévia. Dispensa que, além de permitir um andamento mais ágil do processo, é conforme com o princípio da economia de meios processuais, dado que evita às partes – e, actualmente, mesmo ao juiz – v.g. as despesas com deslocações e perdas de tempo e ao tribunal o dispêndio, escusado de actividade jurisdicional, cara e escassa, que a realização da audiência prévia necessariamente implica».
Ora, foi isso que aconteceu nos presentes autos: como decorre do exposto no Relatório, por despacho de 24.05.2025 o tribunal a quo, consignando que no caso dos autos importaria agendar audiência prévia, notificou as partes para “Informarem o Tribunal se pretendem o agendamento, ou se prescindem da realização da audiência prévia” e de que “prescindindo, podem, querendo, apresentar já as suas alegações por escrito”.
Foi, pois, concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a dispensa da audiência prévia e, caso dessem a sua anuência, a possibilidade de discutirem a matéria da causa (excepção de prescrição da obrigação exequenda e de inexistência de título executivo, invocadas na PI e objecto de pronúncia na contestação, inexistindo matéria de facto controvertida, como realça a embargada na sua contestação), podendo alegar por escrito aquilo que iriam alegar na audiência prévia.
É certo que aquele despacho não é explícito sobre a intenção de conhecer do mérito no despacho saneador; mas incluiu-se nesse despacho um expresso convite às partes, no caso de anuência à dispensa da audiência prévia, para apresentarem alegações por escrito, e isto num contexto em que nele se refere ser a audiência prévia de realização obrigatória, o que não sucederia caso o processo prosseguisse para identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, situação em que, como vimos, a lei concede ao juiz o poder de dispensar a realização daquela audiência sem necessidade da anuência das partes.
Do aludido convite para as partes apresentarem alegações por escrito em caso de anuência à dispensa da realização da audiência prévia decorre a intenção de conhecer do mérito, que é possível deduzir daquele despacho e do aludido contexto.
Considera-se, pois, que, no caso vertente, o saneador-sentença foi precedido de audição das partes sobre a dispensa da audiência prévia, sem oposição de qualquer das partes, e com convite a apresentarem alegações por escrito, sendo razoável de antever o quadro factual e jurídico em que assentaria a decisão do juiz – que se reportou à excepção peremptória de prescrição, questão discutida nos articulados, questão, para mais, objecto de acórdão de uniformização de jurisprudência, inexistindo, do mesmo passo, factualidade controvertida.
Discorda-se, aliás, da posição jurisprudencial que sustenta que o tribunal, ao pretender conhecer do mérito no saneador, tem que comunicar previamente às partes os concretos elementos que irá considerar, o sentido em que irá decidir, a não ser que pretenda conhecer de questão de conhecimento oficioso não suscitada pelas partes nem debatida nos articulados ou mediante enquadramento jurídico distinto do analisado nesses mesmos articulados.
Em suma, e concluindo, no caso vertente foi assegurada a audição das partes, nenhuma das partes se opôs à dispensa da realização da audiência prévia e, como se disse, tiveram oportunidade de discutir por escrito a matéria da causa, mostrando-se cumprido o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Não foi, portanto, cometida nulidade por omissão de formalidade imposta por lei, nos termos do artigo 195.º do CPC, nem se verifica nulidade do saneador sentença por violação do princípio do contraditório e por excesso de pronúncia ao julgar procedente, no circunstancialismo apontado, a excepção peremptória de prescrição no despacho saneador, não configurando este uma decisão surpresa.
Improcede, nesta parte, o recurso de apelação.
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2.ª questão: se ocorreu erro de julgamento quanto à prescrição da obrigação exequenda
Insurge-se, depois, a Recorrente quanto à aplicação ao caso do prazo de prescrição previsto na alínea e) do artigo 310.º do CC, defendendo que a situação dos autos cai na esfera de previsão do prazo geral de prescrição de 20 anos contido no artigo 309.º do CC, argumentado, para tal, que, mesmo que se considerasse, hipoteticamente, que às quotas de amortização de capital se aplicaria a citada alínea, com o vencimento antecipado das prestações vincendas, por aplicação do disposto no artigo 781.º do CC, deixou de haver várias prestações e passamos a ter uma prestação global em dívida.
Vejamos se lhe assiste razão.
Está assente nos autos, por falta de impugnação, o alegado pela Recorrente no requerimento executivo, designadamente que:
. O Banco (…), S.A., por contrato de financiamento, celebrado a 19/02/2009, emprestou aos mutuários, (…) e (…), a importância de € 112.500,00, a liquidar em 120 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título.
. A quantia emprestada, referida no aludido título, foi efetivamente entregue aos Executados (…) e (…), mediante créditos processados na sua Conta de Depósitos à Ordem n.º (…), domiciliada na agência do Banco.
. Que a movimentou e utilizou em proveito próprio os valores resultante daquele crédito.
. Os Executados (…) e (…) interromperam o pagamento das prestações do empréstimo a que se vem fazendo referência em 21/05/2011, nada mais tendo pago por conta do mesmo,
. A situação descrita determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencidas toda a dívida, reportada à data da última prestação paga.
Assim sendo, não estando posto em causa que o contrato de mútuo previa o seu pagamento em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, estamos, sem dúvida, em presença de quotas de amortização do capital mutuado pagável com os juros.
A este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça AUJ n.º 6/2022, de 30.6.2022, publicado no DR n.º 184, 1ª série, de 22.9.2022, veio uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
“I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
Como se refere no dito Acórdão de Uniformização, a posição doutrinal que acolhe – de “aplicação da prescrição de 5 anos à acumulação das quotas de amortização do capital por perda de benefício do prazo (artigo 781.º do CCiv.)” –, já vinha sendo “sustentada na quase totalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no Ac. S.T.J. 29/9/2016, revista n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego) cit. e também nos Acs. do S.T.J. de 8/4/2021, revista n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 9/2/2021, revista 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), S.T.J. de 14/1/2021, revista n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva), S.T.J. 12/11/2020, revista 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado), S.T.J. 3/11/2020, revista n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 (Fátima Gomes), S.T.J. de 23/1/2020, revista n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. de 27/3/2014, revista 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves), e em numerosas decisões das Relações”.
Argumentou-se naquele AUJ, que aqui se transcreve perante as conclusões Q e ss. da Recorrente, que «Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.
E pese embora devermos considerar que, "no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados", como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., n.º 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.
Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º, alínea e), Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.
"Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º".
Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.
A "ratio" das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pág. 47)».
E quanto à questão de saber “se a prescrição incide sobre cada uma das prestações de capital (tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes) ou, no reverso, se a prescrição se reporta à integralidade da obrigação em dívida (tendo como termo inicial a data do incumprimento pelo devedor, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido – artigo 306.º, n.º 1, 1ª parte, do Código Civil)”, optou o STJ, como vimos, pela posição segundo a qual «ocorrendo o seu vencimento antecipado o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas».
Embora, «diferentemente do que sucedia com os anteriores Assentos, através dos quais os tribunais fixavam doutrina com força obrigatória geral (de acordo com o artigo 2.º do C.C. que veio a ser revogado pelo artigo 4.º do DL n.º 329-A/95, de 12.12), os acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não são vinculativos para quaisquer tribunais», «como nos explica Abrantes Geraldes, a lei atribui-lhes um especial relevo, “conferindo-lhe implicitamente força persuasiva”, o que resulta, entre outros, dos artigos 629.º, n.º 2, c), 672.º, n.º 1, c), 686.º e 688.º, n.º 3, todos do C.P.C. de 2013, e isto significa que «“o respeito pela qualidade e pelo valor intrínseco da jurisprudência uniformizada do STJ conduzirá a que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios de interpretação das normas jurídicas em causa (v.g. violação de determinados princípios que firam a consciência jurídica ou manifesta desactualização da jurisprudência face à evolução da sociedade)”, pelo que “para contrariar a doutrina uniformizada pelo Supremo devem valer razões fortes ou outras especiais circunstâncias que porventura ainda não tenham sido suficientemente ponderadas (…).”
Ora, a lei não foi alterada após a prolação do indicado AUJ n.º 6/2022 nem se verificam na situação em apreço, especiais circunstâncias que não tenham já antes sido ponderadas. Assim sendo, é de seguir, pelos motivos referidos, a orientação consagrada no referido AUJ n.º 6/2022, não se detectando razões para desvalorizar a mencionada componente vinculativa da jurisprudência citada (…)» (Ac. do TRL de 22/11/2022, acessível em www.dgsi.pt).
Deste modo, considerando que o incumprimento das prestações e consequente vencimento das restantes ocorreu em 21.05.2011, como invocado pela própria exequente no requerimento executivo e reiterado na contestação aos embargos, o prazo de prescrição do crédito reclamado na execução, de 5 anos, cuja contagem iniciou-se “na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”, já se encontrava decorrido na data em que foi instaurada a execução de que estes autos são um apenso (em 14.06.2023 – cfr. Relatório).
É, assim, patente que no caso vertente é aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC, e, nessa decorrência, mostra-se manifesta a procedência da excepção peremptória de prescrição da obrigação exequenda deduzida pela Recorrida na sua petição de embargos.
Acompanha-se, por isso, o decidido pelo tribunal a quo, quando refere na sentença recorrida que «A data que se encontra aceite pelas partes como sendo a do incumprimento definitivo do contrato é a do ano de 2011. Ora, não é preciso grande esforço intelectual para perceber que à data da propositura da acção, em 2023, todas as prestações vencidas e não pagas já se encontravam prescritas, desde 2016.
Em suma, encontram-se decorridos mais de cinco anos, quer sobre o correspondente às quotas de amortização (artigo 310.º, alínea e), do Código Civil), quer sobre os correspondentes juros (artigo 310.º, alínea d), do mesmo diploma).
Neste conspecto, e nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se a lógica conclusão de que o crédito da Embargada se encontra prescrito em relação à Embargante».
Inexiste, pois, violação pela sentença recorrida do disposto nos artigos 781.º e 309.º do Código Civil, mostrando-se correctamente interpretadas as normas aplicáveis, verificando-se, ao invés, que é a Recorrente que advoga posição que contraria frontalmente a orientação consagrada no referido AUJ n.º 6/2022.
Resta referir, quanto ao esgrimido na conclusão FF, que por via da prescrição «tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito» (artigo 304.º, n.º 1, do C.C.). Por outras palavras, por meio da prescrição, uma vez decorrido o lapso de tempo fixado na lei para o efeito, e verificando-se as demais condições por esta exigidas, extinguem-se obrigações por não se ter exigido antes o seu cumprimento (chamando-se de extintivas – reguladas nos artigos 309.º a 311.º –, as que impõem a extinção dos direitos subjectivos não exercitados durante o lapso de tempo fixado na lei para o efeito, isto é, pelo facto de não ter pedido o cumprimento de uma obrigação, o credor perde definitivamente o direito respectivo).
Improcede, pois, o recurso de apelação também nesta parte.
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V – DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
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Custas da apelação pela Recorrente (conforme artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, por nela ter decaído).
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Évora, 27/11/2025
Maria Isabel Calheiros (relatora)
Miguel Vieira Teixeira (1º adjunto)
Maria Emília Melo e Castro (2º adjunto)