Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
89/15.8GTABF.E2
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: FALTA DE INTÉRPRETE
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 09/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A nulidade por falta de intérprete prevista no art. 120º nº2 al. c) do CPP depende de arguição, nos termos do nº 3 do mesmo art. 120.º, ou seja, in casu, nunca depois do início da audiência, dado tratar-se de forma de processo especial (cfr. al. d), pelo que a mesma sempre se encontraria sanada por ter sido suscitada apenas na motivação de recurso.

II - O entendimento segundo o qual o princípio in dubio pro reo deve ser entendido objetivamente, não se exigindo dúvida subjetiva ou histórica do julgador para que ocorra a sua violação, permite resolver os problemas colocados pelos princípios da culpa e da presunção de inocência em casos de dúvida sobre a prova de facto desfavorável ao arguido, que o tribunal não reconheceu, uma vez que impedirá a condenação deste sempre que, objetivamente, a prova produzida não seja suficiente para julgar provado o facto respetivo

III - Por sua vez, o entendimento subjetivo do princípio in dubio pro reo, segundo o qual este apenas é violado se o tribunal reconhecer encontrar-se perante dúvida séria e insanável, apenas permitirá o respeito dos princípios da culpa e da presunção de inocência, se considerarmos que o princípio da livre apreciação da prova é integrado por um parâmetro ou critério positivo de decisão que impõe apenas poder ser julgado provado contra o arguido facto cuja prova se encontre estabelecida para além de toda a dúvida razoável.

IV - A não ser assim, teria que admitir-se que se mantivesse decisão sobre a matéria de facto desfavorável ao arguido tomada com base em prova que o não permitia, só porque, por erro na apreciação da prova, o tribunal a quo não reconhecera sequer a dúvida séria imposta pelo texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou revelada pela ampla reapreciação da prova produzida.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO

1. – Nos presentes autos, que correm termos na Secção criminal (J3) da Instância local de Loulé da Comarca de Faro, foi julgado em processo sumário Evgeny, nascido a 17.07.1972, natural da Rússia, residente em Quarteira, a quem o MP imputara a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p pelos arts 292º e 69º, do C. Penal.

2. Realizada a audiência de julgamento, o tribunal singular condenou o arguido como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p pelos arts 292º e 69º, do C. Penal na pena principal de 95 dias de multa à razão diária de 5,00 euros e na pena acessória de 4 meses e 15 dias de proibição de conduzir veículos com motor.

3. – O arguido vem interpor recurso daquela sentença condenatória, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem “ipsis verbis”:

«CONCLUSÕES:

«I - Discorda o arguido da douta sentença condenatória, quando a mesma deveria ter sido absolvido. Isto porque face à proa produzida em julgamento, não deveria o tribunal a quo medida concreta da pena que lhe foi aplicada, pois o tribunal “a quo”, condenado o arguido mas sim absolvê-lo.

II - Assim se violando o artigo 292º nº1 do Código

III – Se assim o Tribunal a quo, não o entendesse, deveria em obediência ao princípio do “ in dúbio pro reo”, absolvido o arguido, porque não foi produzida prova cabal e sem margem para dúvidas, que o mesmo arguido estivesse alcoolizado no momento que teve o pequeno embate no outro veiculo, tendo ingerido cervejas, depois desse momento.

IV- Também foram preteridas práticas, por parte do agente autuante, daqui resultando que a prova esteja quinada desde o seu início, não devendo ser considerada prova válida mas sim nula.

Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossa excelência doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, revogada a douta decisão recorrida que condenou o recorrente na pena de 95 dias de multa, á taxa diária de € 5, perfazendo € 475, e ainda na pena acessória de inibição de conduzir por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.

Pelo exposto e pelo mais e melhor direito que V. Exas não deixarão de suprir, deve dar-se provimento ao recurso, absolvendo desta forma o arguido, nos termos referenciados na presente motivação.”

4. – Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta, concluindo pela total improcedência do recurso.

5. - Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

6. – Notificado da junção daquele parecer, o arguido recorrente nada acrescentou.

7. – A decisão recorrida (transcrição parcial):

«- FUNDAMENTACÃO DE FACTO
A) Factos provados I.

1. No dia 31 de Março de 2015, pouco antes das 18h09m, o arguido Evgeny conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ----VS, na Estrada Nacional 125, ao Km 83,400, área desta Instância local de Loulé, quando foi interveniente em acidente de viação que se traduziu no embate da parte frontal do veículo que conduzia na parte traseira do veículo que o precedia.

2. Nessa sequência, o arguido foi abordado e fiscalizado por uma patrulha da Guarda Nacional Republicana.

3. O arguido exercia a condução do referido veículo com uma taxa de álcool no sangue de 1,77 9/1, correspondente à taxa de, pelo menos 1,68 9/1 (deduzido o valor do erro máximo admissível), devido ao facto de antes de a empreender, ter voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas.

4. Não obstante saber que estava influenciado pelo álcool ingerido e que, por esse facto, não lhe era permitido conduzir na via pública, não se absteve de o fazer.

5. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.

II.
6. O arguido trabalha como ladrilhador, auferindo mensalmente cerca de € 450,00/€ 500,00.

7. Vive com a sua mulher, que não trabalha.

8. Habita em casa arrendada, cuja renda ascende a € 350,00.

9. Completou o ensino secundário e depois tirou um curso técnico.

10. No Certificado do Registo Criminal do arguido consta averbado a seguinte condenação: Por sentença transitada em julgado a 30.04.2012, proferida no Processo n.º ---/10.6GDABF, que correu termos junto do extinto 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, na pena de 80 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses e 15 dias, pela prática em 15.02.2010 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

B) Factos não provados
Com relevância para a boa decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente não resultou provado:

11. Que o arguido posteriormente ao acidente referido em 1. e antes de ser sujeito a teste de alcoolemia tenha ingerido bebidas alcoólicas.

C) Indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção

Na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objectivos fornecidos pelos documentos juntos aos autos e efectuando a análise das declarações do arguido e depoimentos das testemunhas prestados em sede de audiência de discussão e julgamento.

Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas produzidas.

Concretizando.

o arguido, que durante as duas primeiras sessões do julgamento não prestou declarações quanto aos factos que lhe eram imputados, no exercício de direito que legalmente lhe é conferido, na terceira sessão de julgamento optou por fazê-lo, de forma que se não nos afigurou nem espontânea, nem sincera, referindo no essencial que naquele dia ao almoço bebera uma cerveja, que depois nos semáforos de Vilamoura se envolveu num acidente, que o condutor do outro veículo lhe exigiu € 800,00 e que lhe disse então para chamar a polícia; que nessa altura foi a um Café - a cerca de 5 metros -, que avisou o outro condutor que o ia fazer e que aí bebeu 3 cervejas, tendo pago € 1,00 por cada, não sabendo o nome do estabelecimento, nem tendo factura de tal comprovativa. Que depois - cerca de 15 minutos depois - chegou a polícia, que fez o teste no balão e pediu para ver o resultado e a polícia recusou; que avisou que bebera 3 cervejas; que foi transportado para o Posto onde esteve cerca de 1 hora e onde o mandaram soprar novamente noutro aparelho. Questionado do porquê de ter ido beber as cervejas quando acabara de ter um acidente de viação e fora chamada a polícia, referiu que nem pensou que iria soprar no alcoolímetro.

A testemunha AM, militar da GNR, que procedeu à fiscalização do arguido por ocasião dos factos, cujo depoimento foi prestado com isenção e objectividade, no essencial referiu ter acorrido ao local na sequência de reporte de acidente de viação, tendo verificado que o veículo do arguido havia colidido com a traseira do veículo que estava à sua frente - sem danos de maior visíveis; que submeteu os dois condutores intervenientes no acidente de viação a teste de alcoolemia, tendo o arguido apresentado uma TAS positiva; esclareceu que o arguido se encontrava então sozinho, tendo depois aparecido no local um amigo seu; que o arguido se assumiu como condutor do veículo, que de tal não teve dúvidas, que o mesmo não estava no seu estado normal, estando visivelmente embriagado - mal se aguentando em pé -, que o mesmo foi colaborante, assumindo ter bebido e assumindo a situação, tendo-lhe explicado que podia requerer contraprova noutro aparelho ou através de recolha de sangue; na sequência da sua intervenção elaborou a respectiva participação de acidente de viação; questionado sobre se inquirira o arguido sobre há quanto tempo tinha bebido, respondeu não recordar se lhe colocou tal questão, referindo no entanto que o arguido dissera ter vindo de Portimão, pelo que calculando que tenha demorado cerca de 10/15/20 minutos a chegar ao local e que ainda houve que percorrer cerca de 20 km até ao Posto para realização do teste qualitativo, estimou que já tivesse bebido há algum tempo I mais de uma hora antes da realização do teste.

A testemunha de defesa JF, que referiu já ter sido encarregado do arguido por terem trabalhado na mesma empresa, disse tê-lo como bom trabalhador, não tendo conhecimento que em trabalho ingerisse álcool, Mais referiu que no dia dos factos ia a passar e viu o carro do arguido, estando já presente a GNR, não tendo visto danos em nenhum dos Veículos. Questionado sobre se lhe pareceu pelo cheiro ou pelo andar que o arguido tinha bebido, furtou-se à resposta, dizendo que o arguido estava encostado ao carro e que não o viu a cair. Mais referiu que o carro era do arguido, que é ele quem o costuma conduzir e não estava lá mais ninguém, tendo o mesmo assumido a responsabilidade pelo acidente.

A testemunha MF, condutor do veículo embatido pelo arguido, cujo depoimento foi prestado de forma que se nos afigurou espontânea e objectiva, não se lhe notando sinais de parcialidade ou animosidade relativamente ao arguido, no essencial referiu que na ocasião circulava pela EN 125, no sentido Albufeira-Faro, que perto dos semáforos de Vilamoura se estava a criar uma fila, que teve que travar e que sentiu uma batida por trás; que tanto ele como o arguido saíram dos carros, falaram, que o arguido se propôs pagar a despesa, que lhe disse que deveriam ser cerca de € 600,00, tendo então o arguido dito para chamar a polícia, pelo que foi ao carro fazê-lo, tendo visto o arguido a ir embora, perdendo-o de vista, tendo passados alguns minutos - cerca de 10 a 15 minutos ¬chegado a polícia e mais ou menos ao mesmo tempo o arguido, que se sentou num muro ali existente; questionado referiu que logo no início, pela forma como o arguido falava e pelo cheiro lhe pareceu que o mesmo estaria embriagado, andando também um bocadinho torto, tendo sido também essa a opinião de sua namorada que então seguia consigo no carro. Confirmou existir nas proximidades um bar denominado Bistrot, onde referiu ter ideia de que uma Coca-Cola custaria mais de € 1,00.

No que à taxa de álcool no sangue respeita, o Tribunal teve em consideração o talão do alcoolímetro Drager MKIII P, com o número de série ARZL-0187, cujo talão emitido se mostra junto aos autos a fls. 5, analisador quantitativo esse que se mostra devidamente homologado e aprovado pelo IPQ por Despacho n." 11037/2007, de 24 de Abril, publicado no DR, 2.Q Série, n.º 109, de 06.06.2007 e aprovado para utilização pela ANSR por Despacho n.º 19684/2009, de 25 de Junho, publicado no DR, 2.Q Série, n.º 166, de 27.08.2009, tendo o alcoolímetro utilizado sido verificado pelo IPQ pela l.ª vez a 02.04.2009 e posteriormente a 30.05.2014, sendo que por nesta verificação apresentar o foram aplicados os critérios legalmente impostos para a primeira verificação (cfr. fls. 11 e 44 a 45).

Assim, importa concluir que o alcoolímetro utilizado no exame efectuado ao arguido reunia os requisitos legais, nada resultando dos elementos probatórios colhidos nos autos que permita questionar da sua fiabilidade - a qual não foi sequer posta em causa pelo arguido aquando da sua fiscalização, posto que não requereu a realização de contraprova ¬e, consequentemente, do valor do exame de pesquisa da taxa de álcool no sangue apurado.

Atento o teor do talão do alcoolímetro, que atesta o valor da taxa de alcoolemia registado no alcoolímetro, e após dedução do erro máximo admissível previsto na Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, conjugada com o artigo 81.°, n.º 4 do Código da Estrada (que estabelece que 1 mg de álcool por ar expirado - TAE - é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue - TAS), a correspondente à primeira verificação do aparelho - atento certificado de verificação de fls. 11, o Tribunal determinou a TAS apurada.

Saliente-se que não nos mereceu qualquer credibilidade a versão dos factos sustentada pelo arguido, numa clara tentativa de se eximir à sua responsabilidade, de que entre o momento do acidente e o da chegada da GNR ao local, foi beber três cervejas. Primeiramente, o arguido é um indivíduo com 42 anos de idade, sendo pessoa com experiência de vida, que nenhuma ingenuidade revelou e que já anteriormente foi condenado por conduzir em estado de embriaguez, sendo pois de todo inverosímil em face das regras da experiência e normalidade dos factos da vida que, após se ter envolvido num acidente de viação a cujo local foi chamada a polícia, tivesse decidido em cerca de um quarto de hora ingerir de seguida três cervejas sem pensar que iria ser submetido a teste de alcoolemia.

A reforçar tal inverosimilhança, o militar da GNR ouvido refere que o arguido foi colaborante, assumiu a situação e ter ingerido bebidas alcoólicas, em momento algum, nem quando questionado sobre se apurara há quanto tempo o arguido as teria ingerido, tendo feito menção de que este lhe havia dito ter acabado de as ingerir, mal se compreendendo que se verdade tal fosse o arguido tivesse sido assim colaborante e não tivesse querido apresentar a sua versão dos factos referindo expressamente ter ingerido bebidas alcoólicas já após o acidente e antes da sua fiscalização, remetendo-se ao silêncio conforme resulta de fls. 60 e menos credível ainda sendo que o militar autuante -. recordando-se da postura do arguido e do seu notório estado de embriaguez, se não recordasse de tal facto se o arguido lho tivesse comunicado, nem o tivesse feito constar no expediente elaborado e nada tivesse feito no momento dos factos para apurar no local, nomeadamente junto d o estabelecimento onde o arguido disse ter ingerido álcool, da veracidade ou não de tal facto.

A reforçar a inverosimilhança e falta de credibilidade do arguido vem igualmente o depoimento de MF, condutor do veículo no qual o arguido embateu, que refere ter falado com ele e ter-se logo apercebido pelo odor, pela forma como falava e caminhava que o mesmo estava embriagado - sendo que o amigo do arguido arrolado como testemunha quando questionado sobre o estado daquele notoriamente se esquivou à questão, revelando-se comprometido e falho de sinceridade -, sendo que tendo esta testemunha confirmando ter-se o arguido afastado do local do acidente por cerca de 15 minutos, não viu para onde o mesmo foi, sendo que se o mesmo lhe tivesse dito que ia ao Café do outro lado da estrada não nos parece que o tivesse perdido de vista como referiu que aconteceu e lembrar-se-ia certamente de tal em julgamento.

Como assim, repita-se, nenhuma credibilidade nos mereceu a versão dos factos que o arguido tentou sustentar, a qual quer de per si: quer quando conjugada com a demais prova produzida, se mostrou de todo inverosímil, não colhendo suporte nos depoimentos isentos e objectivos das testemunhas AM e MF, afigurando-se-nos antes por eles contrariada, motivo pelo qual dúvidas não assistiram, ao Tribunal em dar como provada a factualidade referida sob os pontos 1. a 5. e como não provada a factualidade referida sob o ponto 11.

No que concerne à situação pessoal e socioeconómica do arguido, o Tribunal aqui fez fé nas declarações do arguido que nesta matéria não foram postas em causa por qualquer outro meio de prova produzido e se nos afiguraram compatíveis com a realidade evidenciada, e teve ainda em consideração o teor do Certificado do Registo Criminal junto aos autos no que aos seus antecedentes criminais respeita.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
(…) »

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objeto do recurso.

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação de recurso, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

a) O arguido afirma nas suas conclusões que foram preteridas práticas, por parte do agente autuante, daqui resultando que a prova esteja [in]quinada desde o seu início, não devendo ser considerada prova válida mas sim nula, resultando do texto da motivação que o arguido se refere à falta de convocação de um intérprete de língua russa por parte do militar da GNR aquando da prestação das provas para deteção de álcool no sangue, pelo que começaremos por decidir a nulidade que o arguido pretende resultar daí.

b) Nas suas conclusões, o arguido alega ainda dever ser absolvido porque o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo, por não ter sido produzida prova cabal de que se encontrava alcoolizado no momento em que ocorreu o embate com outro veículo.

No texto da motivação de recurso, o recorrente refere-se claramente a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, dada como provada quando não deveria ter sido dado como provada, citando posteriormente o art. 412º nº 3 a), b) e c) do CPP, e resulta suficientemente do conjunto da motivação de recurso que o arguido considera incorretamente julgado o ponto nº3 da factualidade provada e que as provas que, no seu entender, impõem decisão diversa, são constituídas pelas declarações do arguido e pelo depoimento da testemunha MF, de que o arguido transcreve alguns trechos no texto da motivação. Conheceremos, assim, da impugnação sem necessidade de convidar o arguido a corrigir as suas conclusões, nos termos do art. 417º nº3 do CPP, por ser o mesmo dispensável.

São estas, pois, as duas questões a decidir.

2. Decidindo

2.1. A invocada nulidade por falta de intérprete aquando da prestação de provas para deteção de álcool no sangue.

Independentemente do mérito da questão face ao direito processual aplicável, a verdade é que a existir a apontada nulidade a mesma já se encontraria sanada, pois é claro o art. 120º nº2 al. c) do CPP ao estabelecer que a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória, constitui nulidade dependente de arguição, nos termos do nº 3 do mesmo art. 120º, ou seja, in casu, nunca depois do início da audiência, dado tratar-se de forma de processo especial (cfr. al. d), sendo certo que só na motivação de recurso o arguido vem suscitar a questão.

Por último, sempre se diga, independentemente da sua eventual relevância, que os autos desmentem a afirmação contida na motivação de recurso de que o arguido só começou a ter advogado a partir do início da audiência, pois o requerimento de fls 20 em que pede prazo para a preparação da defesa e sugere dias para o início da audiência foi subscrito por defensor oficioso que, por sinal, é o mesmo que subscreve a motivação de recurso.

Improcede, pois, a invocada nulidade de falta de nomeação de intérprete, sem mais considerações por serem as mesmas desnecessárias para a sua decisão no caso concreto.

2.2. Da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.

2.2.1. No essencial, alega o recorrente ter o tribunal a quo violado o princípio in dubio pro reo ao decidir que “O arguido exercia a condução do referido veículo com uma taxa de álcool no sangue de 1,77 9/1, correspondente à taxa de, pelo menos 1,68 9/1 (deduzido o valor do erro máximo admissível), devido ao facto de antes de a empreender, ter voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas”.

No seu entender, impunha-se que o tribunal recorrido tivesse ficado em dúvida quanto à questão de saber se o arguido conduzia o veículo no momento do embate com a apontada taxa de álcool no sangue, uma vez que, conforme declarou em audiência, terá ingerido bebidas alcoólicas (cerveja) entre o momento em que ocorreu o embate com o veículo automóvel por si conduzido e o momento em que foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, apresentando a taxa de álcool no sangue de 1,68 g/l.

Vejamos então um pouco melhor.

2.2.2. Da motivação da decisão sobre a matéria de facto resulta que o tribunal a quo deu como provado que o arguido conduzia o veículo com a taxa de 1, 68 g/l de álcool no sangue quando embateu no veículo que seguia à sua frente, por ter desconsiderado a versão veiculada pelo arguido de que ingerira 3 cervejas após ter deixado de conduzir o veículo, por entender que a versão apresentada pelo arguido na audiência em termos similares aos que agora reproduz na motivação de recurso, não mereceu qualquer credibilidade essencialmente pelas razões expostas na apreciação crítica da prova e que reproduziremos de novo mais adiante.

Face àquelas razões, o recorrente limita-se a repetir na motivação de recurso a versão de facto apresentada na audiência de julgamento, insistindo que o condutor do outro veículo testemunhou que o arguido se deslocou ao café por tempo que não sabe determinar ao certo (mas entre 15 e 20 minutos), até que a polícia chegasse, e – como diz – está criada a dúvida.

2.2.3. Todavia, a sua alegação de que o condutor do outro veículo testemunhou que o arguido se deslocou ao café, não é confirmada pelo depoimento daquela, MF, pois este não fez tal declaração em audiência. Tal como pode ler-se na pequena transcrição a que o arguido procede na motivação e é referido na apreciação crítica da prova, a testemunha MF limitou-se a afirmar que viu o arguido a ir embora – do local do embate -, perdendo-o de vista até que 10 a 15 minutos depois regressou, na mesma altura em que chegou a polícia, tendo-se sentando num muro ali existente, não tendo a testemunha, nas suas declarações, estabelecido qualquer ligação entre o cafezinho que ali existiria e o desaparecimento do arguido, contrariamente ao que este afirma na sua motivação de recurso.

Significa isto que a alegação de que terá bebido três cervejas enquanto esperava os agentes policiais, assenta unicamente nas declarações do arguido prestadas em audiência, o que não é irrelevante para a apreciação da existência de dúvida séria e insanável relativa ao facto descrito sob o nº3 da factualidade provada., ou seja, que o arguido exercia a condução do referido veículo com uma taxa de álcool no sangue de 1,77 g/1, correspondente à taxa de, pelo menos 1,68 9/1 (deduzido o valor do erro máximo admissível). Esta factualidade é essencial para o preenchimento do tipo legal de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º do C. Penal, pelo que é a mesma manifestamente desfavorável ao arguido e, nessa medida, deve ser julgada não provada se após a produção de toda a prova disponível o tribunal for colocado perante dúvida séria e inultrapassável sobre a realidade desse mesmo facto, com a consequente absolvição do arguido.

2.2.4. O caráter subjetivo ou objetivo da dúvida, face à prova produzida.

a) Para quem entenda que apenas a dúvida subjetivamente sentida pelo órgão decisor constitui o pressuposto específico do princípio in dubio pro reo, no caso presente e em grande número de situações idênticas aquele princípio não se mostrará violado porque o tribunal de julgamento não se confrontou com dúvida séria sobre a prova do facto desfavorável ao arguido.

Na verdade, constata-se da apreciação crítica da prova que o tribunal de julgamento analisou a versão levada a julgamento pelo arguido e apreciou as provas que suportavam aquela versão, bem como a versão da acusação, concluindo que em face do conjunto da prova produzida resulta provado o ora descrito sob o nº3 da factualidade provada, pelo que a decisão resulta da sua convicção sobre a realidade daquele facto e não de “errada” aplicação de qualquer princípio ou regra processual aplicável às situações de dúvida sobre essa mesma realidade.

b) Uma outra abordagem da questão é proposta na doutrina por Cristina Líbano Monteiro[1] e foi assumida, entre alguns outros, no Ac STJ de 4.10.06 (acessível em www.stj.pt)[2], segundo a qual o princípio in dubio pro reo deve ser entendido objetivamente, não se exigindo a dúvida subjetiva ou histórica, para que possa ocorrer a sua violação.

Resulta desta perspetiva que no caso de o tribunal dar como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, há violação do princípio se do confronto entre a prova produzida, por um lado, e a versão apresentada pelo arguido, por outro, apreciadas à luz das regras da experiência comum, se conclui pelo estado de dúvida. Conforme se diz no Ac STJ de 2006 citado em nota, a violação do princípio in dubio pro reo ocorre « … sempre que detete que, na margem da dúvida, o tribunal decidiu in pejus contra o arguido, ou quando, não reconhecendo o estado de dúvida, ele resulta do texto da decisão recorrida por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, só não sendo declarada por força de erro notório na apreciação da prova.»

Caso o erro na apreciação da prova não resulte do texto da decisão recorrida, só por si ou conjugada com as regras da experiência comum (cfr al. c) do nº2 do art. 410º do CPP), pode o mesmo ser detetado no âmbito de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412º nºs 3, 4 e 5 , do CPP.

c) Este último entendimento doutrinário e jurisprudencial, que apela à natureza objetiva da dúvida subjacente ao princípio in dubio pro reo, permite resolver os problemas colocados pelos princípios da culpa e da presunção de inocência em casos de dúvida sobre a prova de facto desfavorável ao arguido, uma vez que impedirá a condenação daquele sempre que, objetivamente, a prova produzida não for suficiente para julgar provado o facto respetivo. Já o mesmo não poderá dizer-se da posição que identifica aquele princípio com a regra processual estrita de decisão dos casos duvidosos em processo penal, em situações de non liquet.

Na verdade, o entendimento estrito do princípio in dubio pro reo apenas será aceitável, do ponto de vista dos referidos princípios da culpa e da presunção de inocência, se considerarmos que o princípio da livre apreciação da prova é integrado por um parâmetro ou critério positivo de decisão que impõe apenas poder ser julgado provado contra o arguido facto cuja prova se encontre estabelecida para além de toda a dúvida razoável, que “…é regra jurídica de decisão, ao abrigo da qual deve ser resolvido o problema da prova insuficiente ou contraditória: as provas são insuficientes quando a acusação não demonstrou a culpa do acusado para além de toda a dúvida razoável…» (cfr F. Stella, “ Oltre Il Ragionevole Dubbio: il libero convincimento del giudice e le indicazioni vincolanti della constituzione italiana” in AAVV, Il Libero Convincimento Del Giudice Penale. Vecchie e nuove esperienze, Milano –Dott. A. Giuffrè Editore -2004, p. 99-100, onde afirma, ainda, que « … a regra probatória e de julgamento, “para além de toda a dúvida razoável”, constitui, não obstante o silêncio do CPP de 1989, direito vigente no nosso País».

Relativamente ao nosso ordenamento jurídico é o Prof F. Dias que se refere ao critério ou parâmetro da dúvida razoável a propósito do princípio da livre apreciação da prova, para afirmar que “Uma tal convicção existirá quando e só quando – parece-nos este um critério prático adequado, de que se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.[3] . A não ser assim, teria que aceitar-se que se mantivesse decisão sobre a matéria de facto desfavorável ao arguido tomada com base em prova que o não permitia, v.g., à luz das regras da experiência, só porque, por erro na apreciação da prova, o tribunal a quo não reconhecera sequer a dúvida insanável imposta pelo texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou pela ampla reapreciação crítica da prova produzida.

d) Posto isto, estamos em condições de concluir que a questão essencial que se nos coloca em casos como o presente é a de saber se da reapreciação da prova (ou do texto da decisão recorrida) resulta que o tribunal julgou provado facto desfavorável ao arguido apesar de a prova disponível não permitir, de forma racional e objetiva, ultrapassar o estado de dúvida sobre a realidade do facto. Isto, quer a decisão recorrida revele que o tribunal de julgamento se viu subjetivamente confrontado com a situação de dúvida, quer esta resulte da análise crítica e objetiva da decisão[4]. No caso presente, isto significa que apesar de o tribunal a quo não ter considerado encontrar-se perante dúvida séria e insanável, há que decidir se, como pretende o recorrente, face à prova enunciada e criticamente apreciada na sentença recorrida, o tribunal de julgamento julgou provado o facto descrito sob o nº3 da factualidade provada (ora impugnado) sem prova que lhe permitisse, de forma objetiva e racional, ultrapassar dúvida lógica e racionalmente provocada pela versão veiculada pelo arguido na audiência de julgamento.

e) Ora a este respeito, importa ter em conta que o arguido limitou-se a afirmar ter bebido três cervejas no café próximo do local do embate, sem que qualquer outro elemento de prova corrobore essa afirmação, como vimos, pelo que, antecipando, não pode considerar-se que a mera alegação de versão contraditória com a versão factual julgada provada impõe a existência de dúvida séria que não sendo afastada impediria que se julgasse provada a versão da acusação.

Na verdade, a dúvida inerente ao princípio in dubio pro reo ou ao apontado parâmetro positivo de decisão, para além de toda a dúvida razoável, não pode confundir-se com a mera plausibilidade ou verosimilhança, em abstrato, da versão factual contraditória com a da acusação. Embora o arguido pretenda lançar a dúvida ao apresentar versão incompatível com a da acusação, não é suficiente para o efeito a mera formulação de uma qualquer versão abstratamente possível, para que possa considerar-se existir dúvida séria e razoável, como aludido.

Parafraseando Germano M. Silva ao referir-se à alegação de circunstâncias justificativas ou desculpantes por parte do arguido (cfr Curso de Processo Penal II, Verbo 1999 p. 108), pode dizer-se que não basta a mera alegação pela defesa de versão contrária ou contraditória com a da acusação, para que se tenha por verificada dúvida séria e insanável que impeça o tribunal de julgamento de julgar provada aquela mesma versão acusatória.

Apenas poderá ser tomada como séria a dúvida derivada de versão plausível dos factos minimamente fundada e sustentada, de tal modo que, mesmo sem atingir um grau prevalecente de probabilidade e ainda menos de prova ou quase prova, possa afirmar-se que só o afastamento dessa versão pela acusação ou o tribunal permite julgar provada a versão contrária ao arguido

É à luz destes parâmetros que o tribunal de recurso pode sindicar a invocação indevida de dúvida por parte do tribunal a quo, mas também a decisão desfavorável ao arguido numa situação em que, objetivamente, a prova produzida não permite ultrapassar a dúvida de forma racional e fundamentada.

2.2.5. No caso sub judice a versão apresentada pelo arguido não logrou criar dúvida no tribunal a quo pelas razões detalhadamente expostas na apreciação crítica da prova e que podemos sintetizar do seguinte modo:

- O arguido expôs aquela sua versão de forma que o tribunal a quo considerou não ser espontânea e sincera, sendo certo que apenas a apresentou na terceira sessão de julgamento, depois de ter mantido o silêncio nas duas anteriores;

- O arguido afirma ter dito ao outro condutor que ia ao café que ficava muito próximo do local do embate, mas aquele (testemunha MF) não o confirma;

- O arguido não sabia o nome do estabelecimento, nem tinha fatura das cervejas que diz ter consumido ali;

- O arguido afirma ter dito ao agentes policial que no local procedeu ao teste do balão, que ingerira aquelas três cervejas, mas o militar da GNR em causa - testemunha AM – não o confirma, afirmando não se lembrar se perguntou ao arguido há quanto havia bebido;

- Esta testemunha AM contou em audiência que o arguido não estava no seu estado normal, encontrando-se visivelmente embriagado, mal se aguentando de pé;

- Também a testemunha MF afirmou em audiência que logo no início pela forma como o arguido falava e pelo cheiro lhe pareceu que o mesmo estaria embriagado, andando também um bocadinho torto, tendo sido também essa a opinião da sua namorava que então seguia consigo no carro;

- O arguido tem 42 anos de idade, não revelou ser ingénuo e já foi mesmo condenado por condução em estado de embriaguez, pelo que é inverosímil, face às regras da experiência e normalidade da vida, que após se ter envolvido num acidente de viação em que foi chamada a polícia, o arguido tivesse decidido beber três cervejas seguidas sem pensar que iria submetido a teste de alcoolemia conforme afirmou.

2.2.6. Ora, tais razões não só fundamentam de forma cabal o afastamento da dúvida pelo tribunal a quo, como constituem razões de ordem objetiva, lógica e racional, pelas quais a dúvida suscitada com a versão meramente alegada pelo arguido não poderia reputar-se séria e razoável, pelo que ao julgar provado o facto ora impugnado com base nas provas positivas por si consideradas e as razões ora expostas, não pode afirmar-se, com o recorrente, que o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo por decidir contra o arguido apesar de se verificar dúvida séria e razoável, ou, sob outro ângulo de abordagem, que por este mesmo motivo teria violado a regra ou parâmetro de decisão – para além de toda a dúvida razoável -, inerente ao princípio da livre apreciação da prova.

Assim sendo, nada há a censurar à decisão do tribunal a quo que julgou provado o facto descrito no ponto 3. dos factos provados, pelo que improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, consequentemente, o presente recurso.

III. DISPOSITIVO

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida. – art.s 513º e 514º, do CPP

Évora, 13 de setembro de 2016

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

(António João Latas)

(Carlos Jorge Berguete)
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[1] “ Ao pedir-se ao juiz, para prova dos factos, uma convicção objectivável e motivável, está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja: quando possa objectivar e motivar uma dúvida. Espera-se deste modo que a decisão convença. Convença o juiz no seu íntimo, mas contenha em si igualmente a virtualidade de convencer o arguido e, nele, a inteira comunidade jurídica.” Para tanto, importa menos “… a irrepetível singularidade do juiz da causa – não importa tanto saber se aquela concreta pessoa teve ou não dúvida sobre o facto – do que a ciência e discernimento que deve possuir em comum com qualquer outro julgador e o há-de levar, portanto, a uma avaliação da prova admissível por todos (ao menos no seu conteúdo essencial). Um juiz médio (neste sentido) ter-se-ia convencido da veracidade daquele testemunho, da autenticidade daquele documento, da espontaneidade daquela confissão? Ou, pelo contrário, não poderia deixar de duvidar, com razoabilidade, da ocorrência de determinado facto perante a prova produzida?

O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no “in dubio pro reo” o seu limite normativo, ao mesmo tempo que transmite o carácter objectivo à dúvida que acciona este último.

Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva.” – Cfr Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e « In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora-21997, pp. 51-53

[2] Do sumário deste acórdão, acessível em www.stj.pt, pode ler-se:

«II - O vício de violação do princípio in dubio pro reo, enquanto expressão da dúvida, de aplicabilidade em sede de matéria de facto - como é jurisprudência dominante -, liga-se à presunção de inocência, não estando completamente afastada a sua sindicância por este STJ quando se trata de aplicar o direito à matéria de facto, em caso de violação desse princípio estruturante do Estado de Direito ou sempre que, para estabelecimento da coerência interna com o decidido, se trate de, para exarar uma boa decisão de direito, declarar qualquer dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

III - Desta forma o STJ exerce controlo sobre a violação do princípio in dubio pro reo, enquanto limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, sempre que detecte que, na margem da dúvida, o tribunal decidiu in pejus contra o arguido, ou quando, não reconhecendo o estado de dúvida, ele resulta do texto da decisão recorrida por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, só não sendo declarada por força de erro notório na apreciação da prova.»

[3] Direito Processual Penal, Lições do Prof F. Dias coligidas por Maria João Antunes, 1988-9 (fascículos em vias de publicação), p. 141.

[4] Vd com mais desenvolvimentos o Ac TRE de 30.01.2007, deste mesmo relator, acessível em www.dgsi.pt, onde concluímos que a melhor compreensão da questão é a que vê no princípio in dubio pro reo a afirmação mais ampla - imposta pelos princípios da culpa e da presunção de inocência - de que o tribunal não pode julgar provados factos desfavoráveis ao arguido sempre que a prova produzida não o permita com certeza idêntica à que resulta da regra, para além de toda a dúvida razoável, mesmo que o tribunal de julgamento não se tenha confrontado, subjetivamente, com dúvida séria e insanável.