Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1840/11.0TTSTB.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
LEI DA DEFESA DO CONSUMIDOR
VEÍCULO AUTOMÓVEL
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
- Para que o contrato seja de compra e venda de bem de consumo, há-de tratar-se de compra e venda celebrada entre vendedor profissional e comprador consumidor ou comprador não profissional, e só para esse caso é que vale o regime jurídico específico da venda de bens de consumo.
- Vale entre nós, portanto – segundo um entendimento maioritário – uma noção estrita de consumidor, entendendo-se como tal, a pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional (…)
- O ónus da prova daquelas qualidades é do comprador, neste caso, do recorrente, uma vez que, nas circunstâncias mais comuns, será ele a parte beneficiada com a aplicação do regime da venda de bens de consumo (artº 342 nº 1 do Código Civil)
- Saber apenas que o veículo avariou em plena circulação 7 meses depois da compra e desde determinada data não apurada a bomba adicional de arrefecimento fazia ruído é insuficiente para concluir que estamos perante a venda de coisa defeituosa.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.
Em 17.03.2011, no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, BB intentou contra CC, que também usa a denominação comercial de “DD”, a presente acção declarativa de condenação com processo sumário, pedindo que o Réu seja condenado a:
“I - Reconhecer que procedeu à venda de coisa defeituosa, a qual inclusive beneficia de garantia legal, encontrando-se dentro do respectivo prazo a denúncia do defeito efectuada pelo A.;
II - Ser condenado a indemnizar o A. por tal facto, quer no custo da reparação, a título de indemnização pelos danos [emergentes], quer pelos prejuízos ulteriormente sofridos, a título de lucros cessantes, no valor global de € 6.515,19 (seis mil quinhentos e quinze euros e dezanove cêntimos);
III - Ser ainda condenado no pagamento dos respectivos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa legal;
IV - E a pagar custas e procuradoria legal e condigna.”
Para tanto, alegou, em síntese que, em 20.10.2009, o Réu lhe vendeu um veículo automóvel com a matrícula (...), tendo então sido informado de que o mesmo estaria em perfeito estado de funcionamento.
Mais alegou que, desde o primeiro dia, se verificaram várias anomalias no veículo e, em 21.05.2010, avariou em plena circulação, tendo-se apurado que a avaria proveio da bomba de arrefecimento, sendo que já em 24.03.2009, o Réu tinha sido alertado para a necessidade da sua substituição, facto que ocultou consciente e deliberadamente ao Autor aquando da venda.
Alegou ainda que, em resultado da avaria, foi necessário proceder à substituição de diversas peças e colocação de outras novas, reparação cujo custo ascendeu a € 2.015,19, para além de que o veículo ficou imobilizado durante trinta dias, ficando o Autor privado da sua utilização, para fins pessoais e profissionais, do qual resultou um prejuízo diário não inferior a € 150.
Por último, alegou que interpelou o Réu, comunicando-lhe as anomalias da viatura e interpelando-o para proceder ao pagamento do custo da reparação, mas o Réu assumiu uma conduta evasiva, não se tendo prontificado a reparar as anomalias, nem a substituir peças, nem a reduzir o preço, nem a indemnizar os prejuízos sofridos. (vd. fls. 3 a 16)
O Réu contestou, alegando, em síntese, que o veículo em causa era propriedade de EE, o qual lho entregou em Junho de 2009, para que, como intermediário, o vendesse no stand onde desenvolvia a sua actividade profissional de vendedor de automóveis, não se tendo verificado, em momento algum, a transferência da propriedade daquele veículo para si.
Mais alegou que, aquando da entrega do veículo, o mesmo encontrava-se em perfeito estado de funcionamento, tendo sido facultados ao Autor diversos documentos para comprovação desse estado, pelo que impugnou as anomalias alegadas pelo Autor, bem como a alegada avaria e a sua causa.
Alegou ainda que, na sequência das reclamações apresentadas, alertou o Autor para a necessidade de accionar o seguro de garantia, mas este não comunicou a avaria à seguradora antes de ser realizada uma intervenção para a sua reparação, motivo pelo qual a seguradora declinou responsabilidades.
Impugnou os alegados prejuízos sofridos pelo Autor e o quantitativo peticionado.
O Autor respondeu à contestação, em síntese impugnando a matéria de facto por este alegada, deduzindo incidente de intervenção principal provocada de EE e peticionando a condenação do Réu como litigante de má fé, em multa e indemnização de valor não inferior a € 5.000, por alegar factos que sabe não corresponderem à verdade, a que o Réu se opôs.
Foi admitida a intervenção principal provocada de EE, que, citado, contestou, alegando, em síntese, a sua ilegitimidade passiva e que era o proprietário do veículo com a matrícula (...), mas que o entregou ao Réu CC e do mesmo recebeu o respectivo preço, desconhecendo os termos do ulterior negócio celebrado entre este Réu e o Autor e impugnando a demais matéria alegada por este.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva e foi fixada a base instrutória (BI).
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento da causa.
Foi, após, proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada e, em consequência decidiu:
- absolver o Réu CC dos pedidos;
- absolver o Interveniente EE dos pedidos;
- absolver o Réu do pedido de condenação como litigante de má fé.
Inconformado com a sentença, o Autor interpôs recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões:
“A. Entende o recorrente, com o devido respeito, que foi incorretamente dado como provado o facto n.º 7 e incorretamente dados como não provados os pontos iv), v), vi), ix), x) e xii), pelo que impugna o Recorrente a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 640.º do C.P.C.
B. Com efeito, e quanto ao facto n.º 7 dado como provado, tendo em conta que a testemunha FF, no seu depoimento, afirma que o ruído se fez sentir passados uns tempos após a compra; e nas suas declarações o próprio A. (que o tribunal a quo considerou que se afiguraram credíveis, porquanto coincidentes, nos pontos essenciais, além de espontâneos, objetivos e consistentes”) refere que o ruído, mais acentuado, se verificou passados três meses após a compra, outra devia ter sido a decisão do Tribunal, designadamente que “Três meses após a compra do veículo o Autor verificou que a bomba adicional de arrefecimento fazia barulho.”
C. Quanto ao ponto iv) que foi dado como não provado pelo Tribunal a quo, não pode, evidentemente, o Recorrente concordar com esta argumentação, uma vez que resulta do próprio depoimento do Réu que o mesmo informou o Autor que o carro tinha sido sempre assistido e que tinha cumprido todo o programa de manutenção da audi, ao mesmo tempo que lhe garantiu que o carro não tinha qualquer problema, visto ter sido sempre assistido na marca. E qualquer problema, pressupõe, evidentemente, ao nível do motor. Do mesmo modo, também a testemunha FF, no seu depoimento afirma que o vendedor garantiu que o motor tinha sido revisto pelo que deveria o Tribunal ter decidido que “O Réu garantiu ao autor que o carro tinha cumprido todo o programa de manutenção da AUDI”.
D. Decidiu também o Tribunal a quo dar como não provado o ponto v), (“o pneu e jante da frente esquerda encontravam-se deteriorados e eram de marca diferente dos restantes”). No entanto, resulta da prova testemunhal produzida, (nomeadamente FF), que a jante da roda da frente esquerda não pertencia ao carro, ou seja, era de marca diferente das restantes, e havia um desgaste no pneu devido a esse aspeto. Pelo que, tendo o Tribunal considerado o depoimento desta testemunha credível, e tendo em conta que a mesma afirmou convictamente ter ouvido dizer pela pessoa responsável da audi que a jante da roda da frente esquerda não pertencia ao carro, o que provocara desgaste nos pneus, deveria o Tribunal a quo ter decidido que “a jante da frente esquerda do veículo era de marca diferente das restantes, o que provocou desgaste no pneu”.
E. Foi ainda dado como não provado pelo Tribunal a quo que a “A avaria do veículo aludida em 8. resultou de avaria existente na bomba de arrefecimento;” e que “As reparações aludidas em 9 e 10 foram efetuadas em virtude da bomba adicional de arrefecimento.”
F. Acontece que a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, foi noutro sentido completamente oposto. A testemunha FF, no seu depoimento refere que o veículo, quando avariado, foi remetido para a audi, onde foram substituídas diversas peças, nomeadamente a bomba adicional de arrefecimento, bomba essa que, aliás esteve na base da avaria do veículo.
G. Na verdade, tal como decorre dos documentos juntos aos autos (doc. n.º 4 junto com a P.I), o veículo ainda antes de ser comprado pelo Autor apresentava problemas na bomba adicional de arrefecimento, uma vez que fazia ruídos e precisava de ser substituída. E decorre do depoimento da testemunha GG, que a manifestação de defeitos da bomba expressa-se com ruído:
H. Por outro lado, foi ainda dado como provado que após a avaria, foram substituídos o sistema de arrefecimento, a bomba adicional de arrefecimento; o regulador do líquido de arrefecimento; a bomba para líquido de arrefecimento, entre outros. E assim sendo, o Tribunal A Quo errou ao não dar como provados os pontos ix) e x), que deverão ser dados como provados.
I. O Recorrente também impugna a decisão da matéria de direito, nos termos do artigo 639.º, n.º 2 do C.P.C., porquanto se aplicam aos autos as regras relativas à defesa do consumidor previstas no Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril, uma vez que em conformidade com o "favor" que caracteriza o direito de proteção do consumidor, justificado pela desigualdade de poderes, tratando-se de coisa que, pela sua natureza, possa ser utilizada para fins profissionais ou privados e havendo dúvida acerca de qual deles o cliente perseguia no momento da aquisição, compreende-se que caiba ao profissional (empresa) alienante o ónus de provar que, naquele momento, o adquirente não destinava o objecto predominantemente a uso privado, pessoal ou familiar (neste sentido, expressamente, a lei dinamarquesa sobre a protecção do consumidor)" (Calvão da Silva, "Compra e Venda de Coisas Defeituosas, págs. 112/115)
J. Ora, no presente caso, o Autor fundamentou a sua pretensão na Lei de Defesa do Consumidor (vide artigos 55 e 56 da petição inicial) e não foi suscitada por qualquer dos Réus a questão da sua inaplicabilidade, designadamente, por lhe faltar tal qualidade. Ora, se é certo que o A. disse que usava o carro também para fins profissionais, certo é também que afirmou que o usava para fins pessoais, sendo o veículo adquirido um veículo ligeiro de passageiros, e tendo emsmo avariado, quando a esposa do A. o usava para esses mesmos fins.
K. Assim sendo, podendo o bem ser utilizado para fins profissionais ou privados, cabia ao Réu vendedor CC o ónus da prova de que o A. adquirente não destinava o veículo, predominantemente a uso privado, pessoal ou familiar, o que não fez, tendo resultado da prova produzida (nomeadamente a testemunha FF), que a esposa do Autor também usava o veículo para fazer face às suas necessidades pessoais, designadamente ir buscar o filho à escola.
L. Logo, terá assim, de considerar-se que o Autor tem a qualidade de consumidor para efeitos do referido diploma e, assim sendo, beneficia o A. de uma garantia de bom estado e bom funcionamento do veículo no período da garantia, nos termos do artº 2º nº 1 do Decreto-Lei 67/2003 de 8/4, o artº 3º nº 1 e 2 da Directiva 1994/44/CE, de 25/5 (reproduzido no Decreto-Lei 67/2003 de 8/4), o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.
M. E logo, uma vez que o vendedor responde pelo “defeito” existente no momento em que entrega o bem ao consumidor, estabelecendo-se a presunção de que os “defeitos” (faltas de conformidade) manifestados nos dois anos a partir da entrega já existiam nessa data, tendo o Autor adquirido o veículo em 20 de Outubro de 2009, e tendo o mesmo avariado em 21 de maio de 2010, em plena circulação, presume-se que a avaria é decorrente dos defeitos que se presumem existentes à data da venda.
N. E logo, tem o Réu vendedor de indemnizar o Autor pelos danos emergentes da reparação do veículo, e pelos lucros cessantes resultantes da paralisação do mesmo, uma vez que o Autor goza também do direito a ser indemnizado, podendo esta faculdade ser usada isoladamente ou em conjunto com outros direitos.
O. Em suma, conforme resulta da matéria de facto provada, tendo o veículo sido adquirido pelo recorrente em 20/10/2009, em 21 de maio de 2010 veio a avariar em plena circulação e a ficar, em decorrência disso, parado por cerca de um mês, para reparação, numa ocasião em que a esposa do recorrente se encontrava a circular com o mesmo.
P. Mais ficou apurado que a bomba adicional de arrefecimento fazia ruído, ruído esse que o Autor se apercebeu pouco tempo depois da compra. E que, aquando da reparação do veículo, essa mesma bomba, a par do sistema de arrefecimento, foi substituída. Trata-se obviamente, de uma ocorrência alheia às características normais do veículo automóvel. E logo, o veículo adquirido pelo Autor não foi apto a satisfazer os fins e os efeitos a que se destinou, sofrendo de uma avaria que levou a que estivesse imobilizado por mais de um mês, não satisfazendo, assim, as legítimas expectativas do recorrente com a compra do veículo em apreço.
Q. Cabia ao vendedor, para afastar a acima referida presunção, a prova da imputação do defeito a causa externa e ulterior, o que, não logrou provar em face da factualidade que ficou demonstrada pelo que deve indemnizar o Autor pelos danos emergentes da reparação do veículo, e pelos lucros cessantes resultantes da paralisação do mesmo.
R. SEM CONCEDER E SUBSIDIARIAMENTE, o Réu vendeu ao Autor um veículo que se insere no regime de compra e venda de coisas defeituosas, pois que padecia de vícios que desvalorizaram o mesmo, não tinha as qualidades asseguradas pelo vendedor e tinha ausência de qualidades necessárias para a realização do fim a que se destinava, nos termos do artº 913° do Código Civil.
S. Com efeito, foi dado como provado que o Réu informou o Autor que o veiculo se encontrava em perfeito estado de funcionamento. No entanto, em data não concretamente apurada mas que não foi muito posterior à data da venda, a bomba adicional de arrefecimento fazia ruído, e posteriormente, o veículo avariou em plena circulação, obrigando a que o autor substituísse no mesmo o sistema de arrefecimento, o líquido de arrefecimento, a bomba adicional para líquido de arrefecimento, o regulador do líquido de arrefecimento, a bomba para líquido de arrefecimento, entre outros, e ainda tivesse que mandar colocar no veículo, entre outros, uma bomba de água, num custo que ascendeu a €2.015.19, e que levou a que o veículo estivesse imobilizado cerca de um mês,
T. Ora, o vendedor estava obrigado a garantir o bom funcionamento do bem vendido (cf. artº 921º do Código Civil), o que não se verificou, tal como demonstram os factos dados como provados.
U. E logo, o comprador/autor tem direito a exigir a recorrer a ação de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo, decorrente desse cumprimento defeituoso.
V. Tanto mais que resulta do documento n.º 4 junto com a petição inicial, que em 03-04-2009 – ou seja, antes da compra – a bomba adicional de arrefecimento já fazia ruído e necessitava de substituição, bomba essa que, foi substituída após a avaria que levou a que o veículo parasse em plena circulação.
W. Não se percebe como pode o Tribunal A Quo entender que a avaria do veículo não tenha sido causada por uma avaria na bomba de arrefecimento, pois que foi essa bomba, e todo o sistema de arrefecimento que foi substituído após a avaria de 21/05/2010.
X. É nestes termos que tem de ser substituída a decisão do Tribunal A Quo, por uma outra que determine que o veículo vendido padecia de um vício grave o suficiente que afetou o seu uso, tanto mais que esteve parado cerca de um mês, não podendo o Autor usa-lo, tal como necessitava – e acarretou a sua desvalorização,
Y. Devendo, por isso, o Réu ser condenado a pagar ao Autor os danos emergentes da reparação do veículo e os lucros cessantes da paralisação do mesmo, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
Nas contra-alegações, o Réu formulou as seguintes conclusões:
“A) Não assiste razão ao Recorrente, no que se refere à impugnação da matéria de facto, pois, bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado o facto nº 7 dos factos provados, e ao dar como não provados os pontos iv), v), vi), ix), x), e xii).
B) Quanto ao ponto nº 7 dos factos provados, atenta a prova produzida, nomeadamente a testemunhal, não poderia o Tribunal a quo ter procedido de forma diversa do que fez, pois, dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente a Testemunha FF, bem como do depoimento de parte do próprio A., não resulta inequívoco em que momento a bomba adicional de arrefecimento começou a fazer ruído.
C) Na verdade, as Testemunhas, referiram que circulavam no veículo e que se aperceberam do ruído, mas nenhuma das Testemunhas soube indicar, de forma, clara e inequívoca, qual o momento em que tal ruído se tornou audível.
D) Nenhuma das Testemunhas - FF, HH, e JJ - conseguiu, circunstancializar, no tempo, qual o momento no qual se apercebeu de tal ruído.
E) No que se refere ao ponto iv) dos factos dados como não provados, o que está em causa neste concreto ponto da matéria objecto dos autos era o de apurar se, o Réu havia garantido ao A. que o motor tinha sido revisto e afinado – Quesito 2º, da Base Instrutória.
F) Da prova produzida, não foi feita prova de que o Réu tivesse garantido ao A. que o motor do veículo havia sido revisto e afinado.
G) Na verdade, o R. CC, no seu depoimento quando, lhe foi perguntado, pela Meritíssima Juiz, “Então não disse que o motor tinha sido revisto e afinado?”, o Réu CC respondeu: “ … eu disse-lhe que o carro tinha sido sempre assistido e que tinha cumprido todo o programa de manutenção da audi.”.
H) E, a Testemunha FF, quando lhe foi colocada a mesma questão, respondeu que o que foi dito ao A. foi que a revisão estava feita.
I) Em suma, bem andou o Tribunal a quo ao dar como não provado o ponto iv), dos factos não provados, pois o Réu confessou que informou o Autor que o veículo estava em perfeito estado de funcionamento, mas não foi produzida prova cabal de que lhe tivesse garantido que o motor tinha sido revisto e afinado.
J) Relativamente ao ponto v), dos factos não provados, o que está em causa é apurar o estado dos pneus, e, esta matéria resulta como não provada, em virtude da prova documental a fls. 142 dos autos, da qual resulta a compra e substituição de quatro pneus destinados ao veículo aqui em causa.
Bem, como, resulta do depoimento da Testemunha LL, a qual descreveu de forma cabal as circunstâncias que estiveram na origem da substituição dos quatro pneus do veículo.
K) No que se refere aos pontos ix) e x, dos factos não provados – Quesitos 6º, 9º e 10º da Base Instrutória, estava em causa aferir se a avaria verificada a 21/05/2010, tinha ocorrido em consequência da avaria na bomba adicional de arrefecimento.
L) Da prova produzida não resulta a relação de causa/efeito entre essas duas ocorrências, e nem sequer resulta inequívoco que se verificou uma avaria na bomba adicional de arrefecimento.
M) Do depoimento da Testemunha FF, o que resulta, é apenas que, em virtude da avaria de 21/05/2010, foram substituídas diversas peças, entre elas a bomba adicional de arrefecimento. Contudo, de tal depoimento, não resulta que tenha sido uma avaria nessa bomba adicional de arrefecimento que tenha dado origem a avaria do dia 21/05/2010.
N) Do relatório de peritagem a fls. 256 a 268 dos autos, elaborado pela Testemunha MM, resulta que “… a bomba de água do motor e todos os tensores e correias não apresentam indícios de anomalias”.
E, do depoimento dessa Testemunha, e do relatório de fls. 256 a 268, resulta que este, não conseguiu determinar qualquer nexo de causalidade entre a avaria ocorrida a 21/05/2010 e as alegadas anomalias na bomba adicional de arrefecimento.
O mesmo resulta do depoimento da Testemunha NN, que acompanhou a peritagem supra referida (fls 258), não soube indicar qual a causa concreta da avaria, pois não tinha memória deste caso em concreto.
E, a Testemunha GG, também não conseguiu explicar tal nexo de causalidade.
O) Também a prova documental junta aos autos não permite concluir pela existência de qualquer relação de causalidade entre a alegada avaria da bomba adicional de arrefecimento e a avaria ocorrida a 21/05/2010, pois, do livro de revisões do veículo, a fls. 239, não consta qualquer referência a uma reparação da bomba adicional de arrefecimento.
P) Quanto à impugnação da matéria de direito não assiste razão ao Recorrente, pois, ao caso sub judice, não pode ser aplicado o regime relativo à defesa do consumidor – Decreto Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, pois, resultou provado que o A., aqui Recorrente, tem necessidade do veículo para fins profissionais. E tanto assim é que o A. deduziu pedido relativamente a lucros cessantes em virtude da imobilização do veículo.
Q) Assim, está afastada a aplicação do conceito de consumidor, pois, o Recorrente não destina o bem aqui em causa a fins exclusivamente não profissionais.
R) Subsidiariamente, defende o Recorrente que deve ser aplicado o regime de “compra e venda de coisas defeituosas”. Ora, também quanto a este entendimento, não se pode concordar com o Recorrente.
S) Ora, no caso aqui em análise, não foi produzida prova de que existia um defeito grave no veículo, o qual era existente no momento da venda, e que esse defeito era de tal ordem grave que afectava o uso do veículo ou acarretava a desvalorização do mesmo.
T) Pois, como atrás se demonstrou, não resultou provado que a avaria verificada a 21/05/2010, tinha sido causada por uma avaria da bomba adicional de arrefecimento. Apenas se provou que esta fazia um ruído, mas não se provou que este ruido fosse um defeito de tal ordem grave que colocasse em causa a circulação do veículo.
U) Face ao exposto, não existe fundamento para o recurso interposto pelo Recorrente, e bem andou o Tribunal a quo ao absolver os RR. Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., não deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser mantida a douta sentença do Tribunal a quo, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!!!!
São os seguintes os Factos dados como provados na 1ª instância:
“1. O réu CC é empresário em nome individual, cuja actividade é a comercialização de veículos.
2. A propriedade do veículo automóvel de marca Audi, modelo A6 RS6, com a matrícula (...) foi registada em 25-09-2007 em nome do interveniente EE.
3. EE, ao entregar o veículo ao Réu, informou-o de que não lhe conhecia qualquer anomalia.
4. Em 20 de Outubro de 2009, o réu CC declarou vender e o autor declarou comprar o veículo aludido em 2., pelo preço de € 35.000 (trinta e cinco mil euros).
5. A propriedade do veículo automóvel de marca Audi, modelo A6 RS6, com a matrícula (...) encontra-se registada em nome do autor.
6. O réu CC informou o autor de que o veículo se encontrava em perfeito estado de funcionamento.
7. Desde data não concretamente apurada, a bomba adicional de arrefecimento fazia ruído.
8. No dia 21 de Maio de 2010, o veículo avariou em plena circulação.
9. O autor procedeu à substituição no veículo:
do sistema de arrefecimento;
do líquido de arrefecimento;
da bomba adicional para líquido de arrefecimento;
do regulador do líquido de arrefecimento;
da bomba para líquido de arrefecimento;
do tubo de aspiração;
do amortecedor;
do suporte da fechadura
10. O autor mandou ainda colocar no veículo:
uma correia;
um polie;
um tensor;
uma alavanca;
dois polie;
sete parafusos;
um termóstato;
um oring;
cinco juntas;
uma bomba de água;
dois tubos;
onze oring injector;
um óleo de direcções;
quatro molas;
um diagnóstico no veículo
11. O custo das reparações aludidas em 9. e 10. ascendeu a € 2.015,19 (dois mil e quinze euros e dezanove cêntimos).
12. A necessidade de reparação implicou a imobilização do veículo desde 21.05.2010 até 22.06.2010.
13. O autor tem necessidade de utilizar o veículo diariamente nas suas deslocações pessoais e profissionais.
14. Com a imobilização do veículo ficou obrigado a recorrer a outros meios de transporte ou a carecer de boleia.
15. O autor comunicou ao réu, verbalmente e por escrito, que a bomba adicional de arrefecimento fazia ruído e que em virtude da avaria existente nessa bomba, no dia 21.05.2010, o veículo avariou em plena circulação.
16. O autor enviou ao réu, carta datada de 03 de Agosto de 2010, com o seguinte teor: “Venho por este meio comunicar que a carrinha Audi RS6 de matrícula (...), que se encontrava avariada já está resolvido todos os problemas que nela foram encontrados.
Depois de um mês da carrinha se encontrar na oficina avariada e de nada ter sido resolvido, eu assumi o arranjo da carrinha e liquidei a conta como se pode verificar pelo meu cheque.
Agora fica ao critério do Sr. PP analisar a situação do vosso pagamento se assim o entender. (…).”
17. O autor enviou ao réu, carta datada de 15 de Setembro de 2010, com o seguinte teor: “Venho pela presente, na qualidade de titular da viatura marca Audi, Modelo A6RS6, com matrícula (...), ano 2002 – adquirido à vossa empresa em 20-10-2009 – e após ter procurado obter da DD a assunção pelo pagamento da reparação da viatura supra identificada, mediante o envio de uma carta e de um fax (ambos de 03-08-2010), informar que procedi ao pagamento da reparação, no valor total de €2015,19 atento o facto de não ter recebido uma resposta da vossa empresa em tempo oportuno.
Todavia, e uma vez que a viatura, quando me foi vendida, já tinha um defeito, proveniente da não substituição da bomba adicional de arrefecimento, interpelo V. Exa.s para procederem ao pagamento da reparação efectuada (…)”.
B. Factos não provados
“Com relevância para a boa decisão da causa ficaram por provar os seguintes factos:
i) O interveniente EE, em Junho de 2009, entregou o veículo ao réu para que, no exercício da sua actividade, intermediasse a sua venda.
ii) Em 20 de Outubro de 2009, EE declarou vender e o autor declarou comprar o veículo aludido em 2..
iii) EE, ao entregar o veículo ao réu, informou-o de que apresentava todas as condições de funcionamento.
iv) O Réu garantiu ainda ao Autor que o motor tinha sido revisto e afinado.
v) O pneu e jante da frente esquerda encontravam-se deteriorados e eram de marca diferente dos restantes.
vi) Os pneus traseiros encontravam-se desgastados.
vii) O réu CC teve conhecimento da avaria da bomba de arrefecimento antes da venda, tendo sido alertado para a necessidade da substituição da bomba.
viii) O ruído na bomba verificou-se desde o primeiro dia.
ix) A avaria do veículo aludida em 8. resultou de avaria existente na bomba de arrefecimento.
x) As reparações aludidas em 9. e 10. foram efectuadas em virtude da avaria da bomba adicional de arrefecimento.
xi) Até ao dia 21 de Maio de 2010, o autor percorreu 5.000 km com o veículo.
xii) Com a circulação do veículo o Autor retira um apuro diário não inferior a € 150.
xiii) Na sequência das reclamações aludidas em 15., o réu informou o autor de que deveria accionar o seguro de garantia, que havia sido subscrito.
xiv) O seguro não assumiu a responsabilidade em virtude do veículo ter sido intervencionado tecnicamente antes da peritagem.
xv) O réu advertiu expressamente o autor de que para uso da garantia, qualquer avaria teria que ser comunicada à entidade gestora antes de ser realizada qualquer intervenção ao veículo.”


2 – Objecto do Recurso:

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A números 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir (ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil) são as seguintes:
I - Impugnação da matéria de facto:
Análise da impugnação da matéria de facto.
II - Impugnação de Direito:
II – 1. Aplicação ou não da Lei de Defesa do Consumidor.
II – 2. Venda de coisa defeituosa?


3. Análise do recurso:

3.1 - Impugnação da matéria de facto:

A) - O Autor vem impugnar o facto nº 7, cujo teor é o seguinte:
. Desde data não concretamente apurada, a bomba adicional de arrefecimento fazia ruído.”
Defende que foi feita prova do momento em que tal aconteceu e pretende que seja considerado provado que: “Três meses após a compra do veículo o Autor verificou que a bomba adicional de arrefecimento fazia barulho.”
Invoca para o efeito, o depoimento da testemunha FF e as suas próprias declarações.
Cumpre decidir:
Ouvida a prova, confirma-se aquilo que de resto o Autor admite, ou seja, que a testemunha em causa afirma que o ruído se fez sentir passados uns tempos após a compra, sem precisar a altura em que tal aconteceu, pelo que deste depoimento não resulta a demonstração pretendida.
Resta-nos o depoimento do Autor, que sendo o único que refere que tal se verificou passados três meses e porque obviamente é parte interessada, não se pode considerar suficiente para (desacompanhado de outra prova) se considerar provada tal matéria.
Quanto aos factos IV, V, VI, IX, X e XII Não provados:
B) - É o seguinte o teor do facto iv) “O Réu garantiu ainda ao Autor que o motor tinha sido revisto e afinado.”
O recorrente defende que deve ser dado como provado por resultar do depoimento do Réu e do da testemunha FF.
Cumpre decidir:
Como se pode ler na fundamentação da sentença recorrida:
«Do depoimento de Réu resulta que informou o Autor que o carro tinha sido sempre assistido e que tinha cumprido todo o programa de manutenção da Audi, ao mesmo tempo que lhe garantiu que o carro não tinha qualquer problema, visto ter sido sempre assistido na marca – “qualquer problema” inclui, evidentemente, a parte do funcionamento do motor da viatura.
Do mesmo modo, também a testemunha FF afirma que o vendedor garantiu que o motor tinha sido revisto, pelo que deveria o tribunal ter decidido que “O Réu garantiu ao autor que o carro tinha cumprido todo o programa de manutenção da AUDI”.»
Ora, como também se refere nessa decisão o conteúdo destas declarações não é exactamente a mesma coisa que garantir concretamente – como está quesitado – que: «o motor tinha sido revisto e afinado.”
Logo, mantêm-se a resposta em causa.
C) - É o seguinte o teor do facto v) “O pneu e jante da frente esquerda encontravam-se deteriorados e eram de marca diferente dos restantes.”
É o seguinte o teor do facto vi) “Os pneus traseiros encontravam-se desgastados”.
O recorrente defende que devem ser dados como provados, por resultar do depoimento da testemunha FF que, a jante da roda da frente esquerda não pertencia ao carro, ou seja, era de marca diferente das restantes e havia um desgaste no pneu, devido a esse aspecto, pelo que, tendo o tribunal considerado o depoimento desta testemunha credível e tendo em conta que a mesma afirmou convictamente ter ouvido dizer pela pessoa responsável da Audi que a jante da roda da frente esquerda não pertencia ao carro, o que provocara desgaste nos pneus, deveria o tribunal a quo ter decidido que “a jante da frente esquerda do veículo era de marca diferente das restantes, o que provocou desgaste no pneu”.
Cumpre decidir:
Como sabemos deve ser considerado irrelevante o testemunho indirecto “por ouvir dizer” e por isso não pode este depoimento conduzir à alteração pretendida.
Por outro lado, como se refere na fundamentação da decisão recorrida, do teor do documento de fls. 142, resulta a compra e substituição de quatro pneus destinados ao veículo em causa e a testemunha LL (secretária do Interveniente desde há cerca de 18 anos), descreveu o cuidado revelado pelo Interveniente no que concerne à manutenção dos veículos de que é proprietário e, além disso, aludiu às circunstâncias concretas que determinaram a substituição, naquela altura, dos 4 pneus, sendo credível a explicação por si apresentada para se lembrar de tal matéria.
Mantêm-se assim as respostas em causa.
D) – É o seguinte o teor dos factos:
ix): «A avaria do veículo aludida em 8. resultou de avaria existente na bomba de arrefecimento.»
x) «As reparações aludidas em 9. e 10. foram efectuadas em virtude da avaria da bomba adicional de arrefecimento. »
O recorrente defende que devem ser dados como provados baseando-se no depoimento da testemunha FF (que afirma que o veículo, quando avariado, foi remetido para a Audi, onde foram substituídas diversas peças, nomeadamente a bomba adicional de arrefecimento, bomba essa que, aliás esteve na base da avaria do veículo) e no documento juntos à PI com o n.º 4 junto o veículo, donde decorre que ainda antes de ser comprado pelo Autor, apresentava problemas na bomba adicional de arrefecimento, uma vez que fazia ruídos e precisava de ser substituída, bem como do depoimento da testemunha GG que refere que a manifestação de defeitos da bomba expressa-se com ruído e pelo facto de ter sido dado como provado que após a avaria, foram substituídos o sistema de arrefecimento, a bomba adicional de arrefecimento, o regulador do líquido de arrefecimento, a bomba para líquido de arrefecimento, entre outros.
Cumpre decidir:
Também aqui discordamos do recorrente e acompanhamos a decisão recorrida, pois as afirmações supra referidas não conduzem obrigatoriamente ao teor do quesito: De que a avaria verificada em 21.05.2010, foi consequência de uma avaria na bomba de arrefecimento e que as reparações foram uma consequência dessa mesma avaria da bomba. São coisas diferentes.
E como se pode ler na fundamentação da decisão recorrida: «a testemunha MM, mecânico (trabalhou para a “Auto....” durante 30 anos, até 2010), reconheceu ter procedido à peritagem do veículo em questão e elaborado o relatório de fls. 256 a 268 e, muito embora não se recordasse do caso em concreto (o que é perfeitamente plausível, considerando que no exercício da sua actividade profissional realizou inúmeras peritagens), remeteu aquilo que constatou à data da peritagem, para as conclusões vertidas naquele relatório. Ora, da análise desse documento resulta que “a bomba de água do motor e todos os tensores e correias não apresentam indícios de anomalias” e que, muito embora MM tenha sido informado da existência de ruídos na bomba de água eléctrica suplementar, não foi possível confirmar que a sua existência, por o motor estar já desmontado. Assim, desse documento extrai-se que a existência de ruídos na bomba de água eléctrica suplementar foi constatada por terceiros, mas não por MM, que, assim, não conseguiu estabelecer qualquer nexo de causalidade entre a avaria ocorrida em 21.05.2010 e as alegadas anomalias na bomba eléctrica. Aliás, esta testemunha constatou, isso sim, que o tensor hidráulico de ajustamentos da correia de distribuição se encontrava avariado, ou seja, o veículo possuía outras anomalias que poderiam determinar um funcionamento deficiente.
Por seu turno, a testemunha NN (responsável do serviço de pós-venda da oficina “QQ”, em Coimbra), que acompanhou MM durante a peritagem (vide primeiro parágrafo de fls. 258), não se recordava deste caso em concreto, pelo que não conseguiu indicar qual a causa concreta da avaria. De qualquer modo, descreveu o fim a que se destina uma bomba adicional de arrefecimento e admitiu que é possível um veículo circular, mesmo estando tal bomba avariada. Referiu ainda que, existindo um problema na bomba de água, em princípio, basta proceder à sua substituição para solucionar o problema. Não foi, assim, capaz de esclarecer cabalmente por que motivo seria ainda necessário substituir o tubo de aspiração, o amortecedor, o suporte da fechadura, mudar o óleo da direcção (itens que surgem na factura de fls. 22 e 23), se o problema fosse apenas naquela bomba.
E também GG (gestor da SS, formado em Economia mas com curso técnico em mecânica), não conseguiu explicar tal nexo de causalidade.
Por outro lado, do livro de revisões do veículo, consta que, em 16.03.2010, apenas foi efectuada a mudança do óleo (vd. fls. 239), não constando qualquer referência quanto à reparação da bomba adicional de arrefecimento. Ora, se o problema da bomba de arrefecimento fosse de tal modo grave, mal se compreende que, em Março de 2010, quando o veículo foi à oficina (onde se detectou que o motor fazia um ruído, tendo-se colocado a hipótese de ser da bomba de água, conforme resulta de fls. 257), o Autor não tivesse desde logo diligenciado pela reparação desse problema.
Em suma, muito embora se tenha apurado que a bomba adicional de arrefecimento apresentava algum ruído, não foi possível apurar, de forma segura, que esse ruído era sintoma de uma anomalia existente naquela bomba susceptível de ocasionar a avaria ocorrida em 21.05.2010.»
Não há pois razão para a alteração das respostas dadas.
E) Finalmente, quanto ao teor do facto xii) «Com a circulação do veículo o Autor retira um apuro diário não inferior a € 150.» embora o recorrente o mencione na lista dos factos impugnados acaba por nada dizer sobre o mesmo.
Em suma:
Mantêm-se a matéria de facto assente na 1ºa instância e com ela passaremos à análise do Direito.


3.2 - Impugnação de Direito.

3.2.1. Aplicação ou não da Lei de Defesa do Consumidor (LDC).

A sentença recorrida afastou a aplicação da LDC com o argumento de que o Autor não preenche as características de conceito de “consumidor“ já que destina também o veículo para uso profissional.
E, realmente, ficou demonstrado que assim é. (facto provado nº 13)
Ora, a LDC é apenas aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores - nos termos do n.º 1 do art.º 1.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril, aditado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio.
E o conceito de “consumidor” está previsto na alínea a) do art.º 1.º-B do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril, aditado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio.
Nos termos do art. 2.º. n.º 1 da Lei nº 24/96 de 31 de Julho (LDC) “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Assim, para que o contrato seja de compra e venda de bem de consumo, há-de tratar-se de compra e venda celebrada entre vendedor profissional e comprador consumidor ou comprador não profissional, e só para esse caso é que vale o regime jurídico específico da venda de bens de consumo.
Como se pode ler no Acórdão da Relação de Coimbra de 27.05.2014 (proferido no processo n.º 544/10.6TBCVL.C1 e disponível em www.dgsi.pt): “Vale entre nós, portanto – segundo um entendimento maioritário – uma noção estrita de consumidor, entendendo-se como tal, a pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional (…) Sustentando uma concepção restrita de consumidor, na jurisprudência, o Ac. da RL de 31.05.97, www.dgsi.pt., e na doutrina, Teresa Almeida, Lei de Defesa do Consumidor Anotada, 2001, pág. 25, Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, pág. 58, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág. 118, e Venda de Bens de Consumo, Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, Comentário, 4ª edição 2010, pág. 55, Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, pág. 233, e Ferreira de Almeida, Os Direitos dos Consumidores, 1982, pág. 208; contra, Paulo Duarte, O Conceito Jurídico de Consumidor, segundo o art.º 2.º. 1, da Lei de Defesa do Consumidor, BFDUC, LXXV, 1999, pág. 649 e Sara Larcher, “Contratos celebrados através da internet; garantias dos Consumidores contra vícios na Compra e Venda de Bens de Consumo”, in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, Vol. II, 2005, pág. 155.”
O ónus da prova daquelas qualidades é do comprador, neste caso, do recorrente, uma vez que, nas circunstâncias mais comuns, será ele a parte beneficiada com a aplicação do regime da venda de bens de consumo (art.º 342.º nº 1 do Código Civil)
E, na falta da sua prova, não é possível qualificar o contrato como de compra e venda de consumo.
Ora, no caso em análise o Autor/recorrente não demonstrou a sua qualidade de consumidor, visto que deveria ter demonstrado que o veículo (já que também é utilizado na sua vida profissional) era essencialmente utilizado na sua vida privada.
Não o fez e, por isso, é aplicável o regime geral da responsabilidade por vícios ou defeitos da coisa.

3.2.2. Venda de coisa defeituosa?

Subsidiariamente, defende o recorrente a aplicação do regime de coisa defeituosa e a responsabilidade do vendedor, insurgindo-se contra a sentença recorrida que concluiu que o Autor não demonstrou que o veículo tenha sido vendido já com o defeito, ou seja, entende que não há nexo causal entre a avaria e um vício já existente à data da venda.
Vejamos:
O art.º 913º do Código Civil estatui:
“1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.
A coisa entregue pelo vendedor na execução do contrato de compra e venda deve estar isenta de vícios físicos, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material que estejam em desconformidade com o contratualmente estabelecido, ou em desconformidade com o que, legitimamente, for esperado pelo comprador.
Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 205), referem, a este propósito que “[o] artigo 913º cria um regime especial (cuja real natureza constitui um dos temas mais debatidos na doutrina germânica [...]) para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas:
a) Vício que desvalorize a coisa;
b) Vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada;
c) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor;
d) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.
O nº 2 manda atender, para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria (…).”
No caso dos autos, provou-se que:
“Em 20 de Outubro de 2009, o réu CC declarou vender e o autor declarou comprar o veículo aludido em 2., pelo preço de € 35.000 (trinta e cinco mil euros).
7. Desde data não concretamente apurada, a bomba adicional de arrefecimento fazia ruído.
8. No dia 21 de Maio de 2010, o veículo avariou em plena circulação.”
Tais factos não são suficientes para concluir que estamos perante a venda de coisa defeituosa.
No que concerne ao ónus da prova, sendo a existência do defeito um facto constitutivo dos direitos atribuídos ao comprador, cabe a este a respectiva prova (cfr. n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil). Mas, para além disso, incumbe ao comprador o ónus da prova da gravidade desse defeito, “de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa”.
Voltando ao caso concreto, com relevo para esta matéria apurou-se que, desde data não concretamente apurada, a bomba adicional de arrefecimento fazia ruído.
Contudo, não resultou provado que essa anomalia fosse grave o suficiente de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa.
De facto, note-se que o veículo foi comprado pelo Autor em Outubro de 2009 e que o mesmo avariou, quando circulava em Maio de 2010, ou seja, cerca de sete meses depois, pelo que logo por aí se revela difícil estabelecer um nexo de causalidade.
E, na verdade, não resultou provado que a avaria do veículo em 21.05.2010 tenha sido causada por uma avaria da bomba de arrefecimento, ou seja, o Autor não conseguiu demonstrar que a existência do ruído era um defeito de tal modo grave que pôs em causa a sua circulação, o fim a que se destinava e que foi na sequência desse defeito que se viu obrigado a reparar o veículo.
Assim sendo, não tendo resultado provada tal factualidade, não pode o Réu ser responsabilizado pelos danos emergentes da reparação do veículo, nem pelos lucros cessantes resultantes da paralisação do mesmo, ficando prejudicada a apreciação dessa matéria.

Sumário:
- Para que o contrato seja de compra e venda de bem de consumo, há-de tratar-se de compra e venda celebrada entre vendedor profissional e comprador consumidor ou comprador não profissional, e só para esse caso é que vale o regime jurídico específico da venda de bens de consumo.
- Vale entre nós, portanto – segundo um entendimento maioritário – uma noção estrita de consumidor, entendendo-se como tal, a pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional (…)
- O ónus da prova daquelas qualidades é do comprador, neste caso, do recorrente, uma vez que, nas circunstâncias mais comuns, será ele a parte beneficiada com a aplicação do regime da venda de bens de consumo (artº 342 nº 1 do Código Civil)
- Saber apenas que o veículo avariou em plena circulação 7 meses depois da compra e desde determinada data não apurada a bomba adicional de arrefecimento fazia ruído é insuficiente para concluir que estamos perante a venda de coisa defeituosa.


4. Dispositivo.

Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Évora, 29.01.2015
Elisabete Valente
Maria Alexandra Afonso de Moura Santos
António Ribeiro Cardoso