Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1983/15.1T8PTM.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ASCENDENTE
DIREITO A PENSÃO
Data do Acordão: 03/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: O reconhecimento da titularidade do direito à pensão, conferido a ascendentes pelo art.º 57º, nº 1, al. d), da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro, depende da prova em juízo, que a eles incumbe, da situação económica prevista no art.º 49º, nº 1, al. d), do referido diploma.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1983/15.1T8PTM.E1


Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:


Na 2ª Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, em Portimão, correu termos processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado BB, vítima de acidente de viação mortal ocorrido no dia 28/7/2015, quando vindo do seu local de trabalho se dirigia para a sua residência, em Tunes. À tentativa de conciliação realizada no termo da fase conciliatória do processo foram chamadas, enquanto presumíveis beneficiárias legais, CC, companheira do falecido, com quem vivia em união de facto há mais de dois anos, e DD, mãe da vítima, e, enquanto presumíveis responsáveis, a entidade empregadora EE, S.A., e a FF – Companhia de Seguros, S.A.. Nessa diligência não foi no entanto possível obter o acordo das partes, uma vez que a seguradora não reconheceu à mãe do sinistrado qualquer direito emergente do acidente, e a empregadora, por sua vez, discordou do montante da retribuição auferida pela vítima que alegadamente não estaria coberto pelo seguro.
Patrocinadas oficiosamente pelo MºPº, as referidas CC e DD vieram então instaurar a competente ação, contra a ‘EE’ e contra a ‘FF’, cuja condenação pediram, no pagamento das pensões correspondentes à reparação do acidente, e bem assim, apenas quanto à 1ª A., no pagamento da quantia de € 5.533,70, a título de subsídio por morte.
Contestaram as RR., mantendo a posição que antes haviam assumido no processo, tendo depois o Ex.º Juiz, com vista a uma mais célere e justa composição do litígio, e a um eventual acordo quanto aos factos em discussão, designado data para nova tentativa de conciliação.
Nessa diligência, a A. CC e a ‘FF’ chegaram a acordo parcial quanto ao objeto da ação, que foi no ato homologado, e segundo o qual a seguradora se obrigou a pagar àquela beneficiária:
- a pensão anual e vitalícia de € 2.699,59, devida desde 29/7/2015, até perfazer a idade de reforma por velhice, atualizável a partir dessa data, ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho; e
- o montante de € 5.533,70, a título de subsídio por morte.
A ação prosseguiu para apreciar as questões ainda controvertidas, tendo depois sido proferido despacho saneador, que consignou a matéria de facto assente, e elaborou a base instrutória.
Procedeu-se a audiência de julgamento, em cujo âmbito foi decidida a matéria de facto ainda em aberto, e foi finalmente proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, e em cujo segmento dispositivo se consignou:
‘…julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, absolvendo-se as rés do pedido deduzido pela autora DD, declara-se que o acidente ocorrido em 28/07/2015 e que vitimou BB se deve considerar como acidente de trabalho e condena-se a entidade patronal do sinistrado, ré “EE, S.A.”, a pagar à autora CC a pensão anual vitalícia e actualizável de €383,81 (trezentos e oitenta e três euros e oitenta e um cêntimos) desde 29/07/2015 até perfazer a idade de reforma e de €511,74 (quinhentos e onze euros e setenta e quatro cêntimos) a partir daquela idade (ou da verificação de deficiência ou doença crónica que a afecte sensivelmente na capacidade para o trabalho), acrescida de juros contados à taxa legal desde o referido dia 29/07/2015.
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Inconformada com o assim decidido, e ainda patrocinada pelo MºPº, dessa sentença veio então apelar a A. DD. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
1ª – A recorrente discorda da decisão de considerar que a recorrente não provou a sua qualidade de beneficiária por entender que tal qualidade lhe advém do facto de não receber qualquer reforma nem qualquer subsídio, complemento ou pensão, já que tal situação significa que não é titular de qualquer rendimento em conformidade com o disposto na alínea), nº 1 do artigo 49º da lei 98/2009 de 4-9.
2ª – Não recebendo a recorrente qualquer reforma ou subsídio e também não tendo rendimentos que obriguem à entrega da competente Declaração de rendimentos, é legítimo presumir que tem absoluta necessidade da pensão de acidente de trabalho por morte do seu filho, considerando-se, assim, pessoa a cargo, na expressão do nº 1 do artigo 49º da lei 98/2009 de 4-9.
3ª – Os depoimentos das testemunhas e da Autora deixaram claro que esta e o seu marido viviam da ajuda de terceiros para viver e eventualmente de alguns “trabalhos ” feitos pelo marido da Autora, mas incertos na prestação, já que não constituía qualquer obrigação e no respectivo montante e como tal não se pode designar rendimento com valor mensal.
4ª - O Tribunal tendo dado como não provado que a recorrente não tinha conjuntamente com o seu marido, rendimentos individuais de valor mensal igual ou superior ao dobro do valor da pensão social, também não deu como provado que tinha esses rendimentos.
5ª - A recorrente não recebe qualquer rendimento entendido como prestação regular e periódica quantificada no dobro do valor da pensão social ou superior, pelo que deve ser considerada pessoa a cargo do sinistrado.
6ª - Esta falta de rendimento é que originava o facto de os filhos da recorrente a ajudarem no seu sustento, fazendo-o como liberalidade e encargo moral, não como encargo mensal e na medida das possibilidades.
7ª - A resposta das testemunhas quanto à contribuição que faziam para o sustento da Mãe, ora recorrente, reflecte a sensibilidade e melindre da questão, que se prefere do foro íntimo, já que não é confortável saber-se que são os outros quem os ajudam a sobreviver, posição que é também dos que prestam a ajuda, que preferem o anonimato para não serem sede de protagonismo.
8ª - E o facto de os depoimentos das testemunhas serem diferentes só abona em seu favor, cada uma sabendo do que fazia, sendo a posição da Autora CC a prova acabada que o contributo da vítima para o sustento da Mãe era prestado à medida das suas possibilidades, quando e se podia e sem alarido, revestindo essa ajuda uma liberalidade.
9ª - Também o facto de o marido da recorrente poder ter proventos com o exercício da sua actividade como médium, deitando cartas, atento o seu caracter esporádico não constitui um rendimento com valor mensal como referido na alínea d) do artigo citado.
10ª - A lei só exige saber se a recorrente e o seu marido recebem qualquer rendimento que seja igual ou superior ao dobro do valor da pensão social e, assim a recorrente só isso tem que provar, presumindo a lei, não tendo, que é beneficiária por ser pessoa a cargo do sinistrado.
11ª – A douta sentença violou os artigos 49º nº 1 alínea d) e 57º nº 1 alínea d), ambos da lei 98/2009 de 4-9.
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Notificadas as RR. da interposição do recurso, apenas a ‘FF’ veio contra-alegar, aí pugnando pela improcedência da apelação.
Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, forma dispensados os vistos legais.
Cumpre pois decidir.
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Sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva alegação (cfr. arts.º 365º, nsº 3 e 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil – C.P.C.), e não vindo impugnada a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, coloca-se no caso dos autos, tão só, a questão de saber se à recorrente, e à luz da Lei nº 98/2009, de 4/9 (LAT), deve ou não ser reconhecida a qualidade de beneficiária legal do falecido sinistrado BB.
Recordemos então a factualidade apurada pelo tribunal recorrido, que foi a seguinte:
1. BB nasceu no dia 10/07/1989 (alínea A) dos factos assentes).
2. No dia 28/07/2015, BB trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré “EE, S.A.” (alínea B) dos factos assentes).
3. E auferia, como operador e pelo menos, a retribuição anual de €9.768,41 (alínea C) dos factos assentes).
4. Nesse dia 28/07/2015, quando se dirigia para a sua residência sita em Tunes, vindo do seu local de trabalho, BB sofreu acidente de viação, do qual resultou a sua morte nessa mesma data (alínea D) dos factos assentes).
5. Nessa data, a autora CC vivia como companheira do falecido BB há mais de dois anos (alínea E) dos factos assentes).
6. A autora CC nasceu no dia 3/10/1991 (certidão de fls. 53).
7. O falecido BB era filho da autora DD e de GG (alínea F) dos factos assentes).
8. A autora DD é casada com HH desde 8/10/2004 (alínea G) dos factos assentes).
9. A ré “EE, S.A.” tinha a sua responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho do sinistrado transferida para a ré “FF – Companhia de Seguros, S.A.”, através da apólice nº 3015231, pelo montante da retribuição anual de €8.998,64 (alínea H) dos factos assentes).
10. Para além do referido em C) dos factos assentes, o falecido BB auferiu da ré “EE” todos os meses entre Julho de 2014 e Junho de 2015 a quantia mensal de €36,40 (resposta ao artigo 1.º da base instrutória).
11. O falecido BB, na sua actividade profissional por conta da ré “EE”, manuseava dinheiro (resposta ao artigo 5.º da base instrutória).
12. A ré “EE” procedia ao pagamento de €36,40x12 intitulando tal verba mensal como abono para falhas (resposta ao artigo 7.º da base instrutória).
13. Na data referida em D) dos factos assentes, a autora DD não tinha, bem como o seu marido, qualquer reforma (resposta ao artigo 2.º da base instrutória).
14. Nem qualquer subsídio, complemento ou pensão (resposta ao artigo 3.º da base instrutória).
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Na decisão proferida sobre matéria de facto controvertida, consignou-se também não ter ficado provado, designadamente, o ponto 4º da base instrutória, ou seja, que:
- a A. DD não tinha, conjuntamente com seu marido, rendimentos individuais de valor mensal igual ou inferior ao dobro da pensão social.
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Nos termos do art.º 57º, nº 1, al. d), da LAT, em caso de acidente de trabalho que seja causa da morte do sinistrado, como aquele que na hipótese dos autos vitimou o infeliz BB, são titulares do direito a pensão, entre outros beneficiários, os ascendentes que, à data da morte do sinistrado, se encontrem nas condições previstas na al. d) do nº 1 do art.º 49º do mesmo diploma. Estão portanto nessa situação ‘os ascendentes com rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com os do seu cônjuge ou de pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro deste valor’.
Será que é esse o caso da recorrente?
Cumpre a propósito, e antes de mais, referir que no recurso interposto, e designadamente nas conclusões da sua alegação, a apelante veio tecer considerações várias sobre depoimentos de testemunhas inquiridas na audiência de julgamento, sem no entanto verdadeiramente questionar a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido, e muito menos fazendo-o com as formalidades exigidas pelo art.º 640º do C.P.C.. Em consequência, é à luz dessa factualidade, e apenas dela, que o objeto do recurso deverá ser abordado e decidido.
Ora, sendo certo que, à data da morte do sinistrado, era de € 201,53 o valor mensal da pensão social (cfr. Portaria nº 286-A/2014, de 31/12), não pode da matéria apurada concluir-se linearmente que a recorrente tinha então rendimentos individuais inferiores a esse valor, nem que os seus rendimentos, com os do marido, não excediam o dobro de tal montante.
É que muito embora esteja provado que a apelante, tal como o marido, não tinham qualquer reforma, subsídio, complemento, ou pensão, desconhece-se por completo qual seria então a fonte de subsistência do casal, tal como se ignora se aquela, e o marido, auferiam rendimentos de qualquer atividade profissional que porventura exercessem.
Em face de semelhante panorama fático, e tendo em atenção que, de acordo com a regra do art.º 342º, nº 1, do Código Civil, era à recorrente que incumbia provar os factos integradores do direito peticionado, não tendo logrado fazê-lo há que concluir, tal como se decidiu na sentença recorrida, que não pode ser-lhe reconhecido esse direito.
Improcedem pois, e em suma, todas as conclusões da alegação da recorrente.
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Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação improcedente, assim confirmando a sentença recorrida, na parte impugnada.
Sem custas.

Évora, 30-03-2017
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes