Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7/13.8TBFZZ-F.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: RESOLUÇÃO DE CONTRATO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
PRAZO DE CADUCIDADE DA ACÇÃO
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O prazo de 6 meses a que se refere o artigo 123.º do CIRE apenas se inicia após o Administrador de Insolvência ter conhecimento integral da factualidade inerente ao acto em crise.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Proc. 7/13.8TBFZZ-F.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) intentou contra a Massa Insolvente de (…) a presente acção de impugnação da resolução em benefício da massa, peticionando que seja declarada nula a resolução da escritura de compra e venda dos imóveis que identifica nos autos, mantendo-se o direito de propriedade sobre os mesmos na esfera jurídica do A.
Para tanto, alegou, em síntese, e no que a este conspecto interessa, que por carta registada com A/R datada 24-3-2014 foi notificado pelo Administrador de Insolvência da resolução da escritura pública de compra e venda celebrada em 19 de Abril de 2012 no Cartório Notarial de (…), entre si e (…). Contudo, tendo o Administrador de Insolvência tomado conhecimento da existência do acto de alienação dos imóveis em 22-8-2013, na Assembleia de Apreciação do Relatório realizada no âmbito dos autos principais, então o seu direito a resolver o acto caducou em 22-2-2013, nos termos do disposto no art. 123º, nº 1, do CIRE.
Notificada para, querendo, deduzir contestação, veio a Massa Insolvente de (…) refutar a caducidade, por entender que em 17-12-2013 ainda não estava em condições para se pronunciar sobre a prejudicialidade da alienação para a massa insolvente, só tendo tomado conhecimento integral das circunstâncias que lhe permitiram resolver o negócio em benefício da massa em data muito posterior, motivo pelo qual em 24-3-2013 o Administrador de Insolvência ainda estava em tempo para proceder à resolução em benefício da massa insolvente.
Por se tratar de acção de simples apreciação negativa, o A. respondeu à contestação do Administrador de Insolvência nos termos do art. 584º, nº 2, do C.P.C., mantendo a sua argumentação.
Considerando estar em condições para conhecer imediatamente do mérito da causa, por via da apreciação da excepção peremptória de caducidade invocada pelo A., pela Mmª Juíza “a quo” foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo proferido, de imediato, saneador-sentença, no qual veio a julgar procedente, por provada, a excepção peremptória extintiva invocada pelo A. e, nessa conformidade, julgou procedente a presente acção, declarando sem nenhum efeito a resolução pelo Administrador de Insolvência do contrato de compra e venda celebrado em 19-4-2012 entre (…) e (…).

Inconformada com tal decisão dela apelou a R., Massa Insolvente de (…), tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1 – O presente recurso é interposto da decisão proferida nos autos e que julgou procedente a excepção peremptória extintiva de caducidade invocada pelo recorrido e, nessa conformidade, julgou procedente a presente acção de impugnação da resolução a favor da massa insolvente, por entender que o prazo de caducidade previsto no artigo 123º, n.º 1, do CIRE, se conta a partir do conhecimento pelo Administrador de Insolvência da existência do acto a resolver e não do conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa.
2 – Os presentes autos de impugnação de resolução a favor da massa insolvente, foram intentados pelo recorrido o qual, na sua petição inicial veio alegar que, por carta registada com aviso de recepção, datada de 24-03-2014, havia sido notificado pelo Administrador de Insolvência da resolução da escritura de compra e venda celebrada em 19 de Abril de 2012 no Cartório Notarial de (…), entre si e (…).
3 – Contudo, e uma vez que o Administrador de Insolvência teria tomado conhecimento da existência do acto de alienação em 22-08-2013, na Assembleia de Apreciação do Relatório realizada no âmbito dos autos principais, então o seu direito a resolver tal negócio teria caducado em 22 de Fevereiro de 2014.
4 – A massa insolvente, ora recorrente, em sede de contestação, alegou que o Sr. Administrador de Insolvência não tomou conhecimento dos factos que lhe permitiam decidir se existiam, ou não, motivos para promover a resolução do contrato dos autos em 22-08-2013, mas em data muito posterior.
5 – Como resulta da análise do requerimento apresentado pelo Credor (…) em 22 de Agosto de 2013, nessa data o Administrador de Insolvência apenas teve conhecimento de que o insolvente havia celebrado negócios que poderiam ser prejudiciais para a massa insolvente e para os seus credores.
6 – No entanto, não lhe foram transmitidas as condições em que tais negócios foram realizados, pelo que não se pode afirmar que foi nessa data que o A.I. teve conhecimento efectivo do negócio em causa.
7 – Tanto assim que, em 08 de Novembro de 2013, o Administrador de Insolvência requereu a prorrogação por mais 15 dias para juntar aos autos documentação que lhe havia sido pedida pelo Tribunal e requereu a notificação do insolvente para juntar aos autos os elementos contabilísticos, aos quais o próprio A.I. ainda não tinha tido acesso.
8 – E ainda nesse mesmo requerimento, o Administrador de Insolvência deu conta de que apenas se poderia pronunciar sobre a prejudicialidade para a massa insolvente do contrato dos autos e decidir se existiria fundamento para resolver o mesmo após a junção aos autos pelo insolvente, dos documentos requeridos pelo A.I. e pelos Credores.
9 – Em 28 de Novembro de 2013, o insolvente requereu ao Tribunal a prorrogação do prazo para se pronunciar sobre o supra mencionado requerimento do Administrador de Insolvência, referindo até que “a prorrogação ora requerida não prejudica qualquer um dos outros requerentes (…)”.
10 – Nesta sequência, em 17 de Dezembro de 2013, o Tribunal a quo proferiu Douto Despacho no qual admite que, para a junção do parecer relativo às resoluções, o A.I. “necessitará de saber se o cheque emitido por (…) foi ou não descontado e se as quantias referidas no contrato promessa celebrado entre a Credora (…) e o insolvente foram efectivamente mutuadas”, ordenando que o A.I. apenas junte aos autos a informação sobre se irá ou não proceder à resolução dos negócios depois de o insolvente juntar aos autos os comprovativos supra referidos.
11 – Deste modo, e salvo o devido respeito, ao decidir como decidiu no Douto Despacho Saneador em crise, o Tribunal a quo acaba por decidir contra o que anteriormente havia decidido em 17 de Dezembro de 2013, constituindo esta nova decisão um “venire contra factum proprium”.
12 – Por outro lado, “(…) para contar o termo do prazo de 6 meses, não é suficiente o conhecimento da mera data em que o A.I. tomara conhecimento do negócio jurídico (acto resolúvel) em causa, mas sim a data em que aquele tomara conhecimento das circunstâncias que o habilitavam a resolvê-lo, pois, como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.11.2012, «o conhecimento do acto não se basta, no nosso entender, com o simples conhecimento da realização do acto cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, mas requer também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa em benefício da massa insolvente. A não se fazer esta interpretação, poderia caducar o direito de resolução do acto sem que ainda se tivesse conhecimento do preenchimento dos pressupostos legais necessários para a resolução em benefício da massa insolvente».
13 – A resolução de um qualquer negócio a favor da massa insolvente é um acto jurídico que exige o cumprimento de vários requisitos formais e substanciais para que possa ser julgado válido, pelo que, no documento onde promove uma resolução a favor da massa insolvente, o Administrador de Insolvência deverá expor, da forma mais concreta e detalhada que lhe for possível, a fundamentação fáctica, os elementos factuais relevantes que justificam essa resolução.
14 – Caso contrário, essa mesma resolução será nula e de nenhum efeito, uma vez que o interveniente no acto resolvido tem o direito de saber por que factos ou razões concretas o Administrador de Insolvência considerou resolvido o negócio celebrado, e só assim se garante o efectivo contraditório.
15 – Pelo que, não basta, para se poder promover uma resolução, que ao Administrador de Insolvência seja dado conhecimento de que o insolvente procedeu a um determinado negócio, celebrou um determinado contrato. É preciso saber em que condições concretas é que tal negócio ocorreu.
16 – Deste modo e devido a tal exigência de fundamentação, outro entendimento não pode existir que não seja o de que o prazo de caducidade do direito de resolução apenas se inicia após o Administrador de Insolvência ter conhecimento das condições concretas em que o contrato a resolver foi celebrado.
17 – Não obstante o processo de insolvência ser um processo urgente, tal circunstância não justifica que o prazo para promover a resolução de um negócio eventualmente prejudicial para a massa insolvente se inicie antes de o Administrador de Insolvência, que tem competência para promover essa resolução, tenha conhecimento dos factos que justificam tal resolução!...
18 – Se assim não se entender, poderá levar a situações em que, apesar de não se encontrar na posse de todos os factos que lhe permitissem justificar uma resolução, o Administrador de Insolvência a teria que fazer sob pena de o seu direito para o efeito caducar. E, ao não fundamentar devidamente essa resolução, a mesma seria, por esse mesmo motivo, nula!!!
19 – Assim, apesar de na Assembleia de Credores referida nos autos apenas ter sido transmitido ao AI que o insolvente havia celebrado diversos negócios, os quais poderiam, eventualmente, ser prejudiciais à massa insolvente e para os seus credores, os factos singelos que lhe foram dados a conhecer não podem ser considerados um conhecimento integral efectivo do acto, uma vez que o AI não ficou, desde logo, em condições de se pronunciar, ou não, pela prejudicialidade de tais negócios.
20 – Essa informação apenas foi conseguida em Fevereiro de 2014, após o insolvente ter junto aos autos principais, conforme o Doutamente ordenado pelo Tribunal a quo, os documentos necessários para tal avaliação de prejudicialidade, pelo que será de entender que o prazo de seis meses a que refere o artigo 123.º do CIRE apenas se iniciou após o Administrador de Insolvência ter conhecimento integral da factualidade inerente ao acto em crise.
21 – Neste sentido, fica evidente que tendo o A.I. procedido à resolução do negócio em causa no dia 24 de Março de 2014, se encontra cumprido o prazo de 6 meses estipulados pelo art.º 123.º, n.º 1, do CIRE.
22 – O Douto Despacho Saneador, ao decidir julgar procedente a excepção de caducidade arguida pela ora recorrida violou, assim, o disposto no artigo 123.º do CIRE.
23 - Termos em que, no integral provimento do presente recurso, requer a Vossas Excelências se dignem revogar o Douto Despacho Saneador de que ora se recorre, substituindo-o por outro que julgue improcedente a excepção de caducidade arguida pelo recorrido, seguindo os autos os ulteriores termos legais, por assim ser de Lei e de inteira Justiça!

Pelo A. foram apresentadas contra alegações de recurso nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela R., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se o prazo de caducidade, previsto no art. 123º, nº 1, do CIRE, se conta a partir do conhecimento pelo Administrador de Insolvência da existência do acto a resolver ou, pelo contrário, só se inicia, efectivamente, com o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa.

No presente recurso a matéria de facto dada como assente na 1ª instância não foi impugnada pela apelante, nos termos expressamente previstos no art. 640º do C.P.C., nem se impõe qualquer alteração por parte desta Relação, pelo que, de imediato, passamos a transcrever a referida factualidade:
1. Em 3-7-2013 foi proferida sentença de insolvência de (…), pacificamente transitada em julgado.
2. Em 22-8-2013 teve lugar a Assembleia de Credores de Apreciação do Relatório, onde compareceu o Administrador de Insolvência Dr. (…), entre outros, tendo, a determinada altura, o Il. Mandatário do credor (…) Comercial de Lisboa, S.A., solicitado a palavra e, no seu uso, disse:
«1 - No Relatório a que alude o artigo 155º do CIRE, o Sr. Administrador de Insolvência faz referência à existência actual de três imóveis registados em nome do Insolvente (vide Ponto 5.2. do Relatório, constante de fls. do processo).
2 - No requerimento inicial do PER, datado de 13 de Janeiro de 2013, que antecedeu o presente processo de insolvência, o ora Insolvente referia a existência de quatro imóveis, por si titulados (vide doc. 8, do requerimento inicial do PER, apenso ao presente processo).
3 - Assim sendo, no espaço temporal que mediou o PER e a sentença do presente processo de insolvência, proferida em 3 de Julho de 2013, o imóvel inscrito na matriz sob o artigo (…), fracção X, da freguesia de (…), concelho de Torres Novas, parece ter deixado de pertencer ao Insolvente.
4 - Acresce que o Banco Reclamante sabe que, até à data de 5 de Abril de 2012, no património do Insolvente constavam, nomeadamente, os seguintes bens imóveis:
a) Prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o nº (…)-AF, da freguesia de (…), com o artigo matricial (…) (doc. 1);
b) Prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila de Rei, sob o nº (…), da freguesia de (…), com o artigo matricial (…) (doc. 1);
c) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere, sob o nº (…), da freguesia de (…), com o artigo matricial (…) (doc. 1);
d) Prédio misto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere, sob o nº (…), da freguesia de (…), com o artigo matricial (…) (doc. 1);
e) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere, sob o nº (…), da freguesia de (…), com o artigo matricial (…) (doc.1);
f) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere, sob o nº (…), da freguesia de (…), com o artigo matricial (…) (doc. 1);
g) Prédio rústico, sito na freguesia de (…), não descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, com o artigo matricial (…), Secção A (doc. 1);
h) Prédio urbano, sito na freguesia de (…), com o artigo matricial (…), mas não descrito na Conservatória do Registo Predial (doc. 1);
i) Prédio urbano, sito na freguesia de (…), com o artigo matricial (…), mas não descrito na Conservatória do Registo Predial (doc. 1);
j) Prédio urbano, sito na freguesia de (…), com o artigo matricial (…), Secção C, mas não descrito na Conservatória do Registo Predial (doc. 1).
5 - Ora, na presente data, apenas o imóvel referido na alínea a) do precedente artigo, continua a integrar o património do Insolvente.
Com efeito,
6 - Em 5 de Abril de 2012, o Insolvente alienou seis imóveis (de entre os quais os supra descritos nas alíneas b), c), e) e f), a favor de (…), em circunstâncias desconhecidas.
7 - Junta-se, adiante, cópia das certidões prediais dos referidos imóveis, que, aqui, se dão por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (cfr. doc 2 a doc. 5).
(…)
12 - As mencionadas transmissões ocorreram, ambas, no mês de Abril de 2012, altura em que a sociedade de que era sócio-gerente “(…) – Construções, Lda.”, apresentava já graves problemas económico-financeiros.
13 - Na verdade, este facto é confessado pela própria sociedade aquando da sua apresentação ao PER, em 2 de Novembro de 2012 (data em que já pendiam várias execuções contra a sociedade e pendia um processo de insolvência da mesma, requerida pela “(…), S.A.” (processo n.º …/12.2TBFZZ e que ficou suspenso com o início do PER).
14 - Portanto, à data da celebração das mencionadas transmissões, o ora Insolvente já tinha conhecimento de que a situação de insolvência da sociedade de que era sócio-gerente acarretaria a sua própria insolvência, por via dos avais prestados à referida sociedade, e cujo montante global, só relativamente ao Banco Reclamante, ascende a, pelo menos, eur. 3.270.020,88.
15 - Como veio efectivamente a acontecer.
Logo,
16 - As transmissões acima referidas tiveram como consequência a diminuição do património do Insolvente.
17 - Transmissões que podem ter prejudicado os interesses legítimos dos credores.
18 - Nesse sentido, a factualidade descrita poderá acarretar diversas consequências jurídicas, mormente i) a resolução dos negócios celebrados pelo Insolvente…»
3. O A.I., por carta registada com AR datada de 24 de Março de 2014, notificou (…) da “Resolução da escritura de Compra e Venda, celebrada em 19 de Abril de 2012, no Cartório Notarial de (…), entre (…) e (…)”, escritura essa onde era efectuada a transmissão, pelo valor global de € 15.000,00, dos seguintes prédios: (Doc. 1 junto com a p.i.)
a. Prédio rústico composto de eucaliptal, pinhal, sobreiros, mato cultura arvense, citrinos e oliveiras, com a área de 7.440 m2, denominado de “(…)”, situado na freguesia de (…), concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo (…), secção C, com valor patrimonial e tributário de € 1.043,75, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o nº (…);
b. Prédio rústico composto de eucaliptal, pinhal, sobreiros, cultura arvense, macieiras, oliveiras e leito de curso de água, com a área de 13.920 m2, denominado de “(…)”, situado na freguesia de (…), concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo (…), secção C, com valor patrimonial e tributário de € 2.572,13, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o nº (…);
c. Prédio rústico composto de terreno a mato e pinhal, com a área de 6.320 m2, denominado de “(…)”, situado na freguesia e concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo (…), secção O, com valor patrimonial e tributário de € 278,28, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o nº (…);
d. Prédio rústico composto de terra de mato, com a área de 465 m2, denominado de “(…)”, situado na freguesia e concelho de Vila de Rei, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo (…), com valor patrimonial e tributário de € 6,65, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila de Rei sob o nº (…);
e. Prédio rústico composto de pinhal e cultura arvense, com a área de 10.240 m2, denominado de “(…)”, situado na freguesia e concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo (…), secção C, com valor patrimonial e tributário de € 1.142,60, e omisso na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere;
f. Prédio rústico composto de cultura arvense, oliveiras, vinha, olival e pinhal, com a área de 13.320 m2, denominado de “(…)”, situado na freguesia de (…), concelho de Tomar, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo (…), secção A, com valor patrimonial e tributário de € 794,85, e omisso na Conservatória do Registo Predial de Tomar.
Apreciando, de imediato, a questão suscitada pela aqui recorrente – saber se o prazo de caducidade, previsto no artigo 123º, nº 1, do CIRE, se conta a partir do conhecimento pelo Administrador de Insolvência da existência do acto a resolver ou, pelo contrário, só se inicia, com o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa - importa dizer a tal respeito que a resolução em benefício da massa insolvente é um mecanismo que visa dar ao administrador o poder de, com alguma eficácia, fazer reingressar naquela bens ou direitos que possam ter sido alienados por actos praticados no intuito de os furtar à garantia da satisfação dos credores que vierem reclamar os seus créditos na insolvência.
Assim, como bem é salientado no Ac. do STJ de 12/7/2011, disponível in www.dgsi.pt, “o instituto da resolução em benefício da massa insolvente consagrado, de forma indelével e impressiva, no CIRE, visou conferir uma maior eficácia e celeridade aos actos de recuperação de bens que estivessem no património do devedor insolvente e que tivessem sido desviados do fim a que se destina o processo de insolvência, qual seja o de dar satisfação, na medida das forças do património, dos créditos existentes à data da declaração da insolvência”.
Tal faculdade de resolução foi concedida, de forma incondicional, relativamente aos actos taxativamente apontados no artigo 121º do CIRE, desde que praticados dentro de certo prazo que anteceda o início do processo de insolvência, que varia, conforme o tipo de acto, entre 6 meses e 2 anos.
Pode ainda ser actuada, o que é regulado no art. 120º do mesmo código, relativamente a actos praticados dentro dos 4 anos anteriores a essa data, desde que sejam prejudiciais à massa e o terceiro neles interveniente esteja de má-fé. Por depender da verificação de requisitos, vem-se chamando a esta, por contraposição aquela outra, resolução condicional.
Por outro lado, a resolução em benefício da massa insolvente efectiva-se por carta registada com aviso de recepção, dentro dos 6 meses subsequentes ao conhecimento do acto objecto de resolução e nunca depois de decorridos 2 anos sobre a data da declaração de insolvência – cfr. artigo 123º, nº 1, do CIRE.
Além disso, a resolução pode ser impugnada pela outra parte no acto resolvido ou por terceiro afectado pela resolução, a quem incumbe o ónus de intentar a acção correspondente, acção essa que corre por dependência do processo de insolvência – cfr. artigo 125º do CIRE.
Ora, nesta acção o que está em causa é a inexistência do fundamento da resolução operada pelo Administrador de Insolvência.
A resolução consiste na destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato, carecendo, por isso, de um fundamento.
Sobre a fundamentação da declaração de resolução em benefício da massa insolvente, o Ac. do STJ de 25/2/2014, disponível in www.dgsi.pt, tomou-se posição sobre a questão em termos que se nos afiguram ser os mais adequados, aí se afirmando, a dado passo, o seguinte, que, desde já passamos a transcrever:
- “Sem querermos ser extremamente rigorosos no que tange às exigências substanciais da carta resolutiva, entendendo que a Lei embora não impondo que aquela seja exaustiva quanto à explanação dos fundamentos que consubstanciam a resolução, a mesma tem de conter o quantum satis para o cabal exercício daquele direito potestativo.
Assim, sem embargo de não se exigir para a respectiva efectivação abundantes justificações, não nos podemos bastar com uma mera alegação de prejudicialidade como a que foi enunciada nos pontos 4 e 5 da aludida carta, pois dessa proposição genérica não se poderá retirar, como consequência e sem mais, o surgimento desse direito potestativo (…).
É que, tal enunciação, destituída de qualquer elemento fáctico que nos possa conduzir à asserção de que, por qualquer forma entre os Autores e a Insolvente foi o negócio havido em manifesto prejuízo da massa (…), não poderá valer, sem mais, como resolução, pois o destinatário tem de saber pelo menos, em termos suficientes, quais os factos que conduziram à destruição do negócio e que seriam susceptíveis lhe porem fim.
Só com uma alegação desse jaez, os Autores poderiam devolver à massa insolvente o ónus de alegação e prova de que o direito à resolução foi bem exercido pela Administradora e não numa situação como a dos autos em que por aquela foi, de todo em todo, omitida qualquer factualidade concreta, para além daquela enunciação genérica (…).
A justificação especificada, mas tardia, apenas aconteceu em sede de contestação, articulado este desadequado para o efeito, tendo em atenção a própria natureza da acção que tem por objecto pôr em causa uma resolução efectuada e nos precisos termos em que a mesma foi feita, não noutros que possam vir a ser trazidos aos autos e completamente desconhecidos do seu destinatário: este só poderá impugnar o que conhece e na medida do seu conhecimento, não podendo ser surpreendido com outra factualidade (…)”.
No mesmo do aresto supra transcrito pode ver-se ainda, entre outros, o Ac. do STJ de 29/4/2014, também disponível in www.dgsi.pt, onde se concluiu que a resolução do contrato pelo administrador da insolvência, “embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução, e essa suficiência deverá ser objecto de análise casuística”.
Voltando agora ao caso em apreço, importa saber quando se inicia a contagem do prazo de caducidade de 6 meses a que alude o art. 123º, nº 1, do CIRE, para que o Administrador de Insolvência, tendo por base o disposto nos arts. 120º e/ou 121º do CIRE, resolva o(s) contrato(s) em que interveio como parte o insolvente, resolução essa em benefício da massa insolvente.
Ora, a propósito desta questão, é nosso entendimento que, para se poder promover uma resolução, não basta, que ao Administrador de Insolvência seja dado conhecimento de que o insolvente procedeu a um determinado negócio ou celebrou um determinado contrato.
Com efeito, será preciso saber mais, ou seja, em que condições concretas é que tal negócio ocorreu, ou quais foram os contornos em que tal contrato foi celebrado.
Deste modo, e devido a tal exigência de fundamentação, outro entendimento não pode existir que não seja o de que o prazo de caducidade do direito de resolução apenas se inicia após o Administrador de Insolvência ter conhecimento das condições concretas em que o negócio se realizou e de que forma o contrato a resolver foi celebrado.
“In casu”, constata-se que na data da realização da Assembleia de Credores (22/8/2013) apenas foi transmitido ao Administrador de Insolvência que o insolvente havia realizado diversos negócios, os quais, eventualmente, poderiam ser prejudiciais à massa insolvente e para os seus credores.
Na verdade, como se verifica do teor do requerimento apresentado pelo credor (…), na data da referida Assembleia não foram dados a conhecer ao administrador de Insolvência quaisquer factos que lhe permitissem, desde logo, promover a resolução desses mesmos contratos.
Aliás, e no que diz respeito ao contrato dos autos, resulta até que a data da celebração do mesmo é distinta daquela que foi dada a conhecer ao Administrador de Insolvência por este credor.
Com efeito, essa informação apenas foi conseguida em Fevereiro de 2014, após o insolvente ter junto aos autos principais os documentos necessários para tal avaliação de prejudicialidade.
Acresce que o tribunal “a quo”, por despacho datado de 16/12/2013, sufragou o entendimento de que só após a junção aos autos da documentação que havia sido solicitada ao insolvente, o Administrador de Insolvência é que se poderia pronunciar sobre a prejudicialidade para a massa insolvente de tais negócios.
Assim sendo, forçoso é concluir que o prazo de 6 meses a que se refere o art. 123.º do CIRE apenas se inicia após o Administrador de Insolvência ter conhecimento integral da factualidade inerente ao acto em crise.
Daí que, resulta claro e evidente que tendo o Administrador de Insolvência procedido à resolução do negócio em causa em 24/3/2014, o veio a fazer muito antes de se encontrar esgotado o referido prazo de 6 meses a que alude o citado art. 123º.
Neste sentido, aliás, e em caso similar ao dos presentes autos, veio já a pronunciar-se o Ac. da R.P. de 26/11/2012, disponível in www.dgsi.pt, onde, nomeadamente, é afirmado o seguinte:
- (…) A resolução em benefício da massa insolvente efectiva-se por carta registada com aviso de recepção, dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do acto objecto de resolução e nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência (artigo 123º, nº 1, do CIRE).
O conhecimento do acto não se basta, em nosso entender, com o simples conhecimento da realização do acto cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, mas requer também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa em benefício da massa insolvente.
A não se fazer esta interpretação, poderia caducar o direito de resolução do acto sem que ainda se tivesse tido conhecimento do preenchimento dos pressupostos legais necessários para a resolução em benefício da massa insolvente.
A declaração de resolução deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação à acção de impugnação da resolução. Admitir esse suprimento traduzir-se-ia na introdução de factualidade nova em momento ulterior ao exercício do direito potestativo e que, por isso, necessariamente, não fundamentou aquela declaração de resolução.
No mesmo sentido do aresto supra transcrito veja-se ainda o Ac. da R.C. de 21/5/2013, também disponível in www.dgsi.pt, onde se sustentou que:
- (…) Fundamental para a cabal alegação da excepção em análise no presente caso, seria, no mínimo, que a Autora tivesse alegado a data em que o Sr. Administrador havia tomado conhecimento do negócio jurídico cuja resolução comunicou àquela, para que, sabendo-se do termo “a quo” do aludido prazo de seis meses, se pudesse, em conjugação com a data da comunicação levada a efeito pelo Sr. Administrador, concluir que a resolução havia sido efectuada já para além do termo “ad quem” de tal prazo.
Mas nem isso chegaria, quer-nos parecer, para se poder ter como cabalmente alegados os factos atinentes à caducidade de que tratamos, pois o que importaria alegar – e, subsequentemente, provar – para contar como termo “a quo” desse prazo, não era a mera data em que o Sr. Administrador tomara conhecimento do negócio jurídico em causa, mas sim a data em que aquele tomara conhecimento das circunstâncias que habilitavam a resolvê-lo, pois, como se diz no Acórdão da Relação do Porto, de 26/11/2012 (Apelação nº 1056/09.6TBLSD-D.P1) «O conhecimento do acto não se basta, em nosso entender, com o simples conhecimento da realização do acto cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, mas requer também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa em benefício da massa insolvente. A não se fazer esta interpretação, poderia caducar o direito de resolução do acto sem que ainda se tivesse conhecimento do preenchimento dos pressupostos legais necessários para a resolução em benefício da massa insolvente».
Poderá suceder que o conhecimento do acto por parte do Sr. Administrador e o conhecimento, por parte deste, dos requisitos necessários à existência do direito de resolução, coincidam temporalmente – o que acontecerá, em regra, mas não necessariamente, nos casos de resolução incondicional – mas, nesse caso, competirá, a quem pretenda aproveitar-se da caducidade prevista no artº 123º, nº 1, do CIRE, alegar essa circunstância.
Do exposto resulta, pois, que os factos provados não permitem considerar que, no caso, quanto foi comunicada a resolução em causa à Autora, ora Apelada, já se havia esgotado o prazo de seis meses previsto no citado artº 123º, nº 1, pelo que improcede a excepção da caducidade que, como prescrição a autora invocou e a 1ª Instância julgou procedente.
Nestes termos, face às razões e fundamentos supra explanados, resulta evidente que a sentença recorrida não se poderá manter – de todo – revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, julga-se improcedente a excepção de caducidade invocada pelo A., ora apelado, determinando-se, por isso, que os autos venham a prosseguir os seus ulteriores termos no tribunal “a quo”.
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Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida, nos exactos e precisos termos acima explanados.
Custas pelo A., ora apelado.
Évora, 25/6/2015
Rui Moura
Conceição Ferreira
Mário Serrano

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).