Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1872/14.7T8SLV-A.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PROMITENTE-COMPRADOR
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O promitente-comprador poderá deduzir embargos de terceiro contra a penhora do imóvel que prometeu adquirir, para proteger o direito à execução específica do contrato promessa, se as partes tiverem atribuído eficácia real ao contrato promessa e tiver sido efectuado o competente registo antes do registo da penhora.
Decisão Texto Integral: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

Processo n.º 1872/14.7T8SLV-A.E1

Nos presentes autos veio (…) – Administração de Imóveis, Lda. deduzir embargos de terceiro na execução em que é exequente Administração do Condomínio do Prédio Urbano (…) e executada (…), Construções, Lda., alegando ter celebrado através de escritura pública, que foi formalizada a 16 de Julho de 2010, no Cartório Notarial de Albufeira, um contrato-promessa de compra e venda, ao qual foi atribuída eficácia real e que teve por objecto, entre outros imóveis, a fracção autónoma designada pelas letras “AA” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…) da freguesia de Olhos de Água pelo valor de € 40.000,00, tendo sido, desde logo, dada quitação de metade do referido valor, sendo o remanescente liquidado aquando da celebração do contrato definitivo.

Mais alega, que sendo o registo do contrato promessa anterior ao registo da penhora que foi concretizada nos autos principais, e que incide sobre a referida fracção autónoma, o mesmo é oponível ao referido acto, tudo se passando, como se a compra e venda prometida tivesse sido efectuada na data em que a promessa que foi registada. Termina peticionando o levantamento da penhora incidente sobre a fracção autónoma designada pelas letras “AA” e, bem assim, que se rectifique, no registo da penhora, a menção que é feita ao processo executivo no âmbito do qual foi decretada.

Os embargos foram liminarmente indeferidos.

Inconformada recorreu a embargante tendo concluído, em síntese, nos seguintes termos:

Discordamos com a fundamentação do Tribunal a quo, na medida em que não está em causa a posse do imóvel, mas sim um direito real equiparado a o direito real de aquisição conforme nos vem ensinando a doutrina e jurisprudência mais recente.

Refere o tribunal a quo a inexistência de um fundamento legal.

Concluindo pela não invocação de um direito de posse e ou de efectiva titularidade de um direito que se revele incompatível com a penhora.

A recorrente não partilha dessa posição, porque no caso em apreço não tinha que provar atos de posse, porque a promessa de alienação com eficácia real, segundo a jurisprudência, assemelha-se a um direito real de aquisição.

A recorrente invocou a titularidade de um direito real de aquisição que lhe é conferido pelo contrato promessa de compra e venda com eficácia real, o qual foi registado e oponível erga omnes.

À luz do artigo 413° do Código Civil, o promitente-comprador titular de uma promessa de alienação com eficácia real é portador de um direito real de aquisição erga omnes, o qual consiste em que o seu titular possa “perseguir” o bem a que se reporta a promessa de compra e venda, conforme nos ensina o Acórdão do STJ, Processo n.º 319/08.9TBMTS-B.P1, 1ª Seção, de 9 de Janeiro de 2018, (http://www.dgsi.pt/jstj.

A penhora registada sobre a fração “AA”, prometida vender, é muito posterior ao registo da promessa, pelo que é ineficaz.

Não se mostram juntas contra-alegações.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

Factualidade relevante para a apreciação do objecto do recurso:

Na petição de embargos alegou o embargante, ora recorrente ter celebrado através de escritura pública, que foi formalizada a 16 de Julho de 2010, no Cartório Notarial de Albufeira, um contrato-promessa de compra e venda, ao qual foi atribuída eficácia real e que teve por objecto, entre outros imóveis, a fracção autónoma designada pelas letras “AA” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…) da freguesia de Olhos de Água, pelo valor de € 40.000,00, tendo sido, desde logo, dada quitação de metade do referido valor, sendo o remanescente liquidado aquando da celebração do contrato definitivo. Mais alega que o registo do contrato promessa é anterior ao registo da penhora que foi concretizada nos autos principais, e que incide sobre a referida fracção autónoma.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (art.º 639.º CPC).

Discute-se a questão de saber se estando o contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real assiste ao promitente-comprador o direito de reagir por via de embargos de terceiro contra a penhora do bem objecto da promessa, realizada posteriormente.

Sustentou o Tribunal recorrido a tese segundo a qual não tendo sido invocada pela embargante qualquer situação de posse ou de titularidade de um direito real incompatível com a penhora, os presentes embargos de terceiro se revelavam manifestamente improcedentes.

Acresce que decorre do disposto no art.º 831.º, CPC que, in casu, a penhora não ofende a faculdade de adquirir do promitente-comprador dado que o AE está obrigado à venda directa àquele – «Se os bens houverem, por lei, de ser entregues a determinada entidade, ou se tiverem sido prometidos vender, com eficácia real, a quem queira exercer o direito de execução específica, a venda é-lhe feita directamente (art.º 831.º CPC).

Ou seja, impondo a lei que no âmbito da execução se proceda à venda directa ao promitente-comprador, a penhora do bem, objecto da promessa, não ofenderá a faculdade de adquirir.

A esta tese podemos opor o argumento segundo o qual não será indiferente ao promitente-comprador adquirir o bem no contexto da própria execução ou nos exactos termos contratados. São realidades distintas exercer a faculdade de execução específica do contrato promessa no âmbito da venda directa em execução, com o inerente pagamento imediato do preço ou exercer a faculdade de adquirir o bem, nos exactos termos contratados, nomeadamente com prazo de pagamento do preço que lhe pode ser mais favorável.

Dispõe o art.º 342.º, n.º 1, CPC que se a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.

«O registo de uma promessa de aquisição com eficácia real confere prioridade sobre uma penhora do bem porque se reporta ao mesmo objeto em termos de incompatibilidade estando protegido pela prioridade registal”.

No confronto dos dois direitos, o direito real de garantia vai ceder perante o direito real de aquisição – assim o determina o regime de prioridade do registo. Uma vez que os dois direitos, no caso concreto, são incompatíveis (a plena prioridade e a penhora não podem coexistir na plenitude dos seus efeitos, já que a penhora pressupõe o direito a ver-se pago através do produto da venda/alienação do bem sobre o qual incide, e o direito de propriedade pleno não pode ser exercido se o bem estiver sujeito a tal “vinculação” (Ac STJ, de 9-1-2018 disponível em www.dgsi.pt).

Sufragamos o entendimento segundo o qual o promitente-comprador poderá deduzir embargos de terceiro contra a penhora do imóvel que prometeu adquirir, para proteger o direito à execução específica do contrato promessa, se as partes tiverem atribuído eficácia real ao contrato promessa e tiver sido efectuado o competente registo antes do registo da penhora (no mesmo sentido Acórdão da RL, de 17-3-2016, proferido no proc. n.º 1690/10.1TBSCR-D e Acórdão da RP, proferido no processo n.º 5619/08.9TBMTS.P1).

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos ulteriores termos processuais.

Custas a final pela parte vencida.

Évora, 27 de Junho de 2019

Jaime de Castro Pestana

Paulo de Brito Amaral

Maria Rosa Barroso