Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
201/12.9GTABF.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
EXAME DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE
DOLO
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I - Embora os analisadores quantitativos meçam a concentração da massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (TAE), os mesmos contêm uma unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS), fazendo esta conversão de forma automática, não tendo que constar do talão o fator de conversão.

II - Os agentes de autoridade (no caso, um militar da G.N.R., afeto ao “Destacamento de Trânsito de Faro”) não têm de fazer prova, caso a caso, da formação que possuem para manuseamento e conservação dos aparelhos utilizados na medição de álcool no sangue.

III - Por outro lado, não tendo essa questão sido suscitada pela arguida em fases anteriores do processo (de molde a poder ser averiguada, sujeita a contraditório e objeto de produção de prova), a sua arguição em sede de recurso é manifestamente extemporânea.

IV - Finalmente, é totalmente desajustado (e inconsequente) a arguida, não tendo solicitado a realização de contraprova, não tendo comparecido na audiência de discussão e julgamento, nem tendo apresentado (antes do presente recurso) uma qualquer versão dos factos que permita duvidar do exame feito, vir agora (em sede de recurso) questionar as qualificações e a formação do agente de autoridade que a submeteu ao teste de alcoolemia.

V - Afastada a inimputabilidade da recorrente e perante a taxa de alcoolemia revelada (2,11 g/l), é de concluir, sem dúvidas ou hesitações, que a recorrente não podia ignorar que a ingestão de bebidas alcoólicas (numa quantidade necessariamente muito significativa), e a subsequente condução de um veículo automóvel, a fariam incorrer em responsabilidade criminal, tendo atuado consciente e voluntariamente.

VI - Perante o regime legal vigente e desde que se trate de condenação à face do Código Penal, só pode ser suscetível de suspensão a pena de prisão até cinco anos, e nunca a pena de multa, nem a pena acessória de proibição de conduzir.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de processo comum (tribunal singular) com o nº 201/12.9GTABF, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, a arguida A. foi condenada pela prática, como autora material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses.
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A arguida, inconformada, interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

“A) Não pode à ora arguida ser imputada a prática de uma infração por condução sob o efeito do álcool, quando a respetiva análise é medida em aparelho que traduz uma medição qualitativa (TAE) e cujo resultado aparece em valores quantitativos (TAS), em clara violação do disposto no art.º 3.º da Portaria 1556/2007 de 10 de Dezembro.

B) A ora arguida que não pode exercer devidamente o seu direito de defesa, porquanto na ação de fiscalização não ficou demonstrada a certificação da aferição do referido alcoolímetro, em como aquele cumpre os requisitos metrológicos técnicos, definidos pela Recomendação OIML R 126.

C) Em momento algum ficou demonstrado que o utilizador, no caso concreto o agente da autoridade, era possuidor de formação adequada ao manuseamento e conservação do aparelho utilizado para efetuar a medição de TA, e, consequentemente que se o fosse, o resultado seria aquele.

D) A arguida não agiu de forma consciente, porquanto, atendendo às circunstâncias de facto, não possuía o discernimento necessário para avaliar os riscos da condução sob o efeito do álcool.

E) A arguida é primária, vive sozinha, e necessita do veículo automóvel para o exercício da atividade profissional que exerce.

Face aos factos descritos e atentas a nulidades processuais, designadamente no que concerne aos meios de prova utilizados, inadequados à aferição dos valores da taxa de alcoolemia definidos nos termos legais, requer-se a V. Exª. o arquivamento do presente processo.

Ainda que assim não se considere, deve a presente sentença ser substituída por outra que tenha em consideração as circunstâncias atenuantes, fazendo-se deste modo a costumada Justiça”.
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A Exmª Magistrada do Ministério Público na primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo pela total improcedência do mesmo.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público na primeira instância.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Colhidos os vistos legais, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objecto do recurso.

Tendo em conta as conclusões acima transcritas, que delimitam o objecto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, três questões, em breve síntese, vêm suscitadas no presente recurso:

1ª - A validade e fidedignidade dos instrumentos de medição, bem como a certificação e o manuseamento dos mesmos.

2ª - Os elementos subjetivos do crime.

3ª - A suspensão da execução da pena acessória de proibição de condução.

2 - A decisão recorrida.

É do seguinte teor a sentença revidenda (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica):

Factos Provados
Com relevância para a decisão criminal, provaram-se os seguintes factos:

1. No dia 1 de Março de 2012, cerca das 4 horas e 02 minutos, a arguida conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ---LF, na Rotunda do Globo, em Albufeira, na área desta comarca, estando sob a influência do álcool.

2. Com efeito, ao ser submetida a exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método expirado, acusou uma taxa de alcoolemia no sangue (TAS) de 2,11 g/l.

3. Sujeita a fiscalização pelas autoridades policiais, foi submetida a pesquisa de álcool no sangue, através do ar expirado, tendo acusado uma Taxa de Álcool no Sangue de 2,23 gramas por litro.

4. A arguida sabia que não podia conduzir na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas.

5. Agiu deliberada, livre e conscientemente.

6. Sabia que tal conduta não lhe era permitida e que era punida por lei.

Mais se apurou que:
7. Do certificado de registo criminal da arguida nada consta.

Factos Não Provados
Com interesse para a decisão da causa, não ficaram factos por provar.

Fundamentação da Decisão Sobre a Matéria de Facto
A convicção do Tribunal em relação aos factos provados e não provados acima descritos fundou-se no conjunto da prova, apreciada criticamente, junta aos autos e a produzida em sede da audiência de julgamento, em especial:

- No depoimento do agente autuante, RS, militar da GNR, que depôs de forma isenta e credível relativamente à factualidade constante na acusação, tendo nomeadamente esclarecido a razão pela qual a arguida foi sujeita ao teste de controlo de alcoolemia: que a testemunha se encontrava em patrulha, quando observou um veículo automóvel com uma marcha irregular o que conduziu à abordagem do veiculo.

Ao ser sujeita a uma fiscalização efetuada pela GNR, na sequência da qual foi submetida a um teste de controlo de alcoolemia, acusou a arguida a TAS de 2,11 g/l – cfr. decorre do Auto de Noticia junto a fls. 3 e o talão a fls. 4.

Mais esclareceu a testemunha que, não obstante o condutor do veículo automóvel se tivesse recusado a assinar o auto de notícia e o talão do alcoolímetro, o mesmo procedeu à identificação deste mediante o cartão de cidadão e carta de condução, tendo confrontado a fotografia constante nos documentos de identificação com o condutor, não tendo dúvidas de ser a arguida.

Com efeito, no que se refere ao exato valor da TAS com que a arguida conduzia no dia que consta na acusação, alem de não ter sido posta em causa pela arguida, o Tribunal valorou o talão emitido pelo aparelho DRAGUER Alcotest 7110 MK III, modelo nº ARZL-0187, aprovado pelo IPQ através do despacho nº 11037/07 de 24.04, verificado em 25/03/2011 e cuja utilização foi autorizada pelo Despacho da ANSR nº 19684, de 25.06.2009 pelo ANSR.

Por fim, considerou o Tribunal o Certificado de Registo Criminal constante a fls. 50, no que se refere à ausência de antecedentes criminais”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Dos instrumentos de medição.

A recorrente impugna a decisão fáctica tomada pelo tribunal a quo, entendendo, em resumo:

1º - Não pode ser imputada a prática de uma infração por condução sob o efeito do álcool, quando a respetiva análise é medida em aparelho que traduz uma medição qualitativa (TAE) e cujo resultado aparece em valores quantitativos (TAS), em clara violação do disposto no artigo 3º da Portaria nº 1556/2007 de 10/12.

2º - A arguida não pôde exercer convenientemente o seu direito de defesa, porquanto na ação de fiscalização não ficou demonstrada a certificação da aferição do alcoolímetro utilizado (certificação de que o mesmo cumpre os requisitos metrológicos definidos pela Recomendação OIML R126).

3º - Em momento algum ficou demonstrado que o utilizador do alcoolímetro (o agente de autoridade em questão) era possuidor de formação adequada ao manuseamento e conservação do aparelho utilizado para efetuar a medição da TAS.

Há que apreciar e decidir.

1º - Dispõe o artigo 153º, nº 1, do Código da Estrada, que o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade, mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

O tipo de instrumentos (de aparelhos) a utilizar na pesquisa de álcool no ar expirado foi relegado, pelo Código da Estrada, para diploma regulamentar (cfr. o disposto na al. a) do nº 1 do artigo 158º do Código da Estrada, e no artigo 4º, nº 2, al. d), do D.L. nº 44/2005, de 23/02).

Esse diploma regulamentar (em vigor desde 15 de Agosto de 2007 - aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05), estabelece, pois, os procedimentos para a fiscalização da condução sob a influência do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas.

Nos termos do preceituado no artigo 1º, nºs 2 e 3, desse “Regulamento” aprovado pela Lei nº 18/2007, a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste ao ar expirado, efetuado em analisador quantitativo, ou por análise ao sangue (esta só sendo efetuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo).

Por sua vez, o artigo 14º, nº 1, desse mesmo “Regulamento”, estabelece que “nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária”. E o nº 2 do mesmo artigo preceitua que “a aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efetuar pelo Instituto Português da Qualidade nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”.

A Portaria nº 902-B/2007, de 13/08, que revogou a Portaria nº 1006/98, de 30/11, veio definir, além do mais, os requisitos dos analisadores quantitativos, nos seguintes termos (Capítulo I, Secção I):

1º - Os analisadores quantitativos são instrumentos de medição da concentração da massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (TAE).

2º - Os aparelhos definidos no número anterior devem obedecer às seguintes características:

A - Características técnicas:
a) Cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros;
b) Usar a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o fator de conversão do teor de álcool no sangue fixado no n.º 3 do artigo 81.º do Código da Estrada;

B - Características gerais:
a) Possuir afixador alfanumérico que exiba a taxa de álcool no sangue do examinando (TAS) ou os motivos pelos quais não a pode determinar;
b) Ter acoplada impressora que emita talão, que contenha a taxa de álcool presente e ainda o número sequencial de registo, identificação do aparelho, data e hora da realização do teste;
c) Ser alimentados por corrente elétrica alternada de 220 volts e contínua de 12 volts;

C - Características físicas - permitir o seu fácil transporte pelo operador e conter de forma legível e indelével as indicações seguintes:
a) Marca;
b) Modelo;
c) Número de série;
d) Identificação do fabricante;
e) Unidade de leitura;
f) Fator de conversão (TAE/TAS).”

Estes elementos correspondem, no essencial, aos referidos no mesmo capítulo e secção da Portaria nº 1006/98, de 30/11.

A partir destes textos legais, podemos concluir que os analisadores quantitativos são instrumentos de medição da concentração da massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (TAE) e terá que obedecer às seguintes características técnicas: cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros e usar a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o fator de conversão do teor de álcool no sangue fixado no nº 3 do artigo 81º do Código da Estrada.

Ora, muito embora estes instrumentos de medição meçam a concentração da massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (TAE), os mesmos contêm uma unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS), fazendo esta conversão de forma automática, pelo que, a nosso ver, e com o devido respeito por opinião contrária, não tem que constar do talão o fator de conversão.

Em conclusão: nada impede que, apesar de a análise ao teor de álcool no sangue ser medida em aparelho que traduz uma medição qualitativa (TAE), o resultado possa surgir em valores quantitativos (TAS).

Assim sendo, improcede, nessa primeira vertente, a alegação da recorrente.

2º - Alega a recorrente, num segundo aspeto, que não pôde exercer convenientemente o seu direito de defesa, porquanto na ação de fiscalização não ficou demonstrada a certificação da aferição do alcoolímetro utilizado.

Também aqui nenhuma razão assiste à recorrente.

Efetivamente, o aparelho utilizado pela Guarda Nacional Republicana no âmbito dos presentes autos respeita integralmente os requisitos legalmente instituídos na Portaria nº 1556/2007, de 10/12.

Determina, nesse sentido, o artigo 5º do referido diploma que “o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. - IPQ e compreende as seguintes operações: a) Aprovação de modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica e d) Verificação extraordinária”. Isto sendo que, à luz do nº 3 do artigo 6º do mesmo ato legislativo, “a aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo”, e que, atento o nº 2 do artigo subsequente, “a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo”. Por outro lado, prevê-se ainda no nº 5 do artigo 5º do Código da Estrada que “cabe ainda à Direcção-Geral de Viação aprovar, para uso na fiscalização do trânsito, os aparelhos ou instrumentos que registem os elementos de prova previstos no nº 4 do artigo 170º do Código da Estrada, aprovação que deve ser precedida, quando tal for legalmente exigível, pela aprovação de modelo, no âmbito do regime geral do controlo metrológico”.

Tudo pressupostos da utilização de alcoolímetros que foram, in casu, integralmente observados.

Na verdade, e como consta da fundamentação da decisão fáctica da sentença revidenda (em conformidade com o talão de fls. 04 dos autos) - aspeto, aliás, que não foi posto em causa pela recorrente -, temos que o alcoolímetro Drager, Modelo 7110 MKIII foi aprovado pela DGV/ANSR em 25/06/2009, e pelo IPQ através do Despacho de Aprovação de Modelo nº 11037/07, de 24/04/2007.

Aparelho que foi, além do mais, e como consta também de fls. 04, sujeito a verificação periódica pelo Instituto Português de Qualidade em 25 de Março de 2011, e, por conseguinte, em momento prévio ao seu uso nos autos.

Com o que assume o talão de alcoolímetro de fls. 04 o valor probatório acrescido reconhecido à prova pericial, e que deve impor-se - face à inexistência de fundamentos que nos levem a pôr em causa a sua validade -, ao tribunal (quer ao tribunal a quo, quer a este tribunal ad quem).

Diga-se, aliás, que a posição assumida na motivação do recurso se mostra algo contraditória com o não peticionamento de contraprova assumido por ocasião da prática dos factos.

Com efeito, considerando a arguida que os valores do alcoolímetro se poderiam achar eivados de alguma falha, deveria ter solicitado a confirmação da TAS constatada (nomeadamente pela efetivação de análise ao sangue).

Ao invés, preferiu a arguida reconduzir-se a uma postura de inércia, privilegiando uma posterior impugnação judicial, em sede de recurso, do valor da TAS alcançado.

Ou seja, não havendo qualquer fundamento metrológico ou legal para pôr em causa o valor da TAS indicado no alcoolímetro, e tendo a arguida, na altura dos factos, ficado numa postura de passividade, temos como inequívoca a demonstração da factualidade tal como foi dada por provada em primeira instância.

Em jeito de síntese: o legislador procurou atingir, na fiscalização da condução sob a influência do álcool, garantias de respeito pela verdade, e fê-lo, além do mais, através da estipulação da possibilidade de solicitação de contraprova (seja através de análise ao sangue, seja através de novo exame - repetindo a análise ao ar expirado).

Ora, no caso em apreço, a arguida conformou-se com o exame efetuado pelo alcoolímetro, e não solicitou contraprova.

Por conseguinte, o resultado do exame quantitativo pode e deve ser tido em conta, já que o exame foi efetuado nos termos previstos na lei e por aparelho aprovado para o efeito.

Carece, pois, de fundamento a alegação da recorrente segundo a qual não pôde exercer convenientemente o seu direito de defesa, porquanto na ação de fiscalização não ficou demonstrada a certificação da aferição do alcoolímetro utilizado (certificação de que o mesmo cumpre os requisitos metrológicos definidos pela Recomendação OIML R126).

3º - Por último, e ainda neste primeiro segmento da motivação do recurso, sustenta a recorrente que em momento algum ficou demonstrado que o utilizador do alcoolímetro (o agente de autoridade em questão) fosse possuidor de formação adequada ao manuseamento e conservação do aparelho utilizado para efetuar a medição da TAS.

Com o devido respeito, tal alegação da recorrente carece, em absoluto, de sentido.

Em primeiro lugar, os agentes de autoridade (no caso, um militar da G.N.R., afeto ao “Destacamento de Trânsito de Faro”) não têm de fazer prova, caso a caso, da formação que possuem.

Em segundo lugar, essa questão nunca foi suscitada pela arguida em fases anteriores do processo (de molde a poder ser averiguada, sujeita a contraditório e objeto de produção de prova), pelo que a sua arguição em sede de recurso é manifestamente extemporânea.

Finalmente, é totalmente desajustado (e inconsequente) a arguida, não tendo solicitado a realização de contraprova, não tendo comparecido na audiência de discussão e julgamento, nem tendo apresentado (antes do presente recurso) uma qualquer versão dos factos que permita duvidar do exame feito, vir agora (em sede de recurso) questionar as qualificações e a formação do agente de autoridade que a submeteu ao teste de alcoolemia.

Posto tudo o que precede, improcede, manifestamente, toda esta primeira vertente do recurso.

b) Dos elementos subjetivos do crime.

Alega a recorrente que não agiu de forma consciente, porquanto, atendendo às circunstâncias de facto, não possuía o discernimento necessário para avaliar os riscos da condução sob o efeito do álcool.

Cumpre decidir.

Tendo sido dado como provado na sentença revidenda que a arguida ingeriu uma quantidade de bebidas alcoólicas adequada a provocar uma taxa de álcool no sangue de 2,11 g/l, os elementos do tipo subjetivo do crime em causa provam-se (por prova indireta) a partir da mera constatação dos factos objetivos, conjugada com as regras da experiência comum.

Ou seja, face à prova da materialidade da conduta da recorrente e respetiva imputação objetiva, a conclusão sobre o preenchimento dos elementos do tipo subjetivo de ilícito é, in casu, óbvia.

Com efeito, e como muito bem se escreve no Ac. do T.R.P. de 23-02-1983 (in BMJ, nº 324, pág. 620), “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infração. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência”.

Na maioria dos casos, o dolo, o conhecimento do seu sentido ou significação, acaba por ser dado como provado por intuição e convicção do tribunal, sem que haja testemunhas - nem as há - disso mesmo. O dolo, em função da sua natureza, e na generalidade dos casos, surge provado como circunstância conatural dos factos que constituem os elementos objetivos do crime.

Isto significa que, não derivando imediatamente da prova, mas deduzindo-se desta, constituindo uma ilação extraída dos factos objetivos, ou um prolongamento destes, não pode, como nos parece evidente, o tribunal fundamentar diretamente (em elemento de prova direta) a convicção de que o agente atuou com dolo.

Contudo, qualquer cidadão (não inimputável) conhece o resultado da ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, bem como sabe ser proibido por lei conduzir veículos automóveis em estado de embriaguez.

A recorrente parece esquecer, a propósito da questão agora em análise, que é lícito ao tribunal recorrer à prova por presunção judicial (ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - artigo 349º do Código Civil).

Como escreve a este propósito o Prof. Cavaleiro Ferreira (in “Curso de Processo Penal”, 1986, Vol. II, págs. 289 e 290), “(...) a verdade final, a convicção, terá que se obter (neste caso) através de conclusões baseadas em raciocínios, e não diretamente verificadas; a conclusão funda-se no juízo de relacionação normal entre o indício e o facto probando (…). Por outro lado, um indício revela com tanto mais segurança o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes”.
Ora, no caso destes autos, a Mmª Juíza, para decidir da matéria de facto, ponderou todas as provas de que dispunha, e avaliou-as à luz das regras da experiência comum, de acordo com juízos de normalidade, com a lógica das coisas e com a experiência da vida.

Como bem se salienta no Ac. do S.T.J. de 08-11-1995 (in BMJ, nº 451, pág. 86), “um juízo de acertamento da matéria de facto pertinente para a decisão releva de um conjunto de meios de prova, que pode inclusivamente ser indiciária, contanto que os indícios sejam graves, precisos e concordantes”. E acrescenta o mesmo acórdão que “as regras da experiência a que alude o artigo 127º têm um importante papel na convicção do Tribunal”.

Isto é: afastada a inimputabilidade da recorrente e perante a taxa de alcoolemia revelada (2,11 g/l), é de concluir, sem dúvidas ou hesitações, que a recorrente não podia ignorar que a ingestão de bebidas alcoólicas (numa quantidade necessariamente muito significativa), e a subsequente condução de um veículo automóvel, a fariam incorrer em responsabilidade criminal, tendo atuado consciente e voluntariamente.

Assim sendo, e muito bem, foi dado como provado na sentença revidenda que “a arguida sabia que não podia conduzir na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas”, que “agiu deliberada, livre e conscientemente”, e que “sabia que tal conduta não lhe era permitida e que era punida por lei.”

Ficaram provados, pois, como deviam, todos os elementos do dolo.

Aliás, no crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o dolo pode manifestar-se numa das suas três modalidades: direto, necessário ou eventual, sendo, assim, suficiente, para a configuração do ilícito a título de dolo, que o agente represente como possível a detenção por si de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, e/ou a ausência de condições para conduzir em segurança (por se encontrar num dos estados previstos no nº 2 do artigo 292º do Código Penal), e, aceitando essa mesma possibilidade, assuma a condução do veículo.

Em suma: atenta a elevada taxa de alcoolemia que a arguida apresentava, deve concluir-se (como bem concluiu o tribunal a quo) que a mesma atuou com dolo (e não de modo inconsciente ou sem possuir o discernimento necessário - como alegado na motivação do recurso).

Improcede, face ao exposto, esta segunda vertente do recurso.

c) Da suspensão da execução da pena acessória de proibição de condução.
Invoca a recorrente que é primária, vive sozinha, e necessita do veículo automóvel para o exercício da atividade profissional que exerce.

Por isso, entende a recorrente que a pena acessória que lhe foi aplicada na sentença sub judice deve ser suspensa na sua execução.

Cabe apreciar.

Com o D.L. nº 48/95, de 15/03, que criou a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nas situações referidas no nº 1 do artigo 69º do Código Penal, também o regime da suspensão da execução da pena, então previsto no artigo 48º do Código Penal, na versão de 1982, e agora previsto no artigo 50º, sofreu alterações, limitando-se a suspensão da execução das penas à pena de prisão.

Com efeito, dispõe o artigo 50º, nº 1, do Código Penal (na atual redação) que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

A leitura de tal preceito não deixa outra interpretação que não seja que, perante o regime legal vigente e desde que se trate de condenação à face do Código Penal, só pode ser suscetível de suspensão a pena de prisão até cinco anos, e nunca a pena de multa, nem a pena acessória.

Ou seja, as demais penas, que não a pena de prisão, ficaram excluídas, face às alterações introduzidas no Código Penal pelo D.L. nº 48/95, de 15/03, desse regime de suspensão, incluindo a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados prevista no artigo 69º do Código Penal.

O legislador entendeu que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, quando estava em causa o cometimento de um dos crimes referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 69º do Código Penal, não deveria ser suspensa na sua execução.

Foram razões de política criminal que levaram a essa opção do legislador.

E percebe-se bem porquê, se atentarmos ao facto de que a sinistralidade rodoviária em Portugal é muito elevada, com graves consequências e elevadíssimos custos, designadamente custos pessoais.

Assim sendo, por impossibilidade legal, a pena acessória de proibição de conduzir aplicada nestes autos não pode ser suspensa na sua execução.

Por conseguinte, e também nesta última vertente, o presente recurso não merece provimento.

Face a tudo quanto fica dito, é totalmente de improceder o recurso da arguida.

III - DECISÃO
Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 03 de Junho de 2014.

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Maria Filomena de Paula Soares)