Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1856/22.1T8STR.E1
Relator: ANABELA RAIMUNDO FIALHO
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO
COMODATO
LUCRO CESSANTE
CESSAÇÃO DO CONTRATO
EXPECTATIVA JURÍDICA
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Ainda que uma parte beneficie de uma expetativa tutelada juridicamente, decorrente da cessação antecipada e infundada do contrato por iniciativa da outra parte, não lhe assiste o direito a obter uma indemnização por lucros cessantes se não logrou provar, como lhe competia, a probabilidade séria do dano futuro, traduzida nos lucros que poderia obter, caso o contrato se mantivesse até ao seu termo.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1856/22.1T8STR.E1

Tribunal a quo
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Central Cível de Santarém- Juiz 4
Recorrente: (…) – Comércio de (…) de Portugal, S.A. (Autora)
Recorrido: … (Réu)
***
*****
Sumário: (…)
***

Acordam as Juízas da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
(…) – Comércio de (…) de Portugal, S.A. instaurou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra (…) e esposa, (…), (…), Lda. e (…), formulando os seguintes pedidos:
a) serem os réus solidariamente condenados a pagar a quantia de € 423.788,00, acrescida de € 148.407,07, a título de juros de mora;
b) ser declarado nulo e de nenhum efeito o documento particular autenticado, por via do qual os primeiros réus declararam vender à segunda um prédio urbano sito em (…), Venda da (…), Tomar; caso assim não se entenda,
d) ser declarada a nulidade parcial do negócio, por simulação (relativa, do preço), com as legais consequências;
e) serem os réus solidariamente condenados nas custas do processo.
Para o efeito, em síntese, alegou que, celebrou com o réu marido, no dia 4 de janeiro de 1999, um contrato que denominaram “Contrato de Fornecimento Para Venda e Comodato”, através do qual aquele se obrigou a vender e a comercializar, em exclusivo, no Posto de Abastecimento de Combustível, localizado na freguesia de (…), concelho de Tomar, os combustíveis e lubrificantes por si vendidos. O réu, porém, denunciou tal contrato no dia 11 de outubro de 2005, antes do fim do prazo contratualmente estabelecido, entendendo, por isso, que lhe assiste o direito a ser ressarcida pelos prejuízos causados com a referida denúncia, no valor de € 423.788,00, correspondente ao somatório da diferença entre o preço da compra dos combustíveis pela Autora e o da (re)venda dos mesmos ao réu, até ao termo do contrato (em 31/12/2009), acrescido dos juros de mora. Alegou ainda a simulação da venda realizada pelos referidos réus à ré sociedade, cujo sócio é filho dos mesmos, de um prédio urbano sito em (…), Venda da (…), Tomar, pelo valor de € 91.000,00, porquanto essa venda foi realizada unicamente com o intuito de subtrair tal imóvel aos credores daqueles, inclusive, a si. Com tal fundamento factual, pediu a declaração da nulidade do documento particular, datado de 8 de setembro de 2016, através do qual foi formalizada a referida venda, bem como o cancelamento do registo da respetiva aquisição.

Os réus contestaram a ação, pugnando pela sua improcedência e pela procedência de pedido reconvencional deduzido contra a autora, através do qual pediram a sua condenação no pagamento dos bónus não recebidos pelo primeiro réu, no valor de € 37.527,09. Excecionaram ainda a ineptidão da petição inicial e a ilegitimidade dos réus (…), (…), Lda. e (…), bem como a prescrição do direito invocado pela autora. Impugnaram o pedido, dizendo que o contrato celebrado entre a autora e o primeiro réu constituía um contrato de concessão comercial, que foi legalmente denunciado nos termos previstos nos artigos 24.º, 28.º e 29.º do DL n.º 178/86, de 3 de julho e no n.º 2 do artigo 4.º da Lei 18/2003, de 11 de junho, já que a sua vigência não podia exceder os 5 anos, convertendo-se, a partir desse momento, em contrato por tempo indeterminado e sem regime de exclusividade, em conformidade com o disposto no artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 2790/1999, da Comissão, de 22/12/1999. Entendiam, por isso, que a Autora não teria direito a qualquer indemnização. Sem prejuízo deste entendimento, impugnaram o valor peticionado. Quanto à invocada venda simulada, para além de impugnarem a factualidade articulada a esse respeito, defenderam a inutilidade da declaração da nulidade da venda, porquanto, para além de existir uma penhora registada a favor da autora sobre o imóvel antes da alienação em causa, tudo estava encaminhado no sentido do pagamento da quantia exequenda que a referida penhora visava garantir.

A autora replicou, defendendo a improcedência das exceções invocadas e do pedido reconvencional.

Em sede de saneamento do processo, foi julgada improcedente a exceção dilatória de cumulação de pedidos/coligação ilegal e a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e por cumulação de pedidos incompatíveis; julgou-se procedente a exceção dilatória de ilegitimidade do Réu (…), absolvendo-o da instância, e admitiu-se a reconvenção.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos:
A. Julga-se a ação intentada por (…) – Comércio de (…) de Portugal, S.A. parcialmente procedente, e, em consequência:
1. Julga-se improcedente a exceção de prescrição do direito da autora;
2. Declara-se a nulidade relativa, por simulação do preço, do contrato de compra e venda celebrado entre os réus;
3. Julga-se improcedente o demais peticionado pela autora, absolvendo os réus de tais pedidos;
B. Julga-se parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelos réus e, em consequência:
1. Condena-se a autora/reconvinda a pagar ao réu (…) a quantia de € 37.527,09 (trinta e sete mil e quinhentos e vinte e sete euros e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa comercial legal em vigor, desde a sua notificação da contestação / reconvenção e até efetivo e integral pagamento.
2. Absolve-se a autora/reconvinda do mais contra si peticionado.
C. Condena-se a autora e os réus/reconvintes nas custas do processo, na proporção dos respetivos decaimentos.
D. Registe e notifique”.

Inconformada, a Autora interpôs recurso desta sentença, pugnando pela revogação da mesma, na parte em que absolveu o Réu do pagamento de indemnização pelos danos sofridos pelo incumprimento culposo do contrato dos autos, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões, que se transcrevem:
A. O tribunal a quo laborou em erro na apreciação da matéria de facto e de direito aplicável ao caso dos autos.
B. Atento o depoimento prestado pela testemunha Adelino Ribeiro, cotejado com o teor dos documentos 5 e 6 da p.i., a matéria vertida no ponto a. dos factos não provados dos autos deveria ter sido dada por provada”.
C. A matéria dada por não provada no ponto b dos factos não provados deveria ter merecido a resposta de “provada”, tendo em conta o estipulado no contrato dos autos, junto como Doc. 1 da p.i., devidamente acompanhado da informação datada de 04.01.99, que se encontra assinada por ambas as partes.
D. Não tendo tal informação sido impugnada pelo réu, teria forçosamente de ser valorada pelo tribunal, nos termos do artigo 376.º do Código Civil.
E. Acresce que o 1$00 de bónus por litro de que o réu beneficiava, além de ter sido dado
como assente em sentença, já transitada em julgado – cfr. Doc. 2 da p.i. – também o foi
em 5 dos factos provados.
F. Por último, também os pontos c e d dos factos não provados deveriam ter sido elencados na lista de factos provados, já que os valores ali referidos resultam de uma projeção de vendas, calculada pela autora, com base nos litros de combustíveis fornecidos ao réu nos 2110 dias de vigência do contrato dos autos (entre 01.01.2000 e 10.10.2005).
G. O tribunal a quo concluiu, e bem, que o primeiro réu não denunciou o contrato celebrado com a autora, mas rescindiu-o, contudo, sem justa causa e, por conseguinte, de forma não válida.
H. A autora tinha fundadas expectativas de que o contrato fosse cumprido até ao fim e tinha todas as condições para efetuar todos os fornecimentos solicitados pelo réu.
I. O incumprimento contratual por parte do réu constitui-o, forçosamente, na obrigação/dever de indemnizar a autora, não só pelos danos emergentes (damnum emergens), como também pelos lucros cessantes (lucrum cessans).
J. A indemnização pedida pela autora, pelos lucros cessantes advenientes da indevida cessação antecipada do contrato, visa colocá-la na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido exata e pontualmente cumprido.
K. Foi dado como provado que “A autora vendeu ao primeiro réu, ao abrigo do contrato
referido nem 1., o montante global de 8.523.507 litros de combustível” (ponto 35 dos factos provados).
L. O tribunal a quo dispunha de meios documentais nos autos que lhe permitissem calcular o dano sofrido pela autora, tendo por base a teoria da diferença consagrada no n.º 2 do artigo 566.º do C.C., medindo-se o mesmo pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, sendo para o encontro desse dano legítimo o recurso a critérios de probabilidade ou previsibilidade, e a que se reportam os artigos 563.º e 564.º, n.º 2, daquele diploma legal.
M. Ainda que assim não fosse, e assistisse razão ao tribunal a quo ao concluir, face aos elementos trazidos aos autos pela autora, pela impossibilidade da prova relativamente ao quantum ou montante do dano.
N. Atenta a prova produzida, não só em sede de audiência de julgamento, nomeadamente, a matéria de facto provada nos pontos 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 12, 13, 18, 19, 20 e 35 dos factos provados.
O. Bem como toda a prova documental dos autos, nomeadamente, os Docs. 4 a 6 da p.i..
P. Não podia o tribunal a quo dar como não provada a existência de um dano, por parte da autora, pelo incumprimento culposo do contrato, por parte do réu,
Q. Não reconhecendo o direito de indemnização invocado pela autora,
R. Devendo, antes, ter condenado o réu no pagamento de uma indemnização à autora, com recurso à equidade, ponderando todos os elementos de facto de que dispunha para apurar o dano sofrido por esta pelo incumprimento contratual daquele,
S. Ou, no máximo, relegar a respetiva quantificação para incidente posterior de liquidação.
T. O tribunal a quo violou o disposto nos artigos 4.º, alínea a); 563.º; 564.º; 566.º, n.ºs 2 e 3 e 798.º do Código Civil e 358.º, n.º 2 e 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).

O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, mas alegando que o contrato celebrado com a Recorrente foi por si validamente denunciado e não resolvido (como entendeu o tribunal a quo), concluindo que daqui resulta que aquela não tem direito a qualquer indemnização.

O recurso foi admitido.

1.1. Questões a decidir
Considerando as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir:
1.1.1. Deve proceder, no todo ou em parte, a impugnação da matéria de facto?
1.1.2. Em caso afirmativo e face à matéria de facto assente, assiste à Recorrente o direito a ser indemnizada, nos termos peticionados ou noutros?

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Fundamentação de facto
2.1.1. Factos considerados provados na decisão recorrida:
1. No dia 4 de Janeiro de 1999, e no domínio da atividade comercial de ambos, a autora celebrou com o réu (…) o acordo de fls. 27 a 34 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido denominado “contrato de fornecimento para venda e comodato”, mediante o qual este se obrigava a vender e a comercializar em exclusivo, no referido Posto de Abastecimento de Combustível localizado na freguesia de (…), concelho de Tomar, distrito de Santarém, os combustíveis e lubrificantes que lhe fossem fornecidos pela autora ou por quem esta indicasse, mais se obrigando, consequentemente, a não vender ou comercializar, no mencionado Posto de Abastecimento, combustíveis ou lubrificantes fornecidos por terceiros.
2. No âmbito daquela relação comercial, a autora fornecia ao réu (…) combustíveis e lubrificantes no regime de venda firme.
3. Ficou ainda estipulado que o réu (…) se obrigava a pagar os mencionados produtos pelos preços, descontos e prazos, termos e demais condições que vigorassem à data do respetivo fornecimento.
4. E que todos os pagamentos do réu (…) deveriam ser efetuados por cheque ao representante da autora, nas sextas-feiras seguintes aos abastecimentos da semana anterior, sendo certo que em alguns casos tal ato era realizado contra a entrega dos produtos.
5. Em ambos os casos, a autora teria que pagar ao réu (…) um bónus de 1,00 escudo por litro no caso de vendas superiores a um milhão de litros de combustível.
6. O referido acordo teria a duração de dez anos, com o início coincidente com a abertura do Posto de Venda ao público, podendo ser renovado por períodos sucessivos de cinco anos.
7. A autora e o réu (…) acordaram ainda que o incumprimento por parte deste de alguma das obrigações que para si resultassem do referido contrato, nomeadamente a falta de pagamento dos produtos fornecidos pela autora ou por quem esta indicasse, dentro dos prazos e demais termos fixados, conferia à autora, em alternativa ao direito de resolver o contrato, o direito de suspender imediatamente os fornecimentos ou os fornecimentos a crédito ao réu (…) e, bem assim, o de selar as bombas abastecedoras, sem prejuízo de, num e noutro caso, serem reclamadas do réu todas as importâncias em divida de imediato e sem que o mesmo tivesse, por tal motivo, o direito a qualquer indemnização ou o direito de resolver o acordo em causa.
8. Estipularam ainda que ambas as partes tinham o direito de resolver o contrato, quer no caso de incumprimento pela outra parte de alguma das suas cláusulas, quer ainda aos termos gerais do Direito, havendo sempre lugar a indemnizações devidas pelos prejuízos sofridos e considerando-se vencidas todas as dívidas porventura relacionadas com o contrato.
9. O referido contrato foi celebrado numa altura em que não tinha sido ainda iniciada a construção do Posto de Abastecimento objeto do mesmo.
10. Só depois de outorgado o contrato se avançou com a construção do Posto de Abastecimento e a posterior colocação nele de todos os equipamentos, a encargo da autora.
11. Os equipamentos foram, numa primeira fase, entregues ao réu marido em comodato, tendo este adquirido os mesmos à autora em momento posterior.
12. O Posto de Abastecimento abriu ao público em janeiro de 2000.
13. O primeiro réu, recorrentemente, atrasava-se com os pagamentos das quantias correspondentes aos fornecimentos efetuados pela autora, o que levou, numa primeira fase a sucessivas advertências e numa segunda fase a sucessivos cortes de fornecimentos.
14. Com data de 27/06/2005, o réu (…) escreveu à autora duas missivas reclamando a falta de fornecimento, por parte da autora, de GPL e gasolina 95 e gasolina 98.
15. Com data de 29/06/2005, em resposta a e-mail enviado pela autora datado de 27/06/2005, o réu (…) escreveu à autora missiva manifestando desagrado pelo comportamento assumido pela autora no alegado atraso do fornecimento de combustíveis.
16. Com data de 01/07/2005, o réu (…) escreveu à autora missiva, reclamando a falta de fornecimento, por parte da autora, de GPL e gasóleo agrícola.
17. Com data de 13/07/2005, o réu (…) escreveu à autora missiva, reclamando a falta de fornecimento de diversos combustíveis.
18. Em 10/10/2005, a autora suspendeu o fornecimento de combustíveis ao réu marido, em virtude de se encontrarem por liquidar diversas faturas, algumas das quais emitidas em 6/09/2005 e vencidas a 16/09/2005.
19. Por carta datada de 11/10/2005, recebida pela autora no dia 12/10/2005, o réu marido comunicou-lhe o seguinte: «Serve o presente para comunicarmos a V. Exas. a denuncia do contrato de fornecimento celebrado a 4 de Janeiro de 1999, entre V. Exas. e (…). Devido aos constantes incumprimentos por parte da vossa empresa nomeadamente ao nível de fornecimentos, somos obrigados a tomar uma posição radical, ou seja, a denuncia do contrato de fornecimento. Queiram considerar a denuncia do contrato de fornecimento nos termos do clausulado na cláusula 6ª, nº 3, do contrato, cujos efeitos são imediatos, ou seja, com a notificação da presente carta. Com os melhores cumprimentos, Tomar, 11 de Outubro de 2005».
20. Por acórdão do TRE, datado de 06/04/2017 e transitado em julgado a 09/04/2018, proferido no âmbito do processo n.º 1297/13.1TBTMR, que correu termos no Juiz 2, da Secção Central Cível de Santarém, foi o primeiro réu marido condenado a pagar à autora a quantia de € 92.531,88, acrescida de juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma das faturas, aí reconhecidas como devidas pelo réu marido, até integral e efetivo pagamento.
21. A autora requereu contra o réu marido execução para pagamento da quantia de € 182.200,12, que correu termos no Juízo de Execução do Entroncamento, J2, sob o n.º 1848/16.0T8ENT, oferecendo como título executivo a referida sentença judicial condenatória.
22. Em 14/07/2016, pela Ap. (…), foi registada penhora sobre o prédio urbano em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, composto de anexo para comércio, com duas divisões e rés-do-chão para serviços, com uma divisão, sito em (…), Venda da (…), Tomar, concelho de Tomar, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de (…) e (…), sob o artigo (…), com origem no artigo urbano (…), da extinta freguesia de (…), concelho de Tomar, e descrito na CRP de Tomar sob a ficha (…), da freguesia de (…).
23. O respetivo auto de penhora é datado de 29/07/2016.
24. O referido prédio urbano, no ano de 2019, tinha o valor de € 701.382,04.
25. No dia 10/11/2022, a referida execução foi extinta pela satisfação da quantia exequenda através das penhoras realizadas e pagamento voluntário pelo executado, aqui primeiro réu.
26. Em 03/09/2016, foi constituída a segunda ré, com capital social de € 5.000,00, distribuído por duas quotas, uma de € 4.950,00, propriedade de (…), Unipessoal, Lda., cujo único sócio é o filho dos primeiros dois réus e outra de € 50,00, propriedade deste último.
27. Ambas a ré sociedade, quer a sua sócia (…), Unipessoal, Lda. têm por objeto o comércio a retalho de combustíveis.
28. Por documento particular, datado de 08/09/2016, os primeiros dois réus, declararam vender à segunda ré, pelo preço, que declararam já ter recebido, de € 91.000,00, o prédio urbano referido em 22.
29. Os primeiros réus não receberam o referido valor de € 91.000,00.
30. O legal representante da ré sociedade sabia que o primeiro réu, seu pai, tinha dividas para com a autora.
31. A ré sociedade procedeu ao registo da aquisição do prédio a seu favor pela Ap. n.º (…), de (…).
32. Os réus são casados entre si no regime da comunhão de adquiridos e exerceram em comum a sua atividade comercial no Posto de Abastecimento supra descrito, em proveito comum do casal.
33. A autora intentou a presente ação judicial no dia 22/06/2022.
34. O primeiro réu emitiu em nome da autora a fatura n.º (…), datada de 28/09/2016 e de vencimento de 28/10/2016, no valor de € 37.527,09, com descritivo “Débito de Desconto de 1$00 por Litro. Descontos não efetuados de acordo com a Cláusula 2.ª, n.º 8, do contrato assinado” referente a “Combustível fornecido até 12/10/2005”.
35. A autora vendeu ao primeiro réu, ao abrigo do contrato referido em 1, o montante global de 8.523.507 litros de combustível.
36. A autora não pagou o referido valor”.

2.1.2. A decisão recorrida considerou não provados os seguintes factos:
“a. A autora adquiria os combustíveis em grandes, enormes quantidades (chegou a controlar mais de 30 Postos de Abastecimento de Combustíveis), aos grandes players do mercado, nomeadamente à Petrogal, conseguindo sempre descontos sobre o preço de venda ao público, que variavam entre os € 84,00 e os € 110,00 por metro cúbico, numa média de € 93,00 por metro cúbico (1000 litros);
b. O réu marido beneficiava de um desconto de 4$00 sobre o PVP (preço de venda ao público) acrescido de mais 1$00;
c. A autora deixou de vender ao primeiro réu 6.232.177 litros;
d. A autora deixou de auferir, pelo menos, lucro de € 65,00 por metro cúbico, ou de € 0,068 por litro;
e. O réu marido tomou conhecimento da ação executiva referida em 21, na pessoa do seu ilustre mandatário, em 14/04/2016, data em que foi notificado do despacho em que o Juiz da causa declarativa se declarou incompetente para a tramitação da execução, remetendo os autos para a Secção de Execução do Entroncamento;
f. Os primeiros réus não pretenderam vender, nem a segunda ré pretendeu comprar o prédio referido em 22;
g. O negócio referido em 28 foi realizado com o único intuito de subtrair tal imóvel ao alcance dos credores dos primeiros réus, nomeadamente da autora;
h. No documento referido em 28 não consta quem assina pela segunda ré;
i. O legal representante da ré sociedade, filho dos primeiros réus, sempre trabalhou com os pais na exploração do Posto de Abastecimento;
j. O referido legal representante da ré sociedade tinha perfeito conhecimento que o(s) seu(s) pai(s) não pretendia(m) pagar à autora as dívidas que tinham para com ela e que com a realização do negócio referido em 28 prejudicava os credores daquele(s);
k. Ao longo de período de contrato, o primeiro réu teve inúmeros problemas com a autora, nomeadamente, a existência de água retirada dos depósitos por força do produto entregue por parte da (…);
l. O primeiro réu enviou à autora a fatura referida em 34.

2.2. Objeto do recurso
2.2.1. Impugnação da decisão da matéria de facto
O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (doravante, CPC) prevê que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Neste momento processual, há que considerar ainda o artigo 662.º do CPC, cujo n.º 1 prevê que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por outro lado e recorrendo ao escrito por Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil, 8ª ed., 2024, págs. 228-9), há que considerar, para o que aqui importa decidir, que, quando uma parte, em sede de recurso, pretenda impugnar a matéria de facto nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do CPC, impõe-se-lhe o ónus de:
a) (…) “indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”;
b) (…) “especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.”
(…)
“e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”.
Tais ónus traduzem, como também refere Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Neste contexto, verificadas as Alegações e Conclusões da Recorrente, conclui-se que as mesmas cumprem – em termos formais – o que impõe o citado artigo 640.º do CPC.
Assim, pretende a Recorrente que os Factos a), b), c) e d), considerados não provados pelo tribunal a quo, sejam considerados provados.
Vejamos, então.

2.2.1.1. Ponto a) dos factos não provados: “A autora adquiria os combustíveis em grandes, enormes quantidades (chegou a controlar mais de 30 Postos de Abastecimento de Combustíveis), aos grandes players do mercado, nomeadamente à Petrogal, conseguindo sempre descontos sobre o preço de venda ao público, que variavam entre os € 84,00 e os € 110,00 por metro cúbico, numa média de € 93,00 por metro cúbico (1000 litros)”.
Entende a Recorrente que esta factualidade deve ser considerada provada, com base no depoimento prestado pela testemunha (…), seu Delegado Comercial entre os anos de 1989 e 2002, segundo o qual a margem de lucro da Recorrente, por litro de combustível que vendia ao Recorrido, seria, em média, de 10 cêntimos (considerando o valor do gasóleo e da gasolina, esta mais elevada). Considera, assim, que, do cotejo entre as declarações desta testemunha e o teor dos documentos 5 e 6 juntos com a petição inicial resulta que o ponto a dos factos não provados deveria ser considerado provado.
A Senhora Juíza do tribunal a quo, por seu turno, para fundamentar a sua decisão, escreveu que “A factualidade elencada no ponto «a.», isto é, o preço de venda ao público que a autora praticava, sustentado nos documentos 05 e 06 juntos à petição inicial, para além de os mesmos respeitarem apenas ao ano de 2002, quando é do conhecimento generalizado, que os preços dos combustíveis são bastante voláteis, aqueles documentos não tiveram a virtualidade de evidenciar tal factualidade”.
Vejamos, então.
Analisados os documentos 5 e 6, juntos com a petição inicial, e tendo em conta as declarações prestadas pela testemunha (…), conclui-se que aqueles constituem meras informações quanto aos preços praticados pela Cepsa – uma das empresas fornecedoras de combustível à Recorrente –, nos períodos que neles são indicados (de 21 a 30 de novembro de 2002 e de 8 a 18 de dezembro do mesmo ano). Do teor de tais documentos resulta, pois, que a Recorrente podia adquirir, naqueles períodos, combustível à Cepsa, com um desconto sobre o preço de venda ao público (o qual, ao contrário do referido na sentença recorrida, não era o praticado pela Autora), que variava entre os 8 e os 11 cêntimos, dependendo do tipo de combustível, e que o revenderia ao Recorrido, com um desconto de 2,5 cêntimos sobre o valor do seu desconto. Porém, não sendo possível analisar a contabilidade da Recorrente para o período temporal em causa (porque, conforme resulta dos autos, a mesma é inexistente), não é possível saber, sequer, se, efetivamente, a Recorrente adquiriu o combustível, mesmo nos períodos indicados, à Cepsa ou se, após os mesmos, as margens de desconto sobre o PVP se mantiveram relativamente estáveis. Assim, não é possível dar como provada a factualidade constante do ponto a), tal como pretende a Recorrente.
Ainda assim, afigura-se-nos que, recorrendo às regras da experiência comum e ao depoimento da referida testemunha, conhecedora do funcionamento da dinâmica do mercado dos combustíveis, deve dar-se como provado que a Recorrente adquiria o combustível, para revenda, por valor inferior do PVP – ainda que, como veremos, tal alteração em nada altere o sentido da decisão.
Assim, decide-se excluir o ponto a) dos factos não provados, devendo acrescentar-se aos provados o seguinte:
A autora adquiria combustíveis a empresas distribuidoras, por valores inferiores ao preço de venda ao público, para revenda ao Réu e a outros revendedores”.

2.2.1.2. Ponto b) dos factos não provados: “O réu marido beneficiava de um desconto de 4$00 sobre o PVP (preço de venda ao público) acrescido de mais 1$00”.
Entende a Recorrente que esta factualidade deve igualmente ser considerada provada, resultando a mesma, no seu entender, do contrato de fornecimento para venda e comodato, celebrado entre as partes em 4 de janeiro de 1999, junto aos autos como documento 1 da petição inicial, nomeadamente, da informação datada da mesma data, que se encontra devidamente assinada por ambas as partes e que não foi impugnada pelo Recorrido, pelo que teria de ser valorada pelo tribunal nos termos do artigo 376.º do CC. Para além disso, alega que o bónus de 1$00 por litro de que o réu beneficiava foi dado como assente em sentença, já transitada em julgado, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Instância Central – Secção Cível-J2, no proc. 1297/13.1TBTMR, no ponto 7 (cfr. doc. 2 junto com a petição inicial ) e consta como ponto 5 dos factos provados.
Na sentença recorrida, a consideração deste facto como não provado, é fundamentada do seguinte modo: “A factualidade elencada no ponto b, isto é, que o réu marido beneficiava de um desconto de 4$00 sobre o PVP (preço de venda ao público) acrescido de mais 1$00, sustentado numa missiva anexa ao contrato, junta à petição inicial como doc. 1, para além desse documento datar do ano de 1999, aí se referindo que o exposto é por referência apenas a essa data e não ao que ocorreu ao longo do contrato, o próprio texto não refere a factualidade em causa, conforme facilmente se conclui da sua leitura”.
Há, então, que ter presente o teor do “Contrato de Fornecimento para Venda e Comodato”, celebrado entre Recorrente e Recorrido a 4 de janeiro de 1999, em particular, a cláusula 2ª que tem a seguinte redação:
1º) Os produtos a que se reporta este contrato serão fornecidos a (…) pelos preços e prazos acordados por carta assinada por ambas as partes interessadas durante a vigência do contrato.
2º) (…) obriga-se a pagar os mencionados produtos pelos preços, descontos e prazos, termos e demais condições que vigorarem à data do respetivo fornecimento, conforme carta anexa.
3º) Os preços, descontos e restantes condições de pagamento dos aludidos produtos fornecidos a (…), poderão sempre ser alterados pela (…), quer em consequência de alterações estatais, quer em consequência de alterações de tabelas.
(…)
7º) No caso de pagamento contra entrega haverá lugar a um bónus de 1$ por litro, dependendo porém esta modalidade do consentimento caso a caso da (…).
8º) No caso de vendas superiores a um milhão de litros de combustível, (…) terá direito a um bónus de 1$00 por cada litro acima daquela quantidade”.
E é, precisamente com fundamento neste ponto 8ª da cláusula 2ª do contrato que se considerou provado que “5. Em ambos os casos, a autora teria que pagar ao réu (…) um bónus de 1,00 escudo por litro no caso de vendas superiores a um milhão de litros de combustível”, não se verificando, pois, qualquer contradição com o facto em análise, considerado não provado.
Quanto a este, há ainda que ter presente a carta em anexo ao Contrato (também datada de 4 de janeiro de 1999 e assinada pela Recorrente e pelo Recorrido), à qual se alude na cláusula 2ª, nº 2, com o seguinte teor:
(…) 1 – Serve a presente para enviar a Vs. Exas., conforme o nº 2 e nº 3 da cláusula 2 do contrato de fornecimento, que o valor do desconto por litro referente ao preço de venda ao público, à data, nos combustíveis é de esc. 10$00 (dez escudos), no caso de não haver referência de venda ao público, é considerado o preço de compra com mais esc. 4$80, com os pagamentos semanais no nosso escritório à sexta-feira, referentes aos abastecimentos da semana anterior.
2 – No caso do (…) a margem de comercialização de (…) é de esc. 12$00 por quilo.
3 – O desconto nos lubrificantes fornecidos é de 20% sobre as tabelas de Produtor / Importador, revertendo ainda a seu favor quaisquer promoções e campanhas a que haja lugar, com os pagamentos a 30 (trinta) dias da data da Guia de Remessa”.
Ora, da leitura destes documentos não se retira a factualidade em causa, não só porque as condições de pagamento do Réu, fixadas por acordo de 4 de janeiro de 1999, variavam consoante a existência ou não da referência a preços de venda ao público, como porque o pagamento de esc. 1$00 por litro de combustível dependia, fornecimento a fornecimento, da concordância da Recorrente, como ainda porque tais condições de pagamento podiam ser alteradas na vigência do contrato pela (…), em determinadas circunstâncias.
Assim sendo, conclui-se que o ponto b) dos factos não provados deve manter-se nos seus precisos termos.

2.2.1.3. Ponto c) dos factos não provados: “A autora deixou de vender ao primeiro réu 6.232.177 litros”.
e
Ponto d) dos factos não provados: “A autora deixou de auferir, pelo menos, lucro de € 65,00 por metro cúbico, ou de € 0,068 por litro”.
Entende, finalmente, a Recorrente que os pontos c) e d) dos factos não provados devem ser considerados provados, justificando que os mesmos resultam de uma “projeção de vendas”, por si calculada, com base nos litros de combustíveis fornecidos ao Recorrido nos 2110 dias de vigência do contrato dos autos, ou seja, entre 1 de janeiro de 2000 e 10 de outubro de 2005, considerando que tal contrato deveria vigorar por um período de 10 anos (cfr. cláusula 8.ª, n.º 1, do mesmo contrato) e que, nos 2110 dias de vigência do contrato, o Recorrido vendeu 8.523.507 litros de combustíveis por si fornecidos, o que resultava numa média de 4.039 litros/dia. Assim, considerou que, nos 1543 dias que faltavam para o final do contrato, deixou de vender ao Recorrido 6.232.177 litros de combustíveis (4.039 x 1543 = 6.232.177).
A este propósito, escreveu a Senhora Juíza na sentença recorrida:
A factualidade elencada nos pontos «c.» e «d.», relativa aos litros de combustível que terá deixado de vender ao réu marido e ao lucro que deixou de obter, porque não sustentada em qualquer prova segura, conforme se alcança da resposta dada aos precedentes factos, não se fez prova bastante da mesma. Repare-se que a prova testemunhal arrolada pela autora também não serviu para a evidenciar. (…), delegado comercial da autora no período compreendido entre 1989 e 2002, disse saber que a margem média de lucro bruto da autora era de € 0,10/litro, no ano de 2005, porque, à data, trabalhava para uma outra empresa do setor, concorrente da autora. Sucede que, para além de não ter sido uma afirmação segura com relação à concreta situação da autora, como já se referiu, o preço dos combustíveis é volátil, tal como são os encargos de qualquer empresa e, assim, da autora, essenciais para se apurar a margem de lucro líquida, esta, sim, a tida relevante para os efeitos pretendidos pela autora, isto é, a evidenciação do lucro cessante. E as testemunhas (…) e (…), empresários na área dos combustíveis, de jeito desprendido e isento, atestaram a volatilidade dos preços e que os encargos, necessários para se apurar a margem de lucro líquida, dependem de múltiplos fatores, não tendo revelado qualquer conhecimento sobre a situação concreta da autora e desconhecendo o contratualizado entre ela e o primeiro réu. A autora ainda juntou um parecer técnico, elaborado por uma empresa que se dedica a avaliar estudos de mercado. Conforme resulta do seu teor, o mesmo teve como desiderato estimar as vendas de um posto de combustíveis rodoviários nos anos de 2005 a 2009, com base na evolução do mercado nacional de combustíveis rodoviários em Portugal Continental. A avaliação em causa teve por base o documento 4, datado de 1/10/2005, e o facto de os contadores de volume de combustível terem sido instalados em estado novo e a valor zero, à data de abertura do posto de combustível em causa. Concluiu-se aí que “a interrupção do contrato impediu o fornecimento de mais de 6.200.000 L dos diversos tipos combustíveis rodoviários, que corresponde à margem de comercial de cerca de € 615.865,67 que a (…) foi privada em função da interrupção do contrato, sendo que a margem comercial foi determinada em função dos preços de compra, constantes nas tabelas de fornecimento da Cepsa (doc. 4) e nos preços médios de venda ao público, à data, disponíveis para consulta.” (sic). Ora, como já aludimos, os elementos indicados pela autora e que sustentaram o referido parecer não são bastantes para se concluir pela existência de perda de lucro e, muito menos, pelo seu concreto montante. Destarte, conforme também salientou a testemunha (…), com experiência profissional como auditora financeira externa e contabilista durante 23 anos em diferentes sociedades de revisores oficiais de contas, para efeitos de avaliação as margens líquidas de venda da autora ao primeiro réu, relevaria conhecer os custos suportados pela autora nos anos em causa. E que lhe tendo sido pedido pelo legal representante da ré sociedade para proceder à referida avaliação, para contraponto com o parecer apresentado pela autora, solicitou à autora diversos documentos, tais como: balancetes, prestação de contas, faturas de compra de combustível da (…), faturas de venda da (…) ao primeiro réu, o que não lhe foi disponibilizado, sob a alegação de que não os tinha dado o tempo decorrido. Disse ainda esta testemunha que, de todo o modo, o cálculo do alegado prejuízo depende ainda de diversos fatores internos e externos à empresa, que não foram tidos em conta no parecer técnico em causa. Ora, dada a escassez dos dados que sustentaram o parecer junto pela autora, somos a concluir que o mesmo também não teve a virtualidade de sustentar a factualidade em causa”.
De um modo geral, concorda-se com o exposto. Porém, para efeitos de decisão quanto à prova dos factos concretos em causa, entendemos que não era, sequer, necessário argumentar tão exaustivamente. Com efeito, conforme referiu a própria Recorrente, os factos em causa resultam de “projeções” que elaborou, com base numa linha de raciocínio lógica, a qual poderia ser usada, por exemplo, para, com recurso à equidade, definir o quantum de indemnização por lucros cessantes. Diversamente, não se pode considerar provado, com a certeza que tais afirmações encerram, que “A autora deixou de vender ao primeiro réu 6.232.177 litros ou que “A autora deixou de auferir, pelo menos, lucro de € 65,00 por metro cúbico, ou de € 0,068 por litro”.
Assim, conclui-se que os pontos c) e d) dos factos não provados devem manter-se nos seus precisos termos.

2.2.2. O direito (ou não) da Recorrente a indemnização por lucros cessantes
Insurge-se a Recorrente pelo facto de o tribunal a quo não lhe ter reconhecido o direito de ser indemnizada por lucros cessantes, ainda que tenha reconhecido o incumprimento culposo do contrato por parte do Recorrido, entendendo que este deve ser condenado no pagamento de uma indemnização, com recurso à equidade ou, se assim não se entender, que seja relegada a respetiva quantificação para incidente posterior de liquidação.
Em sede de contra-alegações, o Recorrido, além do mais, defendeu que, ao contrário do sustentado na sentença posta em crise, denunciou validamente o contrato, donde resulta, desde logo, que a Recorrente nunca poderia aspirar a uma indemnização, nos termos e com os fundamentos peticionados.
Ora, ainda que o Recorrido não seja parte vencida na ação e que, por isso, não lhe assista legitimidade para recorrer, é-lhe permitido, ampliar o âmbito do recurso, nos termos do artigo 636.º do CPC – ainda que não o requeira expressamente mas, como escreve Abrantes Geraldes, “bastando que essa vontade resulte, de forma inequívoca, das contra-alegações” (in Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 178).
Com efeito, o reconhecimento do direito à Recorrente em indemnização por lucros cessantes, depende, desde logo, de se considerar que a cessação do contrato, por iniciativa do Recorrido, ocorreu ou não com justa causa. É, por isso, relevante, tomar partido quanto a esta questão, dada a sua prejudicialidade, já que, como também escreveu aquele autor a este respeito “se acaso o tribunal ad quem reconhecer razão aos fundamentos invocados no recurso interposto pela parte vencida, pode revelar-se importante para a defesa dos interesses do recorrido que sejam acolhidas, no âmbito do mesmo recurso, os fundamentos que oportunamente esgrimiu e que foram objeto de resposta desfavorável por parte do tribunal a quo” (in op. cit., pág. 171-1).
Porém, no presente caso, há que ter presente que correu termos na Secção Cível da Instância Central da Comarca de Santarém o processo n.º 1297/13.1TBTMR, instaurado pela aqui Recorrente contra o aqui Recorrido, no qual foi proferida sentença que o condenou no pagamento àquela da quantia de € 96.091,41, acrescida de juros, tendo por base o incumprimento do contrato de concessão comercial em causa nestes autos. Tal sentença foi objeto de recurso, tendo sido proferido acórdão neste Tribunal da Relação de Évora que transitou em julgado a 29 de janeiro de 2018 e que reduziu o valor a pagar pelo Recorrido à Requerente, nada mais alterando ao decidido pelo tribunal a quo (Processo n.º 1297/13.1TBTMR.E1, que correu termos na 1ª Secção deste Tribunal, que consultámos). Na decisão proferida neste processo, escreveu-se, para o que aqui importa: “Ora, no caso concreto, não temos dúvidas, em face do teor da comunicação de 11 de outubro de 2005 do réu à autora e do teor da cláusula 6ª, nº 3, do contrato celebrado entre as partes, que estamos perante uma resolução contratual. E tem ou não fundamento? (…) No caso em apreço, os factos provados mostram que a autora suspendeu os fornecimentos ao réu por falta de pagamento por parte deste dos produtos que lhe foram fornecidos. E, por outro lado, não se provou que ocorreram constantes situações de incumprimento do referido contrato de fornecimento por parte da autora, especificamente, em 21.07.2005, 26.07.2005, 01.08.2005, 12.08.2005, 24.08.2005, 12.09.200, 23.09.2005, 28.09.2005, 04.10.2005, 07.10.2005 e 10.10.2005 e que entre o sr. … (…) e o réu (…) existia acordo do qual decorria que a autora tinha por obrigação fornecer produtos da marca Galp. Assim, o réu (…) não resolveu com justa causa e validamente o contrato celebrado com a autora, designadamente por incumprimento reiterado desta com o fornecimento de combustíveis”.
Como se viu, semelhante entendimento foi acolhido pela sentença recorrida (a qual, há que dizê-lo por razões de honestidade intelectual, transcreve ipsis verbis, sem o mencionar, várias passagens do acórdão do STJ de 12/04/2023, proferido no proc. 26854/19.9T8LSB.L1.S1, relator Isaías Pádua, in dgsi).
Perante este circunstancialismo, afigura-se-nos que a discussão quanto à validade ou não da cessação do contrato, por iniciativa do Recorrido, mostra-se precludida, por via do caso julgado.
Com efeito, da obrigatoriedade das decisões dos tribunais proclamada no artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República resulta que lhes seja conferida eficácia de caso julgado, o que constitui fator de segurança e certeza jurídica na resolução judicial dos litígios.
Assim, às decisões judiciais que versem sobre a relação material controvertida, quando transitadas em julgado, é atribuída força obrigatória dentro e fora do processo nos limites subjetivos e objetivos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC e nos precisos termos em que julga, como decorre dos artigos 619.º, n.º 1 e 621.º, com o que se forma o denominado caso julgado material.
Segundo Manuel de Andrade, o caso julgado material “Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão”. Para o mesmo Autor, o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos:
a) – o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”;
b) – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas” (In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, 304-6).
Conforme se escreveu no acórdão do STJ, de 08/11/2018 (processo n.º 478/08.4TBASL.E1.S1, relator Tomé Gomes, in Jurisprudência do STJ), “No respeitante à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
A repetição de causas que se pretende evitar por via da exceção do caso julgado material requer sempre, segundo entendimento unânime, a verificação da tríplice identidade hoje estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.
Porém, no que aqui releva, quanto à autoridade de caso julgado, segundo a doutrina e jurisprudência predominantes, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado”.
Citando Castro Mendes, escreve-se no mesmo acórdão:
(…) se não é preciso entre os dois processos identidade de objecto (pois justamente se pressupõe que a questão que foi num thema decidendum seja no outro questão de outra índole, maxime fundamental), é preciso que a questão decidida se renove no segundo processo em termos idênticos”. E, mais adiante, escreve-se no referido acórdão:
Em suma, a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
(…)
Nesta linha, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada”.
Do exposto e voltando ao presente caso resulta, pois, que, tendo sido decidido, por decisão já transitada em julgado, que o contrato que serve de base à presente ação e ao presente recurso, cessou, por iniciativa do Recorrido, por resolução sem justa causa, teremos que dar como assente esta solução jurídica, sob pena de violação do caso julgado e de comprometimento dos próprios alicerces de uma Justiça que se quer segura, coerente e credível.
*
Ultrapassada esta questão, há, então, que decidir se deve ou não proceder a pretensão da Recorrente em que lhe seja reconhecido o direito a ser indemnizada por lucros cessantes.
Para fundamentar a sua posição, em sentido negativo, escreveu a Sra. Juíza do tribunal a quo:
A responsabilidade civil comporta a contratual (obrigacional), fundada em violação do contrato (falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, estando em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e pode resultar do não cumprimento de deveres principais/essenciais ou de deveres acessórios/secundários).
Depois de no artigo 798.º do Código Civil estatuir que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor”, dispõe-se no artigo 564.º, n.º 1, do mesmo diploma, que “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
Extrai-se, assim, da conjugação de tais normativos legais, e sobretudo do último, que a obrigação/dever de indemnizar abrange não só os denominados danos emergentes (damnum emergens), como também os designados lucros cessantes (lucrum cessans).
Na distinção clássica que deles se faz, enquanto os primeiros correspondem aos prejuízos sofridos que importam a perda ou a diminuição do património já existente do lesado, já os segundos correspondem/reportam-se aos ganhos ou benefícios que se frustraram ou deixaram de ser obtidos, ou seja, aos prejuízos que advieram para o lesado por, devido à lesão (no caso traduzida no incumprimento contratual), não ter aumentado o seu património. (…)
No caso dos autos, estamos apenas diante de lucros cessantes, na medida que são apenas destes que a autora pretende ser ressarcida, invocando-os como o dano causado pelo comportamento do primeiro réu.
Esse dano apresenta-se na veste da violação do interesse contratual positivo, pois que a indemnização peticionada pela autora visa colocá-la na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido exata ou pontualmente cumprido, ou seja, no caso de o contrato apenas tivesse cessado no final do prazo contratualmente estabelecido.(…) E daí que, reportando-se esse dano aos lucros cessantes ou benefícios que o lesado não obteve mas que deveria teria obtido, se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido, se venha entendendo que ele deve ser encontrado através da aplicação da teoria da diferença consagrada no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, medindo-se o mesmo pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, sendo para o encontro desse dano legítimo o recurso a critérios de probabilidade ou previsibilidade, e a que se reportam os artigos 563.º e 564.º, n.º 2, do Código Civil. (…)
Portanto, e como ressalta do que se deixou exposto, o referido “dano” pressupõe que o lesado deixou de auferir/obter lucros ou benefícios que teria obtido, pelo menos com toda a probabilidade/previsibilidade, se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.
Como vimos, no caso destes autos esse “dano”, que a autora invoca e cuja indemnização peticiona, reporta-se aos lucros que a mesma teria auferido se o contrato se tivesse mantido até ao final do ano de 2009, e que deixou de obter devido do facto de o primeiro réu, ilicitamente, ter posto termo ao contrato (fazendo-o cessar) a partir de 11/10/2005.
A autora apresentou o cálculo do dano assente numa média dos litros de combustível que vendeu ao primeiro réu durante o tempo em que vigorou o contrato e no alegado preço/litro que cobrava ao referido réu, ou seja, no preço que lhe faturava. Sucede que, desde já, importa esclarecer que o conceito de faturação não corresponde ao conceito de lucro (e naturalmente estamos a referir-nos ao lucro líquido, que para o caso interessa considerar), representando ambos realidades económico-financeiras (e mesmo contabilísticas / fiscais) diferentes, ou, melhor, não coincidentes. Na verdade, enquanto a faturação corresponde, grosso modo (isto é, sem a preocupação de grande rigor técnico), ao valor de vendas / transações feitas, normalmente por empresa no exercício da sua atividade ou mesmo também por uma pessoa singular, durante um período de tempo determinado, já o lucro (líquido) corresponde ao valor final obtido (por essa mesma empresa, ou pela pessoa singular) nesse mesmo período de atividade, depois de subtraídas as despesas das suas receitas, ou seja, corresponde ao valor final obtido nesse mesmo período temporal de atividade depois de deduzidos todos encargos ou despesas suportados durante esse período, vulgarmente designados como “custos de produção”. Donde resulta a natural conclusão de que o valor do lucro (líquido) é sempre inferior ao valor da faturação, podendo mesmo acontecer que este não dê lugar àquele (v. g. caso o valor dos custos de produção seja superior ao do valor da faturação).
Ora, para além de não se provado a quantidade de combustível concretamente fornecido pela autora ao primeiro réu, nem o concreto valor que lhe era cobrado por litro, a autora não alegou qualquer facto a respeito das despesas/custos suportados para que se pudesse aferir do concreto lucro que deixou de auferir pela cessação abrupta do contrato de fornecimento de combustíveis.
Donde, e tendo presentes as considerações de cariz teórico-técnico que supra se deixaram expendidas a esse propósito, a nosso ver, somos conduzidos à conclusão de que a autora não logrou demonstrar, como lhe competia, diga-se (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), a existência ou ocorrência do invocado “dano”, mesmo que tão só em termos de probabilidade ou previsibilidade, ou seja, de que se o contrato em causa se tivesse mantido em vigor a partir de 11/10/2005 e até ao final do ano de 2009, a continuação do fornecimento de combustíveis proporcionar-lhe-ia um lucro, isto é, e por outras palavras, a autora não logrou demonstrar, em termos de realidade factual, que com a cessação do contrato de fornecimento celebrado com o primeiro réu, durante aquele período temporal, deixou de poder obter/auferir um lucro, independentemente do seu montante concreto.
Na verdade, a prova da ocorrência desse frustrado lucro, consubstanciaria em si o reclamado dano, na veste ou modalidade de lucro cessante.
Não pode confundir-se a falta de prova de obtenção de um lucro (ainda que futuro), em que se traduzia aqui o dano, com a falta de prova do seu quantum, ou seja, do seu valor/montante. Esta última falta de prova não impediria a respetiva condenação indemnizatória, levando tão só a que essa quantificação fosse relegada para incidente posterior de liquidação (cfr. artigos 609.º, n.º 2 e 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), ou mesmo, porventura, que fosse, desde logo, calculado com recurso à equidade (cfr. artigos 566.º, n.º 3, e 4, alínea a), do Código Civil), já a primeira falta de prova, a que se aludiu, conduz inexoravelmente à improcedência da respetiva pretensão indemnizatória por falta de prova de um dos pressupostos da responsabilidade civil que imporia ao R. (enquanto entidade incumpridora/devedora/lesante) a obrigação de a satisfazer: a existência/ocorrência do respetivo dano (…). Pressuposto esse que, impõe a obrigação de indemnizar no domínio da responsabilidade contratual, a par dos demais – com exceção da culpa, que se presume (iuris tantum), nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, ser do lesante/devedor –, cujo ónus de prova, como deixámos já referido, impendia sobre a autora (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Pelo que, por falta de demonstração dos danos invocados, não se reconhece o direito de indemnização invocado pela autora”.

E, reanalisada a matéria de facto provada, entendemos ser de acompanhar o entendimento do tribunal a quo.
Com efeito e sem necessidade de se repetirem os considerandos teóricos enunciados na sentença recorrida e atrás transcritos, relembrar-se-á apenas que os lucros cessantes reportam-se aos ganhos ou benefícios que se frustraram ou deixaram de ser obtidos, ou seja, aos prejuízos que advieram para o lesado por, devido à lesão (traduzida no incumprimento contratual), não ter aumentado o seu património (vide a propósito, entre outros, os Profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., revista e actualizada, pág. 548” e Mário Júlio Almeida Costa, in “Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, Almedina, pág. 596”, cit. no acórdão do STJ, de 12/04/2023, no processo n.º 26854/19.9T8LSB.L1.S1, relator Isaías Pádua, in dgsi).
No presente caso, como no do acórdão mencionado, o dano em causa apresenta-se na veste da violação do interesse contratual positivo, porquanto a indemnização peticionada pela Recorrente visa colocá-la na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido, ou seja, se o contrato apenas tivesse cessado no final do ano de 2009, conforme o que resultava do estipulado no clausulado contratual, e não a partir de 12 de abril de 2005.
Tal significa, pois, que o referido “dano” pressuporia que a Recorrente deixou de alcançar lucros ou benefícios que teria obtido, pelo menos com elevada probabilidade, se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.
Porém, com relevância a esse respeito, o que resulta da matéria de facto apurada?
Resulta, desde logo, que entre janeiro de 2000 e 11 de outubro de 2005 (período em que o contrato se manteve em vigor), a Recorrente vendeu ao Recorrido 8.523,507 litros de combustível e que a mesma comprava esse combustível por valor inferior ao preço de venda ao consumidor, vendendo-o depois, não só àquele, como a outros clientes, que o revendiam nos respetivos postos de abastecimento. Mas, para além disso, nada mais se apurou, designadamente, não se provou quanto pagou a Recorrente pelo combustível que forneceu ao Recorrido, nem quanto este lhe pagou por esse combustível ou que despesas suportou no referido período com a sua atividade, na parte em que envolvia a relação contratual com aquele, como, por exemplo, as despesas com o transporte do combustível, com os seus funcionários ou com a manutenção do posto de abastecimento. Em suma, não foi alegado e desconhece-se por completo qual o lucro que a Recorrente obteve no mencionado período em virtude da relação contratual com o Recorrido ou, até, se teve lucro. Aliás, tendo-se provado que o Recorrido atrasava-se recorrentemente nos pagamentos à Recorrente, que, por várias vezes, esta suspendeu os fornecimentos de combustível ao seu posto de abastecimento e que teve que recorrer às instâncias judiciais para cobrar créditos resultantes da relação contratual em causa, poderíamos até ser levados a pensar que a extinção da mesma foi-lhe, num certo prisma, favorável, tanto mais que tinha outros clientes com quem estabelecia relações comerciais análogas. Seja como for, considerando a escassa factualidade provada para este efeito e tendo presentes as considerações de cariz teórico-técnico expostas a esse propósito, resta concluir, como concluiu a primeira instância, que a Recorrente não logrou demonstrar, como lhe competia (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC), a ocorrência do invocado “dano”, mesmo que tão só em termos de probabilidade ou previsibilidade, ou seja, de que se o contrato em causa se tivesse mantido em vigor até ao final do ano de 2009, proporcionar-lhe-ia um lucro, independentemente do seu montante concreto.
Convocando o interessante acórdão do STJ de 26/03/2019 (Processo n.º 877/18.3YRLSB.S1, relatora Fátima Gomes, in Diário da República), podemos também aqui mencionar a posição de Júlio Gomes, quando conclui que a perda da chance, quer seja um dano emergente, quer não seja assim qualificado, está necessariamente associada a um lucro cessante, que se frustrou: não cabe indemnizar a perda da chance, sem que a ela esteja associada um lucro esperado que se frustrou. Dito por outras palavras, a perda da chance – ou da oportunidade por si só, pelo menos na maior parte das situações, está associada a algo mais, que não a mera oportunidade perdida. Conforme ali se escreve Da posição indicada resulta claramente um elemento fundamental para a situação dos autos – mesmo quando se defende a indemnização por um dano de perda de chance, não se pode deixar de olhar para a opção do legislador ao estabelecer a regra do artigo 563.º do CC, que delimita a responsabilidade, estabelece fronteiras, limites normativos ao domínio do indemnizável. (…) Importará agora concluir sobre se os danos supra indicados, em especial os que se reportam ao lucro cessante, apresentam uma consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado, pois tem sido considerado na jurisprudência que são estas as características fundamentais necessárias para se poder dizer que o lucro cessante deve ser indemnizado. A nossa resposta é negativa: nos indicados pontos anteriores não encontramos elementos que permitem efectuar esse juízo de probabilidade suficiente, não se sabendo se efectivamente algum dia, ou ano, se o contrato fosse cumprido, haveria lucro de consórcio. Assim, não se encontram preenchidos os pressupostos legais de que depende a atribuição de uma indemnização pelo dano futuro – artigo 564.º, n.º 2, do CC”.
É assim também no presente caso, visto que, como se referiu, perante os elementos de facto disponíveis, desconhece-se se, na pendência do contrato, a Recorrente obteve algum lucro, não se podendo, pois, extrapolar para o futuro e concluir que, se não tivesse ocorrido cessação do contrato, aquela retiraria lucro da atividade desenvolvida. Em suma, perante a factualidade apurada, não se pode dizer que a existência de lucro no futuro revela-se como uma probabilidade séria e consistente. A Recorrente não logrou, assim, provar a probabilidade séria do dano futuro, causado pela cessação antecipada do contrato, pelo que, ainda que tivesse uma expetativa tutelada juridicamente, não lhe assiste o direito a obter uma indemnização, conforme pretendia.
Improcede, assim, a apelação, devendo confirmar-se a decisão recorrida.

3. DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
*
Évora, 13 de novembro de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Anabela Raimundo Fialho (Relatora)
Maria Isabel Calheiros (1ª Adjunta)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (2ª Adjunta)