Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1097/16.7T8FAR.E2
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
ADN
CADUCIDADE DA ACÇÃO
POSSE DE ESTADO
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – O direito à identidade pessoal está constitucionalmente consagrado no n.º 1 do artigo 26.º[62] da Constituição da República Portuguesa e inclui, além do mais, os vínculos de filiação, existindo um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade.
2 – O direito indisponível ao estabelecimento da maternidade ou da paternidade é corolário dos direitos à identidade e à integridade pessoais que a Lei Fundamental expressamente tutela e deve ser exercitável a todo o tempo.
3 – Os direitos fundamentais à identidade pessoal, à integridade pessoal e ao direito ao desenvolvimento da personalidade são prevalecentes sobre quaisquer outros atribuídos ao pretenso progenitor, não existindo agora motivos para estabelecer limites temporais para o reconhecimento da paternidade quando a prova é de natureza científica e demonstra a existência de uma relação de parentalidade inequívoca.
4 – A improcedência da acção oficiosa não obsta a que seja intentada nova acção de investigação de maternidade, ainda que fundada nos mesmos factos.
5 – A posse de estado consiste no facto de alguém ser reputado e tratado pela generalidade das pessoas como titular de um conjunto de relações que definem um determinado estado pessoal, que se traduz no estabelecimento da filiação pelo preenchimento factual dos conceitos de "nomen", "tractatus" e "fama".
6 – O prazo de caducidade estabelecido no n.º 1 não surge dissociado do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil e a acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores ao conhecimento, pelo investigante, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1097/16.7T8FAR.E2
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Família e Menores de Faro – J1

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção declarativa de investigação de paternidade proposta por (…) contra (…), o Réu interpôs recurso da sentença proferida.
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A Autora pedia que fosse reconhecida como filha do falecido (…).
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Para tanto, a Autora alegou que nasceu em consequência das relações sexuais que (…) manteve com a sua mãe, (…).
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Regularmente citado, o Réu contestou, defendendo a improcedência da acção e sustentando que existia violação do caso julgado por a acção de averiguação oficiosa ter sido declarada improcedente.
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O Juízo de Família e Menores de Faro julgou procedente a excepção de caso julgado. Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora a referida decisão foi revogada. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou o acórdão desta Relação.
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Descidos os autos, foi então elaborado despacho saneador e ali fixado o objecto do litígio e os temas da prova.
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Procedeu-se à realização de prova pericial visando apurar a paternidade, com exumação do cadáver do falecido (…).
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Realizado o julgamento, o Juízo de Família e Menores de Faro decidiu:
a) declarar que a ora Autora (…), nascida a 10 de Setembro de 1984, é filha biológica de (…), este nascido a 14 de Julho de 1964 e falecido a 3 de Janeiro de 2016, no estado de solteiro.
b) condenar o Réu (…) a reconhecer o referido em a).
c) determinar o averbamento dos registos respeitantes à paternidade e à avoenga paterna no respectivo assento de nascimento de (…).
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O recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou as seguintes alegações:
«A. Na fundamentação de Direito da douta sentença salienta-se que, a alínea a) do artº 1871º do CC dispõe-se que a paternidade se presume quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público, ora não é, nem nunca foi o caso, e em vida o filho do Recorrente rejeitou tal paternidade.
B. Ora manifestamente nunca foi o caso, pois em boa verdade foi necessário o óbito do presumível pai para a Autora intentar a acção de investigação de paternidade, nunca assumida em vida pelo filho do Recorrente.
C. Inclusive o filho do Recorrente na primeira acção, encontrando-se vivo e de boa saúde, contestou a acção negando a manutenção de relações sexuais com a mãe da menor e invocando "exceptio plurium" para fundamentar a improcedência da acção, tendo a sentença lhe sido favorável.
D. Nunca o filho do Recorrente em vida como seria de esperar, reconheceu a paternidade para com a Recorrida, nem fez nunca vida familiar com esta, nunca a tratou como filha nem socializou com esta nem em sua casa nem na casa deste, do modo como testemunhou os familiares da ora Autora.
E. E na alínea c) do referido artigo presume-se a paternidade quando, durante o período legal da concepção, tenha existido concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai, tal foi referido somente pela mãe da recorrida, por impossibilidade de defesa do filho do Recorrente, por já ter falecido.
F. Não pode o Tribunal com base no mero depoimento da Mãe da ora Autora e sua família, assegurar-se que aquela nos últimos 90 dias dos primeiros 120 que integram os 300 que precederam o nascimento da filha, não manteve relações sexuais com outros homens, ou que somente teve um relacionamento de namoro com o filho do recorrente, quando este já havia contestado e negado qualquer tipo de relacionamento em vida.
G. De acordo com o disposto no artº 1801º do CC, nas acções relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados.
H. Não obstante e após perícia médica efectuada, em que o direito do recorrente foi sacrificado com a justificação de estar em causa o reconhecimento de um direito superior, levantam-se outras questões mormente a do elevado grau de consanguinidade entre a comunidade local.
I. A percentagem probabilística revelada no exame hematológico de 99,9% não é, por si só e isolada de outros meios de prova, susceptível de fundamentar a prova do vínculo biológico.
J. Tal percentagem contém e evidencia a probabilidade de 1 (um) em casa 200 duzentos) homens poder gerar com a mãe da menor um filho que em nada se distinguiria deste.
K. Por tratar-se de investigação de paternidade “post mortem” e atendendo a que o falecido nunca assumiu em vida a paternidade agora sob investigação, nunca o Recorrente concordou com a profanação perpetrada, embora oficiosamente, para comprovar o pedido da Autora não devia, no entendimento do Recorrente, ter-se procedido por necessidade à recolha de amostras de ADN (osso) do cadáver do seu filho, através da exumação do mesmo, tendo tudo ocorrido contra sua vontade.
L. É, pois, de reconhecer e salientar a real diferença de interesses legítimos – nomeadamente entre a dignidade humana, o bom nome, a reputação ou intimidade da vida privada do falecido e filho, e os sentimentos de piedade e desgosto do Réu para com a exumação do cadáver de seu filho, que de certa forma o afectaram quando não se pretendia a exumação do cadáver.
M. A valoração da prova para a convicção de condenação ou de absolvição tem de ser racional, objectiva e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos. Só assim permite ao julgador objectivar a apreciação dos factos para efeitos de garantir uma efectiva motivação da decisão.
N. Mesmo que podendo ser considerado como facto novo, a questão da caducidade, deveria ter sido suscitada “ab initio” pela Mmª. Juiz do Tribunal “a quo” impedindo o direito de investigar a paternidade pela Autora decorrido o prazo de 10 anos após esta ter atingido a maioridade em 10/09/2002, ou seja, poderia intentar a respectiva acção até 10/09/2012 nos termos do art.º 1817º n.º 1, conjugado com o art.º 1873º do CC.
O. A Autora intentou a presente acção fora de prazo, encontra-se o seu direito caducado nos termos do art.º 1817º do CC e sob essa base legal, ser o ora Recorrente absolvido do pedido, considerando-se assim, existir outras nulidades, questões prévias de que o Tribunal cumpra conhecer.
P. Suscitaram-se igualmente questões de caducidade e de respeito pelo falecido, que impediam a prossecução da investigação da paternidade previsto no nosso enquadramento jurídico e acompanhado por reconhecida jurisprudência, que, a serem admitidas, ter-se-ia rejeitado a perícia requerida pela ora Autora, para tanto veja-se do Tribunal Constitucional no seu acórdão de 22//05/2012 – Proc. n.º 638/10, bem como Ac. STJ, Proc. n.º 187/09.7TBPFR.P1.S1, 6ª Secção, de 09-04-2013.
Q. Esta filiação biológica apenas pode ser provada por presunção, demonstrando que a recorrida foi tratada como filha pelo pretenso pai, é, pois, do entendimento do recorrente, que nunca tal sucedeu por total desconhecimento do presumível relacionamento familiar com a ora Autora.
R. Pelo exposto, considera o recorrente não terem estado verificados os pressupostos para ser reconhecido judicialmente a paternidade da Autora.
Termos em que, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá este recurso ser procedente e consequentemente ser revista a sentença que decretou a condenação Recorrente.
Porém Vossas Excelências decidirão como for de Justiça.
Assim se fazendo a costumada Justiça».
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Houve lugar a resposta do Ministério Público e da Autora, que pugnaram pela manutenção do decidido.
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Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 655.º do Código de Processo Civil relativamente a questão incidental inscrita nas alegações de recurso relacionada com a boa fé e o abuso de direito na oportunidade da defesa por excepção de caducidade.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de erro de direito na dimensão da falta de comprovação da paternidade e da caducidade.
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III – Dos factos apurados:
3.1 – Matéria de facto provada
Discutida a causa e produzida a prova, com interesse para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos:
1. A Autora (…) nasceu em 10 de Setembro de 1984, sendo filha de (…), estando omissa a paternidade.
2. (…) estabeleceu relação de namoro com (…) entre Novembro de 1983 e Fevereiro de 1984, mantendo relacionamento sexual regular com o mesmo.
3. Naquele período a (…) apenas manteve relações sexuais com o (…).
4. No Serviço de Genética e Biologia Forenses do I.N.M.L. – Delegação do Sul foi efectuada perícia de investigação biológica de paternidade com colheitas de sangue e zaragatoa bucal a (…) e de osso a (…), tendo-se concluído, de acordo com os resultados obtidos, que o grau de probabilidade de paternidade de (…) relativamente a (…) é de 99,999999996%.
5. A Autora nasceu das relações sexuais mantidas entre a sua mãe e (…).
6. Nos primeiros anos de vida da (…), a tia (…) levou-a algumas vezes a ver (…) no local de trabalho deste, em (…).
7. Aos 18 anos de idade, quando trabalhava num supermercado na (…), a (…) começou a conversar com o (…).
8. A partir daí, passaram a conviver, frequentando o (…) a casa da (…), onde tomava refeições e chegou a pernoitar.
9. A (…) e o (…) costumavam tomar café e passear juntos.
10. (…) tratava a (…) como filha, perante outras pessoas.
11. O Réu nunca socializou com a Autora, em lugar público ou na sua residência.
12. (…), nascido em 14 de Julho de 1964, é filho de (…) e (…), (ora Réu), tendo falecido em 3 de Janeiro de 2016.
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3.2 – Matéria de facto não provada:
Com interesse para a decisão da causa ficaram por provar os seguintes factos:
1. A Autora vivia na casa dos avós maternos em (…).
2. Nunca em momento algum o Réu se cruzou, viu ou travou contacto com a Autora e nem esta com o seu filho falecido.
3. O Réu, após o falecimento de sua esposa há alguns anos, continuou a residir na mesma morada com o seu filho (…), tendo ainda outro filho que vive na (…) e que igualmente nunca viu, interagiu ou socializou com a Autora, nem como mera conhecida de seu irmão falecido.
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IV – Fundamentação:
O direito à identidade pessoal está constitucionalmente consagrado no n.º 1 do artigo 26.º[1] da Constituição da República Portuguesa e inclui, além do mais, os vínculos de filiação e existe um direito fundamental ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade. O referido direito fundamental de conhecimento da ascendência biológica, por banda do investigante, assume natureza pessoalíssima e imprescritível.
Também a maternidade e a paternidade assumem um valor social eminente, tal como resulta do n.º 2 do artigo 68.º[2] da Constituição da República Portuguesa. De igual modo, a subsecção do Código Civil em que se encontram integrados os preceitos em discussão confere o direito ao reconhecimento da sua paternidade, direito esse que decorre igualmente do estabelecido no artigo 36.º[3] da Constituição da República Portuguesa.
Na densificação prática destas injunções constitucionais, ao nível da lei ordinária, a paternidade pode ser reconhecida em acção especialmente intentada pelo filho se a maternidade já se achar estabelecida ou for pedido conjuntamente o reconhecimento de uma e outra, tal como decorre da letra do artigo 1869.º do Código Civil.
Como afirma Giovanni Bonilini, reportando-se à lei italiana vigente, mas cuja doutrina é transversalmente aplicável ao caso português, apesar de a lei não exigir aos pais o dever de reconhecer o filho nascido fora do matrimónio, sendo tal dever de cariz meramente moral, sempre se dirá que «a falta de reconhecimento espontâneo de um ou de ambos os pais não pode ser prejudicial ao filho; assim, se os pais não quiserem ou puderem reconhecê-lo (…) deve poder suprir-se judicialmente tal ausência»[4].
A causa de pedir é o vínculo biológico de paternidade que, supostamente, liga o progenitor ao menor, incumbindo ao investigante provar tal progenitura, fazendo prova do referido vínculo ou beneficiando de uma presunção de paternidade[5].
As presunções de paternidade estão contempladas no artigo 1871.º[6] do Código Civil e a sentença recorrida entendeu que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção. O recorrido refuta esta tese e o seu olhar dirige-se à falta de reconhecimento de uma relação parental.
O Juízo de Família e Menores de Faro declarou que a Autora (…), nascida a 10 de Setembro de 1984, é filha biológica de (…), este nascido a 14 de Julho de 1964 e falecido a 3 de Janeiro de 2016, no estado de solteiro. E, por consequência, por se tratar do ascendente vivo, condenou o Réu a reconhecer tal facto, determinando o averbamento da decisão no registo civil respectivo.
O Réu discorda desta decisão mas não impugnou a matéria de facto nos termos provisionados pelo artigo 640.º[7] do Código de Processo Civil, circunstância esta que torna imodificável a factualidade assente ao abrigo do disposto no artigo 662.º[8] do mesmo diploma. Os factos estão assim consolidados e é com base neles que o silogismo judiciário será realizado.
Num primeiro momento, ao nível do erro judiciário, o Réu chama à colação a matéria da fundamentação, estribando-se nos ensinamentos de Figueiredo Dias, em ordem a colocar em crise o juízo prudencial da Primeira Instância.
O direito à prova é um direito fundamental processual e a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova, conforme se extraí da disciplina prevista no artigo 410.º do Código de Processo Civil.
É inequívoco que o sistema judicial nacional combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, posto que, a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante. E feita esta análise comparativa ao nível da motivação da decisão é imperativo afirmar que os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspeção judicial (artigo 388.º do Código Civil).
Manuel de Andrade escreveu que esta prova «traduz-se na percepção por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legitima susceptibilidade) das pessoas em que se verificam tais factos»[9].
No caso em apreço, ficou provado que o pretenso pai manteve relações sexuais com a mãe do menor no período legal da concepção, circunstância prevista na alínea e) do supra enunciado artigo e nada aponta para um quadro de “exceptio plurium”, a não ser na convicção íntima não fundamentada do aqui Réu.
Porém, ainda que esse trato sexual não fosse de natureza exclusiva, o que não está minimamente demonstrado, a este respeito são plenamente ilustrativas as palavras de Carlos Lopes do Rego, quando assevera que «é perfeitamente possível julgar procedente uma acção de investigação da paternidade apesar de não estar demonstrada a exclusividade das relações de sexo. Na verdade, tal elemento de facto não se configura como “facto essencial constitutivo” da relação jurídica de filiação, mas como mero facto instrumental da referida procriação: de onde resulta que, demonstrada esta por outra via jurídico-processual (exame de sangue que directamente a revele, em termos de certeza prática, invocação pelo autor de uma presunção legal de paternidade, etc.) – é evidente que, estando provado o facto essencial constitutivo da referida relação jurídica, é perfeitamente irrelevante a circunstância de não se haver também logrado provar um facto indiciário que indirectamente permitiria a sua demonstração»[10].
Apesar de a lei apontar, quanto a esta presunção legal, para uma ideia de possibilidade de paternidade, prescindindo de uma ideia de probabilidade, associada às restantes alíneas[11], há que salientar que actualmente se encontram ao dispor da Ciência e da Justiça variados mecanismos que permitem ilidir a presunção legal, designadamente através do recurso a provas de teor científico.
Os conhecimentos científicos actuais e as técnicas laboratoriais contemporâneas de recolha da prova de ADN tem aqui de prevalecer sobre as dúvidas, as incertezas e as suposições do Réu que não se mostram sustentadas em nenhuma factualidade susceptível de negar a tese da paternidade acolhida na sentença recorrida.
Para além daquilo que algumas testemunhas disseram a respeito da existência de uma relação de namoro entre a mãe da Autora e o filho do Réu – e que não foram por qualquer meio refutadas –, o exame pericial comprova 99,999999996%. da probabilidade de paternidade, o que corresponde a uma certeza de que a relação de parentesco é irrefutável.
O recorrente afirmava que tal percentagem contém e evidencia a probabilidade de 1 (um) em cada 200 (duzentos) homens poder gerar com a mãe da menor um filho que em nada se distinguiria deste. Todavia, este juízo está completamente errado e apenas existe a probabilidade equivalente a 0,000000004 do filho do requerido não ser o pai da criança. Possibilidade essa ínfima no contexto das relações íntimas estabelecidas entre mãe e progenitor da Autora e o relatório pericial efectuado em 27/01/2020 garante que o cálculo estatístico aponta para um índice probabilístico de parentalidade de 1 para 27676104518.
É certo que, em sede de alegações, o recorrente afirma que o exame pericial realizado viola os direitos de personalidade do falecido filho e que sempre se opôs à realização da diligência. Todavia, do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova cabe apelação autónoma, tal como se retira da letra da al. d) do n.º 2 do artigo 644.º[12] do Código de Processo Civil. E assim a decisão de admissão da perícia não pode ser agora impugnada no presente recurso, mostrando-se precludida essa hipótese nesta ocasião, por o correspondente despacho ter agora a autoridade de caso julgado.
A fundamentação adoptada é séria, rigorosa e completa. E, por isso, à luz dos contributos doutrinais editados a este respeito [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] [20] [21], interligando a resposta do Tribunal e as exigências expressas na lei a decisão em causa é perfeitamente adequada às exigências impostas pelo n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
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O recorrente termina as suas alegações a defender que se encontra caduco o direito ao exercício da acção de investigação de paternidade e a Autora sustenta que se trata de uma questão nova.
Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido. Na verdade, Miguel Teixeira de Sousa ensina que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[22].
De acordo com a jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores[23] [24] os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o Tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao Tribunal recorrido. Também na segunda instância a jurisprudência editada é idêntica[25].
Na leitura dos articulados de contestação verifica-se que o Réu não alegou a excepção de caducidade aquando da apresentação da demais defesa e nessa medida a questão é nova. Contudo, aquilo que importa apurar é se o momento da dedução da excepção de caducidade é adequado e admissível neste momento.
De acordo com o pensamento da recorrida, ao projectar os efeitos da não imprescritibilidade do direito à identidade pessoal nos termos em que se tem pronunciado o Tribunal Constitucional sobre o tema, não estamos perante um caso de um direito absolutamente indisponível e como tal a caducidade não pode ser apreciada oficiosamente, conforme se prevê no n.º 2 do artigo 333.º[26] do Código Civil, com referência ao artigo 303.º[27] do mesmo diploma.
Efectivamente, na leitura da recorrida, de acordo com a interpretação que fazemos das contra-alegações depositadas nos autos, a única solução que permitiria compatibilizar o direito à identidade pessoal com a existência de um prazo para a propositura de uma acção, era considerar que, decorrido esse período consagrado para o accionamento, o direito assume a natureza de direito disponível. De outro modo, estar-se-ia perante um constrangimento absurdo e intolerável relativamente à filiação biológica e ao seu reconhecimento.
Ou seja, seguindo aquele raciocínio, ao afirmar que não se trata de um direito imprescritível e que está sujeito a prazos de caducidade, por inferência lógica de regras imanentes, a posição do Tribunal Constitucional afirmaria implicitamente que a matéria estaria sujeita à disponibilidade das partes, de interesse pessoalíssimo ou privado[28], contrariando assim a tese o direito de pedir o reconhecimento da paternidade corresponde a uma posição indisponível. Por isso, seria de admitir então a renúncia à caducidade, que deve ser integrada na categoria dos factos preclusivos[29].
Não perfilhamos exactamente deste entendimento. Aliás, ao defendermos que se trata de um direito tendencialmente absoluto e que não devia encontrar-se sujeito a prazo de caducidade, como primado filosófico e reflexo lógico, não poderíamos partilhar da visão que estamos confrontados com direitos disponíveis[30]. E o direito em causa, em nome do princípio da dignidade humana, tem de ser entendido como mútuo, bilateral e bidireccionalmente indisponível, embora se admita que possa ocorrer a renúncia ao exercício do direito a invocar a caducidade. Para nós, em sede de direito de filiação biológica, a caducidade é apreciada oficiosamente[31].
Porém, alguém que não tem a paternidade averbada apenas pode ter conhecimento da possível identidade do progenitor em momento posterior ao decurso do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 1817.º[32] do Código Civil, ex vi 1873.º[33] do mesmo diploma.
Neste campo, resulta dos factos indicados em 7)[34], 8)[35] 9[36] que pai e filha passaram a manter uma relação de proximidade, que evoluiu para um quadro em que o (…) tratava a (…) como filha, perante outras pessoas (facto 10)). Neste contexto, como o pretenso pai faleceu em 3 de Janeiro de 2016 (facto 12)) e a presente acção deu entrada em 27/04/2016, não se pode dizer que não existiram factos dirimentes da caducidade.
A posse de estado consiste no facto de alguém ser reputado e tratado pela generalidade das pessoas como titular de um conjunto de relações que definem um determinado estado pessoal[37].
A posse de estado depende da verificação, cumulativa, dos requisitos: i) reputação como filho pelo pretenso pai; ii) tratamento como filho pelo indigitado pai e iii) reputação como filho pelo público ("nomen", "tractatus" e "fama")[38].
No que respeita ao n.º 4 do artigo 1817.º ao Autor cabe alegar e provar de que foi "tratado" como filho e sem necessidade de alegar e provar todos os demais elementos integradores da posse de estado[39], não carecendo de fazer a prova de facto de que esse tratamento não cessou. A demonstração da cessação da posse de estado incumbe ao possível progenitor.
O tratamento como filho pelo pretenso pai é o facto constitutivo, correspondente à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão: o benefício da prorrogação do prazo. E estão aqui presentes os requisitos mínimos da existência de um relacionamento interpessoal com viabilidade para ampliar o prazo para a propositura da acção, paralisando assim a eficácia da excepção de caducidade.
Tal como vaticinam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira é importante que não se exija que o autor alegue e prove um conjunto extenso de actos como se o autor e réu vivessem juntos, no quadro de família constituída. De facto na generalidade dos casos, os pretensos pai e filho viveram separados, mantiveram contactos discretos, o réu nunca quis perfilhar o suposto descendente e, portanto, podem ser considerados como suficientes alguns gestos expressivos[40].
Efectivamente, o próprio acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional[41] pugna que o prazo de caducidade estabelecido no n.º 1 não surge dissociado do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil. Este aresto sublinha que a acção «pode ainda ser proposta nos três anos posteriores ao conhecimento, pelo investigante, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de «factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação», designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai [alínea b)], e, em caso de inexistência de paternidade determinada, nos três anos seguintes ao conhecimento superveniente de «factos ou circunstâncias que possibilitem ou justifiquem a investigação».
E, utilizando a formulação impressa nesse acórdão, a lei «permite ao aplicador do direito, em especial ao juiz, a formulação de juízos de ponderação suscetíveis de cobrir a especificidade de cada caso concreto sujeito à sua apreciação e integrar no conceito legal todos os factos e circunstâncias concretas, de natureza objetiva e/ou subjetiva, que possam justificar, à luz desse padrão de razoabilidade, o exercício do direito de ação após os 28 (ou 26) anos de idade do investigante».
Isto implica que a caducidade não funcione de forma mecânica. E que, na operação de ponderação concreta a que o Tribunal Constitucional faz apelo, através do recurso aos factos acima transcritos, como a acção foi proposta após a morte do progenitor e dentro dos três anos seguintes ao momento em que cessou o tratamento como filho pelo pretenso pai[42], o Tribunal da Relação de Évora formula um juízo negatório do preenchimento da excepção de caducidade por decurso do prazo legal para a instauração da investigação de paternidade estatuído no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil.
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Caso assim não se entendesse, cumpriria ainda avaliar da existência de abuso de direito, tal como se é propugnado pela recorrida nos autos, circunstância que, aliás, ditou que fossem as partes notificadas para essa hipótese.
Assim, nesta equação jurisdicional, seria imperioso averiguar se a invocação da excepção de caducidade apenas em sede de recurso e após o conhecimento do resultado de exames de ADN poderia constituir um abuso de direito, na sua ligação com o princípio da boa fé. Na verdade, como bem afirma a recorrida, ao não o fazer na peça de contestação, «nesta sede não lhe é permitido alegar e demonstrar factos e circunstâncias justificativas da propositura da acção no prazo e nas situações previstas nas alíneas do n.º 3 do artigo 1817.º do CC».
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, conforme ressalta do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado[43] [44] [45] [46] [47].
O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do artigo 334.º do Código Civil que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.
Destarte, ao ser confrontada com o pedido já em sede de impugnação por via recursal, para além do comportamento anterior poder admitir a formação de uma conclusão no sentido de ter havido uma renúncia à invocação da caducidade, na prática, a Autora poderia ficar privada de um julgamento justo, equitativo e com igualdade de armas, caso se concluísse que os fundamentos fácticos mínimos da posse de estado não eram suficientemente operativos para garantir o estabelecimento da relação de filiação.
Na verdade, nesta sede e neste momento histórico, a parte activa está impossibilitada de completar ou corrigir a sua versão dos acontecimentos. E a considerar-se insuficiente a factualidade indicada na petição inicial – e depois transportada para a decisão de facto –, a parte activa ficaria arredada a hipótese de invocar factos idóneos a preencher a esfera de previsão do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil e de apresentar meios probatórios adequados a fazer a contraprova da caducidade.
A caducidade nas acções de investigação biológica da paternidade funda-se não só no decurso do tempo, mas tem subjacente uma ligação estrutural à causa de pedir e aos seus factos de suporte. Não estamos pura e simplesmente perante o preenchimento de pressupostos processuais, de condições objectivas de procedibilidade ou de factos preclusivos que se destaquem da relação jurídica material. E, assim, caso não haja uma interpretação integrada da situação concreta, o conhecimento inovatório numa instância superior pode constituir uma violação das regras de igualdade de acesso ao direito e de outras acessórias a este princípio estruturante previstas nos artigos 2º[48], 3º[49], 4º[50] e 8º[51] do Código de Processo Civil, se existir essa intenção de diminuir as garantias de defesa da parte contrária.
Na verdade, neste tipo de situações não se está pura e simplesmente perante um quadro de conhecimento aritmético do tempo de caducidade, admissível por via oficiosa, pois excepcionalmente existe aqui um «plus» que ultrapassa a visão de mera contagem do calendário e que pode ser associada à boa fé procedimental.
Deste modo, em tese, caso a matéria alegada não tivesse os elementos mínimos indiciadores da posse de estado, seria defensável a interpretação da existência de um abuso de direito por a parte contrária ter mantido um comportamento processual inovador com susceptibilidade de afectar o correcto exercício do direito reclamado pela contraparte.
Somos adeptos da tese que indica que o princípio da dignidade da pessoa humana, apesar de não ser fundamento directo de posições jurídicas subjectivas, pode ser usado como critério de interpretação e de ponderação nos conflitos entre direitos[52], podendo conduzir, em determinada especificidade à limitação do exercício de direitos processuais, cujo exercício estaria absolutamente legitimado, não fosse essa natureza excepcional. Isso mesmo é também projectável a partir dos contributos assumidos nas obras de Menezes Leitão[53] e de Menezes Cordeiro [54].
Num sistema jurídico de check and balances, valorizando o critério de Justiça do caso concreto, o aplicador da lei pode realizar um escrutínio da especificidade da situação jurisdicional colocada à apreciação. Ou seja, na ausência da dedução da excepção no momento próprio, nos casos em que isso implique que a contraparte não possa contradizer a hipotética caducidade e fique impedida de alegar as causas, os factos ou as circunstâncias que justificariam a propositura da acção para além do decénio subsequente à maioridade, pode ocorrer um cenário de abuso de direito. E na hipótese vertente, ao realizar a análise de todo o cenário de litigância, seria admissível concluir que tal juízo teria viabilidade neste procedimento.
E, assim, na presente situação seria assim de julgar improcedente a excepção de caducidade, subsidiariamente por via do recurso ao abuso de direito, caso a referida excepção não tivesse sido julgada improcedente por razões associadas à posse de estado.
*
No entanto, mesmo que assim não se concebesse, estar-se-ia perante a violação de direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa. Neste domínio, perfilhamos claramente do posicionamento expresso no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2017. Neste olhar jurisprudencial, «a norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na dimensão interpretativa que prevê um prazo limitador da possibilidade da Autora, enquanto filha, propor a presente acção de investigação de paternidade, com fundamento no facto biológico da filiação, é inconstitucional, uma vez que o direito a conhecer a ascendência biológica constitui dimensão essencial do direito à identidade pessoal previsto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e o direito a estabelecer os concomitantes vínculos jurídicos traduz uma dimensão do direito a constituir família previsto no artigo 36.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consubstanciando tal prazo limitador uma restrição excessiva ou desproporcionada aos assinalados direito fundamental à identidade pessoal e direito de constituir família, bem como ao próprio direito geral de personalidade dos investigantes».
Os direitos fundamentais à identidade pessoal, à integridade pessoal e ao direito ao desenvolvimento da personalidade são prevalecentes sobre quaisquer outros atribuídos ao pretenso progenitor, não existindo agora motivos para estabelecer limites temporais para o reconhecimento da paternidade quando a prova é de natureza científica e demonstra a existência de uma relação de parentalidade inequívoca. E isto, na concepção jurídica e ideológica que perfilhamos, determinaria que se decretasse a imprescritibilidade das acções de investigação da filiação, sob pena, de assim não se decidir, a norma atrás citada ser inconstitucional.
A propósito da caducidade do direito a investigar a paternidade, estamos assim com Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira. Esta dupla de professores afirma que «não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das provas; e não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade. Diga-se, numa palavra, que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade»[55].
Defendemos assim que sempre que exista um exame pericial com resultado categórico e indiscutível se deve entender que estamos perante um caso de imprescritibilidade da acção de filiação. Na realidade, neste enquadramento os fundamentos históricos e teleológicos que levaram à introdução de um tempo para a propositura da acção de investigação (ou outra de conteúdo similar) estão desactualizados e perderam a acuidade. E nesta versão a questão da conformidade constitucional nunca foi submetida à apreciação do Tribunal Constitucional.
Assim, ainda que a posição expressa a propósito da não verificação da caducidade não tivesse validade – tanto por via directa como subsidiariamente através do instituto abuso de direito –, a solução a adoptar seria a de que o prazo previsto de 10 anos previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, para a investigação de paternidade e aplicável, por via do artigo 1873.º do mesmo diploma legal, à investigação de paternidade deveria considerar-se inconstitucional[56] [57].
O direito indisponível ao estabelecimento da maternidade (ou da paternidade), corolário dos direitos à identidade e à integridade pessoais que a lei fundamental expressamente tutela, deve ser exercitável a todo o tempo[58], nos casos em que existe prova científica que seja demonstrativa da existência de um relação de parentalidade.
A terminar, no que concerne à excepção do caso julgado, a acção anterior registada sob o n.º 103/85 era de investigação oficiosa e foi proposta ao abrigo do artigo 1865.º do Código Civil. Neste quadro, nada obstava à interposição de posterior acção de investigação de paternidade, como dispõe expressamente o artigo 1813.º do Código Civil. Com efeito, por via do enunciado normativo contido no artigo 1813.º do Código Civil, a improcedência da acção oficiosa não obsta a que seja intentada nova acção de investigação de maternidade, ainda que fundada nos mesmos factos[59] [60]. Aliás, em abono da verdade, não obstante o teor das alegações formuladas pelo Ministério Público, a questão em causa já tinha sido definitivamente decidida nos presentes autos e estava ao abrigo da eficácia do caso julgado, como resulta da simples leitura do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 05/07/2018[61], que se encontra incorporado nos autos.
Nestes termos, resta ao Tribunal da Relação de Évora concluir pela procedência da acção de investigação da paternidade, confirmando assim a decisão recorrida e julgando improcedente o recurso interposto.
*
V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas a cargo do apelante ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 28/01/2021
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
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[1] Artigo 26.º (Outros direitos pessoais):
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
3. A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.
4. A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos.
[2] Artigo 68.º (Paternidade e maternidade):
1. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.
3. As mulheres têm direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias.
4. A lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar.
[3] Artigo 36.º
(Família, casamento e filiação)
1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.
2. A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração.
3. Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.
4. Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação.
5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
7. A adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação.
[4] Giovanni Bonilini, Manuale di Diritto di Famiglia, UTET, 2000, pág. 279 (tradução nossa))
[5] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, volume II, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 216.
[6] Artigo 1871.º (Presunção):
1. A paternidade presume-se:
a) Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público;
b) Quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a sua paternidade;
c) Quando, durante o período legal da concepção, tenha existido comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai;
d) Quando o pretenso pai tenha seduzido a mãe, no período legal da concepção, se esta era virgem e menor no momento em que foi seduzida, ou se o consentimento dela foi obtido por meio de promessa de casamento, abuso de confiança ou abuso de autoridade.
e) Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção.
2. A presunção considera-se ilidida quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado.
[7] Artigo 640.º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
[8] Artigo 662.º (Modificabilidade da decisão de facto):
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
[9] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 135.
[10] Carlos Lopes do Rego, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pág. 783.
[11] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, volume II, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 233.
[12] Artigo 644.º (Apelações autónomas):
1 - Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.
[13] Alexandre Pessoa Vaz, Direito Processual Civil, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 211-241.
[14] Gonçalves Salvador, Motivação, Boletim do Ministério da Justiça nº 121, págs. 85-117.
[15] Oliveira Martins, Justiça Portuguesa, nº 29, pág. 49.
[16] Gonçalves Pereira, Poderes do juiz em matéria de facto, Justiça Portuguesa, n.º 32, pág. 81.
[17] Miguel Corte-Real, O dever da fundamentação da decisão judicial dada sobre a matéria de facto, Vida Judiciária, nº 24, pág. 22-24.
[18] Michele Taruffo, Note sulla garanzia constituzionale della motivazione, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, nº 55, págs. 29-38.
[19] Cláudia Sofia Alves Trindade, A prova de estados subjectivos no processo civil: presunções judiciais e regras de experiência, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 317-225.
[20] Marta João Dias, A fundamentação do juízo probatório — Breves considerações, Julgar nº 13, Janeiro de 2011.
[21] José Manuel Tomé de Carvalho, Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português, Julgar 21, Setembro-Dezembro 2013, remetendo aqui para as demais referências bibliográficas ali contidas sobre este assunto.
[22] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa 1997, pág. 395.
[23] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/07/1965, in BMJ 149-297, de 26/03/1985, in BMJ 345-362, de 02/12/1998, in BMJ 482-150, de 12-07-1989, in BMJ 389-510, de 28/06/2001, in www.dgsi.pt, de 30/10/2003, in www.dgsi.pt, de 20/07/2006, in www.dgsi.pt, de 04/12/2008, in www.dgsi.pt.
[24] A título de exemplo, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, também disponível em www.dgsi.pt, que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre».
[25] No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2013, in www.dgsi.pt, pode ler-se que «no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso».
[26] Artigo 333.º (Apreciação oficiosa da caducidade)
1. A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.
2. Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º
[27] Artigo 303.º (Invocação da prescrição)
O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.
[28] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade – Anotação aos artigos 296º a 333º do Código Civil (o tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas). Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 184-185.
[29] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 577-578.
[30] Na exemplificação jurisdicional de situações em que se entende haver lugar a declaração oficiosa de caducidade, Menezes Cordeiro refere-se à caducidade do direito de pedir o reconhecimento da paternidade ilegítima, in Código Civil Comentado, Vol. I (Parte geral), CIDP Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 924,
[31] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. V (Parte Geral – Exercício Jurídico), 3ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 261-262.
[32] Artigo 1817.º (Prazo para a proposição da acção)
1 - A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
2 - Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a acção pode ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.
3 - A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:
a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante;
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe;
c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
4 - No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção.
[33] Artigo 1873.º (Remissão):
É aplicável à acção de investigação de paternidade, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 1817.º a 1819.º e 1821.º
[34] (7) Aos 18 anos de idade, quando trabalhava num supermercado na (…), a (…) começou a conversar com o (…).
[35] (8) A partir daí, passaram a conviver, frequentando o (…) a casa da (…), onde tomava refeições e chegou a pernoitar.
[36] (9) A (…) e o (…) costumavam tomar café e passear juntos.
[37] Ana Prata, Dicionário Jurídico, 3ª edição, reimpressão, Almedina, Coimbra, 1992, pág. 453.
[38] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2012, do Tribunal da Relação do Porto de 19/02/2004 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/01/2016 e de 20/09/2016, todos disponíveis na plataforma www.dgsi.pt.
[39] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2010.
[40] Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Direito da Filiação, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 225.
[41] Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº 394/2019, de 3 Junho de 2019, proferido no âmbito do processo registado sob o nº 471/2017, publicado no Diário da República n.º 190/2019, Série II de 03/10/2019.
[42] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/05/2019, disponibilizado também em www.dgsi.pt.
[43] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/04/2008, in www.dgsi.pt e do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2011, in www.dgsi.pt.
[44] Para Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3ª edição, pág. 63-64, «há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual»
[45] No enfoque de Vaz Serra, Abuso de Direito, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 85, pág. 253, o acto abusivo corresponde ao exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na colectividade social. Só excepcionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede.
[46] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 516, expressa opinião no sentido de que «para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito».
[47] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 299, entendem que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
[48] Artigo 2.º (Garantia de acesso aos tribunais):
1 - A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.
2 - A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.
[49] Artigo 3.º (Necessidade do pedido e da contradição):
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
[50] Artigo 4.º (Igualdade das partes):
O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
[51] Artigo 8.º (Dever de boa-fé processual):
As partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.
[52] Benedita Mac Crorie, «O princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição da República Portuguesa», in Afonso Vaz et al. (Coord.), Jornada nos Quarenta Anos da Constituição da República Portuguesa - Impacto e Evolução, Universidade Católica Editora, Porto, 2017, págs. 104 e seguintes.
[53] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 56, fala da boa-fé que se concretiza «assim em regras impostas do exterior que as partes devem observar na actuação do vínculo obrigacional, podendo servir para complementação do regime legal das obrigações, através de uma valoração a efectuar pelo julgador. Nalguns casos, ela estabelece o único regime aplicável, por ausência de outras regras, levando ao desenvolvimento de novos institutos jurídicos, noutros casos, ela surge como um correctivo de outras normas cuja aplicação no caso concreto atentaria contra vectores fundamentais do sistema jurídico».
[54] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 2 volumes, Almedina, Coimbra, 1984, aborda as questões estruturantes da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente, admitindo mecanismos correctores e efeitos limitadores de natureza processual, sempre que seja necessário corrigir outras normas cuja aplicação no caso concreto atentaria contra vectores fundamentais do sistema jurídico.
[55] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, Coimbra Editora, Coimbra, vol. II, tomo I, 2006, pág. 139.
[56] No sentido da inconstitucionalidade, ver todos pode ler consultado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/05/2019, disponibilizado em www.dgsi.pt.
[57] Com posição oposta pode ser consultado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/11/2019,consultável em www.dgsi.pt, que pugna que «tendo, recentemente, tal órgão decidido em Plenário (Acórdão do TC n.º 394/2019) que a norma constante do n.º 1 do art. 1817.º do CC, não é inconstitucional, seria dificilmente compreensível continuar a defender o contrário, quando a última palavra sobre a matéria pertence àquele tribunal».
[58] Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da Filiação, Coimbra, 1991, pág. 40.
[59] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/07/2017, disponível em www.dgsi.pt.
[60] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/06/2018, in www.dgsi.pt.
[61] No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2018, foi assinalado que: «apesar da improcedência da acção oficiosa da paternidade instaurada pelo Ministério Público, o efeito do caso julgado não se estende à pretensa filha, terceira na acção, podendo esta propor nova acção de investigação, ainda que baseada nos mesmos factos».
[62] Artigo 26.º (Outros direitos pessoais):
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
3. A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.
4. A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos.