Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2843/15.1T8FAR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DIVERSA
Data do Acordão: 03/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: i) em caso de transmissão de estabelecimento, a qualquer título, transmite-se para o adquirente a posição do empregador transmitente relativamente aos contratos de trabalho.
ii) tendo a trabalhadora peticionado créditos emergentes de cessação de contrato de trabalho a termo com base em norma jurídica aplicável ao regime geral da cessação do contrato de trabalho, o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica efetuada pela autora e deve aplicar aos factos provados o direito aplicável relativo à cessação do contrato a termo celebrado, só não podendo condenar em quantia superior ao pedido global.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2843/15.1T8FAR.E1
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

Apelante: CC (ré).
Apelada: BB (autora).
Tribunal Judicial da comarca de Faro, Faro, Instância Central, 1.ª Secção de Trabalho, J1.

1. A autora intentou ação sob a forma de processo comum contra a ré, pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe € 659,04 por despedimento ilícito e, bem assim, a quantia de € 284,67 a título de subsídios de férias e de Natal e férias não gozadas ou, em alternativa, no pagamento da compensação por caducidade, no montante de 65,36 € (sessenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos) e proporcional dos subsídios de Férias e Natal e das férias não gozadas e não pagas à data do despedimento, que consubstanciam o montante de 284,67 € (duzentos e oitenta e quatro euros e sessenta e sete cêntimos).
Em todo o caso pede a condenação nos juros vencidos e vincendos devidos à taxa legal quanto aos montantes descritos desde 29 de julho de 2015 até ao seu integral pagamento.
Alegou para tanto que, no dia 29 de janeiro de 2015, por contrato de seis meses, foi admitida pela DD, S.A. a desempenhar funções de trabalhadora de limpeza, 15 horas semanais, de 2.ª a 5.ª feira das 09h30m às 12h30m e ao domingo das 09h30m às 12h30m.
Desempenhava a atividade na Casa de Repouso e saúde de ….
Continua referindo que em julho de 2015 a DD transferiu a sua posição contratual para a ora R. assim como todos os trabalhadores, auferindo ao serviço da R. a quantia de € 219, 68/mês, acrescido de subsídio de alimentação e acertos por horas extra.
Mais alega que nunca lhe foram pagos os subsídios de férias e de Natal, em 28 de julho de 2015 telefonicamente avisou a R. que estava doente, tendo baixa médica por quatro dias, ao que aquela respondeu que não se preocupasse em regressar ao serviço porque iria receber carta registada informando-a que não precisava de regressar. Em 29 de julho de 2015 recebeu missiva que levantou a 30 do mesmo mês na qual a R. invocava a caducidade do contrato pelo que se considerou despedida.
Acrescenta que a R. não lhe pagou a compensação pela caducidade, nem proporcionais de subsídio de férias e de Natal, bem como não a deixou gozar os dias de férias a que tinha direito.
Por entender que a cessação do contrato não cumpriu os requisitos legais sendo, por isso, em seu entender, ilícita, requer o pagamento de indemnização em substituição da reintegração e pagamento de férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal.
Realizou-se audiência de partes no âmbito da qual não se conseguiu conciliá-las.
Notificada, a R. contestou alegando que no dia 01 de julho de 2015, passou a exercer a atividade de serviços de limpeza na Casa de Repouso de… em virtude da perda do local de trabalho por parte da DD o que, por força do disposto no art.º 15.º do CCT outorgado entre a Associação portuguesa de Facility Services e a Fetese, implicou a transferência de todos os trabalhadores com transmissão de direitos, regalias e antiguidade salvo se os créditos, nos termos do CCT e lei geral já devessem ter sido pagos.
Contesta o valor do salário base que refere ser de € 189,15 e acrescenta que efetivamente em 28 de julho de 2015 informou a A. telefonicamente (porque faltou ao serviço) que não precisava mais dos seus serviços e como a A. faltou nos dias 27 e 28 remeteu-lhe a carta de rescisão por caducidade via postal.
Acrescenta que lhe pagou os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondentes a 1 mês de trabalho sendo que os demais competiam à DD em virtude do se vencerem aquando da realização do trabalho.
Mais refere ter pago a compensação pela caducidade do contrato.
Saneados os autos, designou-se e realizou-se a audiência de julgamento e, após, proferiu-se despacho elencando os factos provados e não provados com a respetiva motivação.
De seguida foi proferida sentença com a seguinte decisão:
Assim sendo julgo a ação procedente e, consequentemente:
Condeno a R. CC, a pagar à A., BB, a quantia de € 943,71 (novecentos e quarenta e três euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Custas pela R. na proporção do decaimento.

2. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação motivado com as conclusões seguintes:
1. A autora, no pedido da sua petição inicial, mencionou o seguinte:
2. “Nestes e nos demais termos de Direito, que Vossa Excelência mui doutamente suprirá, deve: a presente ação ser declarada procedente por provada e, em consequência, deve:
Ser a R. condenada no pagamento de uma indemnização pelo despedimento ilícito, no valor de 659,04 € (seiscentos e cinquenta e nove euros e quatro cêntimos).
Ser a R. condenada no pagamento proporcional dos subsídios de férias e Natal e das férias não gozadas e não pagas à data do despedimento, que consubstanciam o montante de 284,67 € (duzentos e oitenta e quatro euros e sessenta e sete cêntimos);
Ser a R. condenada no pagamento dos juros vencidos e vincendos devidos à taxa legal quanto aos montantes descritos em a) e b), desde a data da cessação do contrato a 29 de julho de 2015 até ao seu integral pagamento;”.
3. Ademais na causa de pedir, nomeadamente artigos 24.º, 25.º e 26.º da petição inicial, a autora menciona claramente que a indemnização a atribuir à autora tem por base o número 1 do artigo 391.º do Código do Trabalho.
4. Sucede que o Tribunal a quo, tendo em conta a ilicitude do despedimento, condenou a R. no pagamento de uma indemnização, com base no artigo 393.º do Código do Trabalho.
5. Ora, se é verdade que o juiz não está obrigado a aceitar o enquadramento jurídico que as partes oferecem para os factos alegados e provados, sendo livre na aplicação do direito – art.º 5.º n.º 3 CPC.
6. Também é verdade que este poder sofre de um limite fundamental: o tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos contando que não altere a causa de pedir, porquanto o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes – art.º 5.º n.ºs 1 e 2, CPC.
7. Ora, na petição da A. nunca foi mencionado, nem sequer colocado em hipótese, a aplicação do artigo 393.º do Código do Trabalho, sendo notório que o pedido e os montantes da indemnização requeridos têm exclusivamente por base o número 1 do artigo 391.º do Código do Trabalho.
8. Sendo a causa de pedir invocada pela autora integrada pela alegação da ilicitude do despedimento de um contrato de trabalho a termo e dos factos que, de acordo com o número 1 do artigo 391.º do Código do Trabalho, constituem, em substituição da reintegração – ponto 24.º da PI -, fundamento de indemnização, não é legítimo que o Tribunal a quo convole tais factos para a hipótese contemplada no artigo 393.º do citado diploma legal, ou seja, diferente da causa de pedir.
9. É que não obstante ambas as normas se referirem a indemnização em caso de ilicitude de despedimento, são diferentes os enquadramentos desses preceitos, porquanto o artigo 391.º do Código do Trabalho é exclusivo para indemnização em substituição de reintegração a pedido do trabalhador, e que por sua vez não se aplica aos contratos de trabalho a termo, porquanto existe uma norma específica que regula os despedimentos por iniciativa do empregador em caso de contrato a termo, concretamente o artigo 393.º do Código do Trabalho que na sua epígrafe menciona especificamente “regras especiais relativas a contratos a termo”.
10. O Tribunal a quo, condenando a R. no pagamento de uma indeminização com base num fundamento cujo conhecimento não lhe foi pedido, violou o princípio do dispositivo e deixou a recorrente sem qualquer possibilidade de exercício do contraditório.
11. A causa de pedir desdobra-se, analiticamente, em duas vertentes: a) - uma factualidade alegada, que constitui o respetivo substrato factual, e b) - uma vertente normativa significante na perspetiva do pedido formulado.
12. O Tribunal a quo ao julgar procedente a pretensão da autora de pagamento de uma indemnização, com fundamento em causa de pedir diferente daquela por ela invocada, conheceu de questão não submetida à apreciação do tribunal – artigo 609.º n.º 1 do CPC -, incorrendo essa sentença no vício de nulidade previsto no artigo 615.º n.º 1, al. d), do CPC, subsidiariamente aplicado ex vi artigo 1.º n.º 2 do Código de Processo de Trabalho.
13. Conforme consta dos factos provados a autora foi contratada no dia 29 de janeiro de 2015 pela empresa DD, SA, tendo laborado para a mesma até 31 de maio de 2015 e exercido funções de trabalhadora de limpeza nas instalações da Casa de Repouso e Saúde de ….
14. Porém, contrariamente ao mencionado pela douta sentença do Tribunal a quo, no ponto 3 dos factos provados, a DD, SA não transferiu a sua posição contratual para a ré.
15. O que ocorreu foi que o contrato que a DD, SA tinha com a Casa de Repouso e Saúde de … terminou e, em virtude disso, a R. celebrou um novo contrato de prestação de serviço de limpeza com a Casa de Repouso e Saúde de …, o qual, teve início no dia 01 de junho de 2015.
16. Todavia, ao abrigo do artigo 15.º do CCT entre a Associação Portuguesa de Facility Services e a FETESE — Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicado do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15 de 22/4/2008, com a portaria de extensão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 47, 22/12/2008, a R. integrou, desde o dia 1 de junho de 2015, a autora como sua trabalhadora.
17. Pelo que, imperativamente o contrato que a autora tinha com a DD, SA cessou no dia 31 de maio de 2015.
18. Assim sendo, de acordo com o artigo 245.º do Código do Trabalho, aquando do termino do contrato da autora com a sua antiga entidade empregadora, a mesma dever-lhe-ia ter liquidado os proporcionais de férias de respetivo subsídio, bem como o proporcional do subsídio de Natal (artigo 263.º n.º 2, al. b) do Código do Trabalho), porquanto tratam-se de direitos da autora vencidos aquando do trabalho prestado para a DD, SA e que em caso de denúncia do contrato têm de ser pagos nos termos supramencionados.
19. Aliás, como o próprio CCT acima identificado prevê, porquanto todos os créditos da autora, uma vez vencidos, são da responsabilidade da antiga entidade empregadora e não se transmitiram para recorrente.
20. O direito a férias e ao respetivo subsídio reportam-se ao trabalho prestado em data anterior e, assim sendo, de janeiro a maio de 2015, a autora não era trabalhadora da recorrente e o trabalho prestado durante esse período, no que às férias diz respeito, não é da responsabilidade da recorrente, uma vez que, conforme o artigo 245.º do Código do Trabalho, aquando da cessação do contrato tais créditos têm de ser liquidados ao trabalhador.
21. O mesmo se verifica com o respetivo proporcional do subsídio de Natal - artigo 263.º n.º 2, al. b) do Código do Trabalho.
22. Posto isto, e uma vez que não há dúvidas que o contrato de trabalho entre a DD, SA e a autora cessou, não se compreende como o Tribunal a quo condenou a recorrente no pagamento dos proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal do período de janeiro a maio de 2015, porquanto quando o contrato da autora com a DD, SA cessou, automaticamente vencem-se tais direitos (férias, subsídio de férias e Natal), os quais, uma vez vencidos, são da responsabilidade da DD, SA e não da recorrente.
23. Salvo o devido respeito pela douta sentença do Tribunal a quo, não pode a recorrente concordar com a mesma quando menciona que “(…) é a R. que, tendo assumido o contrato da A. com todos os direitos e obrigações, responde pelo pagamento das férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias e de Natal.” Porquanto de acordo com o CCT em vigor para a atividade de limpeza todos os créditos vencidos são da responsabilidade da antiga entidade empregadora.
24. Ainda sobre o direito a férias, respetivo subsídio e de Natal, foi dado como provado (ponto 11) que a recorrente liquidou à autora € 246,33 referentes à remuneração de julho de 2015, subsídio de alimentação, proporcionais de subsídio de Natal, férias e subsídio de férias e indemnização por cessação de contrato.
25. Assim não se compreende, sendo mesmo incoerente o Tribunal a quo não determinar a dedução de tal valor, nos montantes condenados à recorrente, pelo simples facto do peticionado ter ficado aquém do total a que a autora, segundo o Tribunal a quo, teria direito.
26. Tal fundamentação é de todo inaceitável, não só por violação do princípio do pedido, tão mencionado em toda a sentença, como também pela clara falta de fundamento da decisão, a qual demonstra claramente que o Tribunal a quo, mesmo contrariando o pedido da autora, abusivamente condena a recorrente num pagamento repetido.
27. A douta sentença fundamenta ainda que “desconhece qual o concreto valor que pagou a título de férias de subsídios”.
28. Ora como pode o Tribunal a quo usar tal argumento, quando no recibo de vencimento da autora, junto com a contestação da recorrente, encontram-se descriminadas todas as quantias.
29. Ademais na própria contestação da recorrente, à qual a autora não apresentou qualquer resposta, são mencionados tais pagamentos, concretamente foi dito que se reportaram aos proporcionais de férias, subsídio de féria e de Natal do mês de julho.
30. Motivo pelo qual na mui modesta opinião da recorrente os montantes liquidados à autora, mesmo entendendo que nada deve à autora e apenas no caso de V.as Ex.as assim não entenderem, devem ser deduzidos na quantia a pagar pela recorrente à autora.
31. O douto Tribunal a quo deu como provado que a autora tinha como retribuição mensal ilíquida a quantia de € 219,68, facto que não se compreende quando nos recibos de vencimento, juntos pela autora com a PI, encontra-se mencionada a quantia de € 189,38.
32. Aliás é o próprio CCT, acima identificado, na sua cláusula 22.º menciona [VM (valor mensal) =VH (valor hora) *N (número médio mensal de horas de trabalho), sendo que o N= HS*52/12 (N=15*52/12= 65); assim VM=2.91*65=189,15].
33. Bem como, contrariamente, ao mencionado na motivação da decisão da matéria de facto, como a autora trabalhava aos domingos, nos termos do n.º 3, al. d) da cláusula 29.ª do CCT, teria direito a receber um acréscimo mensal de 16 % sobre a retribuição mensal auferida (retribuição que inclui os montantes pagos pelos feriados – n.º 6 cláusula 29.ª).
34. Pelo que tal acréscimo era variável, tendo em conta os meses em questão.
35. Aliás como consta dos recibos de vencimento juntos pela autora com a PI., dos quais não pode restar dúvidas de que a retribuição mensal ilíquida se cifra nos € 189,15.
36. Pelo que na opinião da recorrente o facto 2.º dos factos não provados, deveria ter sido dado como provado.
37. Bem como a resposta dada ao facto 3.º dos factos provados deveria ter sido como não provado.
38. Quanto ao facto 11.º dos factos provados, o mesmo deveria ter a seguinte redação:
No dia 05 de agosto de 2015 a R. pagou à A. a quantia de € 246,33 referente a remuneração de julho de 2015, subsídio de alimentação, proporcionais de subsídio de Natal, nomeadamente € 12,92, férias, nomeadamente €12,92, subsídio de férias, nomeadamente € 12,92 e indemnização por cessação de contrato.

3. A A. foi notificada, respondeu e concluiu que:
1. Para efeitos de celeridade processual, dá-se por reproduzido o conteúdo da douta sentença do tribunal a quo.
2. Não pode o recurso proceder com base nas alegações apresentadas pela R., pelo que deve ser dado por não provado e julgado improcedente.
3. Não existe incorreta aplicação do Direito nem julgamento sobre causa de pedir ou pedido diferente do apresentado na petição inicial.
4. Isto porque: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, art.º 5º. n.º 3 do Código do Processo Civil, via artigo 1.º n.º 2, a), do Código do Processo do Trabalho.
5. E o artigo 393.º n.º 1 do Código do Trabalho, refere “As regras gerais de cessação do contrato aplicam-se a contrato de trabalho a termo, com as alterações constantes do número seguinte.”.
6. Pelo que se aplica o artigo 391.º e o artigo 393.º, e não apenas o artigo 393.º, em substituição do artigo 391.º, como efabula a R..
7. Mais, não existe alteração da causa de pedir e do pedido, em virtude da correta aplicação do Direito, pois a causa de pedir – existência de contrato de trabalho a termo e despedimento ilícito – manteve-se a mesmo e o pedido – indemnização por despedimento ilícito – também se manteve o mesmo.
8. Pelo que não há qualquer violação do artigo 609.º do Código de Processo Civil, pelo que deve ser o recurso considerado improcedente.
9. Quanto a subsídios de férias, Natal e férias não gozadas, a autora impugnou os factos alegados pela R., em específico o pagamento, em sede própria, ou seja, no início da audiência de julgamento, em virtude das caraterísticas do processo.
10. A R. não pagou o que alegou ter pago, nem apresentou qualquer prova nesse sentido, sendo que era seu o ónus da prova.
11. O CCT alegado pela R. não estava em vigor à data, pelo que não se pode aplicar, nem se pode aplicar a sua portaria de extensão.
12. Assim, transferem-se para a R. as obrigações da anterior entidade patronal, nos termos gerais, tendo a R. direito de regresso sobre esta última, mas sendo responsável perante a autora.
13. Pelo que não pode proceder o recurso quanto a esta matéria.
14. Quanto ao valor ilíquido da retribuição, também não tem razão a ré.
15. Porquanto a autora trabalhava, como estava estabelecido no contrato, sempre aos domingos, logo o acréscimo de 16% era, para ela regular e periódico.
16. Em consequência, a ré não pode afastar este valor como retribuição, já que “A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.” – artigo 258.º n.º 2 do Código do Trabalho.
17. Assim sendo, o valor ilíquido mensal de retribuição era sempre, pelo menos, de 219,64 € e não de 189,15 €.
18. Logo, não pode o recurso proceder quanto a esta matéria.
19. Igualmente, quanto à matéria de facto dada como provada e não provada não tem a ré razão.
20. Poderia a ré ter reclamado e não o fez.
21. A autora concorda e aceitou a matéria assente pelo tribunal a quo.
22. Quanto à redação proposta pela ré na sua conclusão MM, especificamente, não pode a mesma proceder, já que, como acima concluído, não só a autora impugnou esse pagamento em sede própria, como era ónus da ré provar, por devedora, nos termos do 342.º n.º 2 do Código Civil, e não logrou provar.
23. Assim, não pode proceder o recurso quanto a esta matéria.
Nestes e nos demais termos de Direito, que serão por Vossas Excelências muito doutamente supridos, coloca-se a autora ao subido escrutínio do Venerando Tribunal da Relação de Évora, pedindo a total improcedência do recurso interposto pela ré.

4. O Ministério Público junto deste tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de ser julgado improcedente o recurso e confirmada a decisão recorrida.
O parecer foi notificado e a autora veio sufragar o já antes alegado e concluído.

5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
Questões a decidir:
1.ª A nulidade da sentença.
2.ª Impugnação da matéria de facto.
3.ª A aplicação do direito aos factos provados.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 29 de janeiro de 2015, A. e DD, S.A. acordaram que aquela, pelo prazo de seis meses, com início a 29 de janeiro de 2015 e termo a 28 de julho do mesmo ano, passaria a desempenhar para esta as funções de trabalhadora de limpeza nas instalações da Casa de repouso e saúde de …, sitas em …, 15 horas semanais, distribuídas de 2.ª a 5.ª feira das 09:30 às 12:30 e ao domingo das 09:30 às 12:30, horário que podia ser alterado por vontade das partes, interesse ou determinação do cliente ou por motivo de transferência, mediante o pagamento por parte da R. da retribuição mensal ilíquida de € 219,68, acrescido de subsídio de alimentação à taxa legal em vigor.
2. Em 1 de julho de 2015 a R. passou a exercer os serviços de limpeza geral e/ou diária da Casa de Repouso e Saúde … em virtude da DD ter perdido para a mesma o contrato de limpeza realizado com a dita instituição.
3. Por tal facto a DD, S.A. transferiu a sua posição contratual, juntamente com os trabalhadores agregados a esta, para a R. CC.
4. Nessa data a A. continuava a exercer a sua atividade na casa de Repouso e Saúde de ….
5. A A. faltou ao serviço nos dias 07 e 16 de julho de 2015.
6. No dia 27 de julho de 2015 todas as funcionárias da R. que prestavam serviço na Casa de Repouso de …, incluindo a A., faltaram.
7. No dia 28 de julho de 2015 a A. não se apresentou ao serviço.
8. Em contacto telefónico realizado no dia 28 de julho de 2015 a R. informou a A. para não se preocupar em regressar ao serviço porque ia receber uma carta registada a dizer que não precisava de se apresentar ao serviço.
9. A autora, no dia 30 de julho do mesmo ano, e na sequência de aviso datado de 29 do mesmo mês, levantou nos correios carta registada com aviso de receção, remetida pela R. na qual esta declarava “Vimos pela presente informar V.a Ex.a que desde 01/07/2015 passou a ser funcionária da empresa CC, porquanto o serviço adstrito ao seu local de trabalho (…) foi transferido para a nossa empresa, facto que originou a sua transmissão, enquanto trabalhadora, para a nossa empresa.
Sucede que o seu contrato de trabalho atinge o seu termo no próximo dia 29/07/2015, sendo nossa intenção não proceder à renovação de tal contrato.
Assim, a partir de tal data, considere cessado o contrato em apreço e toda e qualquer relação laboral existente até então (…)”.
10. A A. não recebeu qualquer quantia referente a remuneração de férias, que não gozou, subsídio de férias e de Natal relativos ao período em que trabalhou por conta da DD.
11. No dia 05 de agosto de 2015 a R. pagou à A. a quantia de € 246,33 referente a remuneração de julho de 2015, subsídio de alimentação, proporcionais de subsídio de Natal, férias e subsídio de férias e indemnização por cessação de contrato.

B) APRECIAÇÃO
Como já referimos supra, as questões a decidir são as seguintes:
1.ª A nulidade da sentença.
2.ª Impugnação da matéria de facto.
3.ª A aplicação do direito aos factos provados.

B1) A nulidade da sentença.
A apelante conclui que “a causa de pedir invocada pela autora está integrada pela alegação da ilicitude do despedimento de um contrato de trabalho a termo e dos factos que, de acordo com o número 1 do artigo 391.º do Código do Trabalho, constituem, em substituição da reintegração, fundamento de indemnização, não é legítimo que o tribunal a quo convole tais factos para a hipótese contemplada no artigo 393.º do citado diploma legal, ou seja, diferente da causa de pedir, pelo que o tribunal a quo ao julgar procedente a pretensão da autora de pagamento de uma indemnização, com fundamento em causa de pedir diferente daquela por ela invocada, conheceu de questão não submetida à apreciação do tribunal, artigo 609.º n.º 1 do CPC, incorrendo essa sentença no vício de nulidade previsto no artigo 615.º n.º 1, al. d), do CPC, subsidiariamente aplicado ex vi artigo 1.º n.º 2 do Código de Processo de Trabalho”.
A sentença recorrida enquadrou ou factos provados na legislação aplicável, fundamentando, aliás, com a invocação de doutrina e jurisprudência. O tribunal aplica o direito aos factos provados e condena nos termos peticionados e não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5.º n.º 3 do CPC).
Em parte alguma da sentença o tribunal recorrido altera a factualidade. Funda-se na causa de pedir invocada, conjunto de factos alegados pela autora, e que se provaram, para apreciar o mérito dos pedidos formulados por esta e condena dentro dos limites do pedido. Não vemos, assim, que a sentença se pronuncie para além dos factos provados nem para além do pedido.
Nestes termos, indefere-se a nulidade da sentença invocada pela ré apelante.

B2) A impugnação da matéria de facto
A apelante pretende que se dê como provado o ponto 2 dos factos dados como não provados; seja alterado o ponto 11 dos factos provados nos termos que sugere e seja dado como não provado o ponto 3 dos factos provados.
Quanto ao ponto 2 dos factos dados como não provados, a apelante não tem razão. No contrato de trabalho a termo junto pela autora e não impugnado pela ré, consta na cláusula IV que a retribuição mensal daquela é de € 219,68, pelo que se mantém como não provado o ponto 2 dos factos não provados e se mantém inalterado o ponto 1 dos factos provados (não impugnado diretamente), onde se dá como provada a retribuição mensal de € 219,68.
Quanto ao ponto 3 dos factos dados como provados, é a própria ré, que através da carta de fls. 11, transcrita no ponto 9 da matéria de facto dada como assente, não impugnada, refere expressamente que a autora “passou a ser funcionária da empresa CC, porquanto o serviço adstrito ao seu local de trabalho (…) foi transferido para a nossa empresa, facto que originou a sua transmissão, enquanto trabalhadora, para a nossa empresa”.
Não restam dúvidas quanto ao sentido real do vocábulo transmissão, o qual foi empregue pela própria ré, pelo que se mantém inalterada a matéria de facto dada como provada no ponto 3 dos factos provados.
Quanto ao ponto 11 dos factos provados, não há documento ou outro meio de prova que suportem o alegado pela ré. O documento de fls. 33 (recibo de vencimento), não refere a quantia de € 246,33. O tribunal recorrido declarou provado o recebimento desta quantia com base nas declarações da autora, que no seu depoimento confessou ter recebido este montante, o qual não coincide com o que consta do recibo de fls. 33 dos autos.
Assim, não existem nos autos elementos de prova para alterar o facto dado como provado no ponto 11 dos factos provados no sentido pretendido pela ré.
Nesta conformidade, improcede totalmente a impugnação da matéria de facto, a qual fica definitivamente fixada.

B3) A aplicação do direito aos factos provados
Entre a autora e a ré vigorava um contrato de trabalho a termo, em que este ocorria em 28 de julho de 2015.
A ré comunicou verbalmente à autora, em 28 de julho de 2015, no último dia de vigência do contrato de trabalho a termo, para esta não se preocupar em regressar ao serviço porque ia receber uma carta a dizer que não precisava de se apresentar ao serviço.
Esta comunicação não constitui uma declaração com vista a fazer cessar o contrato, mas apenas a dispensar a autora de se apresentar ao serviço.
A decisão da ré em fazer cessar o contrato de trabalho a termo da autora verificou-se em 30 de julho de 2015, quando esta rececionou a carta emitida pela ré em 29 do mesmo mês onde esta comunicava “que, a partir desta data, considere cessado o contrato em apreço e toda e qualquer elação laboral existente até então”.
Por iniciativa unilateral, sem a invocação de justa causa e sem realização de procedimento disciplinar, a ré fez cessar o contrato de trabalho a termo da autora que se havia renovado automaticamente.
A decisão da ré constitui um despedimento ilícito, como decidiu a sentença recorrida, nos termos do art.º 381.º, alínea c), do CT.
A ilicitude do despedimento promovido pela ré tem os efeitos e consequências previstas no art.º 393.º do CT, o qual prescreve que: as regras gerais de cessação do contrato aplicam-se a contrato de trabalho a termo, com as alterações constantes do número seguinte (n.º 1);
Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) No pagamento de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, que não deve ser inferior às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente (n.º 2).

Resulta deste artigo que a ré está obrigada a pagar as retribuições à autora até ao termo do contrato renovado, uma vez que este ocorreu antes do trânsito em julgado da decisão judicial.
A autora teria direito ao pagamento de € 1 318,08 (219,68 x 6 meses), acrescido da quantia de € 119,83 x 2, a título de férias e subsídio de férias e € 109,84 a título de subsídio de Natal. A ré estaria obrigada a pagar à autora a quantia global de € 1 667,58, a título de retribuições relativas ao contrato renovado e rescindido unilateralmente pela ré.
A autora pede a quantia de € 659,04 a título de indemnização como se fosse aplicável o regime geral e de € 284,67, a título de fárias, subsídio de férias e de Natal vencidos à data do despedimento, o que soma um valor global de € 943,71. A ré responde solidariamente com a anterior empregadora pelos créditos emergentes da retribuição de férias e subsídio de férias e de Natal até à data da transmissão do estabelecimento (art.º 285.º do CT), pelo que não colhe o argumento da ré quanto à sua não responsabilização pelo pagamento.
Os créditos da autora sobre a ré excedem largamente a quantia peticionada pela autora com fundamento em norma jurídica errada, mesmo após descontar a quantia de € 246,33 paga por esta, pelo que não procede a pretensão da apelante.
Nesta conformidade, julgamos a apelação improcedente e confirmamos a sentença recorrida.
Sumário: i) em caso de transmissão de estabelecimento, a qualquer título, transmite-se para o adquirente a posição do empregador transmitente relativamente aos contratos de trabalho.
ii) tendo a trabalhadora peticionado créditos emergentes de cessação de contrato de trabalho a termo com base em norma jurídica aplicável ao regime geral da cessação do contrato de trabalho, o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica efetuada pela autora e deve aplicar aos factos provados o direito aplicável relativo à cessação do contrato a termo celebrado, só não podendo condenar em quantia superior ao pedido global.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 16 de março de 2017.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Alexandre Ferreira Baptista Coelho