Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO NUNES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO QUEDA EM ALTURA | ||
Data do Acordão: | 09/12/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Sumário: | I. – Para que se verifique a descaracterização do acidente prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte, da LAT, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) violação, por acção ou por omissão, dessas condições por parte da vítima; (iii) que a actuação desta seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa; (iv) que o acidente seja consequência dessa actuação; II – Verifica-se a violação de condições de segurança estabelecidas na lei, sem causa justificativa, se o sinistrado se encontrava a subir a um pinheiro, a uma altura de 4/4,5 metros, sem equipamentos de segurança, maxime sem que fizesse uso de arnês e cordas de segurança; III – E tal violação é causal do acidente, devendo, pois este ser descaracterizado ao abrigo da referida norma legal, uma vez que face à falta desse equipamento de segurança, tendo-se partido um ramo da árvore a que o sinistrado se havia agarrado, acabou, como consequência directa e necessária, por cair ao solo. (Sumário do relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 684/16.8T8STC.E2 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório[1] BB, identificado nos autos, após infrutífera tentativa de conciliação, intentou, na comarca de Évora (Évora – Instância Central – Juízo do Trabalho – Juiz 1) e com o patrocínio oficioso do Ministério Público, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, contra CC – Companhia de Seguros, S.A., também devidamente identificada nos autos, pedindo que o acidente que sofreu em 29 de Março de 2016 seja qualificado como de trabalho, com a respectiva responsabilidade atribuída à Ré e esta condenada a pagar-lhe a quantia de € 40,00 a título de deslocações ao tribunal, e a pensão anual e vitalícia de € 283,03, obrigatoriamente remível. Alegou, para o efeito e muito em síntese, que no dia 29 de Março de 2016 trabalhava como motosserrista, por conta própria, e «quando estava em cima de um pinheiro, a esgalhar, escorregou e caiu», sendo que o acidente ocorreu quando acabava de subir a um pinheiro, com o auxílio de uma escada, com cerca de 4 metros de altura, e ao agarrar um ramo de pinheiro, este partiu-se. Mais alegou que em consequência do acidente teve sequelas, que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial (doravante IPP) de 4,5%, bem como teve despesas, e que havia transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho para a Ré, pela retribuição anual de € 7.556,52, pelo que deve esta ser condenada na reparação do acidente. Em contestação, a Ré seguradora, reconhecendo que para si se encontrava transferida a responsabilidade por acidentes de trabalho sofridos pelo Autor, trabalhador por “conta própria”, pela retribuição anual de € 7.556,62, alegou, contudo, que o acidente de trabalho ocorreu por violação de regras de segurança estabelecidas na lei e por negligência grosseira do sinistrado, uma vez que este se encontrava em cima de um pinheiro, a cerca de 4/4,5 metros de altura do solo, a cortar ramos com uma motosserra, sem que usasse, como devia, qualquer sistema de segurança em altura, pelo que subitamente caiu desamparado ao solo. Por consequência, pugnou pela improcedência da acção. Foi proferido despacho saneador stricto sensu, consignada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória. Os autos prosseguiram os trâmites legais, tendo-se procedido à audiência de julgamento, e em 12-10-2017 foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos. Inconformado com o assim decidido, o Autor, através de mandatário entretanto constituído, interpôs recurso para este tribunal, que por acórdão de 18-01-2018 anulou a decisão recorrida e determinou a baixa dos autos à 1.ª instância, de forma a «(i) eliminar a contraditoriedade entre os factos n.ºs 1 e 7, (ii) apurar a que altura se encontrava o Autor quando se deu a queda e, bem assim, (iii) tendo em conta os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, ter em conta outros eventuais factos relevantes que resultem da produção da prova, ainda que não tenham sido articulados, após o que proferirá nova sentença». Na sequência, tendo os autos baixado à 1.ª instância aí se procedeu a julgamento em relação à matéria em causa e em 27-04-2018 foi proferida sentença que novamente julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos. Inconformado com a decisão, o Autor novamente interpôs recurso para este tribunal, tendo a rematar as alegações formulado as seguintes conclusões: «I. Entende o Recorrente que a sentença em crise não ajuizou devidamente, segundo a prova produzida, e que segundo o direito aplicável não poderia ser considerada improcedente a ação e respetivos pedidos II. Foram dados como provados os seguintes factos: (…) III. O Tribunal a quo decidiu descaracterizar o acidente enquadrando a situação na previsão normativa da alínea a) do n.º 1 de tal normativo, mais propriamente na parte final quando se refere à violação das condições de segurança previstas na lei, sem causa justificativa, sendo o que se depreende da menção à obrigatoriedade de utilização de cordas de segurança e arnês dado que não é citada tal norma IV. Cabe à Recorrida prova dos factos que integram a descaracterizam o acidente n.º 2 do art.º 342.º do CC. V. Da matéria de facto relevante para a descaracterização do acidente de trabalho retira-se: - O Autor no dia 29.3.2016 pelas 8horas e 30 minutos em Alcácer do Sal, estava em cima de um pinheiro a esgalhar, escorregou e caiu - O acidente ocorreu ainda ao iniciar a subida do pinheiro e por um ramo se ter partido - O Autor na subida do pinheiro não usava arnês e cordas de segurança - E em consequência caiu VI. O Tribunal a quo concluiu pela descaracterização do acidente visto que ao iniciar a subida de um pinheiro um ramo partiu-se e o Recorrente não usava arnês e cordas de segurança e em consequência caiu violando com este comportamento “condições de segurança” VII. Porém, não basta uma queda em altura para preencher uma violação de normas de segurança VIII. Desde logo, para que pudesse considerar-se obrigatório o uso de arnês e cordas de segurança teria de existir uma norma que impusesse essa obrigação. IX. Ora, não existe qualquer norma concreta que obrigue a utilização de arnês e corda de segurança no trabalho que estava a ser executado pelo Recorrente, (sublinhado nosso) X. Para determinados setores, e atividades, existe tal obrigatoriedade dentro de determinados pressupostos, o que não acontece na atividade exercida pelo Recorrente. XI. Nem tal obrigação resulta no caso concreto do disposto no artigo 39.º do Regime das Prescrições Mínimas de Segurança e Saúde aprovado pelo Decreto Lei n.º 50/2005 de 25 de Fevereiro citado pelo Tribunal a quo como tendo sido violado pelo Recorrente. XII. A entender-se como o Tribunal a quo, qualquer subida a uma árvore sem utilização de arnês e corda de segurança, independentemente da altura e condições, nomeadamente se se tratava de um trabalho preparatório, levará à descaracterização do acidente de trabalho. (sublinhado nosso) XIII. Mesmo que existisse obrigatoriedade de utilização de cordas de segurança e arnês, teria de existir risco de queda em altura para impor a utilização dado que tal equipamento visa evitar o risco de queda em altura, sendo irrelevante quando este não existe. (sublinhado nosso) XIV. Da matéria de facto dada como provada não resulta a existência de risco de queda em altura XV. Não basta o trabalho ser em altura, sem se atentar nas demais circunstâncias concretas, para se concluir que há risco de queda em altura. XVI. A existir violação de condições de segurança, teria também a Recorrida de ter provado, o que não resulta da matéria de facto dada como provada, que a violação foi sem causa justificativa, art.º 14.º n.º 1 al. a) e n.º 2 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro e n.º 2 do art.º 342.º do CC e artigo 39.º do DL 50/2005 de 25 de Fevereiro. XVII. Mesmo para a negligência grosseira (chama-se à colação porque a sentença do Tribunal a quo não é fundamentada de direito quanto ao enquadramento nas várias situações previstas no artigo 14.º), implica sempre uma violação de um dever ou obrigação por parte do sinistrado, XVIII. Para julgar-se verificada uma situação de negligência grosseira apta a descaracterizar o acidente teria a Recorrida de ter provado quer que o trabalhador foi negligente e era obrigado a adotar outro comportamento legalmente previsto, e que essa negligência não resultou de nenhum dos fatores elencados na parte final do n.º 3 do artigo 14.º Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro (habitualidade ao perigo do trabalho executado; da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão), XIX. E que a causa do acidente foi esse comportamento do trabalhador, art.º 342.º n.º 2 do CC, o que não se verificou nos presentes autos atenta a matéria de facto dada como provada. XX. Da matéria dada como provada resulta apenas que o trabalhador ao subir uma árvore sem arnês e corda de segurança caiu. XXI. A haver violação de normas de segurança tal violação teria de ser causal do acidente ocorrido o que não sucede nem quanto à violação nem, necessariamente, quanto à causalidade. XXII. Mesmo se fosse obrigatório, no caso sub judice, o trabalhador usar cordas de segurança e arnês, da matéria de facto dada como provada resulta uma impossibilidade prática quanto à utilização pelo trabalhador das cordas e arnês visto que o Recorrente ainda estava a iniciar a subida do pinheiro quando caiu e não poderia em circunstância alguma estar a utilizar corda de segurança e arnês preso à árvore dado que a corda tem de ser fixa ou apoiada na parte de cima do pinheiro em ramos acima da área de trabalho. (sublinhado nosso) XXIII. Para serem colocadas implicam necessariamente uma subida ao pinheiro para a sua fixação, no fundo um trabalho preparatório, com exposição ao risco, a existir, que não é o caso, inevitável. XXIV. A existir alguma norma de segurança que impusesse a obrigação de arnês e corda, nunca as circunstâncias do caso concreto poderiam levar à conclusão de que o trabalhador violou normas de segurança porque ainda estava a subir ao pinheiro e a fixação das cordas apenas é possível após subir ao pinheiro. XXV. O Tribunal a quo, ao sentenciar descaracterizado o acidente, e consequentemente a julgar improcedente a ação proposta pelo Recorrente absolvendo a recorrida dos pedidos, violou o disposto no artigo 14.º n.º 1, al. a e b), n.º 2 e 3 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro e n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil. XXVI. Não devendo ser descaracterizado o acidente, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo. XXVII. Pelo que, terá a sentença proferida de ser revogada e substituída por outra que considere integralmente procedente a ação e consequentemente os pedidos deduzidos pelo Recorrente contra a Recorrida em sede de PI que se dão por integramente reproduzidos. Nestes termos, Deve ser dado provimento ao presente recurso, para o que se pede e espera o douto suprimento de Vossas Excelências, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!». Contra-alegou a recorrida, a pugnar pela improcedência do recurso, assim concluindo: «1. Vem o ora Recorrente colocar em crise a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos da qual considerou descaracterizado o pretenso acidente de trabalho sub judice e, em consequência, julgou a ação improcedente por não provada, absolvendo a ora Recorrida CC – Companhia de Seguros, S.A, dos pedidos formulados pelo Autor. 2. Contudo, carecem de sustento jurídico-factual as críticas esgrimidas pelo Recorrente a propósito da douta e bem elaborada sentença. 3. Para tanto, vem, em primeiro lugar, indiciar que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao entender que se verifica a descaracterização do acidente como acidente de trabalho por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro. 4. Todavia, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não se encontra inquinada, na medida em que da sua fundamentação decorre claramente a violação das condições de segurança, por inobservância do disposto no artigo 39º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, bem como o enquadramento dessa circunstância no artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, a propósito da descaracterização do acidente de trabalho. 5. O Recorrente vem igualmente pugnar que era à Recorrida que cabia fazer prova i) da inexistência de causa justificativa, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 14º da LAT, do n.º 2 do artigo 342.º do CC, e do artigo 39º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, bem como ii) de a negligência grosseira não se consubstanciar “em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão”, nos termos do n.º 3 do citado artigo 14º. 6. Contudo, o artigo 342.º, n.º 1 do CC prescreve que é àquele que invoca um direito que cabe fazer prova dos seus factos constitutivos e, tratando-se os mesmos, in casu, de exceções à descaracterização do acidente como acidente de trabalho, devem ser entendidos como factos constitutivos relativamente aos quais cabia ao Recorrente fazer prova. 7. Sustenta ainda que nem todos os trabalhos em altura comportam risco de queda, pelo que, mesmo admitindo que se pudesse encontrar adstrito a garantir as condições de segurança, a utilização de arnês e cordas de segurança sempre dependeria da existência de efetivo risco de queda, o que, no seu entender, não resulta da matéria de facto dada como provada. 8. Todavia, e atendendo ao prescrito no artigo 412.º, n.º 1 do CPC, constitui facto notório, o qual é do conhecimento geral, e tal como resulta patente da matéria de facto dada como provada, sempre estarão inerentes à subida a uma árvore naturais riscos de queda, no caso dos autos particularmente acentuados acentuados tendo em conta a dimensão do pinheiro a que o sinistrado subia e as condições em que realizava a poda, nomeadamente por empenhar uma motosserra de peso e volume consideráveis, o que limitava a sua mobilidade e potenciava o risco de queda, o qual se veio efetivamente a verificar e materializar na presente ação. 9. Vem ainda o Recorrente alegar a inexistência de quaisquer previsões normativas expressas que imponham a utilização de arnês e cordas de segurança, fazendo alusão ao facto de as recomendações não constituírem fonte de direito. 10. No entanto, não lhe assiste razão, já que a obrigação de garantir as condições de segurança necessárias à prática da sua atividade profissional decorre de preceitos normativos gerais, quais sejam os artigos 36.º, n.ºs 1, 3 e 8, 39.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, artigos 15.º, n.ºs 1, 2 e 13 e 17.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro e 127.º, n.º 1, alíneas g), h) e i) e 128.º, n.º 1, alínea j) do CT, que aquelas recomendações vêm apenas densificar. 11. Por outro lado, vem ainda o Recorrente sustentar a falta de nexo de causalidade entre a violação das condições de segurança e a ocorrência do sinistro ora em crise, crítica que não logra proceder, visto não se vislumbrar quaisquer outras circunstâncias que, na observância daquelas condições, ainda assim culminassem no sinistro, sendo certo que o referido equipamento de segurança sempre seria apto a atenuar ou eliminar os riscos que deram origem ao sinistro sub judice. 12. Finalmente, vem o Recorrente invocar uma pretensa impossibilidade prática de utilização do arnês e cordas de segurança, porquanto, encontrando-se a iniciar a subida do pinheiro, não poderia ainda fixar as cordas de segurança “na parte de cima do pinheiro em ramos acima da área de trabalho, para terem funcionalidade”. 13. Sucede que a referida impossibilidade prática não tem lugar no caso em apreço, uma vez que o Recorrente poderia e deveria, para o efeito, ter efetuado o lançamento da corda e da anilha para fixação da corda, testando a segurança do ponto de fixação (ramo do pinheiro), só posteriormente dando início à sua subida da árvore. 14. Termos em que não merece censura a douta sentença recorrida. NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO RECORRENTE, POR IMPROCEDENTE IN TOTUM, ASSIM SE DECIDINDO MEDIANTE O BOM LABOR E REGRAS DO DIREITO E FAZENDO-SE A COSTUMADA JUSTIÇA!». Admitido o recurso na 1.ª instância e recebidos entretanto os autos neste tribunal, tendo sido presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, neles emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso. II. Objecto do recurso [1] O presente relatório corresponde, no essencial, ao constante do anterior acórdão proferido nos autos, também relatado pelo ora relator, até à prolação do mesmo, com as incidências processuais subsequentes. |