Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
694/22.6T8ORM.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
ERRO SOBRE O OBJECTO DO NEGÓCIO
ERRO NA DECLARAÇÃO
ESSENCIALIDADE
Data do Acordão: 12/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - a situação de erro sobre o objeto do negócio tem o mesmo tratamento jurídico da situação em que ocorra erro na declaração;
- são dois os requisitos da anulação de declaração negocial fundada em erro num e noutro caso: a essencialidade para o declarante e a cognoscibilidade por parte do declaratário;
- recai sobre quem pretende operar a anulação da declaração negocial a demonstração dos factos integradores da essencialidade do erro e da respetiva cognoscibilidade pela contraparte.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Autores: (…) e (…)
Recorridos / Réus: (…) e (…)

Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual os AA formularam os seguintes pedidos:
a) que seja declarada a anulabilidade do contrato promessa de compra e venda por erro provocado por dolo relevante pelos Réus, nos termos dos artigos 253.º e 254.º do C.C.
b) alternativamente ao pedido constante da alínea a), que se declare inválido o contrato promessa por anulabilidade por erro sobre o objeto, nos termos do artigo 47.º do C.C.
c) que sejam os Réus condenados a restituir aos Autores a quantia de € 13.000,00, recebida a título de sinal;
d) que sejam os RR condenados a pagar aos AA a quantia de € 2.208,57 correspondente às despesas suportadas pelos AA, acrescida de juros de mora calculados desde a data da resolução até integral e efetivo pagamento;
e) que sejam os RR condenados a pagar aos AA a quantia de € 4.000,00, a título de indeminização por danos morais.
Invocaram, para tanto, a celebração de contrato-promessa de compra e venda com os RR tendo por objeto um bem imóvel destes, tendo procedido ao pagamento da quantia total de € 13.000 euros a título de sinal, na sequência de anúncio de publicitação desse imóvel, cujos termos foram determinantes para a decisão de aquisição. Viera, posteriormente, a constatar que o imóvel em causa não tinha a composição e as características que foram transmitidas pelos Réus, encontrava-se com deficiências e estragos, não estava totalmente remodelado, conforme anunciado. Por via do que se recusaram a celebrar a escritura do contrato definitivo de compra e venda.
Mais invocaram que os Réus atuaram com dolo quanto ao objeto do negócio, com vista a induzir os Autores em erro, e incorreram em responsabilidade pré-contratual. O que causou prejuízos aos Autores.
Em sede de contestação, os RR impugnaram os factos alegados pelos AA e sustentaram que não atuaram com dolo na celebração do negócio em causa nos autos, nem tentaram enganar os RR. quanto à composição, características e estado do imóvel em causa. Celebraram contrato de mediação imobiliária, nunca estabeleceram qualquer contacto direto com os RR. durante as negociações, pelo que será a sociedade (…) a responsável pela situação em causa nos autos.
Os Réus deduziram incidente de intervenção principal provocada da sociedade (…).
Os Réus deduziram reconvenção contra os Autores para que seja declarada a resolução do contrato-promessa por incumprimento do mesmo pelos Autores, mais se declarando que lhes assiste o direito de fazer seu o sinal recebido dos Autores, uma vez que estes se recusaram a celebrar o contrato definitivo de compra e venda, incorrendo em incumprimento definitivo do contrato promessa.
Foi proferida decisão admitindo o incidente de intervenção provocada deduzido pelos Réus, determinando o chamamento ao processo da sociedade (…) para intervir ao lado dos Réus.
A chamada (…) deduziu contestação impugnando os factos alegados, quer pelos AA., quer pelos RR.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferida sentença cujo segmento decisório contempla o seguinte:
«(…) decide-se declarar totalmente improcedente a ação principal, por não provada.
Em consequência, decide-se declarar improcedentes e absolver os RR. e a chamada de todos os pedidos formulado pelo Autor.
Designadamente decide-se declarar improcedentes os pedidos formulados pelos AA. de anulação do contrato promessa referido em 5), por dolo dos RR. e/ou por erro quanto ao objeto do negócio por parte dos AA., e de condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização e dos juros de mora.
(…)
(…) decide-se julgar totalmente procedente a reconvenção deduzida pelos RR., por provada.
Em consequência, decide-se deferir os pedidos formulados pelos RR. e reconvintes, consistentes em:
1-) Decretar a resolução do contrato-promessa de compra e venda que os Réus celebraram com os Autores, que se encontra referido em 5), por incumprimento definitivo do mesmo pelos Autores.
2-) Declarar que os Réus têm direito a ficar como titulares e na posse do valor total do sinal que os Autores lhes entregaram, ou seja da quantia de 13.000,00 euros.»

Inconformados, os AA apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que declare a anulação do negócio por erro sobre o objeto e que julgue improcedente a reconvenção. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«a) O Tribunal a quo deu, erradamente como provados os seguintes factos:
18 - Na sequência, os Réus propuseram a redução do valor do preço da venda do imóvel, ou a realização de obras para eliminar as situações referidas em 16), para manter o negócio, o que não foi aceite pelos Autores.
24 - Os RR. enviaram aos AA., e estes receberam a mesma, a carta datada de 8 de setembro de 2022, cuja cópia se encontra junta a fls. 47, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, na qual comunicam a marcação da escritura de compra e venda do imóvel referido em 6) no dia 21 de setembro de 2022, pelas 16 horas, no Cartório Notarial de Ourém.
30 - A descrição do imóvel referido em 6), que consta do anúncio mencionado em 2), foi elaborada na íntegra pela chamada (…).
31 - As fotos do interior do imóvel referido em 6), que constam do anúncio referido em 2), foram tiradas por um fotógrafo profissional, que a chamada enviou para o imóvel, visando a promoção da venda do imóvel.
32 - A testemunha (…), na qualidade de funcionário da chamada (…), encarregado de realizar a mediação, deslocou-se ao imóvel referido em 6), com o propósito de promover a sua venda, tendo nessa altura visualizado o estado do mesmo.”
33 - A Ré (…) comunicou à testemunha (…) que existia uma única casa de banho no imóvel referido em 6), e tinham tirado o bidé da mesma”.
b) Os R.R. nunca propuseram aos A.A. a realização de obras e a redução do preço, tendo sim tais propostas apresentadas pelos A.A., tal como resulta das declarações da Ré (…), e das testemunhas (…) e (…), transcritas nas presentes alegações cujas passagens vão concretamente identificadas;
c) Os Réus não tinham qualquer interesse em realizar quaisquer obras para colocar o imóvel no estado em que o haviam prometido vender;
d) Os Réus não tinham qualquer intenção de reduzir o preço;
e) Os Autores apenas aceitaram, numa fase inicial, revogar o contrato-promessa devolvendo aos Autores o sinal e as despesas, proposta que nunca concretizaram;
f) O facto 18º dado como provado deve passar a ter seguinte redação: “Na sequência, os Autores propuseram a redução do valor do preço da venda do imóvel, ou a realização de obras para eliminar as situações referidas em 16), para manter o negócio, o que não foi aceite pelos Réus”.
g) O Tribunal a quo dá como provado, no artigo 24.º, que os Réus remeteram aos Autores a carta datada de 08/09/2022, constante de fls. 47 e que estes a receberam, omitindo a data de receção da mesma pelos Autores.
h) Tal facto não foi alegado pelos Réus, admitindo-se que tenha sido dado como provado com fundamento no alegado em 44.º da p.i. e com fundamento nos documentos juntos à referida p.i. como docs. 41 e 42;
i) A constar tal facto como provado, o mesmo deve ter a seguinte redação:
“Os RR. enviaram aos AA., que estes receberam a 15/09/2022, a carta datada de 8 de setembro de 2022, cuja cópia se encontra junta a fls. 47, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, na qual comunicam a marcação da escritura de compra e venda do imóvel referido em 6) no dia 21 de Setembro de 2022, pelas 16 horas, no Cartório Notarial de Ourém.”
j) Os meios de prova que o impõem são os documentos juntos à referida p.i. como docs. 41 e 42;
k) O Tribunal a quo dá erradamente como provados os factos 30, 31 e 32;
l) A promitente vendedora, a Ré mulher, foi colega de trabalho da testemunha (…), pois trabalhou com este como angariadora para a chamada … (…Fátima).
m) A Ré (…) contactou a testemunha (…), para promover a venda do imóvel em crise nos autos;
n) A testemunha (…) não tinha visitado o apartamento e que foi a Ré (…) que lhe transmitiu as características e inicialmente a reportagem fotográfica do mesmo;
o) O vídeo foi enviado pela (…) para a testemunha (…) e as fotos constantes do anúncio foram facultadas, umas pela (…) e outras pelo fotógrafo.
p) A redação a dar ao facto provado n.º 30 deverá ser:
30 - A descrição do imóvel referido em 6), que consta do anúncio mencionado em 2), foi elaborada na íntegra pela chamada (…), com base na informação prestada pela Ré (…) e por confronto com a documentação da fração;
q) A redação a dar ao facto provado 31 do mesmo deverá ser:
31 - As fotos do interior do imóvel referido em 6), que constam do anúncio referido em 2), foram tiradas pela Ré (…) e por um fotógrafo profissional, que a chamada enviou para o imóvel, visando a promoção da venda do imóvel.
r) Os meios de prova que o impõem são das declarações da testemunha (…) e as declarações de parte da Ré (…), cujas passagens supra se identificaram no corpo das alegações;
s) A testemunha (…) deslocou-se ao imóvel em março/2022 e o estado do mesmo nessa data era absolutamente diferente do estado aquando da segunda visita, após o dia 29/06;
t) Segundo a testemunha (…), o apartamento que viu após 29/06 não correspondia ao descrito no anúncio;
u) A redação a dar ao facto provado 32 deverá ser a seguinte:
“A testemunha (…), na qualidade de funcionário da chamada (…), encarregado de realizar a mediação, deslocou-se ao imóvel referido em 6), em março de 2022, com o propósito de promover a sua venda, tendo nessa altura visualizado o estado do mesmo, o qual nessa data não apresentava os defeitos referidos em 16 dos factos provados e outros”;
v) Os meios de prova que impõem tal alteração são as declarações da testemunha (…), melhor identificadas no corpo das alegações;
x) A Ré (…), desde a data da publicação do anúncio, sempre concordou com o que foi publicitado pela testemunha (…), tendo referido a este que existiam duas casas de banho, uma transformada em lavandaria ou despensa, referindo também que as loiças sanitárias estariam na garagem e que seria só colocá-las;
z) A redação a dar ao facto provado n.º 33 deverá ser alterada, de acordo com as declarações da testemunha (…), sugerindo-se: “A Ré (…) comunicou à testemunha (…) que existiam duas casas de banho uma transformada em lavandaria ou despensa”;
aa) A conversão/transformação de uma casa de banho em lavandaria não implica necessariamente a retirada de todas as louças e o desmanchar da casa de banho, pode apenas implicar a colocação de máquinas ou móveis que impeçam o uso das louças sanitárias;
ab) Na douta sentença, o Tribunal a quo dá como provado o facto 16;
ac) Tal facto provado está intrinsecamente ligado com o facto não provado sob a alínea A);
ad) Tais factos são complementares um do outro;
ae) Entendem os recorrentes que devem ser dados como provados os seguintes defeitos / deficiências, a aditar ao facto provado 16:
- As casas de banho apresentavam azulejos “datados”;
- O rodapé faltava também na cozinha e não apenas nos quartos;
- O exaustor não funcionava;
- O chão do apartamento tinha estava espaços entre o flutuante, que estava mal aplicado;
- As portas das duas casas de banho não tinham aduelas;
- A porta de entrada do prédio estava mal pintada, nas suas guarnições;
af) Os meios de prova que impõem tal alteração são as declarações da testemunha (...), as declarações da testemunha (…) e as declarações de parte da Ré (…), cujas passagens concretas da gravação supra foram identificadas no corpo das alegações;
ag) Devendo aditar-se ao facto provado 16 os seguintes defeitos/deficiências constantes dos factos não provados: As casas de banho apresentavam azulejos “datados”; o rodapé faltava também na cozinha e nos quartos; o exaustor não funcionava; o chão do apartamento tinha espaços entre o flutuante e estava mal aplicado; as portas das duas casas de banho não tinham aduelas e a porta de entrada do prédio estava mal pintada, nas suas guarnições;
ah) Todos os factos acima indicados foram, na ótica dos recorrentes, incorretamente apreciados pelo Tribunal a quo;
ai) Perante todas provas indicadas, impõe-se forçosamente, outra decisão;
aj) Os Autores, ora recorrentes, são residentes em França;
ak) Os Autores pretenderam adquirir um apartamento em Portugal e, para tal, visitaram a página de internet da “(…)”, onde visualizaram o anúncio:
“Apartamento T3, situado na localidade de (…), totalmente renovado com bons acabamentos. Situado no r/c, este apartamento é composto por duas casas de banho, três quartos, cozinha e sala, uma varanda, um sótão e uma garagem (box).
Apartamento com muita luz natural e com vista desafogada. A cozinha é totalmente nova, com acabamento lacado e equipada com eletrodomésticos novos: Micro-ondas, forno, placa, exaustor e frigorífico. As portas interiores novas com acabamentos lacados”;
al) A descrição do anúncio resultou do que foi transmitido pela Ré (…) à testemunha (…), conjuntamente com fotografias;
am) A Ré (…) viu a descrição no anúncio e não se opôs ao seu conteúdo;
an) A Ré (…) já tinha trabalhado para a (…), é ex-colega de trabalho do (…) e sabia e conhece os procedimentos de funcionamento da (…), Agência de Fátima;
ao) Os recorrentes tomaram a sua decisão de contratar e quiseram contratar com base nos pressupostos referidos no anúncio;
ap) O apartamento estava à venda por € 82.800,00 e, após constatada necessidade de pintura, entre os recorrentes e recorridos, foi acertado o preço de € 80.000,00;
aq) No dia da escritura, os recorrentes deslocaram-se ao imóvel e depararam-se com várias desconformidades/defeitos, que não eram simples defeitos ou questões de fácil resolução, mas antes problemas cuja solução implicava despender montante de elevada monta;
ar) Para renovar duas casas de banho, substituir/reparar chão, adquirir eletrodomésticos e efetuar pinturas, os recorrentes iriam despender perto de € 20.000,00, o que corresponde a cerca de 25% do custo do apartamento;
as) Os Autores negociaram um apartamento totalmente renovado, com cozinha e eletrodomésticos novos, jamais esperaram ter de despender mais € 20.000,00 para colocar o apartamento com níveis médios de acabamentos, facto que é do senso comum de qualquer
“homem médio”;
at) Da Jurisprudência resulta que a relevância do erro sobre o objeto do negócio jurídico ou as suas qualidades depende, nos termos dos artigos 247.º e 251.º do Código Civil, da reunião de três requisitos:
1º - Que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objeto do negócio ou as suas qualidades e, por isso, seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro.
2º - Que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que não teria celebrado o negócio jurídico se se tivesse apercebido do erro.
3º - Que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante;
au) No presente caso encontra-se demonstrada a existência do cumprimento dos três requisitos;
av) Ao não julgar a ação procedente, o Tribunal a quo violou os artigos 247.º e 251.º, ambos do Código Civil;
bx) A douta sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a ação procedente por provada;
bz) Revogando-se igualmente a procedência da reconvenção;
ba) O Tribunal a quo julgou a reconvenção procedente porque os recorrentes “pretensamente” faltaram à escritura agendada pelos recorridos;
bb) O Tribunal a quo julgou erradamente a validade de tal notificação efetuada pelos recorridos, pois a mesma não cumpre os termos contratuais;
bc) A comunicação dirigida pelos recorridos aos recorrentes é reptícia;
bd) A comunicação foi expedida pelos recorridos em 08/09/2022 e rececionada pelos recorrentes, sem culpa sua, uma vez dia 10 e 11 de Setembro são fim-de-semana e que vivem no estrangeiro, em 15/09/2022;
be) Nos termos da cláusula quinta do contrato promessa: “Os segundos outorgantes ou seus representantes legais ou convencionais, avisarão os primeiros outorgantes, mediante carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de oito dias, da hora, dia e Cartório Notarial, ou outro local, onde se efetuará a respetiva escritura pública ou o contrato prometido”;
bf) Entre a data de 15/09/2022 e a data da aprazada escritura (21/09/2022) correram apenas 6 dias;
bg) O que viola a cláusula quinta do contrato promessa;
bh) A notificação dos Réus aos Autores não era admonitória;
bi) A reconvenção, com base em tais fundamentos, não podia ter sido julgada procedente, por provada;
bj) Ao fazê-lo, o Tribunal a quo violou os artigos 405.º, 406.º, 808.º e 442.º, n.º 2, todos do Código Civil;
bk) Pelo que deve a decisão de procedência da reconvenção ser revogada e substituída por outra que a julgue improcedente, por não provada.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

As questões suscitadas nas conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
i. da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
ii. da anulabilidade do contrato promessa por erro relativo ao objeto do negócio;
iii. da reconvenção: da falta de regular convocatória para a escritura pública de compra e venda.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1- Os Autores são emigrantes em França.
2- Em Abril de 2022, os Autores visualizaram um anúncio no site da empresa (…) de Fátima, que havia sido aí colocado pela chamada (…), no qual estava anunciada a venda de um apartamento tipo T3, sito na localidade de (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, pelo preço de 82.000 euros, cuja cópia se encontra junta de fls. 69, verso, a 71, no qual constam as fotos aí registadas, onde constava a seguinte descrição do imóvel: “Apartamento T3, situado na localidade de (…), totalmente renovado com bons acabamentos. Situado no r/c, este apartamento é composto por duas casas de banho, três quartos, cozinha e sala, uma varanda, um sótão e uma garagem (box). Apartamento com muita luz natural e com vista desafogada. A cozinha é totalmente nova, com acabamento lacado e equipada com eletrodomésticos novos: Micro-ondas, forno, placa, exaustor e frigorífico. As portas interiores novas com acabamentos lacados”.
3- Na sequência, os Autores entraram em contacto com a chamada (…), através da sua funcionária, a testemunha (…), mostrando-se interessados na aquisição do imóvel referido em 2).
4- Na sequência, após a aceitação dos RR., foi acordado que estes vendessem aos AA. o imóvel referido em 2) pelo preço de 80.000 euros.
5- Na sequência, os Réus, na qualidade de primeiros outorgantes e promitentes vendedores, e os Autores, na qualidade de segundos outorgantes e promitentes-compradores, outorgaram e assinaram o documento que se encontra junto de fls. 64 verso a 68, denominado de “Contrato Promessa de Compra e venda”, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, datado de 20 de abril de 2022.
6- No contrato referido em 5), consta, com relevância, que: “CLÁUSULA PRIMEIRA: 1. Os primeiros outorgantes são donos e legítimos proprietários e possuidores da fracção autónoma para habitação, designada pela letra “C”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo retaguarda, com uma garagem na subcave e uma arrecadação no sótão, designadas pelo n.º 3, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Estrada Nacional (…), n.º 182, em (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, inscrito na respetiva matriz predial da freguesia indicada sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º (…), da freguesia de (…). Os primeiros outorgantes são, ainda, donos e legítimos proprietários e possuidores dos seguintes bens móveis, existentes no interior da descrita fração autónoma, melhor identificados no Anexo I: a) Um conjunto de três módulos, num roupeiro, num quarto; b) Um conjunto de três módulos, num roupeiro, num quarto; c) Um exaustor; d) Uma placa de fogão; e) Um forno; f) Um esquentador; g) Um frigorífico; h) Uma máquina de secar roupa; i) Um aquecedor elétrico…CLÁUSULA SEGUNDA: 1. Pelo presente contrato os primeiros outorgantes prometem vender aos segundos outorgantes, os quais prometem compra àqueles, a fração autónoma descrita na cláusula anterior, livre de qualquer ónus e/ou encargos, livre de pessoas e bens, e no estado de conservação em que o imóvel se encontra, fatores determinantes para o preço acordado. 2. Mais prometem os primeiros outorgantes vender aos segundos outorgantes e estes prometem comprar àqueles, os bens móveis identificados no anexo I, livres de quaisquer ónus e/ou encargos, e no estado de conservação em que se encontram, considerando que se tratam de bens móveis já previamente utilizados…CLÁUSULA TERCEIRA: 1. O preço de venda da fração autónoma identificada na cláusula primeira é de 80.000 euros e será pago da seguinte forma: a) A título de sinal e princípio de pagamento, nesta data os segundos outorgantes entregam aos promitentes-vendedores, mediante transferência bancária…a quantia de 8.000 euros, já efetuada e comprovada no Anexo II, dando os primeiros outorgantes quitação de recebimento com a assinatura deste contrato…b) O remanescente do preço de alienação do imóvel será pago, pelos promitentes-compradores aos promitentes vendedores, na data de outorga da escritura de compra e venda ou de qualquer outra forma…2. No preço de venda da fração autónoma já se encontram incluídos os bens móveis identificados no anexo I…4. Tendo sido prestado sinal…se os segundos outorgantes deixarem de cumprir as obrigações assumidas neste contrato-promessa, por causa que lhes seja culposamente imputável, têm os primeiros outorgantes a faculdade de fazer seu o sinal entregue…CLÁUSULA QUARTA: 1. A escritura pública de compra e venda ou contrato equivalente, respeitante à fração autónoma identificada na cláusula primeira, será outorgada decorridos que forem 90 dias contados da data deste contrato promessa, incumbindo a marcação do contrato prometido aos segundos outorgantes…7. Se for ultrapassado o prazo indicado no n.º 1 sem que tenha sido marcada a data do contrato prometido e comunicada essa marcação, podem os primeiros proceder à devida marcação do contrato prometido, comunicando a mesma aos segundos outorgantes nos termos previstos na cláusula seguinte…CLÁUSULA SEXTA: 1. A data-limite mencionada no número 1 da cláusula quarta poderá ser prorrogado por sucessivos períodos de 15 dias, ou outra periodicidade acordada, desde que exista acordo entre as partes outorgantes e desde que o mesmo seja reduzido a escrito e assinado pelos promitentes-vendedores e promitentes-compradores, passando o acordo a integrar uma adenda ao presente contrato-promessa…. CLÁUSULA SÉTIMA: 1. Os primeiros outorgantes têm conhecimento que os segundos outorgantes vão recorrer ao empréstimo bancário para a aquisição do imóvel prometido vender e comprar…”.
7- No dia 20 de abril de 2022, os AA. fizeram a transferência bancária da quantia de 8.000 euros, nos termos constantes do contrato referido em 6), para pagar o sinal previsto nesse contrato.
8- Para a aquisição do imóvel referido em 6), os Autores solicitaram um empréstimo bancário junto da agência da (…) do Banco (…), cuja aprovação obtiveram em Junho de 2022.
9- Na sequência de acordo entre as partes intervenientes, os AA. e os RR. celebraram a adenda ao contrato-promessa referido em 5), datada de 23 de Junho de 2022, cuja cópia se encontra junta a fls. 20, verso e 21, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, e na qual consta com relevância: “CLÁUSULA TERCEIRA: 1- b) A título de reforço de sinal e continuação de pagamento, em 22-6-2022, os segundos outorgantes entregam aos promitentes vendedores, mediante transferência bancária…a quantia de 5.000 euros, dando os primeiros outorgantes quitação de recebimento…CLÁUSULA QUARTA: 1. A escritura pública de compra e venda ou contrato equivalente, respeitante à fração autónoma identificada na cláusula primeira, será outorgada decorridos que forem 120 dias contados da data deste contrato-promessa…”.
10- No dia 22 de Junho de 2022, os AA. fizeram a transferência bancária da quantia de 5.000 euros, nos termos constantes da adenda ao contrato, referida em 9), para reforçar o sinal previsto nessa adenda.
11- A escritura do contrato de compra e venda prometida, através do contrato-promessa referido em 5), foi agendada pelos RR., para o dia 29 de julho de 2022, no Cartório Notarial a cargo da Dr.ª (…), sito em Ourém.
12- Foi acordado entre os Réus e os Autores, através da chamada (…), que no dia referido em 11), os Autores ocupariam o imóvel identificado em 6).
13- No dia 29 de julho de 2022, os Autores chegaram a Portugal na companhia dos seus filhos.
14- Na sequência os Autores deslocaram-se às instalações da empresa (…) – Águas de (…), para celebrar o contrato de fornecimento de água ao imóvel referido em 6).
15- Na sequência os Autores, acompanhados pelo funcionário da chamada (…), deslocaram-se ao imóvel referido em 6) para deixarem no mesmo alguns dos seus pertences, designadamente alguns móveis e roupas que trouxeram consigo.
16- Na ocasião referida em 15), os AA. constaram que: a) numa das casas de banho do imóvel foi retirado o bidé; b) Noutra casa de banho foram retiradas todas as louças, tendo sido deixados produtos de limpeza e lixo; c) Nos quartos alguns dos rodapés e algumas tomadas elétricas, tinham sido arrancadas; d) Em algumas paredes a tinta estava a descascar ou tinha sido arrancada; e) Os seguintes eletrodomésticos: Micro-ondas, forno, placa, exaustor, não são novos; f) Existiam posters numa das paredes; g) O videoporteiro estava partido e parcialmente arrancado da parede; h) Os acabamentos da cozinha e das portas interiores não são lacados, estando apenas pintadas de branco; i) A placa do fogão estava partida; j) o fogão estava cheio de ferrugem; l) Um varão num quarto encontrava-se deslocado; m) A máquina de secar roupa tinha roupa no seu interior, sendo que tais situações se encontram registadas nas fotos juntas de fls. 25 a 37.
17- Na sequência, os Autores comunicaram à chamada (…) que não iriam celebrar a escritura de compra e venda mencionada em 11).
18- Na sequência, os RR. propuseram a redução do valor do preço da venda do imóvel, ou a realização de obras para eliminar as situações referidas em 16), para manter o negócio, o que não foi aceite pelos Autores.
19- Após a data referida em 16), os Autores instalaram-se na casa de familiares, designadamente das testemunhas (…) e (…), onde permaneceram e pernoitaram até ao dia 7-8-2022.
20- Entre os dias 8-8-2022 e 11-8-2022, os AA. instalaram-se num quarto no hotel (…) de Leiria, pagando a contrapartida total de 432 euros.
21- Com o pedido de instalação e cancelamento da água para o imóvel referido em 6), na empresa (…), os Autores despenderam a quantia de 4,97 euros.
22- Na deslocação de França para Portugal de avião no dia 29 de julho de 2022, para comparecerem na escritura mencionada em 11), os Autores despenderam a quantia de 1.194,40 euros com os bilhetes de avião.
23- Para a concessão do crédito bancário junto do Banco (…), os AA. pagaram a quantia de 208 euros pela avaliação imobiliária, e a quantia de 200 euros, a título de comissão do processo.
24- Os RR. enviaram aos AA., e estes receberam a mesma, a carta datada de 8 de setembro de 2022, cuja cópia se encontra junta a fls. 47, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, na qual comunicam a marcação da escritura de compra e venda do imóvel referido em 6) no dia 21 de setembro de 2022, pelas 16 horas, no Cartório Notarial de Ourém.
25- Os AA. não compareceram no Cartório Notarial de Ourém no dia 21 de setembro de 2022, comunicado pelos RR. através da carta mencionada em 24), para a realização da escritura de compra e venda do imóvel referido em 6).
26- A situação descrita supra causou revolta, nervos e angústia aos Autores.
27- Os RR. celebraram com a chamada (…) o contrato de mediação imobiliária, datado de 21-1-2022, cuja cópia se encontra junta a fls. 64, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, com o objetivo da chamada promover a venda do imóvel mencionado em 6).
28- A chamada (…) atua no mercado com a designação de (…), com estabelecimento aberto em (…).
29- Todo o processo de negociação para a venda do imóvel referido em 6) ocorreu entre os Autores e a chamada (…), em representação dos Réus.
30- A descrição do imóvel referido em 6), que consta do anúncio mencionado em 2), foi elaborada na íntegra pela chamada (…).
31- As fotos do interior do imóvel referido em 6), que constam do anúncio referido em 2), foram tiradas por um fotógrafo profissional, que a chamada enviou para o imóvel, visando a promoção da venda do imóvel.
32- A testemunha (…), na qualidade de funcionário da chamada (…), encarregado de realizar a mediação, deslocou-se ao imóvel referido em 6), com o propósito de promover a sua venda, tendo nessa altura visualizado o estado do mesmo.
33- A Ré (…) comunicou à testemunha (…) que existia uma única casa de banho no imóvel referido em 6), e tinham tirado o bidé da mesma.
34- Em data anterior a abril de 2020, uma das casas de banho que fazia parte do prédio referido em 6), tinha sido desativada e transformada em lavandaria/casa de máquinas.
35- As portas interiores, os rodapés e o pavimento da cozinha do imóvel referido em 6), foram substituídos e colocados novos, entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021.
36- O frigorífico existente na cozinha do imóvel referido em 6), tinha sido adquirido pelos Réus em 4 de dezembro de 2020.
37- A Ré (…) comunicou à chamada (…) que a chave do imóvel referido em 6) se encontrava debaixo do tapete, para que esta pudesse entrar no mesmo para o mostrar a interessados na sua aquisição.

B – As questões do Recurso
i. Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
A reapreciação do julgamento realizado em 1.ª Instância, no que respeita à matéria de facto, visa apurar se os factos concretos submetidos à instrução, factos esses objeto de decisão que se mostra impugnada em sede de recurso, foram incorretamente julgados, impondo-se decisão diversa. A Relação deve alterar a decisão se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. artigos 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 662.º, n.º 1, do CPC.
Por via de tal regime legal, «Incumbe ao recorrente a demonstração de que o tribunal recorrido cometeu um erro de julgamento. Para tanto, não lhe basta indicar determinado meio de prova que, no seu entendimento, sustente a versão factual que considere ser a verdadeira, como se nenhum outro existisse. Se se limitar a fazer essa indicação, o recorrente não terá, sequer, tentado demonstrar a existência de erro de julgamento. Tendo o tribunal recorrido formado a sua convicção sobre determinado facto com fundamento num conjunto de meios de prova, incumbe ao recorrente fundamentar a sua discordância em relação a todo o processo de formação da convicção daquele tribunal sobre o mesmo facto. Tal fundamentação passa, necessariamente, pela referência a todos os meios de prova de que o tribunal recorrido se serviu para formar a referida convicção e pela análise crítica dos mesmos, pois só assim o recorrente poderá sustentar devidamente a sua pretensão de alteração da matéria de facto. No fundo, é tarefa do recorrente propor uma análise crítica da prova (entenda-se, de toda a prova relevante para a formação da convicção sobre determinado facto) diversa daquela a que o tribunal recorrido procedeu, procurando, assim, convencer o tribunal de recurso de que é a sua a correta. Só se lograr esse convencimento, o recorrente terá demonstrado a existência de um erro de julgamento por parte do tribunal recorrido. E, como acima referimos, apenas nessa hipótese poderá a Relação alterar a decisão do tribunal de primeira instância.»[1]
Se o facto versado na impugnação for irrelevante para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto; não é lícito realizar no processo atos inúteis – cfr. art. 130.º do CPC; logo, a impugnação não deve ser conhecida.[2] Na verdade, não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º, n.º 1 e 130.º do CPC.[3]
Os Recorrentes insurgem-se quanto à factualidade provada sob os n.ºs 18, 24, 30 a 33.
Vejamos.
No n.º 18 consta provado o seguinte: Na sequência, os RR. propuseram a redução do valor do preço da venda do imóvel, ou a realização de obras para eliminar as situações referidas em 16), para manter o negócio, o que não foi aceite pelos Autores.
Os Recorrentes sustentam que quem apresentou tais propostas foram eles próprios, nunca os RR as apresentaram; que os RR não tinham interesse em realizar obras nem intenção de reduzir o preço. Pelo que o n.º 18 deve passar a contemplar a seguinte redação: Na sequência, os Autores propuseram a redução do valor do preço da venda do imóvel, ou a realização de obras para eliminar as situações referidas em 16), para manter o negócio, o que não foi aceite pelos Réus.
Alcança-se, porém, dos artigos 30.º e 31.º da p.i. que os AA, ora Recorrentes, alegaram o que foi provado. A saber:
30.º - Como alternativa ao cancelamento da escritura, os RR ainda propuseram a redução do valor acordado ou a realização de obras para repor o imóvel ao estado em que se comprometeram vender, sem contudo se comprometerem com data para a realização destas.
31º - Aos AA só interessava a compra de um imóvel renovado e pronto a habitar, pelo que nenhuma das propostas teve acolhimento, tendo os RR proposto então a devolução do sinal em singelo, o que os AA aceitaram.
A versão dada como provada corresponde ao que foi alegado pelos Recorrentes, que agora pretendem ver exarado o inverso.
Acresce que a referida factualidade é irrelevante para a questão em discussão no presente recurso, a questão de saber se os Recorrentes incorreram em erro que atingiu os motivos determinantes da decisão de aquisição do imóvel relativo ao objeto do negócio e se os Recorridos conheciam ou não deviam ignorar a essencialidade, para os Recorrentes, do elemento sobre que incidiu o erro – cfr. artigos 251.º e 247.º do Código Civil.
Termos em que se mantém o n.º 18 dos factos provados nos seus precisos termos.
No n.º 24 consta o seguinte: Os RR. enviaram aos AA., e estes receberam a mesma, a carta datada de 8 de setembro de 2022, cuja cópia se encontra junta a fls. 47, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, na qual comunicam a marcação da escritura de compra e venda do imóvel referido em 6) no dia 21 de setembro de 2022, pelas 16 horas, no Cartório Notarial de Ourém.
Na ótica dos Recorrentes, deve ser acrescentado que a carta foi recebida pelos AA a 15/09/2022.
Concede-se o aditamento de tal segmento à factualidade provada, não obstante tratar-se de elemento inócuo em face da questão a tratar no âmbito do presente recurso.
Seguem os Recorrentes pretendendo alterar a redação dada aos n.ºs 30 a 33 dos factos provados. Assim, onde se escreve:
30- A descrição do imóvel referido em 6), que consta do anúncio mencionado em 2), foi elaborada na íntegra pela chamada (…).
31- As fotos do interior do imóvel referido em 6), que constam do anúncio referido em 2), foram tiradas por um fotógrafo profissional, que a chamada enviou para o imóvel, visando a promoção da venda do imóvel.
32- A testemunha (…), na qualidade de funcionário da chamada (…), encarregado de realizar a mediação, deslocou-se ao imóvel referido em 6), com o propósito de promover a sua venda, tendo nessa altura visualizado o estado do mesmo.
33- A R. (…) comunicou à testemunha (…) que existia uma única casa de banho no imóvel referido em 6), e tinham tirado o bidé da mesma.
Pretendem os Recorrentes que passe a ler-se,
30 - A descrição do imóvel referido em 6), que consta do anúncio mencionado em 2), foi elaborada na íntegra pela chamada (…), com base na informação prestada pela Ré (…) e por confronto com a documentação da fração.
31 - As fotos do interior do imóvel referido em 6), que constam do anúncio referido em 2), foram tiradas pela Ré (…) e por um fotógrafo profissional, que a chamada enviou para o imóvel, visando a promoção da venda do imóvel.
32 - A testemunha (…), na qualidade de funcionário da chamada (…), encarregado de realizar a mediação, deslocou-se ao imóvel referido em 6), em março de 2022, com o propósito de promover a sua venda, tendo nessa altura visualizado o estado do mesmo, o qual nessa data não apresentava os defeitos referidos em 16 dos factos provados e outros.
33 - A Ré (…) comunicou à testemunha (…) que existiam duas casas de banho, uma transformada em lavandaria ou despensa.
Para além de se tratar de alterações inócuas em face da questão submetida a apreciação neste recurso (a questão de saber se os Recorrentes incorreram em erro que atingiu os motivos determinantes da decisão de aquisição do imóvel relativo ao objeto do negócio e se os Recorridos conheciam ou não deviam ignorar a essencialidade, para os Recorrentes, do elemento sobre que incidiu o erro – cfr. artigos 251.º e 247.º do Código Civil), constata-se que os segmentos apontados pelos Recorrentes não constam da factualidade que foi alegada nos articulados.
Ora, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto visa apurar se os factos concretos submetidos à instrução foram incorretamente julgados, impondo-se decisão diversa. Nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, os fundamentos da sentença devem incluir o rol dos factos que são julgados provados e o dos que são julgados não provados. Os factos a enunciar como provados hão de ser colhidos entre os factos essenciais que as partes alegaram[4], conforme determinado pelo artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC. São esses os factos de que é lícito ao juiz conhecer (artigo 411.º do CPC), e é sobre esses que se impõe profira juízo de provado ou de não provado. O juiz atenderá ainda à prova tabelada produzida nos autos, atento o disposto na 2.ª parte do n.º 4 do artigo 607.º do CPC, podendo lançar mão de algum facto demonstrado por documento que repute relevante para a matéria em discussão – sendo certo, porém, que a junção de documento não é apta a suprir a lacuna de alegação do facto.
Para além desses, cabe ao juiz conhecer de factos que não dependem de alegação pelas partes: são os factos que não carecem de alegação ou de prova, conforme estatui o artigo 412.º do CPC, e ainda aqueles que não carecem de alegação por via do artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC.
Na verdade, por via do Princípio do Dispositivo consagrado no artigo 5.º do CPC, só há que atender aos factos alegados pelas partes, a quem cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, sem prejuízo dos factos enunciados no n.º 2 de tal normativo (factos instrumentais que resultem da instrução da causa e factos complementares ou concretizadores de factos essenciais alegados que resultem da instrução da causa desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, factos notórios ou aqueles de que o tribunal tenha conhecimento por virtude das suas funções). O Princípio do Contraditório, por sua vez, determina que não é lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
O que determina que factos essenciais não alegados não possam ser incluídos no rol dos factos julgados provados, sob pena de excesso de pronúncia; tais factos não podem ser considerados, implicando, nessa parte, na nulidade da decisão[5] – artigos 195.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Por outro lado, por via do regime decorrente do artigo 640.º do CPC, no recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. Ora, se se trata de facto não alegado nos articulados apresentados pelas partes, não há como concretizar qual o facto que foi incorretamente julgado, pois nem sequer estava sujeito a instrução e julgamento.
Termos em que se conclui que, por se tratar de factualidade não alegada e, assim, não submetida a instrução, não se verifica incorreto julgamento por parte do Tribunal a quo quanto àquela concreta matéria. Inexiste, pois, fundamento para atender tal pretensão dos Recorrentes.

Relativamente ao n.º 16, os Recorrentes pretendem seja aditada a seguinte factualidade:
- as casas de banho apresentavam azulejos “datados”;
- o rodapé faltava também na cozinha e não apenas nos quartos;
- o exaustor não funcionava;
- o chão do apartamento tinha estava espaços entre o flutuante, que estava mal aplicado;
- as portas das duas casas de banho não tinham aduelas;
- a porta de entrada do prédio estava mal pintada, nas suas guarnições.
Ora, a alegação de que os azulejos eram datados reporta-se ao facto de não terem sido renovados, ou à circunstância de serem conotados com determinada época. Constitui factualidade equívoca, subjetiva, pelo que não se afigura ter o Tribunal de 1.ª Instância incorrido em erro ao não julgar provada tal alegação.
O mais, reporta-se a factualidade que não foi alegada pelos Autores a decisão relativa à matéria de facto não tem por base aquilo que é afirmado em sede de audiência final pelas partes ou testemunhas inquiridas, pois o que está sujeito a instrução é a factualidade invocada pelas partes nos articulados.
Termos em que não merece acolhimento tal pretensão dos Recorrentes.

ii. Da anulabilidade do contrato promessa por erro relativo ao objeto do negócio
O artigo 251.º do CC dispõe sobre o erro sobre a pessoa ou sobre o objeto do negócio determinando o seguinte: O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º. Trata-se do erro-motivo ou erro-vício, em que há conformidade entre a vontade real e a vontade declarada mas a vontade real formou-se em consequência do erro em que incorreu o declarante. Se não fosse tal erro, o sujeito não teria pretendido realizar o negócio, pelo menos nos termos em que o efetuou.[6]
O artigo 247.º do CC, por sua vez, reportando-se ao erro na declaração, determina que: Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Decorre do referido regime legal que a situação de erro sobre o objeto do negócio tem o mesmo tratamento jurídico da situação em que ocorra erro na declaração. A declaração negocial é anulável, sendo que a anulação está dependente da essencialidade do erro para o declarante e do respetivo conhecimento / dever conhecer por parte do destinatário da declaração. Por conseguinte, “nem todo o erro é considerado juridicamente relevante e origina a anulação do negócio realizado. As necessidades de segurança e estabilidade do tráfico jurídico exigem que a relevância do erro como fundamento da anulação do negócio dependa de determinados pressupostos, ou seja, é necessário que «concorram certos requisitos»[7], sendo que, relativamente ao seu regime de relevância, «cada ordem jurídica está perante um dilema: se não atende ao erro, vale um resultado que o errante não quis, ficando assim violado o seu direito à autodeterminação a realizar por meio do negócio jurídico; se atende ao erro, fica desiludida a expectativa da outra parte que confiou naquilo que entendeu e é perturbada a segurança do comércio jurídico.»[8][9]
São, portanto, dois os requisitos ou pressupostos da anulação de declaração negocial num e noutro caso: a essencialidade e a cognoscibilidade. “A parte que incorreu em erro tem, pois, para obter a anulação do negócio, o ónus de demonstrar este duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro, não o teria celebrado ou não o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era.[10] De outro, se o negócio jurídico pudesse ser anulado por erro sobre uma qualquer qualidade do objeto, que fosse essencial para a parte que errou, mas cuja essencialidade fosse surpreendente ou imprevisível, a contraparte no negócio ficaria injusta e excessivamente desprotegida e daí que o artigo 247.º do CC imponha à parte que invoca o erro o ónus de alegar e demonstrar que, nas circunstâncias do negócio, a outra parte conhecia, ou não devia ignorar, que o quid sobre o qual o erro incidiu era para ela essencial.»[11]
No caso em apreço, os Recorrentes pugnam pela anulação do contrato-promessa celebrado, pelo que estão adstritos a alegar e demonstrar a essencialidade, para eles, do facto de a fração estar totalmente renovada (designadamente com eletrodomésticos novos na cozinha, esta totalmente nova com acabamento lacado, com portas interiores novas e acabamento lacado, conforme anunciado), que incorreram em erro relativamente a tais caraterísticas da fração e que essa essencialidade era conhecida ou não devia ser ignorada pelos promitentes vendedores.
Da factualidade provada alcança-se que os AA, emigrantes em França, celebraram com os RR contrato-promessa de fração autónoma com tipologia T3 e bens móveis e eletrodomésticos usados. Ao que procederam na sequência de terem visualizado anúncio onde se afirmava tratar-se de apartamento totalmente renovado com bons acabamentos, composto por duas casas de banho, três quartos, cozinha e sala, (…) cozinha totalmente nova, com acabamento lacado e equipada com eletrodomésticos novos (micro-ondas, forno, placa, exaustor e frigorífico), portas interiores novas com acabamentos lacados. A escritura ficou agendada para dia 29/07/2022, tendo AA e RR acordado que os AA ocupariam o imóvel nesse dia.
Retira-se destes elementos que os AA declararam prometer comprar a fração por estarem convencidos de que a mesma se encontrava totalmente remodelada, pronta a habitar e com os eletrodomésticos, embora usados, em estado de novo. Deslocaram-se de França no dia em que iriam celebrar a escritura pública de compra e venda, acompanhados dos filhos, com intenção de passar a ocupar a fração desde então. O que era do conhecimento dos RR.
Tendo-se deslocado à fração, constataram então que:
a) numa das casas de banho do imóvel foi retirado o bidé;
b) noutra casa de banho foram retiradas todas as louças, tendo sido deixados produtos de limpeza e lixo;
c) nos quartos, rodapés e tomadas elétricas tinham sido arrancadas;
d) havia paredes com tinta a descascar ou que tinha sido arrancada;
e) o micro-ondas, o forno, a placa e o exaustor não eram novos;
f) existiam posters numa das paredes;
g) o videoporteiro estava partido e parcialmente arrancado da parede;
h) os acabamentos da cozinha e das portas interiores não eram lacados, estando pintadas de branco;
i) a placa do fogão estava partida;
j) o fogão estava cheio de ferrugem;
l) um varão num quarto encontrava-se deslocado;
m) a máquina de secar roupa tinha roupa no seu interior.
Em face do que os AA comunicaram a recusa de celebração do contrato prometido.
Decorre do exposto que a outorga do contrato-promessa teve lugar estando os AA, promitentes-compradores, em erro quanto às reais caraterísticas da fração autónoma, que suponham totalmente remodelada, com eletrodomésticos funcionais, pronta a habitar.
Relativamente à essencialidade do erro e à respetiva cognoscibilidade por parte dos RR, cumpre atentar no facto de constar no rol dos factos não provados o seguinte:
B- Os AA. escolheram o imóvel referido em 6) para adquirirem o mesmo por estar totalmente renovado e pronto a habitar.
D- Os AA. manifestaram o interesse na aquisição do imóvel referido em 6) por este estar totalmente renovado e com eletrodomésticos novos, sendo este facto essencial para a celebração do negócio de compra e venda do prédio, e do conhecimento dos RR.
O que implica se considere inverificados os requisitos da essencialidade do erro em que os AA incorreram e, bem assim, da sua cognoscibilidade por parte dos RR.
Resulta, assim, destituída de fundamento a pretensão anulatória deduzida pelos Recorrentes.

iii. Da reconvenção: da falta de regular convocatória para a escritura pública de compra e venda
Os Recorrentes sustentam que não incorreram em incumprimento definitivo do contrato-promessa decorrente da falta de comparência na escritura pública marcada para o dia 21/09/2022 porquanto a receberam a respetiva convocatória a 15/09/2022, apenas com antecedência de seis dias. É que, nos termos do contrato-promessa celebrado, tal antecedência devia ser, no mínimo, de oito dias – cfr. cláusula quarta, n.º 7, e cláusula quinta.
Trata-se, contudo, de questão nova, que não foi esgrimida nos articulados apresentados em 1.ª Instância, tendo sido suscitada apenas na presente instância de recurso.
Ora, o recurso constitui o meio processual de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Tem em vista a reapreciação ou a reponderação das questões submetidas a litígio, já apreciadas e decididas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas. Donde, não cabe invocar em sede de recurso questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido, conforme resulta do regime inserto nos artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, n.º 3, do CPC, salvo se a lei expressamente determinar o contrário (artigo 665.º, n.º 2, do CPC) ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC).
E as questões apresentadas pelas partes, as questões que são submetidas a julgamento nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ainda ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, são apuradas em função da configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as exceções invocadas pela parte passiva na lide, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções.[12]
Os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.[13]
Termos em que não se toma conhecimento da questão suscitada pelos Recorrentes relativa ao incumprimento definitivo do contrato-promessa por falta de atempada convocatória para a escritura pública.

Improcedem, assim, as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogar a decisão recorrida.

As custas recaem sobre os Recorrentes – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)


IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pelas Recorrentes.
Évora, 18 de dezembro de 2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
José Manuel Tomé de Carvalho
Vítor Sequinho dos Santos

__________________________________________________
[1] Ac. TRE de 12/07/2018, proc. n.º 7495/15.6T8STB.E1 (Vítor Sequinho dos Santos).
[2] Cfr. CPC Anotado, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Vol. I, 2.ª edição, pág. 162.
[3] Ac. TRC de 12/06/2012 (Beça Pereira); Ac. STJ de 14/03/2019 (Maria do Rosário Morgado).
[4] V. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, I vol., pág. 541.
[5] Cfr. Acs. do TRC de 19/06/2001 e de 14/01/2014.
[6] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 4.ª edição, pág. 235.
[7] João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, AAFDL, 1995, pág. 109.
[8] A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª reimpressão, Almedina, págs. 568/569.
[9] Ac. do STJ de 15/05/2012 (Joaquim Piçarra).
[10] Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, págs. 660 e 661.
[11] Ac. do STJ de 15/05/2012, já citado.
[12] Acs. do STJ de 07/04/2005 (Salvador da Costa) e de 14/04/2005 (Ferreira de Sousa).
[13] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395.