Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1938/15.6T9STB.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: MAUS TRATOS A ANIMAIS DE COMPANHIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DOLO
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - É pacífico que o problema da prova da intenção, problema comum à generalidade dos crimes, reside na circunstância dos factos probandos respeitarem aqui ao foro íntimo do agente.

II - E os actos interiores ou factos internos, por respeitarem à vida psíquica, raramente se provam directamente.

III - Na ausência de confissão, a prova do dolo terá então de ser feita por ilações retiradas de outros factos, exteriores e indiciantes, avaliados sempre racionalmente, de acordo com regras de lógica e de normal acontecer. E o julgador decidirá a questão de facto concluindo, justificadamente, se o agente agiu (ou não) internamente da forma como o terá revelado externamente.

IV - Do episódio de vida “externo” demonstrado com base nas provas e do modo como se deixou explanado, retira-se também a demonstração de que a arguida sabia e não podia ter deixado de aceitar e de se conformar com todos os actos e omissões por si praticados, com os resultados e as consequências que desses actos e omissões advieram para a saúde do animal em causa. Resultado lesivo igualmente demonstrado em julgamento e necessariamente bem visível aos olhos da própria arguida.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No Processo comum singular n.º 1938/15.6T9STB, da Comarca de Setúbal – Sesimbra, foi proferida sentença a absolver MM da prática de um crime de maus tratos a animais de companhia, dos artigos 387.º, n.ºs 1 e 2, e 388.º A do Código Penal.

Inconformada com o decidido, recorreu a assistente Bianca – Associação de Protecção de Animais sem Lar do Concelho de Sesimbra, concluindo:

“1. Apreciada a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a Mma. juíza “a quo” decidiu absolver a arguida do crime pelo qual a mesma se encontrava acusada.

2. Entendemos, ao invés, que dos meios probatórios produzidos em julgamento, resulta inequivocamente que a arguida praticou tal crime, existindo erro notório na apreciação da prova e erro na valoração dessa prova.

3. No caso concreto, se atentarmos constata-se que os factos dados como provados em 2) a 5) e 9) são absolutamente inconciliáveis com a factualidade dada como não provada em I), o que configura o vício elencado na alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º, do Código de Processo Penal.

4. Sem prejuízo, entende-se ter existido erro no julgamento da matéria de facto, porquanto foram dados como provados factos não suportados na prova produzida e dados como não provados outros, que com assento nessa prova, deveriam ter sido dados como provados, o que viola o disposto nos art.ºs 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

5. Para além disso, resultaram da prova produzida factos que deveriam, por relevantes, ter sido considerados assentes, designadamente que no período mencionado em 2), a arguida manteve ininterruptamente confinado no espaço indicado, o animal propriedade de RS, mediante o pagamento, por parte desta, da quantia mensal no valor de 130 € (cento e trinta euros).”

6. A matéria contida no ponto 10) da matéria de facto provada configura uma premissa absolutamente contrária ao senso comum, pelo que as parcas considerações relativas à inverificação do elemento subjectivo do crime imputado à arguida carecem de suporte fáctico.

7. Com efeito, se a Mma. Juíza “a quo” considerou provado que a arguida conhecia os seus deveres (de providenciar alimentação, água e providenciar pela higiene e conforto, que não os cumpriu e que, da omissão desses deveres resultou fome, sede e desconforto no canídeo, não podia não extrair as necessárias conclusões.

8. Existe, por último, uma flagrante contradição entre a matéria dada como provada nos pontos 6) e 9) e a factualidade considerada não provada nos pontos III) e IV) e entre os pontos 3) e 9) da matéria dada como provada e a factualidade considerada não provada nos pontos II) e IV).

9. Da simples leitura da decisão, tendo em conta a factualidade dada como provada, não podiam resultar, de acordo com as regras de experiência comum, não provados os factos contidos em I) a VII).

10. A Mma. Juíza “a quo” retirou da prova produzida uma conclusão logicamente inaceitável e visivelmente violadora das regras da experiência comum, sendo patente que, no caso, se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida.

11. Com efeito, da análise conjugada da prova, resulta que todos os items da matéria de facto dada como não provada, impunham conclusão oposta.

12. Donde, a Mma. Juíza “a quo” retirou da aprova produzida uma conclusão logicamente inaceitável e visivelmente violadora das regras da experiência comum, sendo patente que, no caso, se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida.

13. Considera-se, assim, que, da análise conjugada da prova produzida em sede de audiência de julgamento, deveria a Mma. juiz “a quo” ter dado como provados todos os factos contidos na acusação - conforme, aliás, pugnado pelo Ministério Público, em sede de alegações finais – e, complementarmente, a factualidade acima referida.

14. Em suma, perante o caminho trilhado na sentença recorrida, a mesma padece manifestamente de erro de julgamento (valoração da prova), que aqui se invoca.

15. Sem conceder quanto às questões supra elencadas, não podemos descurar também a errada aplicação do Direito aos factos apurados em sede de julgamento e a patente falta de fundamentação patente na sentença recorrida.

16. No caso dos autos, o que está em causa é uma eventual omissão dolosa por parte da arguida por não ter providenciado por alimentação, abeberamento, condições de higiene e conforto ao animal de companhia por si detido, pelo que se impunha concretizar e densificar tais conceitos na sentença e ponderar se se aplicam na situação concreta, porquê, como e em que medida, o que não sucedeu.

17. Impunha-se, desde logo, explicitar que, quanto ao elemento subjectivo, trata-se de um crime doloso, em qualquer uma das suas modalidades (directo, necessário e eventual) e que o dolo é composto por um elemento intelectual e por um elemento volitivo ou emocional ou, se assim entendesse pertinente - como, parece ter sido o caso – impunha que tivesse transcrito, pelo menos, o preceituado no art.º 15.º, do Código Penal.

18. Sucede porém que no caso dos autos, resulta à saciedade que a arguida não só previu que privando o canídeo de adequados cuidados de higiene, conforto, alimentação e abeberamento, lhe causava sofrimento (o que é elementar e apreensível até por uma criança), como se conformou com esse resultado (ao invés do que fez com os outros canídeos de que detinha, a quem não deixou de proporcionar tais cuidados, tendo, por isso, agido de forma dolosa, pelo menos, na modalidade de dolo eventual.

19. Apurou-se que a arguida conhecia a situação de dor e sofrimento do animal, tinha capacidade de agir, e decidiu não o alimentar, dar-lhe água, limpar o espaço onde este estava alojado ou permitir que este dali saísse.

20. Deste modo, em face da apurada factualidade, a arguida tinha a capacidade de agir e não o fez ciente do resultado, o que determina que a sua conduta seja típica, ilícita dolosa e punível.

21. Assim, impunha-se a prova dos factos da acusação no que se reporta ao elemento volitivo do dolo agente, elencados na factualidade não provada da sentença ora recorrida e considerar que a mesma praticou o crime por que vinha acusada.

22. E, bem assim, que o estado de dor e sofrimento da cadela Chuva foi determinado pela falta de providência pela arguida dos citados cuidados básicos, e, por essa via, pela ligação da conduta omissiva ao resultado, em termos de causalidade adequada.

23. Considera-se, pois, que, da análise conjugada da prova produzida em sede de audiência de julgamento, deveria a Mma. juiz “a quo” ter dado como provados todos os factos contidos na acusação - conforme, aliás, pugnado pelo Ministério Público, em sede de alegações finais – e considerado preenchidos os elementos típicos do crime.

24. Por todo o exposto, perante a prova produzida em julgamento, deverão, em nosso entender, considerar-se preenchidos os elementos típicos do crime pelo qual a arguida foi acusada e, em consequência ser a mesma condenada em pena de multa e na respectiva pena acessória nos termos acima propostos.”

O Ministério Público e a arguida responderam ao recurso pronunciando-se, o primeiro no sentido da procedência, a segunda no sentido da improcedência.

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença, não acompanhando a posição do Ministério Público em primeira instância.

Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. Na sentença, consideraram-se os seguintes factos provados:

“1) A arguida reside na Rua …, em Sesimbra, numa propriedade devidamente murada e vedada, composta por um imóvel com rés-do-chão e primeiro andar destinado à habitação, garagem e anexos.

2) Desde data não apurada mas seguramente desde o ano de 2013 até dia 19 de Maio de 2015, era mantida, no exterior da residência, num corredor exterior, lateral à habitação, virado para a via pública com cerca de 10 metros de comprimento, por 1 metro de largura, alojada a cadela de nome Chuva sem raça definida, de cor preta e castanha, de pelagem curta e lisa, cuada comprida, sem n.º de identificação electrónica.

3) Em 19 de maio de 2015, a Chuva estava confinada no local descrito conspurcado pela sua própria urina e excrementos frescos e secos de vários dias.

4) No local do abrigo dispunha de um recipiente de plástico sujo com águas paradas repletas de verdete e limos.

5) As arguidas enquanto foram responsáveis pela higiene e alimentação da Chuva privaram-na de água limpa e de alimento em quantidade suficiente às suas necessidades nutricionais.

6) No dia 19 de Maio de 2015, em consequência do tratamento e condições a que foi sujeita a cadela Chuva:

- apresentava caquexia extrema, pesava 18 kg – 10 kg abaixo do peso ideal - condição corporal avaliada em 1 numa escala de 9;

-apresentava desidratação, pelo seco e baço;

- manifestou, aquando o seu acolhimento, atrofia na locomoção e voracidade extrema a comer todo o alimento que lhe era oferecido.

7) No dia 20 de maio de 2015 foram realizados exames diagnóstico, para apurar a etiologia de magreza extrema, todos resultaram negativos.

8) No dia 27 de Junho de 2015, sem terapia instituída, aos cuidados da Associação fiel depositária, a Chuva apresentava-se hidratada, com pelo brilhante, boa condição corporal pesando 27 Kg.

9) A arguida manteve a cadela Chuva confinada em local conspurcado com fezes, urina, privando-a de alimento suficiente e de água limpa, provocando-lhe desconforto permanente, fome e sede.

10) A arguida ciente dos deveres que sobre si recaiam enquanto responsável pela higiene a alimentação da cadela Chuva, não agiu com o cuidado devido no cumprimento de tais deveres, tendo causado fome, sede e desconforto no canídeo.

Mais se provou:

11) Do certificado do registo criminal da arguida não constam antecedentes criminais.

Consignaram-se como factos não provados os seguintes:

“I. A arguida era a responsável pela manutenção da cadela Chuva no espaço referido em 2.).

II. A cadela Chuva não dispunha de local limpo e macio onde repousar.

III. No local de alojamento onde permanecia confinada ininterruptamente não dispunha de espaço para expressar os seus movimentos naturais e movimentar-se livremente.

IV. A arguida decidiu manter a cadela Chuva por si detida confinada em local onde não se podia movimentar de forma natural, nem descansar em lugar limpo, indiferente ao estado que esta evidenciava, resultado da sua actuação.

V. A arguida ciente dos deveres que sobre si recaiam enquanto detentora da cadela Chuva, ao invés de lhe proporcionar os cuidados higiene e nutrição, trataram-na cruelmente, privando-se de tais cuidados.

VI. As arguidas não inibiram de agir do modo descrito, bem sabendo que com sua conduta causavam à cadela Chuva fome, sede, desconforto e em consequência sofrimento, o que visaram e conseguiram.

VII. Agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que conduta como a descrita é proibida e punida pela lei penal.”

A motivação da matéria de facto foi a seguinte:
“ (…) Nesta conformidade, o Tribunal formou a sua convicção, sobre a factualidade provada e não provada, no conjunto da prova realizada em audiência de discussão e julgamento, analisada de forma crítica e recorrendo a juízos de experiência comum, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal.

A.3.1) Quanto ao ilícito penal
A arguida exerceu o direito ao silêncio no início da audiência de discussão e julgamento, tendo apenas prestado declarações após a inquirição das testemunhas arroladas na acusação pública.

O tribunal, na formação da sua convicção, atendeu à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento – JV, NA, VS, AM, RS, APN, FF, AF, CC e PS – conjugada com a prova documental junta aos autos, designadamente: os autos de busca e apreensão de fls. 21 a 32 e respectivo relatório fotográfico de fls. 33 a 35 e 49 a 56, relatório da Guarda Nacional Republicana de fls. 106 a 113, os relatórios médicos de fls. 157 e 597 e fotogramas de fls. 217 a 227.

É costume dizer-se que na vida judiciária convivem diversas verdades: a dos arguidos e ofendidos; a das testemunhas; a verdade do julgador e a verdade processual. A que mais interessa para a prolação de uma sentença justa e conforme com os ditames de um Estado de Direito Democrático é a verdade processual porque, estribada na concatenação de toda a prova produzida e sujeita a contraditório, é o produto daquilo que o julgador consegue racionalmente fundamentar e defender e, por conseguinte, é facilmente sindicável através do confronto dos seus fundamentos.

De uma forma geral, as testemunhas depuseram de forma objectiva, circunstanciada, serena e assertiva, ainda que, em alguns dos depoimentos tenham sido expressadas opiniões pessoais, considerações conclusivas e sem razão de ciência.

Assim, o tribunal valorou os depoimentos das testemunhas quando objectivos, desprovidos de conclusões e opiniões que não tenham alicerce noutros meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento.

O facto provado em 1.), resulta dos autos de busca e apreensão de fls. 21 a 32 e respectivo relatório fotográfico de fls. 33 a 35 e 49 a 56, conjugados com as declarações da arguida.

Quanto à propriedade do canídeo Chuva e sua colocação no local objecto dos autos e concreta intervenção da arguida na vida deste animal, o tribunal valorou os depoimentos das testemunhas RS e PS, irmãos entre si.

RS afirmou ser a proprietária da Chuva, a qual foi por si acolhida quando residia na habitação contígua à habitação da arguida.

Após alteração da sua residência, a Chuva terá permanecido no quintal dessa habitação e a sua higiene e alimentação eram providenciadas pela arguida, mediante a retribuição mensal de € 130,00. Porém, devido à fixação de residência do seu irmão PS na aludida residência, e à circunstância de ter realizado obras e ter uma criança menor, o seu irmão colocou a Chuva, com o seu consentimento, no local objecto dos autos (facto provado em 2), mantendo-se a arguida responsável pela higiene do local e alimentação do canídeo mediante a referida retribuição mensal.

A testemunha referiu que visitava a Chuva com regularidade (ainda que admita períodos de ausência de cerca de um mês), no período da noite (após sair do seu local de trabalho) e que tudo sempre lhe pareceu normal, tendo sido uma surpresa ver a Chuva no estado em que se encontrava no dia da apreensão.

PS prestou depoimento coincidente com a sua irmã RS, tendo ainda afirmado que, por vezes, soltava a cadela Chuva para passear. Porém, a testemunha confirmou que, durante um período que não sabe concretizar, a higiene do local onde estava a Chuva não foi devidamente executada, tendo comentado tal facto com amigos que se deslocavam à sua residência. Quanto à magreza da Chuva, a testemunha também afirmou que falou com a arguida e a sua irmã, tendo-lhe sido dito que seria consequência da intervenção cirúrgica realizada.

A arguida, nas declarações que tardiamente prestou, confirmou tais factos.

Quanto às características da Chuva, o tribunal valorou o relatório médico de fls. 597 (facto provado 2.).

Quanto às características do local onde a Chuva estava alojada e respectivo estado de higiene aquando da busca realizada – 19.05.2015 -, o tribunal valorou o auto de busca de fls. 21-22, respectivo relatório fotográfico de fls. 33 a 35 e 49 a 56 e relatório da Guarda Nacional Republicana de fls. 106 a 113, conjugado com os depoimentos das testemunhas JV, Tenente Coronel da Guarda Nacional Republicana - Chefe da Secção SEPNA em Setúbal, NA, Militar da Guarda Nacional Republicana em exercício de funções na SEPNA há 15 anos, os quais participaram no auto de busca e apreensão realizado nos autos e procederam à elaboração do relatório de fls. 106 a 113 onde consta identificado e descrito o espaço onde a Chuva estava alojada, RS, proprietária da Chuva, FF, AF, CC, vizinhas da arguida e pessoas que observavam a Chuva alojada no local objecto dos autos e a arguida a proceder à respectiva higienização e alimentação do canídeo, e PS, irmão da proprietária da Chuva e vizinho na casa contigua à habitação da arguida, o qual confirmou as características do local e as obras de beneficiação por si realizadas (colocação de azulejos no chão, rede de água potável e escoamento de águas) para alojamento da Chuva, bem como o estado de higiene em que o local se encontrava aquando da busca realizada e dias antes.

A própria arguida admite que, aquando da busca realizada, o local não estava devidamente limpo, nem a água para a Chuva beber, tal como não estavam as demais dependências da habitação e a própria habitação. A arguida justifica tal facto como a circunstância de estar a viver um período conturbado decorrente do internamento de três dos seus canídeos, o que a deixou “ de rastos” (sic) tendo havido negligência em termos de limpeza com os animais e sua própria casa e pessoa (sic) (factos provados em 3.), 4.), 9.) e 10.)).

Quanto ao estado de saúde em que a Chuva se encontrava aquando da busca e apreensão realizada, em 19.05.2015 (data que resulta dos próprios autos de busca e apreensão e confirmada pela arguida e testemunhas militares da Guarda Nacional Republicana intervenientes), o tribunal valorou o auto de busca de fls. 21-22, respectivo relatório fotográfico de fls. 33 a 35 e 49 a 56 e relatório médico de fls. 597, conjugados com os depoimentos das testemunhas JV, NA, VS, médica veterinária que elaborou o relatório médico de fls. 597 aquando da consulta efectuada à Chuva, em 20.05.2015, AM, dirigente da Associação Bianca, a qual acolheu a Chuva no dia da apreensão e RS, a qual compareceu no local aquando da busca efectuada.

Efectivamente, as conclusões clinicas que resultam provadas em 6.) constam do relatório médico de fls. 597, o qual não foi objecto de impugnação, e foram confirmadas e explicadas em audiência de discussão e julgamento pela médica que observou a Chuva e elaborou o aludido documento (factos provados em 5.), 6.), 7.) e 9.)).

APM, médica veterinária e docente universitária (facto pela mesma referido inúmeras vezes no decurso do seu depoimento), confirmou que a Chuva foi sua paciente em data anterior aos factos objecto destes autos, e que diminuiu a sua condição corporal ainda que não para 1 (conforme conclusão do relatório médico de fls. 597).

A testemunha explicou a escala da condição corporal e teceu considerações sobre os resultados clínicos da Chuva e o facto de esta apresentar magreza extrema não ser consequência directa e necessária de não lhe ser dado alimento.

Todavia, a testemunha não observou a Chuva aquando da sua apreensão pelo que, as afirmações feitas, não passam de considerações genéricas e abstractas que, por isso mesmo, não têm a virtualidade de infirmar o relatório médico junto aos autos a fls. 597, o qual constitui prova pericial e, como tal, subtraída à livre apreciação do julgador.

Do aludido relatório médico resulta que “o estado de magreza extremada da cadelita deverá ser resultante da privação de alimentos e do mau maneio”.

Tal conclusão sai reforçada pelo relatório médico de fls. 157, realizado em 27.06.2015, ou seja um mês e 7 dias após a apreensão da Chuva e entrega da mesma aos cuidados da Associação Bianca, do qual consta, além do mais, que o canídeo apresenta boa condição corporal (3/5), pesando 27,200Kg (factos provados em 8).

A testemunha APM também procurou contraditar tal facto afirmando que não é normal um animal engordar cerca de 10 Kg em tão curto espaço de tempo sem ter uma patologia (p.ex. diabetes).

Todavia, uma vez mais se afirma, que a testemunha não observou a Chuva e, como tal, essas conclusões são desprovidas de suporte fáctico.

Conforme já referido, a própria arguida admite que, aquando da busca realizada, o local não estava devidamente limpo, nem estava a água para a Chuva beber, e explicou a razão.

Atenta a demais prova pericial e documental produzida, conjugada com a prova testemunhal, o tribunal é levado a concluir que a arguida também não providenciou pela alimentação regular e adequada da Chuva, ainda que o tenha feito a título de negligência.

Os factos não provados resultam de nenhum prova concludente ter sido feita quanto aos mesmos ou por via da prova da factualidade contrária aos mesmos.

Quanto aos factos não provados em II. e III. (A cadela Chuva não dispunha de local limpo e macio onde repousar; No local de alojamento onde permanecia confinada ininterruptamente não dispunha de espaço para expressar os seus movimentos naturais e movimentar-se livremente) os mesmos assim foram considerados porque resultam infirmados pela prova documental junta aos autos, designadamente o auto de busca de fls. 21-22, respectivo relatório fotográfico de fls. 33 a 35 e 49 a 56 e relatório da Guarda Nacional Republicana de fls. 106 a 113, dos quais contam as características do local e de onde se extrai que, ainda que não seja o ideal, a Chuva dispunha de espaço para se movimentar, conjugada com a prova testemunhal produzida pois NA, militar da Guarda Nacional Republicana, admitiu a existência no local de uma casota (facto atestado pelo fotograma n.º 6 de fls. 34) limpa.

Os factos não provados em IV. a VII., resultam da conjugação das declarações da arguida, as quais o tribunal reputou como verdadeiras, conjugadas com a prova testemunhal produzida, designadamente os depoimentos das testemunhas RS, FF, AF, CC e PS, os quais atestaram os cuidados de higiene e alimentação sempre prestados pela arguida e a sua preocupação com a saúde da Chuva pois foi a arguida que alertou e insistiu com RS, proprietária do canídeo, para a realização da cirurgia para extracção do tumor mamário e sempre providenciou pela vacinação da Chuva.

Assim, não se pode concluir que a arguida tenha agido com dolo no sentido de manter a cadela Chuva por si detida confinada em local onde não se podia movimentar de forma natural, nem descansar em lugar limpo, indiferente ao estado que esta evidenciava, resultado da sua actuação, de a tratar cruelmente, privando-se dos cuidados de higiene e alimentação e querendo causar-lhe fome, sede e desconforto.

A.3.2) Quanto aos antecedentes criminais
A ausência de antecedentes criminais do arguido resulta da análise do teor do certificado de registo criminal, junto a fls. 307 dos autos.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar respeitam à impugnação da matéria de facto e à impugnação em matéria de direito, sendo esta no entanto feita na decorrência da procedência da primeira.

3-a. Da impugnação da matéria de facto (não provada)
A recorrente pretende a revogação da sentença absolutória e a condenação da arguida pelo crime da acusação por considerar que resultaram demonstrados, em julgamento e contrariamente ao que o tribunal decidiu, também os factos que relevam para o dolo. Estes factos foram dados como não provados na sentença. E ainda segundo o recurso, a conclusão de “não provado” apresenta-se não só manifestamente contraditória com as conclusões retiradas anteriormente nos factos provados da sentença, como está também desconforme com a prova produzida em julgamento.

O recurso mostra-se correctamente interposto, utilizando-se quer a impugnação pela via ampla ou alargada (do art. 412º, nº 3, do CPP), quer a invocação de vício de texto (do art. 410º, nº 2 do CPP - erro notório na apreciação da prova).

Por via deste último, defende a recorrente, em resumo e no essencial, que dos factos objectivos dados como provados na sentença deveria ter também resultado a demonstração dos factos do tipo subjectivo (de crime imputado). O que, a não ter sido considerado, configura violação evidente de regras de lógica e de experiência comum na apreciação da prova. E acaba por redundar numa contradição entre factos provados e não provados.

Do contraditório do recurso resulta ainda a contribuição do Ministério Público no sentido da revogação da sentença e da condenação da arguida (embora nesta Relação o Senhor Procurador-geral Adjunto se tenha demarcado da resposta apresentada em primeira instância).

Da leitura da sentença (sempre no confronto da argumentação do recorrente e na dinâmica do próprio recurso) resulta realmente evidente o erro de julgamento. A leitura da sentença permite concluir que, em concreto, os factos do dolo (dolo do tipo e dolo da culpa) deveriam ter sido, em concreto, retirados (e eles retiram-se efectivamente), natural, logica, e necessariamente até, dos factos objectivos dados já como provados na sentença. Factos estes não impugnados no recurso, correctamente justificados no exame crítico das provas e, logo, definitivamente assentes.

Mas mais: as justificações dadas para uma alegada demonstração alternativa de uma conduta meramente negligente (e, como tal, concretamente não punível) respeitam a (ou podem relevar apenas para uma) graduação do grau de culpa dolosa.

Como resulta da literalidade da norma e como tem vindo a ser pacificamente entendido, os vícios do art. 410º, nº2, do Código de Processo Penal são os que se detectam no próprio texto da decisão, “por si só ou conjugado com as regras da experiência comum”.

Assim, em caso de vício, o leitor retirará da análise do texto, sem recurso a outros elementos do processo, a detecção de qualquer uma das três anomalias previstas na norma em causa – insuficiência da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, e erro notório na apreciação da prova.

Os factos agora em crise respeitam ao tipo subjectivo de crime, como se disse. E é pacífico que o problema da prova da intenção, problema comum à generalidade dos crimes, reside na circunstância dos factos probandos respeitarem aqui ao foro íntimo do agente.

E os actos interiores ou factos internos, por respeitarem à vida psíquica, raramente se provam directamente. Na ausência de confissão, a prova do dolo terá então de ser feita por ilações retiradas de outros factos, exteriores e indiciantes, avaliados sempre racionalmente, de acordo com regras de lógica e de normal acontecer. E o julgador decidirá a questão de facto concluindo, justificadamente, se o agente agiu (ou não) internamente da forma como o terá revelado externamente.

Ora, no presente caso, os factos externos apurados permitem retirar com toda a segurança (e o oposto contrariou efectivamente as regras de lógica e de experiência comum) os factos integrantes de um dolo de maus tratos, no mínimo na modalidade de um dolo eventual.

Olhando o texto da sentença e as circunstâncias em que se desenrola todo o episódio de vida ali dado como provado, deve concluir-se que a arguida, durante cerca de dois anos, foi “responsável pela higiene e alimentação da cadela Chuva”. E que enquanto foi “responsável pela higiene e alimentação da cadela Chuva” “privou-a de água limpa e de alimento em quantidade suficiente às suas necessidades nutricionais”.

Mais se provou que a cadela era “mantida, no exterior da residência, num corredor exterior, lateral à habitação, virado para a via pública com cerca de 10 metros de comprimento, por 1 metro de largura” e que “em 19 de maio de 2015, a Chuva estava confinada no local descrito conspurcado pela sua própria urina e excrementos frescos e secos de vários dias”, local onde “dispunha de um recipiente de plástico sujo com águas paradas repletas de verdete e limos”.

Mais se provou que a arguida “privou (a cadela) de água limpa e de alimento em quantidade suficiente às suas necessidades nutricionais”, que “no dia 19 de Maio de 2015, em consequência do tratamento e condições a que foi sujeita (pela arguida) a cadela Chuva: - apresentava caquexia extrema, pesava 18 kg – 10 kg abaixo do peso ideal - condição corporal avaliada em 1 numa escala de 9; -apresentava desidratação, pelo seco e baço; - manifestou, aquando o seu acolhimento, atrofia na locomoção e voracidade extrema a comer todo o alimento que lhe era oferecido”. E que “no dia 20 de maio de 2015 foram realizados exames diagnóstico, para apurar a etiologia de magreza extrema, todos resultaram negativos” (ou seja, não lhe foi encontrada outra causa que não a resultante da privação de água limpa e de alimento em quantidade suficiente às suas necessidades nutricionais), que “no dia 27 de Junho de 2015, sem terapia instituída (ou seja, sem outro suporte para além de um tratamento adequado, aos cuidados da Associação fiel depositária), a Chuva apresentava-se hidratada, com pelo brilhante, boa condição corporal pesando 27 Kg”.

Mais se provou que “a arguida manteve a cadela Chuva confinada em local conspurcado com fezes, urina, privando-a de alimento suficiente e de água limpa, provocando-lhe desconforto permanente, fome e sede”, que lhe “causou fome, sede e desconforto no canídeo” e que estava “ciente dos deveres que sobre si recaiam enquanto responsável pela higiene a alimentação da cadela Chuva”.

De tudo resulta que a demonstração dos factos que interessam ao tipo subjectivo se retiram aqui (se devem retirar aqui) de todos os factos externos demonstrados já.

No contexto presente, uma eventual ausência do saber e, no mínimo, do aceitar com conformação, de todos os actos objectivamente praticados pelo agente, surge aqui como uma impossibilidade.

Com efeito, do episódio de vida “externo” demonstrado com base nas provas e do modo como se deixou explanado, retira-se também a demonstração de que a arguida sabia e não podia ter deixado de aceitar e de se conformar com todos os actos e omissões por si praticados, com os resultados e as consequências que desses actos e omissões advieram para a saúde do animal em causa. Resultado lesivo igualmente demonstrado em julgamento e necessariamente bem visível aos olhos da própria arguida.

Da leitura da “sentença de facto”, agora na parte referente ao exame crítico da prova, resulta ainda que a justificação que ali se deu para a indemonstração dos factos do dolo se deveu em parte a uma menos correcta visão do direito do caso.

O “insolúvel círculo lógico” (a expressão é de Castanheira Neves) entre facto e norma, entre matéria de facto e matéria de direito, contaminou aqui, negativamente, a decisão sobre a matéria de facto.

Na verdade, da fundamentação dos factos não provados resulta que o tribunal ponderou apenas uma das modalidades de dolo previstas no art. 14º do CP (o dolo directo). E no que respeita ao juízo sobre a tipicidade desconsiderou a modalidade de crime prevista no nº 1 da norma incriminadora. Sendo que a matéria de facto deve ser conhecida com a abrangência de todas as soluções de direito possíveis (art. 124º, nº 1, do CPP).

Senão, atente-se no excerto seguinte da sentença:
“Os factos não provados resultam de nenhum prova concludente ter sido feita quanto aos mesmos ou por via da prova da factualidade contrária aos mesmos.

(…) não se pode concluir que a arguida tenha agido com dolo no sentido de manter a cadela Chuva por si detida confinada em local onde não se podia movimentar de forma natural, nem descansar em lugar limpo, indiferente ao estado que esta evidenciava, resultado da sua actuação, de a tratar cruelmente, privando-se dos cuidados de higiene e alimentação e querendo causar-lhe fome, sede e desconforto.”

O erro na apreciação da prova é, por tudo, notório e evidente.

E encontrando-se a Relação em condições de suprir o vício de sentença detectado, procede-se à alteração da matéria de facto (art. 426º, nº 1, do CPP, a contrario), determinando-se que os factos não provados a seguir referidos passem a integrar os factos provados da sentença. E, nestes, determina-se que passem a ter a redacção seguinte:

I. A cadela Chuva foi mantida no espaço referido em 2.) sempre com o conhecimento e a aceitação da arguida.

II. No local referido existia uma casota de cão.

III. A arguida estava ciente dos deveres de alimentação e assistência que sobre si recaiam enquanto detentora da cadela Chuva e agiu do modo descrito, sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a conduta causava à cadela Chuva fome, sede, desconforto e em consequência sofrimento, com o que se conformou e aceitou.

VII. Agiu sabendo que conduta como a descrita é proibida e punida pela lei penal.

Determina-se ainda a eliminação dos factos não provados que estejam em oposição aos agora dados como provados e os que sejam meramente conclusivos (como seja, o seguinte: “no local de alojamento onde permanecia confinada ininterruptamente não dispunha de espaço para expressar os seus movimentos naturais e movimentar-se livremente).

3-b. Da realização do tipo incriminador
O art. 387.º, nº 1, do CP pune, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, “quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido”.

Os factos provados realizam o tipo na modalidade menos grave prevista no nº 1, não ocorrendo, em concreto, nenhuma das circunstâncias previstas no nº 2. Das acções e omissões da arguida (o tipo integra comportamentos activos e omissivos e a arguida praticou o crime nessas duas modalidades) não resultou “a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afectação grave e permanente da sua capacidade de locomoção”, sendo por isso de afastar a forma agravada inicialmente imputada.

Escreveu-se na sentença:
“O arguido vem acusado da prática de um crime de maus tratos a animais de companhia p. e p. pelo artigo 387.º, n.º1 e 2, artigo 388.º A do Código Penal.

O crime de maus tratos a animais de companhia é um crime comum, na medida em que pode ser realizado por qualquer pessoa. É igualmente um crime de resultado, dado que exige para a sua consumação a verificação de um evento separável no tempo e no espaço da acção do agente. É também um crime de execução livre ou forma livre, sendo indiferente a forma pela qual é produzido o resultado.

Como crime de resultado que é pode ser cometido por acção ou por omissão impura ou imprópria, desde que sobre o omitente recaia o dever jurídico de evitar o resultado, nos termos do art. 10º, nºs 1 e 2 do Código Penal.

Os bens jurídicos protegidos pelo art. 387º são a integridade física (nºs 1 e 2) e a vida (nº 2) de animais de companhia.

O tipo objectivo do nº 1 consiste na provocação de dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos físicos a um animal de companhia; no nº 2 os elementos objectivos são a morte, a privação de importante órgão ou membro ou a afectação grave e permanente da capacidade de locomoção do animal.

O tipo subjectivo do nº 1 é constituído pelo dolo em qualquer das suas três formas; o nº 2 permite a agravação pelo resultado, quer quando o agente actue com dolo (em qualquer das suas formas), quer quando o agente actue com negligência.

Dos factos provados não resulta provada a actuação dolosa da arguida na provocação de dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos à Chuva.

Assim, impõe-se absolver a arguida do crime que lhe vem imputado.”

Como se vê, a absolvição decorrera exclusivamente da indemonstração dos factos do dolo. Corrigida a “sentença de facto” na sequência do erro notório na apreciação da prova agora detectado, resta consignar que os factos provados realizam o crime (um crime) de maus tratos a animais de companhia, do art. 387.º, n.º1, do CP.

A respeito das considerações efectuadas na sentença sobre o tipo incriminador, consigna-se apenas o seguinte, no referente ao bem jurídico:

Perfilha-se a posição expressa por Teresa Quintela de Brito, no sentido de que o bem jurídico protegido pelo tipo aplicado não reside na integridade física e na vida do animal de companhia.

É sim um “bem colectivo e complexo que tem na sua base o reconhecimento pelo homem de interesses morais directos aos animais individualmente considerados e, consequentemente, a afirmação do interesse de todos e cada uma das pessoas na preservação da integridade física, do bem estar e da vida dos animais, tendo em conta uma inequívoca responsabilidade do agente do crime pela preservação desses interesses dos animais por força de uma certa relação actual (passada e/ou potencial) que com eles mantém.

Em causa está uma responsabilidade do humano, como indivíduo em relação com um concreto animal, e também como Homem, i.e., enquanto membro de uma espécie, cujas superiores capacidades cognitivas e de adaptação estratégica o investem numa especial responsabilidade para com os seres vivos que podem ser (e são) afectados pelas suas decisões e acções” (Crimes Contra Animais: os novos Projectos-Lei de Alteração do Código Penal, Anatomia do Crime, nº 4, Jul-Dez 2016, p. 104).

3-c. Da reabertura da audiência para apuramento de factos e determinação da sanção

Mostrando-se assim realizado o crime do art. 387.º, n.º1, do CP, em obediência ao acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (AUJ nº 4/2016) impor-se-ia proceder à determinação da espécie e medida da pena, na Relação.

Sucede que o cumprimento do acórdão uniformizador pela Relação pressupõe que a primeira instância tenha procedido ao apuramento prévio dos “factos pessoais” e à especificação, na matéria de facto da sentença, de todos os factos relativos à situação pessoal do condenado. Trata-se de factos imprescindíveis à decisão sobre a pena.

A sentença recorrida é omissa quanto aos factos relativos à personalidade da arguida, desconhecendo-se a sua situação pessoal. Sabe-se apenas que não tem antecedentes criminais.

Esta ausência de factualidade obsta a que a Relação profira de imediato (e em substituição) decisão sobre a pena.

Em situações como a presente, tem-se adoptado a posição expressa por António Latas, em “O AFJ nº 4/2016 e a determinação da pena nos casos em que foi revogada a sentença absolutória proferida pelo tribunal recorrido, que não apurou e fixou factos relativos à vida pessoal e personalidade do arguido” (www.tre.mj.pt/docs/Estudos).

Ali se concluiu que “em casos como o presente (em que foi revogada a sentença absolutória proferida pelo tribunal recorrido – que não apurou e fixou factos relativos à vida pessoal e personalidade do arguido - decidindo-se agora, em substituição, verificarem-se os elementos constitutivos do crime de que foi absolvido e, consequentemente, haver lugar à sua condenação do arguido como autor desse mesmo crime), temos entendido que o processo deve ser devolvido à 1ª Instância para que continue aí a deliberação sobre a determinação da pena a que se reporta o art. 369º do CPP, com eventual reabertura da audiência, nos termos do art. 371º do CPP, para apuramento e eventual discussão dos factos necessários, com subsequente determinação da medida da pena a aplicar”.

A reabertura da audiência, para apuramento dos factos pessoais e a prolação de decisão sobre a pena, que agora se ordena, poderá incluir a realização das diligências indispensáveis ao conhecimento da personalidade e situação pessoal da arguida, que o tribunal considere necessárias para a determinação da sanção.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal da Relação de Évora em:

- Julgar procedente o recurso, alterando a matéria de facto nos termos expostos;

- Julgar a arguida autora de um crime de maus tratos a animais de companhia, dos artigos 387.º, n.ºs 1 e 2 (e 388.º A) do CP;

- Determinar que os autos regressem à primeira instância para reabertura da audiência e prolação de decisão sobre a pena.

Sem custas.

Évora, 11.04.2019

ANA MARIA BARATA DE BRITO

MARIA LEONOR ESTEVES