Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
276/17.4GBSLV.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: AMEAÇA
CRIME CONTINUADO
Data do Acordão: 02/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Resultando dos factos provados que o arguido em duas ocasiões distintas praticou determinados factos que são subsumíveis à prática de dois crimes de ameaça, previstos e punidos pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal, nos termos do nº 3 do artº 30º do Cod. Penal não pode considerar-se que praticou um crime de ameaça na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e, 30º, nº 2, do Código Penal, mas sim dois crimes de ameaça, previstos e punidos pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal.
Decisão Texto Integral:



ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO


A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 276/17.4GBSLV, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Albufeira – Juiz 1, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido (...).

Imputando-lhe a prática, em concurso efetivo, de um crime de ameaça, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e 30º, nº 2, do Código Penal, de um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, do Código Penal e de um crime de condução sem habilitação legal, na forma continuada, previsto e punido nos termos conjugados dos artigos 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3/1, conjugado com os artigos 121º e 123º, do Código da Estrada.

O arguido não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas.

Realizado o julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual se decidiu:
I. Absolver (...) da prática da prática de um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, do Código Penal.
II. Absolver (...) da prática da prática de um crime de condução sem habilitação legal, na forma continuada, previsto e punido nos termos conjugados dos artigos 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01, conjugado com os artigos 121º e 123º, do Código da Estrada.
III. Condenar (...) pela prática, em autoria material, de um crime de ameaça, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e, 30º, nº 2, do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo a quantia de €425,00 (quatrocentos e vinte e cinco euros).

Inconformado com esta sentença, o Ministério Público da mesma interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1. (...) foi condenado pela prática de um crime de ameaça na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e 30º, nº 2, do Código Penal, na pena de 85 dias de multa.

2. Os factos que fundamentam a condenação constam dos pontos 1 e 4 dos factos provados. No entanto, a mera repetição na prática de um crime não permite condenar por continuação criminosa nos termos do disposto no artigo 30º, nº 2, do Código Penal.

3. De 1 a 7 dos factos provados da douta sentença não resultam factos respeitantes à circunstância exterior ao condenado que facilitou ou o impeliu para a prática repetida do mesmo crime, portanto,

4. Não há factos provados que justifiquem a existência de culpa diminuta,

5. A existência de culpa diminuta é pressuposto da condenação pela prática de crime na forma continuada, nos termos do previsto no artigo 30º, nº 2, do Código Penal.

6. Por não terem resultado provados factos que permitam concluir pela existência de culpa diminuída na prática repetida do mesmo crime e, apesar disso, ter-se condenado pela prática de crime continuado, ocorre o vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal.

7. O artigo 30º, nº 3, do Código Penal vigente à data da prática dos factos (na redação dada ao Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março, pela Lei nº 30/2017, de 30/05) não permite a condenação pela prática de crime continuado nos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.

8. O crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153º, do Código Penal, protege bem eminentemente pessoal. Assim sendo,

9. A punição por crime de ameaça na forma continuada é contra a lei, o artigo 30º, nº 3, do Código Penal, por não ter aplicação o regime do concurso de crimes.

10. Não pode unificar-se a prática dos factos 1 e 2 consignados nos factos provados, num só crime sob a forma continuada previsto no artigo 30º, nº 2, por impedimento resultante do disposto no artigo 30º, nº 3, do Código Penal,

11. Fazendo-se decidiu-se contra o previsto no artigo 30º, nº 3 e, violou-se o previsto no nº 1, da mesma norma.

12. A condenação, pelos mesmos factos, deve fazer-se nos termos do disposto no artigo 30º, nº 1, do Código Penal, por haver concurso efetivo de crimes.

Nestes termos, deverá a decisão do tribunal ser alterada e em consequência, ser ponderada a condenação do arguido pela prática de dois crimes de ameaça.

Espera-se apreciação, e procedência.


Notificado nos termos do disposto no artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, o arguido (...), não apresentou resposta ao recurso interposto.

Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Com dispensa de vistos prévios, foi realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
Na sentença recorrida consta o seguinte (transcrição):
Factos provados:
Com relevância para a decisão criminal, provaram-se os seguintes factos:
1. Em data indeterminada, mas no período compreendido entre junho de 2017 e 29 de agosto de 2017, o arguido efetuou dois telefonemas para (…), a partir do número (…), dizendo-lhe que lhe iria passar com o carro em cima.
2. Tais telefonemas foram recebidos pelo ofendido quando se encontrava em Albufeira, nomeadamente na sua residência e local de trabalho – (…).
3. Com a conduta do arguido o ofendido ficou ainda receoso de que o arguido viesse a atentar contra a sua pessoa e/ou vida.
4. O arguido atuou do modo descrito com o claro e firme propósito de provocar medo e inquietação no ofendido, bem como afetar a liberdade de determinação deste, ciente de que a sua conduta era adequada a produzir o pretendido efeito, o que, aliás, logrou conseguir.
5. À data o arguido não era titular de documento válido que o habilitasse a conduzir.
6. Em data indeterminada, mas entre julho e agosto de 2017, no Caminho (…) o arguido discutiu com (…) relativamente à entrega de documentos de (…).
7. O arguido agiu sempre de forma livre, consciente e deliberada, ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se apurou que:
8. Do seu certificado de registo criminal nada consta.

Factos não provados:
a) No dia 27 de junho de 2017, o arguido declarou na presença de (…) que iria passar com o carro por cima de (…) e do ofendido (…).
b) Sendo que (…) se deslocou à residência dos visados, sita em Albufeira, onde lhes deu conhecimento do sucedido.
c) O arguido no período compreendido entre agosto de 2017 e março de 2018 conduziu por diversas vezes o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula (…), designadamente entre Albufeira e Silves, o que fazia sobretudo por caminhos secundários de modo a evitar a fiscalização por parte das autoridades.
d) Em algumas dessas ocasiões transportou no veículo (…), com quem vivia maritalmente, e alguns amigos.
e) Desta forma agiu o arguido com o intuito de conduzir o referido veículo apesar de saber que não era titular de documento que o habilitasse a conduzir.
f) No dia 25 de agosto de 2017, no (…) – Albufeira o arguido advertiu (…) de que lhe batia se aquela não lhe entregasse os documentos de (…).
g) Ao dirigir tais expressões à ofendida (…) tinha o arguido o propósito de força-la a entregar-lhe os documentos da sua filha contra a sua vontade.
h) O arguido sabia que a sua conduta era apta a limitar a liberdade ou livre determinação da ofendida (…) por forma a constrangê-la a assumir um comportamento não desejado, não tendo logrado obter a entrega dos documentos devido á intervenção de (…). Inexistem factos não provados.

Motivação da decisão de facto:
A convicção do Tribunal em relação aos factos provados e não provados acima descritos fundou-se no conjunto da prova, apreciada criticamente à luz das regras da experiência comum e da nossa livre convicção (cf. art. 127º do Código de Processo Penal), junta aos autos e a produzida em sede da audiência de julgamento, em especial, nos depoimentos de (...) e (...), ambos ofendidos nos presentes autos, bem como os testemunhos de (...), antiga enteada do ofendido e neta da ofendida, (...), companheira do ofendido e (...), antiga companheira quer do ofendido, quer do arguido.
Atendeu, assim, o Tribunal ao depoimento de (...) o qual, de modo emotivo e por vezes desordenado, esclareceu a dinâmica dos eventos, designadamente que, na sequência de ter obtido a guarda da filha menor do anterior relacionamento mantido com (...), terá recebido, pelo menos, dois telefonemas do número (…), em duas ocasiões distintas (a primeira no seu local de trabalho e a segunda na sua residência), no decurso dos quais um individuo de sexo masculino acusou-o de estar a sustentá-lo, bem como à filha deste e que iria passar com um carro por cima por cima dele. Apesar de não ter reconhecido a identidade do titular da voz do indivíduo de sexo masculino, atendendo que o número de telemóvel pertencia à sua ex-companheira, (...) e a referencia quanto ao alegado sustento do ofendido e a filha menor deste, permitiu-lhe deduzir que o indivíduo seria o arguido, companheiro à altura de (…).
Corroborando a versão relatada pelo ofendido, (...) depôs ter estado presente aquando de um dos referidos telefonemas e escutado parte da conversa, e embora não tivesse reconhecido a voz do autor da chamada, dado o teor da conversa – conflito pela alteração das responsabilidades parentais de filha de (…), igualmente inferiu que o autor das ameaças seria o arguido.
Acresce que, nesse mesmo período temporal, (…), antiga enteada do ofendido, deslocou-se à sua residência e relatou-lhe que o arguido teria proferido expressões de teor ameaçador contra a sua pessoa, tendo sido nessa data que o ofendido teve conhecimento do nome e morada do arguido e apresentou queixa contra este, facto igualmente presenciado por (...).
Todavia, (...), no decurso do seu depoimento, alegou não ter memória do referido evento, mais concretamente das ameaças alegadamente proferidas na sua presença pelo arguido contra o ofendido. E, embora se recorde de ter, em data indeterminada se deslocado até à residência do ofendido devido a conflitos existentes entre a mesma e o arguido, a testemunha não corroborou ter escutado o arguido a proferir, na sua presença, as expressões ameaçadoras descritas na acusação.
Ponderando a ausência de memória da testemunha (...) e que o conhecimento do ofendido e de (...) quanto às alegadas expressões ameaçadoras proferidas pelo arguido contra o ofendido perante terceiros foi-lhes transmitido pela ora testemunha que nenhuma memória retém sobre o facto, suscitam duvidas ao Tribunal quanto à fidedignidade da fonte da ciência das duas primeiras testemunhas. Com efeito, a norma constante do nº 1, do artigo 129º, do Código de Processo Penal, exige enquanto condição de validade que a testemunha fonte, seja chamada a depor, para que possa haver inquirição na audiência e a necessária avaliação sobre a fidedignidade e credibilidade do depoimento indireto. Os termos utilizados na norma levam-nos a considerar que o concreto teor do depoimento da testemunha fonte ou o elenco das perguntas que lhe sejam feitas não constituem requisitos de validade ou de eficácia da prova decorrente do depoimento indireto, contudo permitem ao Tribunal ponderar e valorar a fidedignidade do “hearsay evidence”.
No caso em apreço, ponderando o teor do depoimento da testemunha fonte – (...)- aliado à postura assumida no decurso do seu testemunho, criam duvidas quanto à materialidade dos factos, a qual se resolve, não mediante o apelo a uma presunção de culpa, ainda que tão só natural ou simples, mas ao princípio "in dubio pro reo", articulado com o princípio da presunção de inocência, do arguido acolhido no texto constitucional, o que conduz, necessariamente, à absolvição do arguido.
Distintamente, os depoimentos prestados pelo ofendido e (...), aliado às regras da experiencia comum, permitiu ao Tribunal aferir não só a genuidade dos testemunhos, mas sobretudo a autoria dos telefonemas e a prolação das ameaças descritas na acusação publica, ao ponderar os factos instrumentais, que é o que doutrina denomina de “prova indiciária ou indireta”.
Com efeito, não pode o Tribunal deixar de considerar os indícios constantes nos autos, em particular a titularidade do número de telemóvel que contactou o ofendido ((...), ex-companheira do ofendido e à data dos factos, companheira do arguido), o que circunscreve as pessoas que teriam acesso ao mesmo, o conflito existente quanto à alteração das responsabilidades parentais (a guarda da filha do ofendido e (...) teria passado para o primeiro) e subsequente alteração quanto à obrigação de pagamento de pensão de alimentos devidos à menor e em especial, o facto de o indivíduo de sexo masculino, associar às ameaças a circunstância de, supostamente, ter que sustentar o ofendido e a filha menor deste. É inevitável a associação de que tais ameaças teriam como razão de ser a pensão de alimentos devidos à menor, cujo pagamento passaria a ser realizado por (...). Igualmente é de inferir que não só (...), mas o seu agregado familiar passaria a ser afetado por este custo extra, sendo que, à data dos factos, esta residia com o arguido. Tais indícios aliados às regras da experiência comum permitem ao Tribunal inferir a autoria das ameaças, ainda que o ofendido não tivesse reconhecido o titular da voz.
Não obstante (...) ter negado qualquer conhecimento quanto às alegadas ameaças, tendo inclusive negado ter dado acesso ao arguido ao seu telefone, o depoimento prestado pela testemunha revelou incoerências e debilidades que feriram a genuidade e credibilidade do seu testemunho. Com efeito, revela-se pouco plausível que a mesma desconhecesse o uso do seu telemóvel pelo arguido, nem mesmo que ambos nunca tivessem discutido e/ou comentado o facto de a mesma ter que passar a proceder ao pagamento de pensão de alimentos à filha menor atendendo que os mesmos viviam em união de facto. A tal acresce a postura e atitude assumida pela testemunha de desculpabilização em especial quanto ao alegado uso do seu veículo automóvel pelo arguido na qualidade de condutor, porquanto e embora haja sugerido que era contra a sua vontade que o mesmo tripulava o veículo (dado saber que este não era titular de carta de condução), permitiu, de acordo com o seu depoimento, que aquele conduzisse a viatura, um número indeterminado de vezes, inclusive com a mesma no seu interior na qualidade de passageira.
Aliás, relatou a testemunha ter sofrido um acidente de viação em julho de 2017 no seu veículo, o qual seria tripulado pelo arguido, que teria determinado a sua hospitalização. Todavia, tal depoimento não é corroborado pela prova documental junta aos autos, nomeadamente informação do DIAP de Silves a fls. 164, conjugado com a Participação de acidente de viação e autos de inquirição do arguido e de (…), a fls. 170 e ss., cuja leitura contradiz a versão relatada pela testemunha, nomeadamente de que seria o arguido o condutor e não a ofendida aquando do acidente de viação. Assim, ainda que o arguido fosse parcial quanto ao desfecho do incidente, nem (...), outro passageiro do veículo à data dos factos, nem o militar da GNR que se deslocou ao local aquando da ocorrência do incidente, tinham qualquer interesse na resolução do caso. Acresce que em nenhum momento, ainda que após a sua alta clínica, veio a testemunha indicar e/ou denunciar às autoridades policiais/judiciarias o erro em que supostamente se encontravam quanto ao condutor do veículo automóvel aquando do acidente.
Em face do supra exposto, o Tribunal não valorou o depoimento prestado pela referida testemunha por não a considerar genuína ou plausível e porquanto não se considerou provado, os factos 7 a 8 da acusação.
Por outro lado, as demais testemunhas nunca presenciaram o arguido a conduzir, nem mesmo o veículo automóvel pertencente a (...) (o que mais sustenta as dúvidas do tribunal quanto à genuidade desta última).
Valorou ainda o depoimento prestado por (...), progenitora de (...), a qual relatou que, em data indeterminada, mas entre julho e agosto de 2017, quando a sua filha se encontrava hospitalizada, o arguido deslocou-se à sua habitação no mesmo dia, em duas ocasiões distintas, a exigir que lhe entregasse os documentos de identificação da filha, ao que a mesma, sempre refutou. Afirmou a testemunha que o arguido assumiu na segunda ocasião, uma postura mais agressiva, inclusive erguendo os braços, mas que, nada mais disse ou fez, tendo abandonado o local na altura em que apareceu o ofendido. Idêntica foi a versão relata por (...), o qual afirmou ter se aproximado de (...) perante a postura do arguido, mas não ter logrado escutar a conversa mantida entre ambos.
Atendendo ao supra exposto, não considerou o tribunal provados os factos descritos a 11 a 13 da acusação pública.
Ponderou o Tribunal, por fim, a prova documental junta aos autos, nomeadamente auto de denúncia (fls. 3), auto de aditamento (fls. 10) e auto de aditamento (fls. 12 e 13), cuja conjugação logrou circunscrever temporalmente a factualidade em discussão e Print da BD do IMT (fls. 72) quanto à falta de documento válido que habilitasse o arguido a conduzir. Atendeu ainda ao certificado de registo criminal, constante nos autos, quanto à inexistência de antecedentes criminais.

Da fundamentação de Direito:
Enquadramento jurídico-penal
Atento ao quadro factual determinado de acordo com o teor da acusação e, considerando o princípio da vinculação temática do Tribunal (consagrado nos arts. 339º, nº 4, 358º e 359º, todos do Código de Processo Penal), importa, neste momento, efetuar o respetivo enquadramento jurídico e, nesse âmbito, apurar se o arguido deve ser jurídico-penalmente responsabilizado pela prática, em concurso efetivo, de um crime de ameaça, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 30º, nº 2, do Código Penal, de um crime de coação, p. e p. pelos art. 154º, nº 1, do Código Penal e de um crime de condução sem habilitação legal, na forma continuada, p. e p. nos termos conjugados dos art. 3º, nº 2, do DL 2/98 de 3.1., conjugado com os arts. 121º e 123º do Código da Estrada.
Crime de ameaça
Determina o art. 153º, nº 1, do Código Penal que: “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
O bem jurídico tutelado neste preceito legal é a liberdade de decisão e de ação, uma vez que as ameaças, tal como significativamente se refere em anotação ao aludido normativo no Comentário Conimbricense do Código Penal, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afetam a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade.
O tipo objetivo consiste na comunicação de uma mensagem a um destinatário com um significado da prática futura de um mal ao destinatário ou a um terceiro que se encontre na mesma situação de proximidade existencial da pessoa do destinatário.
Todavia, a ameaça punida como crime não integra toda e qualquer atuação que de algum modo provoque receio de algum mal. Apenas o comportamento que se traduza na invocação de um mal, que seja futuro e cuja ocorrência dependa da vontade do agente é que pode ser considerado como ameaça para efeitos da referida previsão penal.
Ainda seguindo o entendimento explanado na obra acima referida, o mal tanto pode ser de natureza pessoal (ex: lesão da saúde) como patrimonial. O mal ameaçado tem de ser futuro.
Vem sendo unanimemente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que são elementos essenciais do crime de ameaça p. e p. pelo art. 153º:
“1. O anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal de que constitua crime (contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor);
2. Que esse anúncio provoque ou possa provocar receio, medo ou inquietação ou lhe prejudique ou possa prejudicar a liberdade de determinação;
3. Que o agente tenha atuado com dolo, ou seja, como vontade de provocar esse medo, inquietação ou limitação da liberdade de determinação;
4. Que o agente tenha conhecimento de que o mal anunciado constitui crime”.
O bem jurídico protegido pelo artigo 153º, do Código Penal é, sem qualquer dúvida, a liberdade de decisão e de ação.
Escreve o Dr. Taipa de Carvalho in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pg. 343: São três as características essenciais do conceito ameaça: mal futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. O mal tanto pode ser de natureza pessoal (p. ex., lesão da saúde ou da reputação social) como patrimonial (p. ex., destruição de um automóvel ou danificação de um imóvel). O mal ameaçado tem de ser futuro.
O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objetivo-individual: objetivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é suscetível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do «homem comum»); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das «sub-capacidades» do ameaçado).
Assim, uma determinada ameaça pode, relativamente a um adulto normal, não ser considerada adequada (não adequação, segundo um critério exclusivamente objetivo), mas já o ser quando o ameaçado é uma criança ou uma pessoa com perturbações psíquicas (assim, PALLIN, WK § 74 28). Uma vez que o atual crime de ameaça não exige, por um lado, a intenção do agente de concretizar a ameaça (v. infra § 25), nem exige a ocorrência do resultado/dano (v. supra § 19), e, por outro lado, exige que o mal ameaçado seja constituído pela prática de determinados crimes, a conclusão a tirar é a de que a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado).
Quanto ao elemento subjetivo, sendo que a nossa Ordem Jurídica prevê como regra geral a punição dos factos dolosos, sendo a punição dos negligentes meramente excecional (carecendo, por conseguinte, de previsão expressa na lei, cfr. art.º 13.º do CP), constata-se que, na falta de previsão especial, a ameaça agravada é um crime doloso.
Retornando aos autos, resultou provado que o arguido, em um número indeterminado de vezes, mas pelo menos em duas ocasiões distintas, contactou telefonicamente o ofendido, dizendo-lhe que lhe iria passar com o carro em cima. Ora, a supra descrita expressão que nos cabe analisar, ainda que implicitamente, afigura-se-nos implicar fazer algo de mal a outrem -, e quando usada numa situação de conflito, tem aptidão para, em relação a qualquer pessoa, traduzir a possibilidade da execução de uma ação agressiva futura, sendo, por isso, em princípio, adequada a configurar o tipo objetivo do crime de ameaça.
Do ponto de vista da conduta descrita e no sentido que interessa ao preenchimento do tipo legal, ameaçar corresponde ao ato de prometer ou pronunciar um mal futuro, anunciando, de modo explícito ou implícito, a intenção de causar uma determinada ofensa na esfera jurídica de outrem, consistente em danos físicos, económicos ou morais, necessariamente futuros. Posto é que, aos olhos do homem comum, dotado das características individuais do ameaçado, a concretização futura do mal anunciado seja credível e dependa ou apareça dependente da vontade do agente. Nesta parte, importa precisar que a exigência da natureza “futura” do mal anunciado para o preenchimento do tipo de crime de ameaça afasta a punição por este crime das condutas que impliquem o anúncio de um mal iminente, podendo estas, quanto muito, integrar a prática de um crime na forma tentada, se o anúncio for acompanhado de algum ato de execução, porventura de ofensa à integridade física ou de homicídio, conforme, aliás, vem sendo defendido na generalidade da jurisprudência e doutrina. A expressão proferida pelo arguido em direção ao ofendido corresponde ao ato de prometer ou pronunciar um mal futuro, anunciando, de modo explícito, a intenção de causar uma determinada ofensa na esfera jurídica de outrem, que no caso em concreto, se expressava na ofensa à integridade física/saúde do ofendido.
Acresce que, é credível para o homem médio comum, assim como foi para ao ofendido, no caso em apreço que, considerando a situação de agressividade e exaltação manifestada pelo arguido, assim como a situação de conflito patente que o mesmo pudesse vir a praticar os atos ameaçados, tendo, em consequência, provocado receio no ofendido.
Assim, tais factos são suscetíveis de causar, como causaram, receio no ofendido, tendo ainda resultado provado que ambos os arguidos atuaram com o propósito de causar receio neste o que conseguiu, pois como resultou da prova considerada provada e da motivação exposta, atendendo às circunstâncias do caso em concreto, a forma como os arguidos atuaram e expressaram, visavam provocar receio e medo.
Resulta, assim, evidente o preenchimento dos elementos objetivos e do elemento subjetivo (com dolo direto de preenchimento do tipo) do crime de ameaça pelo qual os arguidos se encontram acusados e pelos quais deverão ser punidos.
Resta-nos debruçar se estamos perante um crime sob a forma continuada ou diversos crimes de ameaça.
Estatui o artigo 30º do Código Penal que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
A conduta naturalística apenas tem relevância na medida em que, com a conexão temporal, é índice de uma unidade ou pluralidade de resoluções criminosas, no sentido de desdobrar o elemento subjetivo da infração.
O critério do concurso efetivo de crimes assenta na pluralidade de tipos violados pela conduta do agente, equiparando-se na lei os casos de concurso real, em que a conduta se desdobra numa pluralidade de atos, aos de concurso ideal, em que a conduta se analisa num único ato. Na definição de concurso efetivo de crimes não basta o elemento da pluralidade de bens jurídicos violados — exige-se a pluralidade de juízos de censura. De acordo com o critério do Prof. Eduardo Correia (adotado pela doutrina e jurisprudência portuguesas, baseado no princípio da culpa vigente em direito penal), a pluralidade de juízos de censura traduz-se numa pluralidade de resoluções autónomas (de resoluções de cometimento dos crimes, em caso de dolo; de resoluções donde derivaram as violações do dever de cuidado, em caso de negligência).
Compulsados os autos, constata-se que o arguido, em pelo menos duas ocasiões distintas, proferiu expressões de teor ameaçador, pelo que se questiona, atendendo às considerações teóricas supra explanadas, se estamos perante vários crimes de ameaça, ou de um crime, na forma continuada.
O conjunto destas resoluções autónomas consubstancia a violação plúrima do mesmo tipo de crime, a que se fez referência, e, por isso, estamos perante um concurso de crimes. Nos termos do artigo 30º nº 2 do Código Penal “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.” O crime continuado, segundo se percebe do que consta do art. 30º, nº 2, do C. Penal, não deixa de consagrar (ou espelhar) o entendimento de Eduardo Correia (in Unidade e Pluralidade de Infrações, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, 1983, pág. 337) segundo o qual «… verificado que entre as atividades do agente existe uma no tempo tal que, de harmonia com a experiência comum e as leis psicológicas conhecidas, se deva presumir tê-las executado a todas sem renovar o respetivo processo de motivação, estamos em presença de uma unidade jurídica, de uma só infração».
A doutrina e a jurisprudência têm densificado o conceito de crime prolongado ou de trato sucessivo, considerando a existência de um só crime – apesar de se desdobrar em diversas condutas repetidas ao longo de um certo período de tempo, desde que se verifique uma "unidade resolutiva".
Da análise dos factos considerados provados, constata-se que o crime foi executado de forma homogénea e no âmbito de um quadro de solicitação da mesma situação exterior: foi executado no âmbito da mesma conduta e motivada pelo circunstancialismo de conflito, em que o arguido proferiu expressões ameaçadoras e, aquando das próximas ocasiões em que se encontrou com o ofendido, porque o conflito se manteve e nenhuma reação institucional houve, tomaram novas decisões de persistir com a sua conduta. Conclui-se, por isso, que o arguido praticou um único crime de ameaça, na sua forma continuada.
(…)


II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e, bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões, a questão que se suscita é a seguinte:
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, quanto à condenação do arguido pela prática de um crime de ameaça na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e 30º, nº 2, do Código Penal, por violação do disposto no nº 3, do mesmo artigo 30º, do Código Penal.

Nos termos, supra, referidos impõe-se, antes do mais por obediência à jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, deixar exarado que a sentença recorrida, por si ou com recurso às regras da experiência, não revela qualquer dos vícios prevenidos no nº 2 do artigo 410º, do Código de Processo Penal.
Com efeito, investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
Assim, não se verificando qualquer vício de procedimento e, não sendo invocado qualquer erro no julgamento da matéria de facto, cumpre apreciar a impugnação do Ministério Público relativamente à condenação do arguido pela prática de um crime de ameaça na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e, 30º, nº 2, do Código Penal, por violação do disposto no nº 3, do mesmo artigo 30º, do Código Penal.

Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, quanto à condenação do arguido pela prática de um crime de ameaça na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e 30º, nº 2, do Código Penal, por violação do disposto no nº 3, do mesmo artigo 30º, do Código Penal.
Dos factos provados nos pontos 1 e 2, resulta que o arguido em duas ocasiões distintas praticou determinados factos que são subsumíveis à prática de dois crimes de ameaça, previstos e punidos pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal, conforme bem resulta da sentença recorrida.
Contudo, considerou o tribunal “a quo” que tal constituía um único crime, na forma continuada, nos termos do disposto no artigo 30º, nº 2, do Código Penal.
Resulta, porém, do disposto no nº 3, da mesma disposição legal, que o disposto no nº 2, não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.
É entendimento pacífico que o bem jurídico tutelado pelo crime de ameaça, previsto no artigo 153º, do Código Penal, é a liberdade pessoal de decidir e de actuar, o sentimento pessoal de segurança, de paz interior, logo trata-se indubitavelmente de um bem jurídico pessoal ou eminentemente pessoal e, subsumível ao disposto no artigo 30º, nº 3, afastando a possibilidade de se poder considerar a sua prática na forma continuada, nos termos do nº 2, da mesma disposição legal.


Então, no caso concreto, como o crime de ameaça atenta contra um bem jurídico eminentemente pessoal (a liberdade), teremos de considerar que o arguido (...) não praticou um crime de ameaça na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e, 30º, nº 2, do Código Penal, mas sim dois crimes de ameaça, previstos e punidos pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal.
Nestes termos procede, pois, o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se a sentença recorrida, passando o arguido (...), a ser condenado pela prática de 2 (dois) crimes de ameaça, previstos no artigo 153º, nº 1, do Código Penal.

Por tal, verifica-se a necessidade de aplicar novas penas parcelares por cada um dos crimes praticados e de efectuar o cúmulo jurídico das mesmas penas parcelares.
O crime de ameaça na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal, é punível com pena de prisão até 1 (um) ano ou pena de multa até 120 (cento e vinte dias).
Nos termos do disposto no artigo 70º, do Código Penal, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que, verificados os respetivos pressupostos, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Atendendo à ausência de antecedentes criminais do arguido e as circunstâncias que determinaram a atuação do arguido considera-se que, no caso em concreto, as exigências de prevenção especial são moderadas e, são suficientemente acauteladas com a aplicação de uma pena de multa, a qual, só deverá ser afastada se exigências de prevenção geral, sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, o impuserem, que no caso concreto e face às circunstâncias que nos autos resultaram provadas, também diminutas as exigências de prevenção geral, no caso em concreto.
Face ao exposto, consideramos que as finalidades de prevenção, quer geral quer especial, constantes do artigo 40º, do Código Penal, poderão ser alcançadas mediante a aplicação ao arguido de uma pena de multa, porquanto resulta evidente que esta servirá as finalidades a que se destina, logrando afastar o mesmo da prática de tais crimes.
A pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura penal fixada no tipo incriminador, em função da culpa do agente, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele (artigo 71º do Código Penal).
Assim, para a determinação da medida concreta da pena, importa considerar, ao abrigo do nº 2 do artigo 72º do Código Penal:
- A favor do arguido –
Ausência de antecedentes criminais.
Circunstâncias excecionais que determinaram a sua conduta.
- Contra o arguido –
Intensidade do dolo: o arguido agiu com dolo direto, que é a forma mais gravosa de dolo, configurando um maior juízo de censura.
A futilidade do motivo: que ocorreu por conflitos entre o ofendido e o arguido, sem qualquer justificação plausível.
Persistência da conduta durante um período restrito de tempo.
Tudo ponderado, em tendo em conta o limite máximo imposto pela culpa, tem-se como adequada a aplicação de 2 (duas) penas parcelares de 60 (sessenta) dias de multa, por cada um dos crimes praticados.
Por sua vez, na determinação da medida da pena do cúmulo serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, artigo 77º, nº 1, do Código Penal.
Neste caso concreto, a medida abstracta da pena única, estará compreendida entre o limite mínimo de 60 (sessenta) dias de multa, (pena parcelar mais elevada) e o limite máximo de 120 (cento e vinte) dias de multa, somatório material das penas parcelares.
Assim, atentas as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento, artigo 71º, do Código Penal, perante os pressupostos já enunciados, tem-se como adequada a aplicação de uma pena única de 85 (oitenta e cinco) dias de multa.
Cumpre agora fixar, dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 47º, nº 2, do Código Penal, o quantitativo de cada dia de multa.
Decorre deste preceito legal, que: “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5,00 e € 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
Considerando a ausência nos autos, de informações relativas à situação económica do arguido, constante dos factos provados, afigura-se como adequado o quantitativo diário de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante global de € 425,00 (quatrocentos e vinte e cinco euros).

Consequentemente, e sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, o recurso terá de proceder.

Sem custas atenta a qualidade do recorrente e a procedência do recurso.

III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar procedente o recurso do Ministério Público e, em consequência, revogar a sentença recorrida e condenar o arguido o arguido (...), pela prática de 2 (dois) crimes de ameaça, previstos no artigo 153º, nº 1, do Código Penal, nas penas parcelares de 60 (sessenta) dias de multa, por cada um dos crimes praticados e, em cúmulo jurídico, na pena única de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, ao quantitativo diário de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante global de € 425,00 (quatrocentos e vinte e cinco euros).

Sem custas atenta a qualidade do recorrente e a procedência do recurso.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.
Consigna-se, ainda, não ter sido realizada conferência presencial, mas por teleconferência.
Évora, 09-02-2021

(Fernando Paiva Gomes M. Pina) (Beatriz Marques Borges)