Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
684/16.8T8STC.E2
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
QUEDA EM ALTURA
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I. – Para que se verifique a descaracterização do acidente prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte, da LAT, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) violação, por acção ou por omissão, dessas condições por parte da vítima; (iii) que a actuação desta seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa; (iv) que o acidente seja consequência dessa actuação;
II – Verifica-se a violação de condições de segurança estabelecidas na lei, sem causa justificativa, se o sinistrado se encontrava a subir a um pinheiro, a uma altura de 4/4,5 metros, sem equipamentos de segurança, maxime sem que fizesse uso de arnês e cordas de segurança;
III – E tal violação é causal do acidente, devendo, pois este ser descaracterizado ao abrigo da referida norma legal, uma vez que face à falta desse equipamento de segurança, tendo-se partido um ramo da árvore a que o sinistrado se havia agarrado, acabou, como consequência directa e necessária, por cair ao solo.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 684/16.8T8STC.E2
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório[1]
BB, identificado nos autos, após infrutífera tentativa de conciliação, intentou, na comarca de Évora (Évora – Instância Central – Juízo do Trabalho – Juiz 1) e com o patrocínio oficioso do Ministério Público, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, contra CC – Companhia de Seguros, S.A., também devidamente identificada nos autos, pedindo que o acidente que sofreu em 29 de Março de 2016 seja qualificado como de trabalho, com a respectiva responsabilidade atribuída à Ré e esta condenada a pagar-lhe a quantia de € 40,00 a título de deslocações ao tribunal, e a pensão anual e vitalícia de € 283,03, obrigatoriamente remível.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que no dia 29 de Março de 2016 trabalhava como motosserrista, por conta própria, e «quando estava em cima de um pinheiro, a esgalhar, escorregou e caiu», sendo que o acidente ocorreu quando acabava de subir a um pinheiro, com o auxílio de uma escada, com cerca de 4 metros de altura, e ao agarrar um ramo de pinheiro, este partiu-se.
Mais alegou que em consequência do acidente teve sequelas, que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial (doravante IPP) de 4,5%, bem como teve despesas, e que havia transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho para a Ré, pela retribuição anual de € 7.556,52, pelo que deve esta ser condenada na reparação do acidente.

Em contestação, a Ré seguradora, reconhecendo que para si se encontrava transferida a responsabilidade por acidentes de trabalho sofridos pelo Autor, trabalhador por “conta própria”, pela retribuição anual de € 7.556,62, alegou, contudo, que o acidente de trabalho ocorreu por violação de regras de segurança estabelecidas na lei e por negligência grosseira do sinistrado, uma vez que este se encontrava em cima de um pinheiro, a cerca de 4/4,5 metros de altura do solo, a cortar ramos com uma motosserra, sem que usasse, como devia, qualquer sistema de segurança em altura, pelo que subitamente caiu desamparado ao solo.
Por consequência, pugnou pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador stricto sensu, consignada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.

Os autos prosseguiram os trâmites legais, tendo-se procedido à audiência de julgamento, e em 12-10-2017 foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

Inconformado com o assim decidido, o Autor, através de mandatário entretanto constituído, interpôs recurso para este tribunal, que por acórdão de 18-01-2018 anulou a decisão recorrida e determinou a baixa dos autos à 1.ª instância, de forma a «(i) eliminar a contraditoriedade entre os factos n.ºs 1 e 7, (ii) apurar a que altura se encontrava o Autor quando se deu a queda e, bem assim, (iii) tendo em conta os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, ter em conta outros eventuais factos relevantes que resultem da produção da prova, ainda que não tenham sido articulados, após o que proferirá nova sentença».

Na sequência, tendo os autos baixado à 1.ª instância aí se procedeu a julgamento em relação à matéria em causa e em 27-04-2018 foi proferida sentença que novamente julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

Inconformado com a decisão, o Autor novamente interpôs recurso para este tribunal, tendo a rematar as alegações formulado as seguintes conclusões:
«I. Entende o Recorrente que a sentença em crise não ajuizou devidamente, segundo a prova produzida, e que segundo o direito aplicável não poderia ser considerada improcedente a ação e respetivos pedidos
II. Foram dados como provados os seguintes factos:
(…)
III. O Tribunal a quo decidiu descaracterizar o acidente enquadrando a situação na previsão normativa da alínea a) do n.º 1 de tal normativo, mais propriamente na parte final quando se refere à violação das condições de segurança previstas na lei, sem causa justificativa, sendo o que se depreende da menção à obrigatoriedade de utilização de cordas de segurança e arnês dado que não é citada tal norma
IV. Cabe à Recorrida prova dos factos que integram a descaracterizam o acidente n.º 2 do art.º 342.º do CC.
V. Da matéria de facto relevante para a descaracterização do acidente de trabalho retira-se:
- O Autor no dia 29.3.2016 pelas 8horas e 30 minutos em Alcácer do Sal, estava em cima de um pinheiro a esgalhar, escorregou e caiu
- O acidente ocorreu ainda ao iniciar a subida do pinheiro e por um ramo se ter partido
- O Autor na subida do pinheiro não usava arnês e cordas de segurança
- E em consequência caiu
VI. O Tribunal a quo concluiu pela descaracterização do acidente visto que ao iniciar a subida de um pinheiro um ramo partiu-se e o Recorrente não usava arnês e cordas de segurança e em consequência caiu violando com este comportamento “condições de segurança”
VII. Porém, não basta uma queda em altura para preencher uma violação de normas de segurança
VIII. Desde logo, para que pudesse considerar-se obrigatório o uso de arnês e cordas de segurança teria de existir uma norma que impusesse essa obrigação.
IX. Ora, não existe qualquer norma concreta que obrigue a utilização de arnês e corda de segurança no trabalho que estava a ser executado pelo Recorrente, (sublinhado nosso)
X. Para determinados setores, e atividades, existe tal obrigatoriedade dentro de determinados pressupostos, o que não acontece na atividade exercida pelo Recorrente.
XI. Nem tal obrigação resulta no caso concreto do disposto no artigo 39.º do Regime das Prescrições Mínimas de Segurança e Saúde aprovado pelo Decreto Lei n.º 50/2005 de 25 de Fevereiro citado pelo Tribunal a quo como tendo sido violado pelo Recorrente.
XII. A entender-se como o Tribunal a quo, qualquer subida a uma árvore sem utilização de arnês e corda de segurança, independentemente da altura e condições, nomeadamente se se tratava de um trabalho preparatório, levará à descaracterização do acidente de trabalho. (sublinhado nosso)
XIII. Mesmo que existisse obrigatoriedade de utilização de cordas de segurança e arnês, teria de existir risco de queda em altura para impor a utilização dado que tal equipamento visa evitar o risco de queda em altura, sendo irrelevante quando este não existe. (sublinhado nosso)
XIV. Da matéria de facto dada como provada não resulta a existência de risco de queda em altura
XV. Não basta o trabalho ser em altura, sem se atentar nas demais circunstâncias concretas, para se concluir que há risco de queda em altura.
XVI. A existir violação de condições de segurança, teria também a Recorrida de ter provado, o que não resulta da matéria de facto dada como provada, que a violação foi sem causa justificativa, art.º 14.º n.º 1 al. a) e n.º 2 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro e n.º 2 do art.º 342.º do CC e artigo 39.º do DL 50/2005 de 25 de Fevereiro.
XVII. Mesmo para a negligência grosseira (chama-se à colação porque a sentença do Tribunal a quo não é fundamentada de direito quanto ao enquadramento nas várias situações previstas no artigo 14.º), implica sempre uma violação de um dever ou obrigação por parte do sinistrado,
XVIII. Para julgar-se verificada uma situação de negligência grosseira apta a descaracterizar o acidente teria a Recorrida de ter provado quer que o trabalhador foi negligente e era obrigado a adotar outro comportamento legalmente previsto, e que essa negligência não resultou de nenhum dos fatores elencados na parte final do n.º 3 do artigo 14.º Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro (habitualidade ao perigo do trabalho executado; da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão),
XIX. E que a causa do acidente foi esse comportamento do trabalhador, art.º 342.º n.º 2 do CC, o que não se verificou nos presentes autos atenta a matéria de facto dada como provada.
XX. Da matéria dada como provada resulta apenas que o trabalhador ao subir uma árvore sem arnês e corda de segurança caiu.
XXI. A haver violação de normas de segurança tal violação teria de ser causal do acidente ocorrido o que não sucede nem quanto à violação nem, necessariamente, quanto à causalidade.
XXII. Mesmo se fosse obrigatório, no caso sub judice, o trabalhador usar cordas de segurança e arnês, da matéria de facto dada como provada resulta uma impossibilidade prática quanto à utilização pelo trabalhador das cordas e arnês visto que o Recorrente ainda estava a iniciar a subida do pinheiro quando caiu e não poderia em circunstância alguma estar a utilizar corda de segurança e arnês preso à árvore dado que a corda tem de ser fixa ou apoiada na parte de cima do pinheiro em ramos acima da área de trabalho. (sublinhado nosso)
XXIII. Para serem colocadas implicam necessariamente uma subida ao pinheiro para a sua fixação, no fundo um trabalho preparatório, com exposição ao risco, a existir, que não é o caso, inevitável.
XXIV. A existir alguma norma de segurança que impusesse a obrigação de arnês e corda, nunca as circunstâncias do caso concreto poderiam levar à conclusão de que o trabalhador violou normas de segurança porque ainda estava a subir ao pinheiro e a fixação das cordas apenas é possível após subir ao pinheiro.
XXV. O Tribunal a quo, ao sentenciar descaracterizado o acidente, e consequentemente a julgar improcedente a ação proposta pelo Recorrente absolvendo a recorrida dos pedidos, violou o disposto no artigo 14.º n.º 1, al. a e b), n.º 2 e 3 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro e n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.
XXVI. Não devendo ser descaracterizado o acidente, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo.
XXVII. Pelo que, terá a sentença proferida de ser revogada e substituída por outra que considere integralmente procedente a ação e consequentemente os pedidos deduzidos pelo Recorrente contra a Recorrida em sede de PI que se dão por integramente reproduzidos.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, para o que se pede e espera o douto suprimento de Vossas Excelências, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!».

Contra-alegou a recorrida, a pugnar pela improcedência do recurso, assim concluindo:
«1. Vem o ora Recorrente colocar em crise a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos da qual considerou descaracterizado o pretenso acidente de trabalho sub judice e, em consequência, julgou a ação improcedente por não provada, absolvendo a ora Recorrida CC – Companhia de Seguros, S.A, dos pedidos formulados pelo Autor.
2. Contudo, carecem de sustento jurídico-factual as críticas esgrimidas pelo Recorrente a propósito da douta e bem elaborada sentença.
3. Para tanto, vem, em primeiro lugar, indiciar que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao entender que se verifica a descaracterização do acidente como acidente de trabalho por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
4. Todavia, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não se encontra inquinada, na medida em que da sua fundamentação decorre claramente a violação das condições de segurança, por inobservância do disposto no artigo 39º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, bem como o enquadramento dessa circunstância no artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, a propósito da descaracterização do acidente de trabalho.
5. O Recorrente vem igualmente pugnar que era à Recorrida que cabia fazer prova i) da inexistência de causa justificativa, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 14º da LAT, do n.º 2 do artigo 342.º do CC, e do artigo 39º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, bem como ii) de a negligência grosseira não se consubstanciar “em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão”, nos termos do n.º 3 do citado artigo 14º.
6. Contudo, o artigo 342.º, n.º 1 do CC prescreve que é àquele que invoca um direito que cabe fazer prova dos seus factos constitutivos e, tratando-se os mesmos, in casu, de exceções à descaracterização do acidente como acidente de trabalho, devem ser entendidos como factos constitutivos relativamente aos quais cabia ao Recorrente fazer prova.
7. Sustenta ainda que nem todos os trabalhos em altura comportam risco de queda, pelo que, mesmo admitindo que se pudesse encontrar adstrito a garantir as condições de segurança, a utilização de arnês e cordas de segurança sempre dependeria da existência de efetivo risco de queda, o que, no seu entender, não resulta da matéria de facto dada como provada.
8. Todavia, e atendendo ao prescrito no artigo 412.º, n.º 1 do CPC, constitui facto notório, o qual é do conhecimento geral, e tal como resulta patente da matéria de facto dada como provada, sempre estarão inerentes à subida a uma árvore naturais riscos de queda, no caso dos autos particularmente acentuados acentuados tendo em conta a dimensão do pinheiro a que o sinistrado subia e as condições em que realizava a poda, nomeadamente por empenhar uma motosserra de peso e volume consideráveis, o que limitava a sua mobilidade e potenciava o risco de queda, o qual se veio efetivamente a verificar e materializar na presente ação.
9. Vem ainda o Recorrente alegar a inexistência de quaisquer previsões normativas expressas que imponham a utilização de arnês e cordas de segurança, fazendo alusão ao facto de as recomendações não constituírem fonte de direito.
10. No entanto, não lhe assiste razão, já que a obrigação de garantir as condições de segurança necessárias à prática da sua atividade profissional decorre de preceitos normativos gerais, quais sejam os artigos 36.º, n.ºs 1, 3 e 8, 39.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, artigos 15.º, n.ºs 1, 2 e 13 e 17.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro e 127.º, n.º 1, alíneas g), h) e i) e 128.º, n.º 1, alínea j) do CT, que aquelas recomendações vêm apenas densificar.
11. Por outro lado, vem ainda o Recorrente sustentar a falta de nexo de causalidade entre a violação das condições de segurança e a ocorrência do sinistro ora em crise, crítica que não logra proceder, visto não se vislumbrar quaisquer outras circunstâncias que, na observância daquelas condições, ainda assim culminassem no sinistro, sendo certo que o referido equipamento de segurança sempre seria apto a atenuar ou eliminar os riscos que deram origem ao sinistro sub judice.
12. Finalmente, vem o Recorrente invocar uma pretensa impossibilidade prática de utilização do arnês e cordas de segurança, porquanto, encontrando-se a iniciar a subida do pinheiro, não poderia ainda fixar as cordas de segurança “na parte de cima do pinheiro em ramos acima da área de trabalho, para terem funcionalidade”.
13. Sucede que a referida impossibilidade prática não tem lugar no caso em apreço, uma vez que o Recorrente poderia e deveria, para o efeito, ter efetuado o lançamento da corda e da anilha para fixação da corda, testando a segurança do ponto de fixação (ramo do pinheiro), só posteriormente dando início à sua subida da árvore.
14. Termos em que não merece censura a douta sentença recorrida.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO RECORRENTE, POR IMPROCEDENTE IN TOTUM, ASSIM SE DECIDINDO MEDIANTE O BOM LABOR E REGRAS DO DIREITO E FAZENDO-SE A COSTUMADA JUSTIÇA!».

Admitido o recurso na 1.ª instância e recebidos entretanto os autos neste tribunal, tendo sido presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, neles emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.

II. Objecto do recurso
Tendo em conta que as conclusões das alegações de recurso delimitam o objecto deste (cfr. artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso a única questão trazida à apreciação deste tribunal consiste em saber se o acidente de trabalho sofrido pelo Autor deve ser descaracterizado.

III. Factos
Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (para uma mais fácil apreensão e identificação de cada um dos factos procede-se à sua descrição e numeração de acordo com uma sequência lógica):
1. O Autor no dia 29. 3. 2016, pelas 8horas e 30minutos, em Alcácer do Sal, escorregou e caiu, (alínea a) da matéria de facto assente).
2. O acidente ocorreu quando o Autor trabalhava como trabalhador rural por conta própria, (alínea b) da matéria de facto assente).
3. O acidente ocorreu ainda ao iniciar a subida de um pinheiro, quando o Autor se encontrava a uma altura de cerca de 4/4,5 metros, ao agarrar um ramo do pinheiro o mesmo (ramo) partiu-se, em consequência do que o Autor caiu (resposta aos artigos 1.º 3.º e 4.º da base instrutória e confissão no artigo 5.º da Petição inicial).
4. - O Autor na subida do pinheiro não usava arnês e cordas de segurança, (resposta ao artigo 2º da base instrutória).
5. Em consequência do acidente o Autor ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 4,5% (3%x1,5) desde 13-09-2016 e despendeu a quantia de € 40,00 em deslocações ao tribunal (junta médica e alínea f) da matéria de facto assente).
6. À data o Autor auferia a remuneração anual de € 7.556,52 (€ 629,71x12, (alínea c) da matéria de facto assente).
7. O Autor havia transferido para a Ré seguradora a responsabilidade civil por acidentes laborais dos trabalhadores por contrato de seguro titulado pela apólice nº …, (alínea d) da matéria de facto assente).
8. O A. nasceu em 26. 5. 1951, (alínea e) da matéria de facto assente).
9. Em deslocações a tribunal o Autor despendeu o montante de € 40,00, (alínea f) da matéria de facto assente).

IV. Fundamentação
Como se disse, a sentença recorrida julgou improcedente a acção.
Fê-lo por entender que o acidente se encontra descaracterizado.
Para tanto desenvolveu a seguinte fundamentação:
«No caso dos autos resulta da matéria de facto provada que o sinistrado deu causa ao acidente com a sua conduta, por na subida do pinheiro não usar arnês e cordas de segurança o que levou à sua queda quando um ramo se partiu, equipamentos esse que são de uso obrigatório na subida a árvores e trabalhos que exista perigo de queda em altura em total desrespeito pelo disposto no artº. 39º do Regime das Prescrições Mínimas de Segurança e Saúde, aprovado pelo Dec. Lei nº 50/2005 de 25 de Fevereiro, quanto à utilização de equipamentos de trabalho e de escalada.
Atenta esta matéria de facto provada resulta a descaracterização do acidente devendo a acção ser julgada improcedente e a Ré absolvida dos pedidos formulados pelo Autor».
O Autor rebela-se contra tal entendimento com dois argumentos essenciais: (i) não existe qualquer norma concreta que obrigue a utilização de arnês e corda de segurança no trabalho que estava a ser executado pelo recorrente e (ii) a haver violação de regras de segurança tal não é causal do acidente já que era impossível o recorrente utilizar tais equipamentos quando ainda se encontrava a subir ao pinheiro.
Vejamos.
É pacífico que o Autor/recorrente sofreu um acidente de trabalho tal como se encontra definido nos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (doravante LAT).
O litígio das partes circunscreve-se a saber se esse acidente deve ou não ser descaracterizado.
Atente-se que nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da referida LAT, o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que «[f]or dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei».
E nos termos da alínea b) do mesmo número e artigo, o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que «[p]rovier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado».
Face à fundamentação da sentença recorrida, que se deixou transcrita, maxime que o Autor deu causa ao acidente por não usar os equipamentos previstos na lei, é de concluir que o tribunal a quo considerou o acidente descaracterizado ao abrigo da referida alínea a), mais concretamente por o acidente provir da circunstância daquele violar condições de segurança previstas na lei.
Assim, tendo em conta a sentença recorrida e o objecto do recurso apenas este fundamento de descaracterização do acidente cumpre analisar.
Como já se deixou referido, crê-se que amplamente, no anterior acórdão proferido nos autos, a descaracterização do acidente por este provir de acto ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições previstas na lei (não se poderá aqui considerar a existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador uma vez que o sinistrado era trabalhador “por conta própria”) exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança previstas na lei; (ii) violação, por acção ou por omissão, dessas condições por parte da vítima; (iii) que a actuação desta seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa; (iv) que o acidente seja consequência dessa actuação [neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2007 (Recurso n.º 1700/07), de 01-10-2008 (Recurso n.º 1040/08), de 10-12-2008 (Recurso n.º 1893/08), de 03-06-2009 (Recurso n.º 1321/05.1TBAGH.S1) e de 29-11-2013 (Recurso n.º 402/07.1TTCLD.L1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt].
À Ré/seguradora compete provar os factos demonstrativos da descaracterização do acidente de trabalho, cabendo-lhe provar, com referência ao preceito legal indicado, não apenas a violação das condições de segurança previstas na lei, como que tal violação ocorreu sem causa justificativa (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Para que o acidente se possa descaracterizar é, pois, desde logo necessário que o trabalhador viole regras de segurança que estejam estabelecidas por disposição da lei.
No caso em apreciação, tudo indica, como se disse, que para a descaracterização do acidente a sentença recorrida se baseou na referida alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT, isto é, violação pelo sinistrado, sem causa justificativa, das regras previstas na lei.
O Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25-02, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.
Em tal diploma legal estabelece-se a observância de condições de segurança na execução, entre outros, de trabalhos em altura (artigo 36.º).
Nos termos do n.º 1 deste artigo, não sendo possível executar o trabalho em altura a partir de uma superfície adequada, «(…) deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras».
E de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, nos trabalhos em altura deve dar-se prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual; e nos termos do n.º 4 a escolha do meio de acesso mais apropriado a postos de trabalho em altura deve ter em consideração a frequência da circulação, a altura a atingir e a duração da utilização.
Por sua vez, no artigo 38.º prevê-se a utilização de escadas e no artigo 39.º a «utilização de técnicas de acesso e de posicionamento por cordas», considerando-se a utilização de tal técnica nas situações em que a avaliação do risco indique que o trabalho pode ser realizado com segurança e não se justifique a utilização de equipamento mais seguro (n.º 1 do artigo), devendo em tais situações o trabalhador utilizar arneses adequados através dos quais esteja ligado à corda de segurança, a qual deve estar equipada com um mecanismo seguro de subida e descida e dispositivo móvel antiqueda que acompanhe as deslocações do trabalhador [alíneas b), c) e d)) do n.º 2 do mesmo artigo].
Importa também ter presente que a Lei n.º 102/2009, de 10-09, que estabelece o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, prescreve no seu artigo 17.º a obrigação do trabalhador cumprir as prescrições de segurança estabelecidas na lei, sendo o trabalhador independente, como é o caso do Autor, equiparado a empregador.
O próprio Código do Trabalho consagra como um dos deveres do empregador a adopção, no que se refere à segurança no trabalho, das medidas que decorram da lei [artigo 127.º, n.º 1, alínea h)], e ao trabalhador a observância das condições de segurança previstas na lei [artigo 128.º, alínea j)].

No caso dos autos, o acidente ocorreu quando o Autor se encontrava a subir a um pinheiro, a uma altura de cerca de 4/4,5 metros, ao agarrar um ramo do pinheiro o mesmo (ramo) partiu-se, em consequência do que o Autor caiu.
Embora não resulte expresso da matéria de facto, é admitido por acordo das partes que o Autor se encontrava a subir ao pinheiro para o “esgalhar”.
Perpassa dos autos, maxime da alegação da Ré, que no momento do acidente o Autor carregava uma motosserra, essencial ao exercício da sua actividade; no anterior acórdão proferido nos autos, perante a escassez da matéria de facto fixada determinou-se o apuramento desse e doutros factos com eventual relevância que pudessem resultar da discussão da causa.
Todavia, nada resulta a tal respeito da matéria de facto…!
Não obstante nada resultar sobre o facto em causa, afigura-se ser medianamente aceite, diremos até ser facto do conhecimento geral (cfr. artigo 412.º do Código de Processo Civil), que a subida a um pinheiro e a uma altura de 4/4,5 metros envolve risco de queda em altura.
Por isso, e tendo em conta, designadamente, os diplomas legais que se deixaram referidos, impunha-se que o Autor adoptasse medidas tendentes a evitar essa queda.
Aliás, deve notar-se, certamente tendo em vista o disposto no referido artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, que o Autor alegou na petição inicial (artigo 4.º) que havia subido à árvore através de uma escada: porém, tal não resultou provado.
De seguro, o que se verifica da factualidade assente é que o Autor se encontrava em cima do pinheiro, a essa altura de 4/4,5 metros, sem usar arnês e corda de segurança, equipamento “mínimo” para a realização do trabalho em segurança face ao que dispõe o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 50/2005.
Daí que não poderá deixar de concluir-se que o Autor violou regras de segurança estabelecidas na lei.

Mas no entendimento do Autor/recorrente, ainda que se tenha verificado violação de regras de segurança estabelecidas na lei tal não foi causal do acidente já que era impossível (o Autor) utilizar tais equipamentos quando ainda se encontrava a subir ao pinheiro.
Assim não entendemos.
Tal como é salientado pela recorrida nas contra-alegações, para evitar uma subida sem qualquer tipo de proteção, «o Recorrente deveria ter efectuado o lançamento da corda e da anilha para fixação da corda, testando a segurança do ponto de fixação (ramo do pinheiro), só posteriormente iniciando a sua subida da árvore, o que não sucedeu».
Não se vislumbra como seria possível o Autor subir a um pinheiro até uma altura de 4/4,5 metros em seguranças, sem a utilização de equipamento de segurança: e é perante a falta deste que tendo-se partido um ramo da árvore a que o Autor se havia agarrado, acabou, diremos como consequência directa e necessária, por cair ao solo.
Assim, entende-se que se mostram verificados os requisitos da descaracterização do acidente, ou seja, a existência de condições de segurança que decorrem da lei para uma subida a um pinheiro a uma altura de 4/4,5 metros, condições essas que por omissão e sem causa justificativa foram violadas pelo Autor/recorrente, sendo que a queda/acidente foi consequência da violação de tais condições de segurança.
Aqui chegados, só nos resta concluir pela improcedência das conclusões das alegações de recurso e, por consequência, pela improcedência deste.

Vencido no recurso, deverá o Autor/recorrente suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Isto sem prejuízo da eventual isenção de custas de que beneficie, sendo certo que não resulta dos autos, de forma clara e objectiva, se o Autor preenche os requisitos para tal isenção, não competindo a este tribunal, aqui e agora, apreciar tal questão.

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso interposto por BB, e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo Autor/recorrente, sem prejuízo da eventual isenção de custas de que beneficie.

Évora, 12 de Setembro de 2018
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Pereira da Silva
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[1] O presente relatório corresponde, no essencial, ao constante do anterior acórdão proferido nos autos, também relatado pelo ora relator, até à prolação do mesmo, com as incidências processuais subsequentes.