Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
966/15.6T8SLV.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA NÃO CONDENATÓRIA
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Quanto às sentenças de mérito proferidas em acções de simples apreciação, não se pode falar de título executivo.
2 - Pois ao tribunal apenas foi pedido que apreciasse a existência dum direito ou dum facto jurídico e a sentença nada acrescenta quanto a essa existência, a não ser o seu reconhecimento judicial.
3 - Pela sentença, o réu não é condenado no cumprimento duma obrigação pré-existente, nem sequer constituído em nova obrigação a cumprir.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 966/15.6T8SLV.E1 (2ª Secção Cível)



ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
No processo de execução a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Silves – Instância Central – 2ª Secção de Execução – J1) em que é exequente (…) e executado Instituto de Segurança Social, IP, no qual foi dada à execução uma sentença pela qual se reconheceu à autora o direito às prestações da Segurança Social, por morte de (…), com quem vivia em união de facto, pretendendo exigir o pagamento coercivo das prestações em dívida referentes a pensão por morte, subsídio por morte e subsídio por despesas de funeral, foi em 11/02/2016 proferido despacho liminar de indeferimento do requerimento executivo por falta de título.
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Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor recurso, apresentando as respectivas alegações e terminando por formular as seguintes conclusões (diga-se que se limitam a reproduzir quase na plenitude o que já consta das alegações) que se passam a transcrever:
1º- Vem o presente recurso, interposto da douta Sentença de fls. proferida nos autos de Proc.º n.º 966/156T8SLV da Comarca de Faro – Silves – Inst. Central – 2ª Secção de Execução – J1, o qual indeferiu liminarmente, por falta de título, a execução, condenando a Exequente ora Apelante em custas.
2º- A douta Sentença dada à Execução, reconhece que a ora Apelante é titular do direito às prestações da Segurança Social, por Morte de (…), no âmbito do regime decorrente do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18.10, do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18.01, e dos artigos 3.º, al. e), e 6º da Lei 7/2001, de 11.05, na redacção anterior à Lei n.º 23/2010, de 30.08, pelo que constitui um título executivo.
3º- A Apelante é assim titular do direito às prestações por morte, e assiste-lhe o direito de receber do Apelado os benefícios em dinheiro destinados a compensar a Apelante da perda de rendimentos que resulta por morte de (…), bem como ver-se compensada dos encargos decorrentes do falecimento do mesmo e das despesas efectuadas com o seu funeral, e ainda o direito a receber uma pensão por morte (vitalícia), a pagar pelo Apelado.
4º- Obrigação essa aqui decorrente do regime legal, nomeadamente do DL n.º 322/90, de 19/10, e do D. Reg. n.º 1/94, de 18/01, e dos Art.ºs 3º, al. e), e 6º da Lei n.º 7/2001, de 11/05, na redacção anterior à Lei n.º 23/2010, de 30/08.
5º- Sendo admissível, para a doutrina, a exequibilidade de sentença resultante de acção de simples apreciação positiva da qual decorra a condenação implícita no cumprimento de determinada obrigação decorrente da lei: Ary Elias da Costa afirmava serem condenatórias e consequentemente exequíveis as sentenças em que o Juiz, expressa ou tacitamente, impusesse a alguém determinada responsabilidade (CPC anot. vol. I, pág. 391); Lopes Cardoso caminhou no mesmo sentido, bastando para si que na Sentença ficasse declarada a obrigação para ser viável a instauração de processo de execução (Manual da Acção Executiva, pág. 43); Teixeira de Sousa, para quem as Sentenças que contenham de forma implícita um dever de cumprimento podem ser dadas à execução, assim acontecendo quando o pedido de condenação “se tivesse cumulado com o pedido de mera apreciação ou constitutivo”, formasse com este uma “cumulação aparente” por se referir à mesma utilidade económica (Acção Executiva, pág. 73); Remédio Marques admitiu à execução sentenças de onde apenas implicitamente resulte uma obrigação (Curso de Processo Executivo Comum, pág. 62); e, finalmente, Lebre de Freitas aceita a exequibilidade de sentenças proferidas no âmbito de acções constitutivas, desde que contenham a condenação implícita como resposta também a um pedido de condenação implícito (Acção Executiva, 6ª ed., págs. 47 e 48, e CPC anot., vol. I, 2ª ed., pág. 92).
6º- Também a jurisprudência tem vindo a admitir a exequibilidade de Sentença resultante de acção de simples apreciação positiva da qual decorra a condenação implícita no cumprimento de determinada obrigação legal – cfr Ac. STJ 117-B/1999.P1.S1, de 08/01/2015 “É de admitir a exequibilidade de sentenças proferidas em ações de natureza constitutivas ou de simples apreciação positiva das quais decorra a condenação implícita no cumprimento de determinada obrigação.”
7º- Entende a Apelante que, e sempre com a devida vénia por entendimento o Tribunal a quo, ao indeferir, liminarmente, por falta de título executivo, violou o disposto nos artigos 26º, 63º e 398º, nº 2, in fine, da CRP, e art.º 703º, nº 1, a), do CPC, e artº 9º, nº 1, do CC.
8º- A Sentença condenatória a fls., transitada em julgado, dada à execução, constitui título executivo nos termos do artº 703º, nº 1, al. a) do CPC, isto porque se a finalidade do título executivo é a de proceder ao acertamento do direito, de modo a tornar desnecessária uma actividade cognitiva do tribunal em sede da acção declarativa, sendo possível concluir que tal finalidade já se encontra assegurada (legalmente), é de todo desnecessária e até inútil a interposição de uma nova acção declarativa.
9º- Pelo exposto supra, este venerando Tribunal deverá determinar a anulação da douta Sentença em Recurso, e consequentemente determinar que a douta Sentença dada à execução constitui título executivo, ordenar-se o normal prosseguimento e tramitação da execução.

Cumpre apreciar e decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão a apreciar circunscreve-se em saber se a sentença que a recorrente apresentou à execução, constitui título executivo.

Conhecendo da questão
(…), residente no Bairro (…), em Portimão, apresentou como título executivo, a sentença proferida, em 03/07/2013, no processo nº 2742/10.3TBPTM, que havia intentado contra o Instituto da Segurança Social, I.P. onde foi proferida a seguinte decisão que se transcreve:
Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada e, em consequência, declaro ser (…) titular do direito às prestações da Segurança Social, por morte de (…), no âmbito do regime decorrente do Decreto-Lei nº 322/90, de 18.10, do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18.01, e dos artigos 3º, al. e), e 6º da Lei nº 7/2001, de 11.0, na redacção anterior à Lei nº 23/2010, de 30.08.
Custas pelo réu (artº 446º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).

O Mº juiz do Tribunal “a quo”, entendeu que a sentença que a recorrente apresentou como título executivo, apenas a reconhece como titular do direito às prestações da Segurança Social por óbito de (…). Tal sentença é assim de simples apreciação, pois declara judicialmente que a aqui recorrente é detentora de determinada posição jurídica.
A recorrente, entende que a sentença proferida, constituiu título executivo, nos termos do artº 703º, nº 1, al. a), do CPC, pois, sendo titular do direito às prestações por morte, assiste-lhe o direito de receber do apelado os benefícios em dinheiro destinados a compensar a recorrente da perda de rendimentos que resulta da morte de (…), bem como ver-se compensada dos encargos decorrentes do falecimento do mesmo e das despesas efectuadas com o seu funeral, e ainda o direito a receber uma pensão por morte (vitalícia), a pagar pelo apelado.
É nosso entendimento que não assiste razão à recorrente.
Nos termos do artº 703º, nº 1, al. a), do NCPC [de teor idêntico ao artº 46º, nº 1, al. a), do anterior CPC], são exequíveis as sentenças condenatórias.
O título executivo previsto na alínea a) do artº 703º do CPC, diz respeito às sentenças condenatórias, devendo entender-se como tal qualquer decisão judicial proferida no decurso da tramitação de um processo, mesmo que contendo apenas um segmento de condenação.
Quanto às sentenças de mérito proferidas em acções de simples apreciação, é pacífico que não se pode falar de título executivo.
Efectivamente, ao tribunal apenas foi pedido que apreciasse a existência dum direito ou dum facto jurídico e a sentença nada acrescenta quanto a essa existência, a não ser o seu reconhecimento judicial. Pela sentença, o réu não é condenado no cumprimento duma obrigação pré – existente, nem sequer constituído em nova obrigação a cumprir.
As decisões proferidas no âmbito das ações declarativas de simples apreciação e as constitutivas, previstas no art.º 10º, nº 2, alíneas a) e c), respectivamente, poderão dar lugar à instauração de acções executivas, na medida em que contenham uma qualquer condenação, nomeadamente em custas, multa ou indemnização por litigância de má-fé.
Segundo Rui Pinto in Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 1ª edição, 155, no que concerne às decisões judiciais condenatórias, “estão, normalmente excluídas pela doutrina, as sentenças de simples apreciação, porque não impõem um comando de actuação, e as sentenças constitutivas porque não carecem de ulterior colaboração do réu quanto ao efeito que produzem.
Umas e outras cumprem, pela simples prolação da sentença, o efeito pretendido pelo autor.”
Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979 (reimp.1993), 57, refere que na simples apreciação a “sentença (mesmo favorável) esgota toda a pretensão do autor, nenhum lugar ficando assim para um processo executivo subsequente”.
Também José Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1999, vol 1º, 89/90, em relação ao artº 46º do anterior CPC, referia que: “São condenatórias, na designação da alínea a), as sentenças que conhecem directamente do mérito da causa, em sentido desfavorável ao réu ou ao reconvindo, nas acções declarativas de condenação, condenando-o na realização de uma prestação (artº 4-2-b), e ainda as que, em qualquer acção declarativa ou executiva, condenam uma das partes em custas (artº 446º-1), ou em multa ou indemnização por litigância de má-fé (artº 456º-1).
É pacífico que as sentenças de mérito proferidas em acção de simples apreciação (artº 4-2-a) não constituem título executivo”.
Também José Alberto dos Reis in Processo de Execução, Vol 1º, 3ª ed., 127/128 refere que “ao atribuir eficácia executiva às sentenças de condenação, o Código quis abranger nesta designação todas as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente, impõe a alguém determinada responsabilidade”. Logo a seguir refere que “a sentença proferida em acção de simples apreciação não pode constituir título executivo quanto ao objecto da acção; mas como tem de haver uma condenação em custas, é título executivo para o efeito de tornar efectiva esta condenação”.
No caso em apreço, da sentença que a recorrente apresentou como título executivo, não se pode extrair que haja uma condenação de forma expressa, nem implícita, a existência da obrigação a cargo do Instituto da Segurança Social, de efectuar qualquer pagamento à recorrente, ou seja, a condenação no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária.
A sentença apresentada como titulo executivo apenas reconhece (…) como titular do direito às prestações da Segurança Social.
Estamos, por isso, com o Julgador “a quo”, quando refere que:
Tal sentença não impõe à Segurança Social nenhum comportamento que se vislumbre executável. Com efeito, a circunstância de se reconhecer que a exequente tem direito a determinadas prestações sociais é assaz diversa da circunstância de se condenar a Ré a pagar em concreto determinadas prestações sociais. Não existe qualquer fixação do quantum, do modo ou da limitação temporal de tais prestações, ou seja, não existe qualquer obrigação de pagamento judicialmente imposta.
Nem tão pouco está em causa a alegada iliquidez do crédito, dado que do teor da sentença exequenda não resulta existir qualquer crédito, mas sim um mero reconhecimento de uma situação de facto.
Nestes termos, irrelevam as conclusões apresentadas pela recorrente, sendo de julgar improcedente o recurso.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Évora, 26 de Janeiro de 2017

Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Mário António Mendes Serrano