Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1565/18.6T8FAR.E2

Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
BOA-FÉ
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Tendo presente o disposto no artigo 227.º do CC, e em face do binómio a que alude o artigo 75.º do RGICSF, enquanto instituição de crédito que celebrara com o Autor um contrato, impunha-se ao Banco que explicasse ao potencial subscritor do produto, e tendo em conta também o seu interesse, não apenas as vantagens que as Obrigações S... lhe iriam proporcionar, leia-se a mais elevada remuneração da aplicação do seu dinheiro, mas também os riscos que dessa aplicação lhe advinham, entre os quais avulta obviamente a possibilidade de não ter retorno do capital investido.
II - Bastam, os princípios gerais para concluir que com a actuação e omissão o Banco não cumpriu sequer as obrigações genericamente estabelecidas para as instituições de crédito no RGICSF, já que a sua Administração optou, por via da informação já por si incompleta que os seus funcionários detinham, mormente pelo “argumentário” que passou aos seus funcionários, em apenas transmitir aos clientes que fossem potenciais subscritores uma das faces da moeda, o seu “lado solar”, ocultando “o lado lunar” do produto financeiro que propunha.
III - Provado que o autor normalmente optava por aplicações que não comportassem risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem garantidos, sendo o funcionário que o contactou conhecedor desse perfil não profissional; que o autor acedeu em fazer a aplicação do dinheiro porque convencido que se tratava de um investimento seguro e porque confiava no funcionário em causa, não possuindo conhecimentos financeiros que o habilitassem a questionar a informação que o funcionário lhe transmitiu; que na data da subscrição não fazia a mínima ideia do que era a S…., S.A., sendo o Banco a única entidade com quem sempre contactou e onde pensou estar a aplicar o dinheiro, estando convencido de que o fazia em condições semelhantes a um depósito a prazo; que não subscreveria o produto se tivesse conhecimento de que o capital investido não era garantido e que era outra entidade a obrigada à restituição do capital aplicado; e verificando-se que o produto financeiro em causa não possui afinal as características que foram asseguradas, não lhe tendo sido assegurado o reembolso do capital investido nem na data aprazada nem posteriormente, dúvidas não existem de que se verifica o nexo causal entre a actuação do Banco e o prejuízo sofrido pelo Autor, a fundar a correspondente obrigação de indemnização, mediante o pagamento do valor que aquele entregou e perdeu (acrescendo juros), e dos danos não patrimoniais comprovadamente sofridos por causa do comportamento ilícito e culposo do Réu.
IV - Sendo grave a culpa do Réu, aplica-se o prazo geral de prescrição de 20 anos. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. O… instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco …, S.A., pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de 129.469,18 €, sendo 121.969,18 € a título de danos patrimoniais e 7.500,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos, até efectivo pagamento.
Em fundamento, alegou, em síntese, que subscreveu junto do B…, S.A., o produto financeiro que identificou, encontrando-se privado do montante investido em virtude das características do produto e da insolvência da entidade emitente, o que lhe causa prejuízos cujo ressarcimento peticiona, porquanto apenas subscreveu o produto por lhe ter sido referido pelo funcionário bancário, que se tratava de produto do próprio banco, com juros interessantes, semelhante a um depósito a prazo, com retorno garantido de capital, informação na qual confiou, sendo que não subscreveria tal produto se tivesse conhecimento que o capital investido não era garantido ou que era outra entidade, desconhecida do grande público e sem a idoneidade que o Banco R. outrora evidenciava, a obrigada à restituição do capital e juros.

2. Regularmente citada, a Ré contestou, por excepção, invocando a incompetência relativa do tribunal, em razão do território, a prescrição do direito e o abuso de direito, impugnando ainda os factos alegados.

3. Na audiência prévia, foi proferido despacho aproveitando o requerimento em que o autor havia respondido à referida matéria, e foi facultada ao Réu a possibilidade de se pronunciar por escrito quanto à invocada inadmissibilidade da prova documental junta com a contestação.
Após tal pronúncia foi proferido despacho saneador, declarada improcedente a excepção dilatória de incompetência relativa, relegado o conhecimento das excepções peremptórias para a decisão final, fixado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova, e proferido despacho a respeito dos requerimentos probatórios, que indeferiu a junção de alguns documentos apresentados, mormente ordens de subscrição e extractos de contas bancárias do Autor.

4. Notificado deste despacho, veio o Réu deduzir incidente de levantamento do sigilo bancário, para «permitir a junção aos autos dos extratos bancários e financeiro do autor, carteiras de títulos por este detidos e, ainda, os respectivos documentos de aquisição de produtos financeiros», que foi indeferido por despacho proferido em 29.04.2019.

5. Inconformado, o Banco apelou, tendo este Tribunal, por Acórdão de 21.11.2019, julgado procedente a apelação, acordando «em revogar o despacho recorrido, que indeferiu liminarmente o incidente de quebra do sigilo bancário, e, em substituição do tribunal recorrido, ordenar o seu levantamento, autorizando a junção aos autos: i) do(s) boletim(s) de subscrição pelo Autor das 2 Obrigações SLN Rendimento Mais 2004; ii) dos boletins ou ordens de subscrição dos produtos identificados em 39.º da contestação; iii) dos extractos de conta periódicos, apenas na parte em que conste a carteira de títulos detida pelo Autor».

6. Realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, condenando o Banco …, S.A., a pagar ao autor a quantia de 100.000,00 € a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de juros legal de 4%, ou outra que lhe sobrevier, contados desde 14.02.2017 até integral pagamento e a quantia de 2.000,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de juros legal de 4%, ou outra que lhe sobrevier, contados desde a data da citação até integral pagamento; e absolvendo a ré do demais peticionado.

7. Inconformado, o Banco Réu apelou, tendo este Tribunal, no acórdão acima identificado[3] acordado, «em anular a sentença recorrida quanto aos impugnados pontos de facto, para que na resposta aos mesmos seja considerada a prova documental decorrente do ordenado levantamento do segredo bancário e, ainda para ampliação da matéria de facto, com resposta aos indicados artigos da contestação, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições, decidindo-se após como for de direito».

8. Após a junção da referida documentação, a primeira instância proferiu nova sentença, modificando parcialmente alguns pontos da matéria de facto, e respondendo à matéria oportunamente indicada no referido acórdão, após o que decidiu nos mesmos termos referidos em 6.
9. Novamente inconformado, o Banco Réu apelou, formulando as seguintes conclusões:
«1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui Recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente ação parcialmente procedente, não julgou corretamente.
2. Com tal decisão, a Mm.ª Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.
3. Apesar da natural e compreensível consternação que é possível observar das peças apresentadas a juízo pelo A., importa lembrar que a pretensão pelos mesmos deduzida se encontra despida de qualquer fundamento provatório, bem como factual, além de ser manifestamente mal direcionada contra o Banco R.
4. Certo é que o Banco R., tal qual estava obrigado, prestou ao A. informações completas, verdadeiras, atuais, claras, objetivas e lícitas (nos termos e para os efeitos do art.7º do Código de Valores Mobiliários), quanto às obrigações por estes subscritas, dando cumprimento não só à lei, mas também a uma política de transparência e de confiança pela qual sempre se pautou.
5. Da prova produzida resulta, sem margem para dúvidas, que o A. sabia perfeitamente o que estava a subscrever, bem sabendo também das semelhanças e diferenças entre o instrumento financeiro subscrito e a figura do depósito a prazo (note-se que o próprio tratamento fiscal de um e de outro instrumento é inclusive diverso). Mas a “estranha” construção deste argumento ganha novas dimensões, se considerarmos o facto de o A. nunca terem reclamado de qualquer dos extratos bancários recebidos, onde o investimento em juízo aparecia referenciado individualmente tal e qual como fora realizado – e nunca enquanto depósito a prazo! –, bem como da ausência de qualquer reclamação junto do funcionário bancário que, alegadamente, lhe teria vendido um instrumento financeiro diverso do por si pretendido – é de facto estranho que tal intervenção junto do funcionário indicado nunca tenha ocorrido, pois se o sentimento de revolta era tal, cremos que sempre ditariam as regras comuns que o Autores diligenciassem pelo contacto com o referido vendedor, o que nunca aconteceu.
6. O Apelante entende que os factos dados como provados nos números “20; 27 e 37” não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais números, de acordo com a redação adiante proposta.
7. Em jeito de introito, sempre cumprirá chamar à colação um vício que tem sobremaneira importância para uma correta decisão da causa sub judice e que o Tribunal se limitou a “fazer tábua rasa” do mesmo. É que, o funcionário bancário que depôs em audiência de julgamento, que putativamente vendeu o produto em causa, de nome P…, referiu que não se recordava da contratação da aplicação financeira, dado que tinha ocorrido há 15 anos, embora assumindo que fosse “normal” ter sido ele. Mais referiu, corroborando, que não se recordava, especificamente quanto a esse produto, se tinha sido ele a contactar o A., voltando a frisar que já tinham decorrido 15 anos. Por fim, referiu, da mesma forma, que não se recordava em concreto dos termos da conversa que tivera com o A. Pode concluir-se, então, com este breve, mas necessário, introito, que qualquer motivação, quanto à matéria de facto, estribada no referido depoimento, se encontraria prejudicada pela falta de conhecimento concreto e direto dos contornos do negócio. E isto é tanto pior se levarmos em linha de conta que a própria Sentença, a fls., refere mesmo que a testemunha não se recordava em concreto da intermediação...
8. O produto – Obrigações … Rendimento Mais 2004 – terá sido vendido (hipoteticamente) pelo funcionário P…, tratando-se de um produto com 100% capital garantido. Mais referiu que se recordava que nos “panfletos” aparecia “B…”; com capital garantido; quais eram as taxas subjacentes e qual era o prazo do produto, sendo essas as características que teriam sido transmitidas. Explicou que não se recordava de ter transmitido, ou não, a característica da subordinação.
9. Do que vem dito, resulta à saciedade que o facto dado como provado “20” deveria ter a seguinte redação: “20-Este funcionário, como tinha conhecimento de que o autor possuía aplicações a prazo, convenceu-o a aplicar dinheiro num produto com capital garantido.”
10. Quanto à garantia de capital, a testemunha foi perentória referindo que os clientes, e nomeadamente o A., não perguntavam quem é que garantia ou deixava de garantir o produto.
11. Podemos afirmar com meridiana clareza que o facto dado como provado: “37” deveria ter a seguinte redação: “37- O autor não subscreveria o produto se tivesse conhecimento de que o capital investido não era garantido”.
12. Adiante, sempre deixaremos nota de que esta testemunha referiu, perentoriamente (mas mal) que o A. não tinha nada que não fossem depósitos. Designadamente, não teria qualquer ação nem fundos de investimento. Não obstante, e quanto a este produto – fundos de investimento – referiu que não tinha dúvida que não eram garantidos pelo banco. Ora, este depoimento foi contrariado, aliás confessado, pelo A. que confessou, passe a redundância, que teve fundos de investimento. Assim, resulta meridianamente claro que o facto dado como provado “28” deveria ter a seguinte redação proposta: “27- O autor normalmente optava por aplicações que não comportassem risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem seguros e com curtos prazos de vencimento”.
13. Os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis diferentes. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado diretamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.
14. Claro está, que o dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos! Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura!
15. Já os art. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos.
16. Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art. 312º do CdVM, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado
17. O RISCO que a sentença associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso da obrigação) ou até à insolvência do emitente, NÃO É NEM PODE SER CONSIDERADO UM RISCO ESPECIAL! O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são RISCOS GERAIS de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
18. Versando como versa aquele art. 312º do CdVM sobre os deveres de informação a cumprir quanto ao contrato de cobertura, a menção aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira (no caso a execução de ordens) enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
19. Parece-nos assim por demais evidente que a disposição do art. 312º nº 1 alínea e) relativa aos “riscos especiais nas operações a realizar” em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura.
20. Entendemos que nada ficou por dizer ou explicar quanto à natureza dos instrumentos financeiros. Da remissão feita para o art. 312º-E nº 1 resulta que o legislador manda também o intermediário financeiro informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!
21. O investimento efetuado foi feito em obrigações da SLN que é um instrumento do mercado monetário (art.º 1 alínea b) do CdVM). Não é um investimento sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!
22. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ se tais riscos de facto existirem! E não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! É que a este respeito, impõem-se clarificar, que em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.
23. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação! A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra (subjacente naturalmente ao cumprimento da opção potestativa de venda) é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!
24. Na data do endosso das referidas obrigações, a redação do CdVM era aquela resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99 de 13/11 até ao D.L. 52/2006 de 15/03. À data da contratação das aplicações não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)! Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redação do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
25. As Obrigações eram então, como é ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu. Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquela Obrigação. Pelo que o mesmo era então adequado a alguém como os Recorridos. Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações S… Rendimento Mais 2004, porque pertencendo todas as empresas ao mesmo Grupo, o risco da S… estava indexado ao risco do próprio Banco. O investimento efetuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
26. O dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, por estar umbilicalmente ligado àquela (não resistindo autonomamente sem ela) e podendo até condicioná-la.
27. Ou seja, e em conclusão, A VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO IMPLICA QUALQUER PRESUNÇÃO DE ILICITUDE! E, portanto, tinha que ser o A. a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu! Não o tendo feito, tem a presente ação necessariamente que claudicar!
28. Não está alegado, e muito menos provado, que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelo A. nas Obrigações. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo A. é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC.
29. Não há qualquer matéria provada que permita a conclusão que o comportamento R. foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação que foi transmitida ao Autor, que deu o seu acordo na aquisição da Obrigação S… Rendimento Mais 2004 – numa primeira e segunda fase, respetivamente. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.
30. Não podendo, por fim, o Venerando Tribunal da Relação de Évora olvidar que a falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência da emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro.
31. O A. foi recebendo, periodicamente, as quantias relativas aos cupões, que sempre lhe foram pagos até à insolvência da emitente e recebia mensalmente os extratos bancários com indicação expressa de carteira de obrigações e nada reclamou durante o referido período. Não se verificando, assim, o nexo de causalidade adequada entre a atuação do Recorrente enquanto intermediário financeiro e, o não reembolso, na maturidade, do capital investido.
32. Assim, ou o A. alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, têm que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!
33. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que nenhum dos funcionários envolvidos do Banco Réu sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.
34. A ideia que perpassa é que os funcionários do Banco Réu estavam absolutamente convencidos da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do A. Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução do A. em erro, sem que por parte dos funcionários do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro.
35. Tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM.
36. Parece-nos evidente e manifesto que o Autor conheceu os termos em que o negócio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação aquando da receção dos extratos bancários no seu domicílio, ou pelo menos em novembro de 2008, data da nacionalização do Recorrente! Não obstante, a ação apenas foi proposta em Maio de 2018! E, portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!»

10. O autor apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

11. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, não tendo que se pronunciar sobre aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, as questões colocadas pelo Banco Recorrente são as de saber se deve ou não: i) ser modificada a matéria de facto vertida nos números 20, 27 e 37; ii) revogada a decisão recorrida, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar por parte do réu; iii) ser declarada prescrita a eventual obrigação de indemnizar.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«1- O “ Banco …, S.A.”, (doravante, B…, S.A.), vocacionado para a área de banca de investimentos, foi constituído em 1993 por via da fusão das sociedades financeiras S… e N….
2- Em 27 de Outubro de 1999 foi criada a sociedade “B…., S…., S.A.” que integrava o capital do “B…., S.A.” como seu principal e quase único ativo.
3- Na data da subscrição do produto em causa nestes autos, a sociedade B..., S….., S.A. era detida na totalidade pela S….., S…., S.A. (hoje denominada G…, S…, S.A.).
4- A S….., S…., S.A. era, até à nacionalização, a proprietária do Banco …, S.A., dado ser a única acionista da B…., S…, S.A..
5- Durante o ano de 2004 a administração da S..., S…, S.A. e do B…, S.A. era exercida quase na íntegra pelas mesmas pessoas, mormente o presidente do conselho de administração, J….
6- A S…, S…, S.A era a cúpula do GRUPO, com domínio sobre as suas participadas, direta ou indiretamente, domínio esse que, no caso do Banco …, S.A., era total.
7- Por via da Lei 62-A/2008 de 11 de novembro, o Estado Português apropriou-se de todas as ações representativas do capital social do Banco …, S.A. (B...), pessoa coletiva n.º …, através de um regime jurídico de apropriação pública por via da nacionalização.
8- O centro decisório de ambas as sociedades (S.... e B....) era, em 2004, exatamente o mesmo, sendo confundível.
9- As ações representativas do capital social do B…, S.A. eram detidas pela S… S…., S.A. (S….), ora denominada G…, S.A..
10- Não obstante a nacionalização, o B…., pessoa coletiva n.º …, manteve a sua denominação, atividade económica e natureza jurídica, com a ressalva de, a partir da nacionalização, ser “uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos”.
11- Por via do Decreto-Lei n.º 2/2010 de 5 de janeiro, foram estabelecidas as bases que haviam de reger o processo de reprivatização da dita entidade.
12- Até dezembro de 2012, a pessoa coletiva n.º …, cujo objeto social era a atividade bancária, adotou a denominação “Banco …, S.A.”.
13- Em dezembro de 2012, mediante operação de fusão por incorporação, a pessoa coletiva n.º … (sociedade incorporante), mantendo o objeto social original, incorporou os ativos e passivos do Banco …, pessoa coletiva n.º … (sociedade incorporada), e alterou a denominação para “Banco …, S.A.”, tendo ocorrido transferência global do património da sociedade incorporada para o réu, operação essa registada na matrícula comercial pela ap. 101/2012/1207.
14- O autor é cliente do Banco …, onde tem conta aberta na agência de Loulé.
15- Na referida agência trabalhava como gestor de conta do autor um funcionário de sua confiança, P….
16- Funcionário que tinha saído de outra instituição bancária, o F… onde trabalhara, para ingressar nos quadros do B… agência de Loulé, tendo sido acompanhado pelo autor nesta transição.
17- Com quem o autor tinha estabelecido uma relação de confiança, desde os tempos em que este funcionário exercia as mesmas funções no F….
18- Vindo o autor a abrir junto do balcão do réu, agência de Loulé, a conta de depósito à ordem n.º ….
19- A determinada altura do mês de setembro de 2004, o autor foi contactado por P…, para se deslocar à agência a fim de lhe apresentar um novo produto.
20- Este funcionário, como tinha conhecimento de que o autor possuía aplicações a prazo, convenceu-o a aplicar dinheiro num produto com capital de retorno garantido, semelhante a um depósito a prazo.
21- Disse-lhe ainda que os juros pagos seriam interessantes.
22- O autor confiou na informação prestada pelo funcionário do réu.
23- Não obstante ter um período de imobilização alargado, pois só seria retornado no dia 25.10.2014.
24- O autor acedeu em fazer a aplicação de dinheiro porque convencido que se tratava de um investimento seguro e porque confiava no funcionário em causa.
25- O autor não possuía conhecimentos financeiros que o habilitassem a questionar a informação que o funcionário lhe transmitiu.
26- Centrando a sua área profissional de atividade na assessoria jurídica a negócios imobiliários.
27- O autor sempre optou por aplicações que não comportassem risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem garantidos.
28- O funcionário que o contactou era disso conhecedor.
29- A aplicação em causa teria como mínimo aplicável a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
30- O autor mobilizou as quantias para a subscrição solicitada, ficando titular de 2 obrigações SLN Rendimento Mais, no valor nominal de 100 000,00€ (cem mil euros).
31- O produto “S… Rendimento Mais 2004” foi transacionado nos balcões comerciais do réu, tendo sido distribuído pelos funcionários dos mencionados balcões o documento que constitui fls. 28 e ss, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos.
32- O documento em causa identificava o Conselho de Administração do B… como sendo o órgão responsável pela decisão de lançamento do produto em causa.
33- Sendo natural que os funcionários referissem aos clientes que se tratava de um produto com capital garantido.
34- Tal documento elucidava os funcionários acerca das estratégias de venda do produto, indicando-lhes, inclusivamente, quais as respostas a apresentar às eventuais dúvidas do cliente de modo a convencê-lo da segurança da compra.
35- Assim, a ré instruiu os seus funcionários, neste particular, a usar o seguinte argumentário (externa e internamente) para convencer os clientes a adquirirem o produto:
a) Capital garantido
b) Elevadas taxas de remuneração
c) Pagamento de juros periódico
d) Indicação de que, internamente, a campanha de venda deste produto iria integrar o denominado “Campeonato B… 2004” e, ainda, que dada a importância estratégica deste produto iria existir mesmo uma “super prova especial” com indicação das condições de atribuição de prémio.
36- As orientações e comunicações internas existente no B…, S.A. e que esta transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança do produto em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade, a importância estratégica.
37- O autor não subscreveria o produto se tivesse conhecimento de que o capital investido não era garantido e que era outra entidade a obrigada à restituição do capital aplicado.
38- O capital no valor de € 100.000,00 (cento mil euros) não foi pago no dia 25.10.2014.
39- Até à presente data o autor nada recebeu e a S…, ora denominada G…, S.A., emitente formal das obrigações, foi declarada insolvente em 05.07.2016.
40- A 07 de Novembro de 2014, a ré difundiu através do sítio do Diário Económico ter dado claras instruções aos balcões para “não pagar dívida da ex-S….”.
41- O autor não tinha, nem tem, conhecimentos no que concerne a mercados financeiros e/ou de capitais, o que era do conhecimento do funcionário do réu.
42- Na data da subscrição não fazia a mínima ideia do que era a S…, S…, S.A..
43- O autor, aquando da subscrição do produto em causa, estava convencido de que o fazia em condições semelhantes a um depósito a prazo.
44- O Banco … foi a única entidade com quem o autor sempre contactou e onde pensou estar a aplicar o dinheiro.
45- O produto financeiro em causa não possui as características que foram asseguradas ao autor.
46- O autor ainda hoje é classificado pela ré como investidor não profissional.
47- Os juros foram sendo pagos semestralmente.
48- Ao tempo, o Banco … era uma instituição bancária que oferecia confiança ao investidor, não podendo prever-se a nacionalização e posterior reprivatização.
49- Desde 25.10.2014 deixaram de ser pagos os juros e não foi pago o capital no montante de €100.000,00 (cem mil euros).
50- O autor tem sofrido desgaste e sente mágoa devido a toda esta situação.
51- No dia 04.11.2014 o autor dirigiu uma missiva à G…, S.A. solicitando o pagamento do montante de €100.000,00, acrescido de juros, conforme documento junto a fls.51, cujo teor se dá por reproduzido.
52- No dia 14.02.2017 o autor dirigiu uma missiva ao Conselho de Administração do Banco …, solicitava a devolução do montante de €100.000,00, conforme documento junto a fls.35, cujo teor se dá por reproduzido.
53- Em resposta, o banco réu, por carta datada de 25.10.2017, negou a pretensão, conforme documento junto a fls.35vº, cujo teor se dá por reproduzido.
54- A presente ação foi instaurada em 03.05.2018.
55- Para além das “Obrigações … Rendimento Mais 2004” o autor possuía aplicações em “Obrigações B… Rendimento Mais”, “B… Rendimento Mais 2ª emissão” e Fundo F…- Tesouraria-FIMA.
56- Desde a data da subscrição até 25.10.2014 o autor recebeu os juros semestralmente, à taxa de 6,25% que foi acordada»
E foram considerados não provados os seguintes factos:
«a) o funcionário disse ao autor que o banco/réu responderia pela dívida e que o produto se destinava a reforço/aumento do capital do próprio Banco;
b) o autor mencionou ao funcionário que não subscreveria qualquer aplicação que comportasse risco de perda do capital aplicado;
c) no que foi tranquilizado pelo funcionário e informado que devido à elevada procura do produto pelos clientes do B… e qualidade e segurança teria de o subscrever com alguma brevidade;
d) foi entregue ao autor a ficha técnica do produto ou a nota informativa;
e) e que o empréstimo obrigacionista se destinava a colmatar graves falhas de solvabilidade de ambas as empresas;
f) e que existem relações de subordinação do Banco intermediário e o Banco … – autor da ficha técnica;
g) o autor viu-se privado de ajudar as filhas no início da sua vida profissional;
h) à data da subscrição do produto financeiro já era conhecido pelo funcionário que o Grupo se encontrava em sérias dificuldades;
i) o incumprimento (das obrigações em causa) foi determinado pela nacionalização do B…, separando o Banco do restante grupo de empresas;
j) o autor foi informado de que o produto em causa consistia em valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente, que procederia ao reembolso total ou parcial do investimento, que se tratava da sociedade-mãe do Banco;
k) o réu apresentou as condições do produto, como as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso ou venda a outro cliente;
l) o réu sempre explicou os formulários dados a assinar ao autor;
m) o funcionário do banco réu estava convencido da segurança do investimento e da adequação ao perfil de investidor do autor atenta a robustez financeira do grupo SLN.».
*****
III.2. – Do mérito do recurso
III.2.1. – Da impugnação da matéria de facto
Na sequência da procedência do incidente de levantamento do sigilo bancário e da anulação da sentença primeiramente proferida nos autos pelo nosso anterior acórdão de 21-11-2019, que faz fls. 510 a 527v.º dos autos, o Banco Réu procedeu à junção da documentação que constitui fls. 535 a 540, a qual, conjuntamente com a demais prova oral e documental anteriormente produzida, determinou que a primeira instância procedesse à modificação parcial da matéria de facto inicialmente considerada provada e não provada, concretamente dos pontos 20, 21, anterior 22 (que foi eliminado, com a consequente renumeração dos seguintes), e no confronto com os anteriores, dos actuais pontos 24, 27, 33, 36, 37, 38, 44, 45, e da alínea a), procedendo ao aditamento dos números 55 e 56, e da alínea m), respectivamente nos factos provados e não provados.
Apenas a Apelante dissente da fundamentação de facto da sentença recorrida, considerando que o Tribunal recorrido «não julgou correctamente» e pretendendo desta feita a modificação dos pontos 20, 27 e 37, para os quais propõe a seguinte redacção:
«20- Este funcionário, como tinha conhecimento de que o autor possuía aplicações a prazo, convenceu-o a aplicar dinheiro num produto com capital garantido.
27- O autor normalmente optava por aplicações que não comportassem risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem seguros e com curtos prazos de vencimento.
37- O autor não subscreveria o produto se tivesse conhecimento de que o capital investido não era garantido».
Contrapõe o Apelado que a resposta à matéria de facto deverá ser mantida, desde logo porque o Recorrente não transcreveu o depoimento da testemunha mas apenas excertos do mesmo, sendo que só em circunstâncias excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto poderá o tribunal ad quem alterar as respostas acerca da matéria de facto, situação que no presente caso não se verifica de todo, sufragando a minuciosa análise da prova testemunhal, de toda ela e não apenas de partes cirurgicamente extraídas da mesma, sabiamente concatenada com a demais documentação junta aos autos.
Assim, não impondo a lei ao Recorrente que transcreva o depoimento integral da testemunha, mas os excertos do mesmo onde estriba a convicção formada, com a referência aos momentos do registo da prova em que tais excertos foram gravados, dúvidas não existem de que foram cumpridos suficientemente os ónus previstos no artigo 640.º do CPC, impondo-se a este Tribunal a reapreciação daqueles pontos de facto.
Na realidade, cumpre antes de mais realçar que a impugnação da matéria de facto ora em apreço, havia já sido parcialmente efectuada, com idênticos fundamentos aquando da impugnação pelo Recorrente dos números que então coincidiam com os ora igualmente impugnados, e questão idêntica havia já sido suscitada na resposta deduzida pelo Recorrido ao recurso de apelação, tendo a nossa posição a respeito dos ónus que recaem sobre a parte que impugna a matéria de facto e os poderes cometidos pelo legislador à Relação aquando da reapreciação da matéria de facto, ficado vertida no anterior aresto, nos termos expostos de fls. 521 a 522 dos autos, cujo teor aqui consideramos reproduzido para evitar fastidiosa repetição.
Conforme igualmente ali referimos, e aqui recordamos, por se tratar de questão novamente colocada e de fundamentação que agora nos encontramos em condições de desenvolver na sequência da junção aos autos dos documentos de que então não nos pudemos socorrer, «iniciaremos a pretendida reapreciação da decisão recorrida pela questão colocada pela Recorrente a respeito da relevância do depoimento do funcionário bancário que depôs em audiência de julgamento, já que a testemunha P…, referiu que não se recordava da contratação da aplicação financeira, dado que tinha ocorrido há 15 anos, embora assumindo que fosse “normal” ter sido ele – minuto [04:45 a 05:15]. Mais referiu, corroborando, que não se recordava, especificamente quanto a esse produto, se tinha sido ele a contactar o A., voltando a frisar que já tinham decorrido 15 anos – minuto [06:20 a 07:25]. Por fim, referiu, da mesma forma, que não se recordava em concreto dos termos da conversa que tivera com o A. – minuto [29:05 a 29:20].
Auditado o registo do depoimento da identificada testemunha, verificamos que efectivamente a mesma efectuou as referidas afirmações, e referiu também que apenas tinha feito duas subscrições de Obrigações S… Acresce que, confrontada com os documentos que fazem fls. 22 a 30 dos autos, os reconheceu como sendo os de suporte ao produto em causa, e que soube muito bem explicar a convicção que à data tinha enquanto funcionário do Banco, bem como as relações de confiança desenvolvidas com este cliente em concreto, cujo escritório era próximo da agência, referindo que era natural que tivesse contactado o autor para lhe falar deste produto, (depreende-se), porque ocasiões houve em que o fez. Se a acrescer a estas observações tivermos ainda presente que na sua contestação o Banco não impugnou os artigos 18) a 22) da petição inicial (cfr. artigo 36.º da referida peça processual), onde constava que o Sr. P… era então o gestor de conta do A., e o arrolou como testemunha juntamente com o funcionário L…, que ouvido declarou apenas ter ido exercer funções para a agência de Loulé em 2007, não custará admitir que, ainda que usando termos genéricos ou do que para si seria “natural” ter ocorrido, possa ter sido este funcionário quem apresentou ao autor o produto financeiro “Obrigações S… Rendimento Mais 2004”, do modo como para si o produto então se apresentava, nos termos em que o descreveu. Tanto assim, que tal convicção se encontra subjacente ao facto provado sob o número 19 que a Apelante nem impugnou. Acontece, porém, que para formar uma convicção suficientemente segura de que o produto financeiro em causa foi apresentado ao Autor pelo seu gestor de conta (note-se que em vários casos que estão publicados, era o próprio gerente quem fazia a apresentação do produto aos clientes), conveniente se torna verificar o que consta no respectivo boletim de subscrição, o qual, como acima referimos, não se mostra junto aos autos, e cujo levantamento do sigilo bancário a respeito, se determinou por via da procedência do recurso interlocutório, assumindo relevância maior do que apenas a ora indicada».
O Banco Recorrente procedeu à junção aos autos da documentação em causa.
Nessa sequência, a primeira instância justificou a sua convicção a respeito dos pontos de facto ora impugnados naquilo que foi dito pelos funcionários do Banco ao tempo em que foram subscritas pelos clientes da instituição as Obrigações ora em questão, as testemunhas P…, e L…, conjugadas com o teor dos documentos que concretamente identifica, expondo as premissas e as conclusões do seu raciocínio, nos seguintes termos:
«Concretizando, a testemunha P…, ex-funcionário do Banco/réu, agência de Loulé, confirmou a relação de confiança estabelecida com o autor, desde os tempos em que este era seu cliente noutra instituição bancária, relação que perdura desde 1997/1998.
Sobre o perfil do autor, esclareceu que, à data da subscrição do produto em causa, tratava-se de cliente que exercia advocacia na área do imobiliário, não dominando os conhecimentos financeiros.
Embora não recordando em concreto, explicou que seria natural que tivesse solicitado a comparência do autor na agência para lhe apresentar o produto em questão, instruções que se evidencia terem sido dadas aos funcionários- fls.28/30, convencendo-o na sua subscrição.
Do teor da ordem de subscrição junta a fls.537, evidencia-se que terá sido este funcionário quem a recebeu (canto superior onde se indica gestor, seguido de assinatura com os dizeres “P…”).
O que constitui normalidade, na medida em que era o gestor de conta, com o qual o autor contatava e tratava dos assuntos bancários.
Aliás, como mencionou, teve intervenção em duas subscrições de obrigações S…Rendimentos MAIS, pelo que, tudo conjugado, ficou a convicção que terá sido quem contatou com o autor.
Do que se recordava, apresentava o produto como lhe explicado pelo banco, que se tratava de um produto do B…, com retorno do capital garantido, indicando as taxas de juros e prazos, de acordo com as informações (notas internas) que lhe haviam sido transmitidas pelo banco/réu.
Essas informações corresponderão ao que consta da documentação junta a fls.22/30, referindo que os funcionários não tiveram formação adicional para a comercialização do produto, que a informação que lhes foi transmitida pelos superiores constava dos mencionados documentos.
Daqui se infere que, o que transmitiu, mostra-se evidenciado nessa documentação, cujo teor não foi impugnado, demonstrando-se com manifesta clareza que se falava num produto com “capital garantido”, com “elevadas taxas de remuneração”.
Nenhum motivo existiria, nem se apura ter existido, para que a testemunha se desviasse das informações e instruções recebidas da entidade patronal para informar os clientes de modo diverso, mormente o autor.
Como explicou, o autor confiava nas informações que lhe prestava, o que resulta plausível, vindo de um funcionário que conhecia há vários anos, com o qual lidava como gestor de conta.
Por outro lado, o facto do autor subscrever outros produtos não altera a convicção acerca do perfil do autor, aliás reconhecido pelo banco/réu como investidor não profissional- fls.34vº.
Como explicou, o autor não subscreveria o produto se soubesse que o capital não era garantido, nem a testemunha falaria com ele se soubesse que não o era, aconselhando-o nas aplicações financeiras que fazia.
Estas afirmações denotam a falta de conhecimentos financeiros do autor que lhe permitisse duvidar da informação que aquele funcionário lhe transmitia.
Poderemos dizer que, pela profissão em si, o autor ter-se-á apercebido de que, ao subscrever o produto em causa, estava a aplicar o seu dinheiro em obrigações (Papel Comercial- cfr. ordens de subscrição de fls. 537/538).
Porém, daqui não decorre, sem mais, que soubesse que se tratavam de obrigações cuja entidade emitente era a Sociedade ….
Uma coisa é subscrever obrigações S… Rendimento Mais (art.º13.º da contestação). Outra é conhecer que S… se tratava de uma entidade diversa do banco/réu, se tratava da Sociedade …, S.G.P.S..
Aliás, neste concreto aspeto, o depoimento da testemunha P… evidencia que nem os funcionários do banco/réu sabiam, efetivamente, a destrinça entre esta e o B….
Por seu turno, a testemunha L… referiu que nos extratos bancários enviados aos clientes vêm discriminadas as operações financeiras imanentes à subscrição do produto.
Porém, o que está em discussão é a informação prestada pelo funcionário do banco/réu ao autor sobre as características deste produto em concreto que pretendia subscrever, ou seja, em momento anterior.
Será, pois, irrelevante o envio de tais extratos, em momento posterior ao da subscrição, onde surge discriminado o tipo de produto em causa.
Mas mesmo que assim não se entenda, o que se evidencia da análise dos extratos bancários juntos pelo réu a fls. 535 e 539/540, é que o produto “S… Rendimento Mais 2004”, surge apenas assim designado (fls.535 e 540).
Ou seja, sem qualquer indicação que se tratam de obrigações (ao contrário de “Obrigações B… Rendimento Mais” (fls.539), cuja subscrição não se discute nos autos.
Ao contrário, quanto ao produto “S… Rendimento Mais 2004”, nas ordens de subscrição a fls.537/538 surge com a menção “Papel Comercial” (embora se saiba que se tratam de obrigações, o que admitimos que o autor, pela formação jurídica, também soubesse).
Porém, face ao depoimento da testemunha P… e toda a documentação junta, ficou a convicção que o autor nunca foi informado acerca da entidade emitente do produto.
Na verdade, para além de nas ordens de subscrição não se identificar a Sociedade …, S.G.P.S. como entidade emitente, não resulta do depoimento prestado que tal tenha sido comunicado ao autor.
Por outro lado, a sigla “S… Rendimento Mais 2004” não é inequívoca.
Não se depreende, da mesma, que se identifica aquela sociedade, podendo bem se confundir com a denominação de um produto financeiro.
Note-se que a própria testemunha referiu que, para os funcionários do banco, B… ou S… era a mesma coisa, o que bem demonstra a convicção que não se tratava de uma sociedade/entidade diversa.
Como referiu, pensava até que era o B… o mais importante, quando era o contrário que sucedia, sendo desconhecida dos funcionários a situação real (financeira) do Banco.
Acresce que, na nota técnica, é a sigla do B… que surge, sem que se efetue referencia à S…. Mais uma vez, a sigla surge na identificação do produto, mas sem que se efetue qualquer correspondência com uma sociedade em concreto.
Donde, retiramos, na ausência de qualquer explicação ao autor, tendo sido apenas com o banco/réu que contatou, é razoável que tenha ficado convencido que se tratava de produto financeiro daquela instituição bancária, e não de outra.
Por outro lado, sobre as informações prestadas pela sua hierarquia, a testemunha Paulo Gonçalves explicou que, à data da subscrição do produto, era exercida alguma pressão sobre os funcionários das agências bancárias para a comercialização daquele produto.
O depoimento da testemunha L…, ex-funcionário bancário do B…, revelou idêntico conhecimento do produto financeiro em questão e situação daquele Banco.
Explicou que o autor era um cliente conservador, que privilegiava aplicações como depósitos a prazo, com retorno de capital, o que não quer significar que não tivesse outras aplicações.
Do teor de fls.539/540 evidencia que assim sucede.
Porém, na ausência de qualquer outro documento junto pelo réu, não se consegue descortinar quando subscreveu tais produtos, quais as condições negociadas para reembolso do capital investido e os prazos de vencimento.
Do contacto, enquanto cliente bancário, revelou que este não subscreveria o produto em causa se soubesse que o capital não era garantido, que era um cliente interessado no retorno do capital que investia, que negociava as taxas de juro, que queria produtos seguros.
Explicou, ainda, que os superiores transmitiam a informação de que, ao proceder à venda do produto em causa aos seus clientes, deveria ser-lhes comunicado tratar-se de um depósito e com capital garantido, remuneração elevada (acima de depósito normal), com prazo de 10 anos.
Secundando tal informação temos o tipo de argumentação que deveria ser utilizada com os clientes, que resulta explanada na nota técnica que constitui fls. 22/27 e ficha informativa de fls. 29/30.
De igual modo, explicou que os funcionários desconheciam a separação do B… e S…, que não existia a noção da estrutura do grupo, sendo surpresa não existir retorno do capital do produto pelo B….
Donde, da conjugação desta nota interna que constitui fls. 22 e ss., conjugada com os depoimentos dos funcionários do banco/réu, tenha resultado provada a idoneidade da falta de conhecimento, por parte do autor, da entidade emitente do produto em causa, responsável pelo retorno do capital.
Pelo que será razoável concluir-se que o autor formou a convicção de que tratava de um produto do banco B…, semelhante a um depósito a prazo, não só perante a informação veiculada pela testemunha P…, mas também pelo facto de ser a instituição que comercializava, não se identificando aquela Sociedade … como sociedade emitente.
Pelo que, conjugando estes depoimentos, não contraditados por outros meios de prova, com a documentação junta, a fls.22/30 e a fls.537/538, ficou a convicção acerca da verificação dos factos vertidos nos pontos 15. a 17., 19. a 28., 33., 35. a 38., 39. (não recebimento), 41. a 45. e 48. dos factos provados».
Sufragamos integralmente o raciocínio expresso na fundamentação da decisão recorrida, devidamente estribado na prova oral e documental produzida, porquanto se encontra alicerçado nos indicados meios probatórios, concatenados entre si e apreciados segundo as regras da experiência comum, não merecendo a censura que o Apelante lhe assaca. Dito isto, e para evitarmos repetição inútil sublinharemos os pontos que se nos afiguram determinantes para que, no essencial, soçobre a pretensão recursiva a respeito da modificação da matéria de facto.
Como antedito, na sequência do anterior aresto, o Banco Recorrente procedeu à junção aos autos, para o que neste preciso ponto importa, da 1.ª ordem de subscrição «S… VALOR 2.ª emissão», no valor de 50.000,00 €, que faz fls. 537, em cujo cabeçalho consta, logo abaixo da identificação do Banco …, a indicação da agência e a identificação do gestor com a abreviatura «P…», não custando assim assumir, em face do que o próprio Apelante aceitou no ponto 19 da matéria de facto, que a conversação havida e o argumentário que a testemunha recorda, tenha sido o concretamente usado com o Autor, especialmente quando também verificamos que o documento seguinte, junto a fls. 538, e intitulado Comunicação de Cliente, «S… VALOR 4.ª emissão», igualmente no valor de 50.000,00 €, nem sequer se encontra assinado pelo Autor, corroborando não apenas a referida relação de confiança entre o cliente e o seu gestor de conta, como ainda que, tendo esta testemunha referido também que apenas tinha feito duas subscrições de Obrigações S…, se esteja sempre a referir àquelas em que foi precisamente o Autor o respectivo subscritor.
Assente que a testemunha P… foi o funcionário do Banco Recorrente que contactou o Autor com vista à subscrição das Obrigações em causa, assim se afastando o alegado «vício» decorrente da motivação se encontrar «prejudicada pela falta de conhecimento concreto e directo dos contornos do negócio», vejamos então a respeito da matéria de facto impugnada, a parte atinente à informação que do produto em causa foi prestada ao Autor pelo seu gestor de conta.
Debruçando-nos primeiramente sobre o impugnado facto 20, e como já havíamos notado no acórdão de 21-11-2019, relembramos que o mesmo está na sequência do já aludido ponto 19 da matéria de facto provada, que não foi impugnado, e reza assim: «a determinada altura do mês de setembro de 2004, o autor foi contactado por P…, para se deslocar à agência a fim de lhe apresentar um novo produto». Sob o indicado ponto 20. a primeira instância havia na primeira sentença proferida considerado provado que «este funcionário, como tinha conhecimento de que o autor possuía aplicações a prazo, convenceu-o a aplicar dinheiro num produto que lhe disse ser do próprio banco e com capital de retorno garantido, semelhante a um depósito a prazo, e que o próprio Banco responderia pela dívida», enquanto na decisão recorrida, proferida na sequência da documentação junta aos autos, considerou provado apenas que «este funcionário, como tinha conhecimento de que o autor possuía aplicações a prazo, convenceu-o a aplicar dinheiro num produto com capital de retorno garantido, semelhante a um depósito a prazo», e considerou não provado o segmento anteriormente afirmado de que foi transmitido ao Autor que a testemunha lhe disse ser tal produto do próprio Banco e que este responderia pela dívida, conforme se alcança da actual formulação da alínea a) da matéria de facto, não impugnada, onde consta como não provado que «o funcionário disse ao autor que o banco/réu responderia pela dívida e que o produto se destinava a reforço/aumento do capital do próprio Banco».
Por seu turno, o Apelante, após transcrever os excertos do depoimento em que a testemunha referiu que se tratava de um produto com 100% de capital garantido, que recordava que nos “panfletos” aparecia “B…”; com capital garantido; quais eram as taxas e qual era o prazo do produto, sendo essas as características que teriam sido transmitidas ao Autor; e explicando ainda que não se recordava de ter transmitido, ou não, a característica da subordinação, e quanto à garantia de capital, a testemunha foi peremptória referindo que os clientes, e nomeadamente o A., não perguntavam quem é que garantia ou deixava de garantir o produto, propõe se considere provado apenas que «20 - Este funcionário, como tinha conhecimento de que o autor possuía aplicações a prazo, convenceu-o a aplicar dinheiro num produto com capital garantido».
Bem, que os funcionários interiorizaram se tratava de um produto com 100% de capital garantido, resulta desde logo do excerto do depoimento transcrito pelo Apelante, sendo ainda certo que nos «panfletos» aparecia B… e a menção “com capital garantido”…
Mas, auditado integralmente o depoimento das testemunhas que à data eram funcionárias do B…, embora o segundo não exercesse então funções nesta agência, reiteramos, como já havíamos mencionado no anterior aresto, que os mesmos se nos afiguraram prestados de forma isenta, espontânea e esclarecedora, extraindo-se deles que os funcionários não tiveram qualquer formação específica a respeito deste produto financeiro, comercializando-o junto dos clientes com “adaptação” do argumentário que pela direcção de Marketing foi enviado para as agências, através do “powerpoint” e da “nota interna” cujas cópias fazem fls. 22 a 30 dos autos, nos termos sintetizados no ponto 36 da matéria de facto provada, e que se encontra de harmonia com a síntese efectuada pela testemunha L… no sentido de que os superiores transmitiam a informação de que, ao proceder à venda do produto em causa aos seus clientes, deveria ser-lhes comunicado tratar-se de um depósito e com capital garantido, remuneração elevada (acima de depósito normal), com prazo de 10 anos.
Ora, se já naqueles documentos, em termos imagéticos, o realce se centrava no logotipo Banco …, vistos agora os documentos que consubstanciam as ordens de subscrição, igualmente se evidencia, em ambos, e ainda que com imagem diferente, o logotipo do Banco …, impresso em letras bem destacadas a negro, de grande métrica, nos documentos que fazem fls. 537 e 538, por confronto com a menção S… VALOR – respectivamente 2.ª e 4.ª emissão, manuscritas no corpo desses documentos que consubstanciam a respectiva subscrição.
De igual modo, naquele argumentário consta S… RENDIMENTO MAIS 2004 Obrigações Subordinadas a 10 Anos, mas convenhamos que, à semelhança ou ainda mais impressivamente, nas ordens de subscrição, este aparenta ser um nome de produto, e o que aparece destacado é sempre o nome do B…. Depois, e prosseguindo, na página 7 do “powerpoint”, intitulado “características da emissão”, consta “SUBORDINAÇÃO Regras definidas pelo Banco de Portugal: - o reembolso do subscritor fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores, tendo, no entanto, prioridade sobre os accionistas da S…, SGPS, SA; - prazo de reembolso não inferior a 5 anos; - sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor; - o reembolso antecipado por iniciativa da S… terá que ser precedido de acordo prévio do Banco de Portugal. Porém, não deixamos de sublinhar que na pagina 10 do “powerpoint” onde consta o título ARGUMENTÁRIO, apenas se encontram precisamente as menções retidas por ambos os funcionários; capital garantido; elevadas taxas de remuneração, e em caso de OBJECÇÃO pelo cliente a respeito do prazo demasiado longo e sem qualquer liquidez, fazer a CONTRA-ARGUMENTAÇÃO, com “Garantia de elevadas taxas de remuneração por um longo prazo (10 anos); pagamento de juros periódicos e financiamento”. Finaliza esse documento com os objectivos comerciais para cada agência e os prémios a definir em função do “Regulamento do Campeonato B… 2004”, falando ainda a “nota interna” na sua “importância estratégica para o Grupo”, para além do que consta do argumentário que faz fls. 29 onde se refere que o “a) O S… Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos; b) O S… Rendimento Mais 2004 assegura o pagamento semestral de juros; c) Caso o subscritor necessite de liquidez, o B… está disponível para fazer financiamentos com condições especiais; d) Caso o Subscritor pretenda vender as suas Obrigações, o B… assumirá uma atitude pró-activa, tentando identificar potenciais compradores no universo de Clientes do B…. Contudo, o B… não assegura a recompra desta emissão, nem garante a existência de compradores para eventuais intenções de venda das Obrigações S… Rendimento Mais 2004”.
Isto posto, afigura-se-nos evidente, em face do teor destes documentos, que a sua assimilação pelos funcionários e a apresentação do argumentário ali sintetizado a um cliente com as características do Autor - que ressumbra da factualidade provada de 20 a 28 – seria naturalmente efectuada por comparação com os depósitos a prazo, uma vez que, conforme se evidencia do já referido, o cliente foi contactado pelo seu gestor de conta porque tinha depósitos a prazo cuja aplicação podia efectuar e que lhe fosse transmitido, como dali consta, que se tratava de “uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos”; assegurando “o pagamento semestral de juros”. Ora, o que pede um cliente que constitui um depósito a prazo? Que nos períodos acordados receba juros e que no final do prazo tenha na conta o capital investido, sendo ainda natural que se estabeleça uma correlação directa entre a melhor remuneração do capital e o maior prazo de imobilização do capital. Qual então a diferença que se evidencia na apresentação do produto em causa e o depósito a prazo? Não vislumbramos, já que o enfoque das orientações e comunicações internas era o que consta provado no ponto 36 da matéria de facto, que não foi impugnado, e do qual decorre que as orientações e comunicações que o B…“transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança do produto em causa, a sua solidez”, daí a ideia veiculada pela testemunha de ser 100% de capital garantido, e “a boa rentabilidade”. Por comparação com o quê, pergunta-se? Para um cliente com aquele perfil, a quem, pese embora fosse advogado, o Banco não demonstrou ter-lhe entregue qualquer ficha técnica ou nota informativa (alínea d), nem a pertinente informação por si alegada e vertida na matéria de facto não provada constante das alíneas (j), k) e l), outra conclusão não se pode tirar do que tal comparação naturalmente seria efectuada com a aplicação que habitualmente detinha e que motivara que fosse chamado ao Banco para a apresentação deste produto: o depósito a prazo, sendo habitualmente este de mobilização em tempo mais curto e, também por isso, menor rentabilidade.
Nestes termos, não vislumbramos qualquer razão para proceder à modificação do ponto 20 da matéria de facto, mormente no segmento final respeitante à ilação de que a apresentação do produto ao autor foi efectuada de modo a que o mesmo aparentasse ser “semelhante a um depósito a prazo”, tanto mais quando também se encontra provado e não impugnado, o facto vertido no ponto 43 da matéria de facto, do qual se extrai que «o autor, aquando da subscrição do produto em causa, estava convencido de que o fazia em condições semelhantes a um depósito a prazo». E que “estava convencido” porque era isso que lhe havia sido transmitido, não temos quaisquer dúvidas em face do já exposto e do demais que a respeito consta explanado na motivação expendida em primeira instância, tanto mais que para os próprios funcionários que testemunharam em audiência foi “surpresa não existir o retorno do capital do produto pelo B…”.
Vejamos agora o impugnado ponto 37 da matéria de facto, onde se considerou provado que “o autor não subscreveria o produto se tivesse conhecimento de que o capital investido não era garantido e que era outra entidade a obrigada à restituição do capital aplicado”, e relativamente ao qual o Apelante aceita a primeira parte mas pretende seja modificado na sua parte final, para que conste apenas aquela, expurgando-se do segmento cumulativo que segue a “e”.
Para o efeito invoca apenas que «quanto à garantia de capital, a testemunha foi perentória referindo que os clientes, e nomeadamente o A., não perguntavam era outra entidade a obrigada à restituição do capital quem é que garantia ou deixava de garantir o produto», o que é certo ter sido referido mas, como é bom de ver pelas razões aprofundadamente expostas na decisão recorrida, mormente no excerto acima transcrito, a pergunta a esse respeito pressuporia que havia razão para colocar tal questão, ou seja, que o cliente sabia que a aplicação que estava a fazer não era do “seu” Banco mas de outra entidade. Ora, o segmento impugnado trata-se de ilação extraída dos demais factos, assente na convicção de que os clientes e, no caso, o Autor, não perguntavam “quem garantia ou deixava de garantir o produto” precisamente porque partiam do pressuposto que o mesmo era do B…, que, sublinha-se, era a única entidade que aparecia impressa nas ordens de subscrição, pensando, aliás, os seus funcionários que era este quem detinha a S… e não o contrário. Assim, demostrado que «o autor não subscreveria o produto se tivesse conhecimento de que o capital investido não era garantido», e também os factos, não impugnados, vertidos nos pontos 41 a 48, dos quais se extrai que o autor ainda hoje é classificado pela Ré como um investidor não profissional, que ao tempo, o Banco B… era uma instituição bancária que oferecia confiança ao investidor, não podendo prever-se a sua nacionalização e posterior reprivatização, que aquele Banco foi a única entidade com quem o autor sempre contactou e onde pensou estar a aplicar o dinheiro, e que na data da subscrição o Autor não fazia a mínima ideia do que era a S...., S.G.P.S., S.A. não temos dúvidas em, tal como a julgadora, extrair desta factualidade a ilação constante do segmento final do impugnado ponto de facto, de que o autor não subscreveria o produto se soubesse que não era o Banco no qual confiava mas uma entidade, que então desconhecia, a obrigada à restituição do capital.
Pelo exposto, decidimos nada haver igualmente a modificar na factualidade vertida no ponto 37. dos factos provados.
Insurge-se ainda o Apelante quanto à matéria de facto vertida no ponto 27. dos factos provados, do qual consta que “o autor sempre optou por aplicações que não comportassem risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem seguros e com curtos prazos de vencimento”, pretendendo que onde consta “sempre optou” passe a constar “normalmente optava”.
O Apelante tem razão.
Na realidade, pese embora a testemunha P… tenha afirmado que o Autor apenas tinha depósitos, não investindo em acções nem em fundos de investimento, o próprio Autor afirmou que teve fundos de investimento, ainda que com valores mais baixos e sempre por curtos períodos. Instada abstractamente sobre se o Banco garantia os fundos de investimento a testemunha não teve dúvidas de que estes fundos não eram garantidos pelo banco, o que se nos afigura óbvio em face das suas funções profissionais.
Ora, este foi um dos aspectos que ficou esclarecido com a junção dos documentos aos autos, tendo levado ao aditamento do actual ponto 55 da matéria de facto provada onde consta que «para além das “Obrigações S… Rendimento Mais 2004” o autor possuía aplicações em “Obrigações B… Rendimento Mais”, “B… Rendimento Mais 2ª emissão” e Fundo F…-FIMA».
Nestes termos, sem necessidade de maiores considerações e por forma a compatibilizar a matéria de facto provada em 27. com este ponto 55. o facto dado como provado sob o número 27. passa a ter a seguinte redação:
27- O autor normalmente optava por aplicações que não comportassem risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem seguros e com curtos prazos de vencimento.
*****
III.2.2. – Da obrigação de indemnizar
Conforme já havíamos referido no anterior acórdão, a relação jurídica material tal qual o autor a apresentou na acção, funda-se, muito em suma, na alegação de factos tendentes a demonstrar a existência de responsabilidade pré-contratual e contratual do Banco por não lhe ter facultado toda a informação relativa ao risco das “Obrigações S…” que adquiriu, inculcando-lhe a ideia de que estava a adquirir produtos financeiros em tudo semelhantes a um depósito a prazo, com capital assegurado, e muito melhor rentabilidade do que este, atento o prazo de aplicação superior, mas que não teria subscrito se tivesse sabido que nem sequer o capital investido era garantido, ou que era outra entidade, desconhecida do público e sem a idoneidade que o Banco R. então evidenciava, a obrigada à restituição do capital aplicado e juros.
Por seu turno, o Banco Réu invocou que o Autor tinha conhecimento das características da aplicação financeira subscrita, tanto assim que investiu em muitos outros títulos e produtos de risco, que a seu ver afastam a classificação do autor como sendo um investidor conservador que só pretendia investir em depósitos a prazo. Alegou ainda, que enquanto advogado e com formação superior, o Autor conheceria que havia subscrito obrigações S…, desde logo pelo boletim de subscrição e pelos extractos mensais periódicos, onde todas as suas aplicações financeiras apareciam discriminadas e separadas de acordo com a sua natureza, nunca tendo aquele apresentado qualquer pedido de esclarecimento, nem reclamado de tal subscrição, antes do vencimento das mesmas, pese embora tenha entretanto ocorrido a nacionalização do B…, alegação que, na economia da acção, importa especialmente na apreciação da relevância negativa da causa virtual mas também para o conhecimento das aduzidas excepções.
A sentença recorrida considerou verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar por banda do Réu, com fundamento na violação do dever de informação que sobre si impendia enquanto intermediário financeiro, afirmando depois do enquadramento daqueles, «o preenchimento de todos estes pressupostos. Na realidade, apura-se a prática de um facto voluntário, informações prestadas no âmbito da subscrição de 2 obrigações, a ilicitude consiste na desconformidade entre o comportamento do intermediário financeiro relativamente ao dever de informação densificado nas diversas normas acima citadas, sendo que, o autor logrou provar o incumprimento deste dever, por parte do banco/réu.
A culpa consiste no juízo de censura que é possível fazer sobre o evento, sendo que se presume, por aplicação do disposto no art.º 799.º, n.º 1 do Código Civil (no sentido da aplicação deste preceito à culpa in contrahendo vide Menezes Leitão, ob. cit., pág. 357) e o banco/réu não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si incidia.
Na lesão dos bens jurídicos pessoais e patrimoniais traduz-se o dano, mormente em relação ao capital investido de que o autor se encontra privado.
O nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano decorre do facto de ter resultado provado que o autor nunca subscreveria o produto em causa caso soubesse que o capital investido não era garantido ou que era outra a entidade obrigada à restituição do capital.
Donde, concluindo, constitui-se o banco/réu na obrigação de indemnizar o autor, como deflui do citado art.º 314.º, n.º1 do CMVM»,
Ademais, julgou improcedente a deduzida excepção de prescrição, entendendo que «face à matéria de facto provada, a conduta do banco/réu, adotada através do seu funcionário, ao não prestar a informação completa e verdadeira deve ser qualificada como gravemente culposa, ficando, pois, excluída da aplicação do prazo curto de prescrição e sujeita ao prazo ordinário de 20 anos.
Isto considerando que se apura que o funcionário do banco convenceu o autor a adquirir o produto financeiro em causa, dizendo-lhe que se tratava de um produto seguro, que o capital estava garantido, não lhe explicando as características do produto e o risco envolvido na sua aquisição, designadamente, o facto de que seria a sociedade emitente, em primeira linha, a responder pelo reembolso do capital.
Acresce que não ficou demonstrado ter sido entregue ao autor qualquer folha explicativa das características do produto em causa, sendo que, tratando-se o autor de um investidor não qualificado, a obrigação de esclarecimento que impendia sobre o Banco, na qualidade de intermediário financeiro, era mais acentuada.
Isto, independentemente de possuir outras aplicações ou produtos financeiros subscritos, pois que, como o próprio Banco o classifica, trata-se de um investidor não profissional.
E mesmo o facto de ter existido uma crise do sistema financeiro subsequente não releva, pois que não possui relação direta com a subscrição em causa. (…)
Assim, considerando até que o risco de insolvabilidade da S… já existia à data da subscrição da obrigação em causa, tanto que foram as necessidades de solvabilidade da empresa emitente que determinaram a necessidade de emissão e comercialização do produto em causa, como transparece da documentação de fls. 22/30, ao não prestar tais informações ao autor, o Banco/réu não cumpriu as exigências impostas pelos mencionados preceitos, violando as exigências de boa-fé e a confiança que o cliente depositava na instituição bancária.
Aliás, diremos, resulta das regras de experiência que se fossem transmitidas tais informações, mormente as necessidades de solvabilidade da empresa emitente que determinaram a necessidade de emissão e comercialização do produto em causa, com que segurança qualquer investidor profissional ou não profissional dificilmente aceitaria colocar uma quantia avultada (cada obrigação valia €50.000,00), indisponível por um período de 10 anos, findo o qual logo se veria se aquela se encontrava em condições de pagar o montante investido.
Donde, concluindo que existiu culpa grave, tem aplicabilidade o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, pelo que improcede a exceção perentória invocada.».
O Banco Recorrente dissente deste entendimento, esgrimindo argumentos para justificar porque entende que não se verificam os necessários pressupostos da obrigação de indemnizar o Autor, mormente os atinentes à ilicitude, ao nexo de causalidade e à culpa, em suma, por considerar que não houve incumprimento do dever de informação previsto no artigo 312.º, n.º 1, alínea e) do CdVM relativo à informação a prestar quanto aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, porque nem o incumprimento do reembolso da obrigação nem mesmo a insolvência do emitente podem ser considerados riscos especiais de que o intermediário financeiro deva prevenir o investidor; que a violação do dever de informação não implica qualquer presunção de ilicitude; que não se verifica o nexo de causalidade adequada entre a actuação do intermediário financeiro e o não reembolso, na maturidade, do capital investido; a haver indução do autor em erro pelo funcionário do banco, tal conduta apenas pode ser qualificada como negligência inconsciente, donde, à data da instauração da acção, qualquer putativa responsabilidade do Banco encontrava-se prescrita.
Apreciando.
Conforme já salientámos no anterior acórdão, apesar da proliferação de decisões publicadas que têm na sua génese o investimento de clientes do B… nestas Obrigações S…, 2004 e 2006, tal não significa que o decidido num caso se aplique acriticamente aos demais, porquanto, pese embora com alguma similitude, surpreende-se também e cada vez mais, ser diverso o acervo factual alegado e consequentemente apurado, ou não apurado.
Para isto mesmo, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a alertar as instâncias referindo designadamente no acórdão de 24.01.2019[5] que «É um truísmo afirmá-lo, mas, como o revela a leitura de outros arestos que têm sido publicados sobre litígios de contornos semelhantes ligados ao “Grupo DD”, não existem processos ou “casos” iguais, neles assomando diversas realidades e uma multiplicidade de questões de facto e de direito.
A diferenciação começa logo pelos sujeitos, quer do lado ativo, quer do lado passivo, e acentua-se com a diversidade de factos alegados e, depois, com a variedade de factos provados e não provados, em função quer dos meios de prova apresentados, quer da diversidade de tribunais que os apreciaram em diversas circunscrições e instâncias judiciais.
Os litígios especificamente relacionados com a intermediação financeira de “Obrigações DD-2006” não escapam a esta proliferação, acentuando a necessidade de na resolução de cada um deles serem tidos em conta os factos que, em concreto, se apuraram (a par daqueles que, tendo sido alegados, não ficaram demonstrados), esconjurando o risco de indevidas generalizações. Sendo verdade que existem pontos comuns e que a tarefa de interpretação e de aplicação das normas deve potenciar respostas tendencialmente idênticas, para a resolução de cada litígio tanto interessam as grandes áreas comuns como os pormenores diferenciadores.
Embora possa existir alguma similitude nos casos, não pode correr-se o risco - que este mesmo coletivo já assinalou no recente Ac. do STJ de 8-11-18, 2147/16, em www.dgsi.pt - de a uma série de petições massificadas, seguidas de contestações similares, se sucederem decisões convergentes à margem da diversidade dos elementos de ordem subjetiva e objetiva presentes em cada caso».
Por isso que, em arestos recentemente proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça inter alia em 07.02.2019[6], possamos verificar que o nosso mais Alto Tribunal tem vindo a anular alguns acórdãos para, determinar, de harmonia com o disposto no artigo 682.º, n.º 3, do CPC, a baixa do processo ao tribunal recorrido para que, por determinação deste, no tribunal de 1ª instância se apreciem os factos alegados a respeito da matéria de facto conexa com a afirmada “garantia” do pagamento das obrigações S… por parte do Banco e com o nexo de causalidade, mormente na vertente da relevância da causa virtual negativa, no concernente à alegação e prova de que o cliente não subscreveria o produto se lhe tivesse sido prestada a informação de que era outra entidade a obrigada à restituição do capital, após o que, deve ser aplicado o direito aos factos provados.
Como antedito, verifica-se a proliferação de processos e consequentemente de decisões a este respeito, vislumbrando-se algumas decisivas nuances na interpretação do cumprimento dos ónus a cargo do autor quanto aos deveres de informação que sobre o B… impendiam ao tempo em que os seus clientes subscreveram as Obrigações S…, e sua repercussão no comportamento assumido pelo cliente, o mesmo é dizer, saber se este, com uma informação completa, teria ou não subscrito o produto em causa.
Vejamos, então, se a informação prestada pelo B… ao Autor previamente à subscrição por este das Obrigações S…, no exercício da sua actividade bancária e enquanto intermediária financeira da operação em causa, se pode ou não considerar efectuada em obediência às regras que regem a formação dos contratos e tais actividades, convocando-se as normas então vigentes, pois é por estas que a responsabilidade contratual que lhe é assacada deve ser aferida.
Em primeiro lugar, temos a obrigação genericamente prevista no artigo 227.º, n.º 1, do Código Civil[7], estabelecendo que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
Na verdade, e logo a respeito da culpa na formação dos contratos, refere ALMEIDA COSTA[8], «que, durante as fases anteriores à celebração do contrato – quer dizer, na fase negociatória e na fase decisória – o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade. De modo mais concreto: apontam-se aos negociadores certos deveres recíprocos, como, por exemplo, (…) o de não adoptar uma posição de reticência perante o erro em que esta lavre, o de evitar a divergência entre a vontade e a declaração (…). Através da responsabilidade pré-contratual tutela-se directamente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé; e, por conseguinte, as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração». Portanto, a lei impõe aos contraentes logo nas negociações tendentes à conclusão de um contrato, o dever de se pautarem reciprocamente por um comportamento de lealdade, de informação, de esclarecimento, em suma, de transparência, que constitui a base de uma manifestação de vontade esclarecida e querida, aquando da decisão de contratar. Depois, temos o princípio geral vertido no artigo 762.º, n.º 2, do CC, de acordo com cuja estatuição, tanto no cumprimento da obrigação, como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.
Relembrados os princípios gerais, importa agora atentar nos concretos deveres que a lei impõe às instituições de crédito na relação para com os seus clientes, e concretamente nos deveres de conduta legalmente previstos para regular tais relações contratuais, desde logo estabelecidos no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras[9], de cujo artigo 74.º se retira que tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, aquelas devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados, fixando-se no artigo 75.º a obrigação de actuação com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, devendo ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral.
Com tal desiderato, concretiza-se no artigo 77.º, n.º 1, do RGICSF, que «as instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes».
Assente que sobre o Banco, enquanto instituição de crédito que celebrara com o Autor um contrato, impendia na relação com o seu cliente o dever de o informar com clareza sobre os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, actuando com a diligência de um gestor criterioso, impunha-se-lhe que explicasse ao potencial subscritor do produto, e tendo em conta também o seu interesse, não apenas as vantagens que as Obrigações SLN lhe iriam proporcionar, leia-se a mais elevada remuneração da aplicação do seu dinheiro, mas também os riscos que dessa aplicação lhe advinham, entre os quais avulta obviamente a possibilidade de não ter retorno do capital investido. Não vemos outra forma de ler o binómio a que alude o artigo 75.º do RGICSF quando se refere à obrigação de actuação de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações.
Acresce que, sendo o(s) concreto(s) contrato(s) celebrado(s) entre o autor e o B… um contrato de intermediação financeira, estava ainda sujeito ao regime decorrente do Código dos Valores Mobiliários[10], cujo artigo 7.º, n.º 1, prescrevia que «a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita».
Conforme se exarou no aresto deste Tribunal da Relação de 27.02.2020[11], «neste preceito legal são consagradas as exigências gerais de uma informação de qualidade, a saber: a completude; a veracidade; a atualidade, a clareza, a objetividade e a licitude.
O critério de exigência da qualidade de informação contido nesta disposição legal atende ao investidor médio e às suas necessidades para formar uma decisão de investimento esclarecida, valendo, em geral, para toda a informação obrigatória e ainda para a informação facultativa que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores — cfr. Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2018, 4.ª edição, págs. 788/789.
Por sua vez, no art.º 312.º/1, do CdVM, elencam-se os deveres de informação a que está sujeito o intermediário financeiro, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, nomeadamente todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo as referentes aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas; e aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar – als. d) e e).
E acrescenta-se no seu n.º 2, que “A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”.
Como sublinha Paulo Câmara, ob. cit. pág. 415, “segundo este preceito, a extensão e a profundidade da informação a prestar devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência que o cliente tiver”.
Um dos elementos fundamentais na caracterização dos instrumentos financeiros, para que a tomada de decisão seja esclarecida e fundamentada, respeita a saber se têm ou não capital garantido e quem o garante – neste sentido os Acórdãos do STJ de 10/01/2013, pro. N.º 89/10.4 TVPRT (Tavares de Paiva); de 17/03/2016, proc. n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1. (Maria Clara Sottomayor), e de 25/10/2018, proc. n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1 (Bernardo Domingos), todos disponíveis em www.dgsi.pt».
Ora, apesar de saber que a prestação de tal informação aos clientes era legalmente devida, a mesma não foi então prestada pelo B…, como flui da materialidade não provada de j) a l), ou seja, ao contrário do alegado, o Recorrente não provou ter informado o Autor que o produto em causa consistia em valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente; que era esta que procederia ao reembolso total ou parcial do investimento, que se tratava da sociedade-mãe do Banco; que lhe apresentou as condições do produto, e que explicou os formulários que lhe deu para assinar. Ao invés, provou-se a factualidade transcrita de 31 a 36, da qual avulta que o produto “S… Rendimento Mais 2004” foi transacionado nos balcões comerciais do réu, tendo sido distribuído pelos funcionários dos mencionados balcões o documento que constitui fls. 28, que identificava o Conselho de Administração do B… como sendo o órgão responsável pela decisão de lançamento do produto em causa, e elucidava os funcionários acerca das estratégias de venda do produto, indicando-lhes, inclusivamente, quais as respostas a apresentar às eventuais dúvidas do cliente de modo a convencê-lo da segurança da compra.
Assim, como se extrai do ponto 35 dos factos provados, a ré instruiu os seus funcionários a usar o seguinte argumentário (externa e internamente) para obter para convencer os clientes a adquirirem o produto: a) Capital garantido, b) elevadas taxas de remuneração, c) pagamento de juros periódico, d) Indicação de que, internamente, a campanha de venda deste produto iria integrar o denominado “Campeonato B… 2004” e, ainda, que dada a importância estratégica deste produto iria existir mesmo uma “super prova especial” com indicação das condições de atribuição de prémio, concluindo-se, pois, como em 36. que as orientações e comunicações internas existente no B..., S.A. e que esta transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança do produto em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade, a importância estratégica, sendo natural, neste circunstancialismo e com o grau de informação que foi prestado aos próprios funcionários, que estes referissem aos clientes que se tratava de um produto com capital garantido.
Bastam, pois, a nosso ver, os princípios gerais para concluir que com esta actuação o B… não cumpriu sequer as obrigações genericamente estabelecidas para as instituições de crédito no RGICSF, já que a sua Administração optou, por via da informação já por si incompleta que os seus funcionários detinham, mormente pelo “argumentário” que passou aos seus funcionários, em apenas transmitir aos clientes que fossem potenciais subscritores uma das faces da moeda, o seu “lado solar”, ocultando “o lado lunar”[12] do produto financeiro que propunha. Poderá dizer-se, como a Recorrente, que tal não tinha à data a relevância que hoje, com a informação de que dispomos, passou a ter? Entendemos que não. Desde logo, porque não se encontrava na “disponibilidade” do Banco, enquanto intermediário financeiro prestar ou não a informação completa ao cliente, uma vez que a própria «violação dos deveres de informação a cargo do banqueiro traduz o desrespeito da boa-fé in contrahendo»[13], imposta desde logo pelos referidos artigos 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, do CC, sublinhada e especificada a respeito da actividade bancária e de intermediação financeira, pelos indicados artigos 77.º, n.º 1, do RGICSF, 7.º e 312.º, n.ºs 1, alíneas d) e e), e 2, do CdMV, constituindo tal omissão o facto ilícito cometido pelo Réu, e decorrendo a sua culpa da ocultação de informação contratual que bem sabia ser relevante na tomada de decisão do cliente.
Assim, temos por certo que o demais convocado para a decisão de casos com factualidade semelhante à presente, constitui até um plus relativamente ao que já resultaria dos princípios gerais, visando afastar a motivação das alegações de recurso, e nessa parte, evitando desnecessária repetição, louvamo-nos nas desenvolvidas considerações que a respeito foram tecidas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2018[14], onde se afirmou que «os princípios gerais conformadores do cumprimento obrigacional e da cláusula geral da boa-fé, torna-se imperioso concluir que, desde sempre, a lisura contratual e as regras hermenêuticas no domínio da responsabilidade contratual impunham – e impõem – que o intermediário financeiro seja diligente na prestação de informações que permitam ao cliente ficar consciente dos riscos envolvidos em qualquer operação financeira realizada.
A existência de deveres informativos visa essencialmente proteger os investidores e este princípio nuclear tem subjacente a defesa do interesse público, a segurança nos mercados e a igualdade entre os vários agentes de mercado. E, por conseguinte, toda e qualquer avaliação da responsabilidade contratual não pode ficar apartada dessa ideia matricial».
Outrossim, como se julgou no Acórdão do STJ de 10-04-2018[15] «I. A proteção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transação é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a profissionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve. III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro. IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte. V. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”
Estribando-se identicamente na mais autorizada doutrina, considerações similares subjazem aos pontos do sumário recentemente exarado no citado aresto deste Tribunal da Relação de 27.02.2020, onde se afirmou em caso em tudo semelhante ao presente que:
«Se na fase pré-contratual, a Ré/recorrente, não prestou ao autor, a exigível e qualificada informação sobre o produto financeiro em causa, não atuou de boa-fé com o elevado padrão de conduta, não agiu com a devida diligência e transparência, antes forneceu informação incompleta, não verdadeira e ilícita, não informando cabalmente o cliente/investidor do risco do negócio, não respeitou nem protegeu os interesses deste, como lhe era exigido, e que nele confiava, em particular de que o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um depósito a prazo junto do banco, prestando informação falsa sobre as características do instrumento financeiro, responde civilmente pelos prejuízos causados (art.º 314.º-A do CdVM)».
Na verdade, não colhe igualmente a alegação da Recorrente no sentido de que o risco em causa não carecia de alerta, por não ser um risco específico, comparando-o ao risco de insolvência. O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou a este respeito no citado aresto de 10-04-2018, afirmando que «os factos provados demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da atuação de boa fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor, seu cliente há 12 anos, e que, naturalmente confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a de que pudesse cair na insolvência, mas que não deveria ser a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo. VII. Se nos deveres de informação não cabe, por exemplo, o dever de alertar para o risco de insolvência da entidade que coloca o produto financeiro no mercado, sobretudo se as circunstâncias não assinalarem no horizonte esse risco, já nos casos, como é o que nos ocupa, em que o cliente é induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança, não menos certo é que qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro».
Aqui chegados, e assente que por via da omissão da devida informação ao Autor a respeito do produto financeiro contratado, o Banco R. se constitui civilmente responsável pelos prejuízos àquele causados, importa não esquecer que tal não significa a imediata procedência da acção, já que, conforme se referiu no ponto seguinte do referido sumário «a responsabilidade civil do intermediário financeiro por violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, como flui do art.º 314.º do CdVM, na sua redação em vigor à data dos factos (atual art.º 304.º-A), não isenta o lesado de alegar e demonstrar, por força do art.º 563.º do C. Civil, o nexo de causalidade entre o facto lesivo e os danos, visto que só existe obrigação de indemnizar em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
Vejamos, pois, se o Autor demonstrou ou não o nexo de causalidade entre a subscrição das obrigações S… no predito circunstancialismo, e o prejuízo para si decorrente de o capital no valor de 100.000,00 €, não ter sido devolvido à sua esfera patrimonial, nem no dia 25-10-2014, nem até à presente data, na sequência de o Banco Réu ter dado instruções claras aos balcões para “não pagar a dívida da ex-S…”, e esta sociedade emitente ter sido declarada insolvente em 05-07-2016 (cfr. números 38, 39 e 40 da matéria de facto provada), uma vez que, «embora o banco tenha violado culposamente esses deveres, não está obrigado a indemnizar se não se provar um nexo de causalidade entre os danos invocados e a atuação culposa do banco, ou seja, recai sobre o lesado o ónus de provar que não investiria no produto financeiro que adquiriu se o banco o tivesse informado nos termos legais», conforme se decidiu no recente aresto de 04-06-2020, também deste Tribunal[16], porquanto, apesar da similitude das premissas iniciais, não se demonstrou aquele nexo causal e, por isso, julgou-se não haver obrigação de indemnização, por banda do Banco réu.
Exemplos, vários, de casos em que o Supremo Tribunal de Justiça julgou que a factualidade decorrente dos autos permitia estabelecer tal nexo causal, podem ver-se, inter alia, no recente aresto de 28-01-2020[17], para o qual se remete, e que reproduz sumários de seis outros acórdãos do nosso mais Alto Tribunal onde se considerou, em síntese, que:
«I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.
II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco.
III - Mostrando-se que se o intermediário financeiro tivesse informado o cliente de forma completa, verdadeira e leal este nunca aceitaria subscrever o produto financeiro em causa, e mostrando-se que o reembolso não foi feito na data da respetiva maturidade nem depois, é o intermediário financeiro responsável pelo prejuízo sofrido pelo investidor».
Ora, revertendo estas considerações ao caso em presença temos demonstrado, para além do já referido, e na parte mais essencial, que o autor normalmente optava por aplicações que não comportassem risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem garantidos, sendo o funcionário que o contactou conhecedor desse perfil não profissional; que o autor acedeu em fazer a aplicação de dinheiro porque convencido que se tratava de um investimento seguro e porque confiava no funcionário em causa, não possuindo conhecimentos financeiros que o habilitassem a questionar a informação que o funcionário lhe transmitiu; que na data da subscrição o autor não fazia a mínima ideia do que era a S...., S.G.P.S., S.A., sendo o Banco … foi a única entidade com quem o autor sempre contactou e onde pensou estar a aplicar o dinheiro, e estando convencido de que o fazia em condições semelhantes a um depósito a prazo; que o Autor não subscreveria o produto se tivesse conhecimento de que o capital investido não era garantido e que era outra entidade a obrigada à restituição do capital aplicado; e, verificando-se que o produto financeiro em causa não possui afinal as características que foram asseguradas ao autor, não lhe tendo sido assegurado o reembolso do capital investido nem na data aprazada nem posteriormente, dúvidas não existem de que se verifica o nexo causal entre a actuação do Banco e o prejuízo sofrido pelo Autor, a fundar a correspondente obrigação de indemnização.
Mas, a verificar-se a obrigação de indemnizar, como se verifica, insurge-se ainda o Recorrente a respeito do seu quantum, defendendo que o prejuízo do Apelado não corresponde ao valor do capital investido, em suma porque, entretanto, este foi recebendo os juros acordados.
Novamente sem razão, conforme o Supremo Tribunal de Justiça já afirmou no seu Acórdão de 19 de Março de 2019[18], em fundamentação que aqui acolhemos[19]:
«[o] Réu incorreu em responsabilidade obrigacional perante os Autores por violação dos deveres de informação, de lealdade e de atuação de boa-fé que sobre ele impendiam. Razão pela qual está vinculado a reparar o prejuízo patrimonial causado. Reparação essa que, repetindo, se faz precisamente através do pagamento (indemnização) daquilo que os Autores entregaram e perderam (acrescendo juros), e que não teriam entregado e perdido se tivessem sido devidamente informados acerca daquilo que estavam a subscrever realmente (art. 563.º do CCivil). E dado que os Autores sofreram danos não patrimoniais por causa do comportamento ilícito e culposo do Réu, têm também direito à correspetiva indemnização fixada na 1ª instância (e cujo quantum não vem discutido no presente recurso, nem sequer foi questão colocada à decisão do tribunal ora recorrido)».
Pelo exposto, não merece qualquer censura a decisão da primeira instância que condenou o Réu no pagamento da quantia correspondente ao valor investido pelo Autor, acrescido de juros.
Não obstante, o Réu ainda aduz a verificação da excepção de prescrição de qualquer indemnização que fosse entendido conceder ao Autor.
Neste conspecto, reproduzimos, por integralmente aplicáveis à situação em presença, as considerações tecidas a respeito no já citado aresto deste Tribunal da Relação onde se referiu que «o recorrente defende ser aplicável o prazo de prescrição de dois anos, porque está em causa uma conduta reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente -, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, quanto à violação dos apontados deveres de informação.
E assim sendo, afirma, esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art.º 324º do CdVM permite o advento mais precoce da prescrição nos casos em que, como o presente, não há dolo ou culpa grave, pelo que considerando a matéria de facto provada, já estavam volvidos mais de dois anos entre a data em que o Autor tomou conhecimento da concreta aplicação efetuada e a data em que propôs a ação.
Ora, quanto à questão da prescrição do direito à indemnização acompanha-se o que se decidiu no citado Acórdão STJ de 10/04/2018 (Fonseca Ramos):
“O prazo de prescrição de dois anos, previsto no art.º. 324º, nº2, do CVM, só é aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro, como resulta da ressalva inicial “salvo dolo ou culpa grave”: sendo a culpa grave, não se aplica aquele prazo bianual, mas o prazo prescricional geral do art.º 309º Código Civil” – no mesmo sentido se pronuncia A. Barreto Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 295, e o acórdão desta Relação de 10/05/2018, proc. n.º 2658/16.0T8STR.E1 (Mata Ribeiro).
No caso dos autos, é manifesta a existência de culpa grave do Réu, pelo menos, pois como se afirmou é-lhe exigido um grau de diligência mais acentuado, devendo atuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve.
Daí a aplicação do prazo geral de prescrição de 20 anos, nos termos do art.º 309.º do C. Civil».
Nestes termos, improcedem ou mostram-se deslocadas as conclusões do recurso, pelo que, na improcedência da apelação, é de manter a sentença recorrida.
Vencido, o Apelante suporta as custas de parte devidas pelo recurso, de harmonia com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, n.º 1, todos do CPC.
*****
III - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
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Évora, 8 de Outubro de 2020
Albertina Pedroso [20]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
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[1] Juízo Central Cível de Faro, Juiz 3
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Que pelas razões então referidas, julgou ambas as apelações.
[4] Doravante abreviadamente designado CPC.
[5] Proferido no processo n.º 2406/16.4T8LRA.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Proferido no processo n.º 31/17.1T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Doravante abreviadamente designado CC.
[8] In Direito das Obrigações, 12.ª edição, revista e actualizada, págs. 302 e 303.
[9] Doravante abreviadamente designado RGICSF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92 de 31-12, alterado e republicado pelo DL n.º 157/2014, de 24-10.
[10] Doravante abreviadamente CdVM, provado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13-11, na redacção em vigor à data dos factos.
[11] Proferido no processo n.º 3328/17.7T8STR.E2, Relatado pelo ora Primeiro Adjunto e subscrito pelo ora Segundo Adjunto, para cujo aprofundado enquadramento doutrinário remetemos, para evitar desnecessária repetição.
[12] Tomando emprestada a feliz imagem da letra de uma conhecida música.
[13] Cfr. MENEZES CORDEIRO, in Manual de Direito Bancário, 3.ª Edição, Almedina, 2008, pág. 354.
[14] Proferido no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Proferido no processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Proferido no processo n.º 969/18.4T8STR.E1, disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado: «i) o banco ao incutir nos seus clientes a ideia de que um produto financeiro tem a segurança de um depósito a prazo, quando tal não é verdade, tem uma atuação censurável e grave, violadora dos mais elementares deveres de informação a que estava adstrito, geradora de responsabilidade civil contratual. ii) no quadro da responsabilidade civil contratual, a atinente obrigação de indemnização tem como pressupostos a violação ilícita e culposa dos deveres pré-contratuais e contratuais, que cause danos ao demandante. iii) embora o banco tenha violado culposamente esses deveres, não está obrigado a indemnizar se não se provar um nexo de causalidade entre os danos invocados e a atuação culposa do banco, ou seja, recai sobre o lesado o ónus de provar que não investiria no produto financeiro que adquiriu se o banco o tivesse informado nos termos legais».
[17] Proferido no processo n.º 2142.16.1T8STR.E1.S1, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:2142.16.1T8STR.E1.S1/. Em sentido que se nos afigura não ser coincidente, podem ver-se os Acórdãos do STJ, proferidos em 21.03.2019, 21.02.2019, 28.03.2019 e 09.05.2019, e tendo-o presente, determinámos oportunamente a baixa dos autos ao tribunal recorrido, para ampliação da matéria de facto e produção dos indicados meios de prova, estando agora vertida nos autos, segundo cremos, a base factual relevante para a solutio do caso concreto, possibilitando a aplicação de todas as plausíveis soluções de direito.
[18] Proferido no processo n.º 3922/16.3T8VIS.C2.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[19] Dissentindo da diferente posição adoptada no Ac. STJ de 05.05.2018, proferido no processo n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1.
[20] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado electronicamente pelos três desembargadores que constituem esta conferência.