Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2692/17.2T9FAR.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: ENDEREÇO ELETRÓNICO
LAPSO NA INSERÇÃO DO DESTINATÁRIO
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - O Ilustre mandatário do arguido/recorrente incorreu em lapso na inserção do destinatário de correio eletrónico no requerimento para abertura da instrução que enviou.

- Tal lapso, e não tendo o requerimento para abertura da instrução sido entregue por qualquer outra via (nomeadamente em suporte de papel), teve como consequência que esse requerimento não fosse entregue nos competentes Serviços do Ministério Público dentro do prazo legalmente definido para o arguido requerer a abertura da instrução.

- A falta da realização da instrução deveu-se ao aludido lapso, lapso esse da inteira responsabilidade do Ilustre mandatário do arguido/recorrente.

Posto tudo o que precede, é de concluir que não se verifica a existência de qualquer nulidade, designadamente a nulidade prevista no artigo 119º, al. d), do C. P. Penal.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 2692/17.2T9FAR, do Juízo Local Criminal de Loulé (Juiz 2), e por despacho judicial datado de 16 de novembro de 2020, foi indeferido um requerimento apresentado pelo arguido CACV, requerimento que invocava a nulidade (prevista no artigo 119º, al. d), do C. P. Penal) do despacho que recebeu a acusação e designou as datas para a audiência de discussão e julgamento, nulidade essa baseada na circunstância de tal despacho ter sido prolatado sem admissão nos autos do requerimento para abertura da instrução apresentado por esse mesmo arguido.

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O arguido CACV apresentou recurso desse despacho, terminando a respetiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. Em 14 de setembro de 2020, foram o Arguido e o seu Mandatário notificados do douto despacho de acusação (referência 117582269).

2. Em 08 de outubro de 2020, o Arguido, através do seu Mandatário, requereu a abertura de instrução. O referido requerimento foi apresentado para o endereço de correio eletrónico loule.ministeriopublico@tribunais.org.pt - conforme consta do requerimento com a referência CITIUS …..

3. Em 08 de novembro de 2020, foram o Arguido e o seu Mandatário notificados do douto despacho que designou a data da audiência de julgamento (referência …).

4. Face a esta situação, em 13 de novembro de 2020, o Arguido apresentou o requerimento com a referência CITIUS …, no âmbito do qual requereu a nulidade prevista no 119º, al. d), do Código do Processo Penal, com fundamento na preterição da fase de instrução requerida pelo Arguido.

5. Em 18 de novembro de 2020, o Arguido e o seu Mandatário foram notificados do douto despacho que indeferiu o requerimento de 13 de novembro de 2020 (referência …).

6. Do referido despacho resulta que o Mandatário do Arguido endereçou o requerimento de abertura de instrução para o endereço de correio eletrónico loule.ministeriopublico@tribunaisorg.pt, ao invés de enviar para loule.ministeriopublico@tribunais.org.pt.

7. Sucede que, tal não corresponde à verdade. Com efeito, e conforme resulta do Documento nº 1 junto com o requerimento com a referência CITIUS …, o Mandatário dirigiu o seu requerimento de abertura de instrução para o endereço eletrónico loule.ministeriopublico@tribunais.org.pt

8. Ao proceder à marcação da audiência de julgamento, o douto Tribunal “a quo” preteriu a fase de instrução requerida pelo Recorrente.

9. Em face do exposto, deverá a nulidade da al. d) do art.º 119º do Código do Processo Penal ser considerada procedente e, em consequência, serem os presentes autos remetidos para a fase de instrução.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido e, consequentemente, ser considerada procedente a nulidade prevista no art.º 119º, al. d), do CPP, e serem os presentes autos remetidos para a fase de instrução, fazendo-se, assim, a acostumada Justiça”.

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O Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, entendendo que deve manter-se o despacho recorrido, improcedendo o recurso.

O arguido MJG apresentou também resposta ao recurso, entendendo que o mesmo não merece provimento.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se também no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

No presente caso a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, consiste em saber se devia (ou não) ter sido deferida a nulidade resultante da não ponderação do requerimento para abertura da instrução “apresentado” pelo ora recorrente.

2 - A decisão recorrida.

O despacho revidendo é do seguinte teor:

“Vem o arguido CACM invocar a nulidade do agendamento da audiência de julgamento, nos termos do disposto no artigo 119º, alínea d), do Código de Processo Penal.

Alega, para o efeito, que tendo sido notificado da acusação deduzida nos presentes autos a 14.09.2020, a 08.10.2020, através do seu Mandatário, apresentou requerimento de abertura de instrução requerendo a suspensão provisória do processo, ao abrigo do disposto nos artigos 307º, nº 2, e 281º, do Código de Processo Penal.

Pede que seja declarada a nulidade prevista no artigo 119º, al. d), do Código de Processo Penal, e, consequentemente, sejam os presentes autos remetidos para a fase de instrução.

Junta em anexo o requerimento de abertura de instrução que alega ter sido remetido aos autos.

Cumpre decidir.

Alega o arguido ter remetido aos autos, a 08.10.2020, requerimento de abertura de instrução, através do seu Mandatário, requerimento esse que não foi tido em consideração, apesar de tempestivo, tendo os autos seguido os legais trâmites e tendo sido designada data para realização de audiência de discussão e julgamento.

Compulsado o requerimento apresentado pelo arguido, nomeadamente o documento 1 identificado como “Processo n.º 2692/17.2T9FAR – DIAP – 1.ª Secção de Loulé / Abertura de Instrução/ R.01.81”, verifica-se que do campo do destinatário consta o seguinte endereço de correio eletrónico loule.minsteriopublico@tribunaisorg.pt.

Ora, o endereço eletrónico do DIAP 1.ª Secção de Loulé é loule.ministeriopublico@tribunais.org.pt.

Verifica-se, assim, que no requerimento de 08.10.2020, o Ilustre Mandatário incorreu em lapso na inserção do destinatário do endereço eletrónico.

Numa situação muito semelhante à dos presentes autos, decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte, por Acórdão datado de 23.11.2018, no âmbito do processo nº 00282/18.1BEVIS, disponível em www.dgsi.pt que: “I - O lapso cometido pelo ilustre mandatário duma parte, dirigindo requerimento de interposição de recurso para endereço eletrónico inexistente, não configura situação de justo impedimento, por se dever a culpa do próprio mandatário. II - E também não é redutível à figura de erro notório de escrita, reparável nos termos do artigo 249º do Código Civil, pois não se trata de mero erro de escrita ocorrido em expressão inserida num texto, cujo contexto jus-semântico permitisse ou impusesse a sua retificação, mas antes perante uma situação de digitação de endereço eletrónico de destinatário diverso do eventualmente pretendido, em termos equivalentes ao que se passa com a remessa de uma carta registada para um outro endereço que não o desejado. III – No âmbito das comunicações eletrónicas e por referência a um determinado endereço eletrónico, a omissão, o acrescentamento, ou a troca, etc., de uma letra, um ponto, um espaço, etc., assumem uma relevância extrema - atenta a identificação por simples caracteres -, conduzindo a um endereço incorreto, e, consequentemente, à não entrega da correspondência eletrónica ao destinatário pretendido. Ou seja, o lapso não se caracteriza como erro de declaração, mas sim, por imprevidência, falta de cuidado e de diligência na tarefa de expedição de correio eletrónico, numa verdadeira remessa de correspondência para destinatário diverso do pretendido”.

No mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo nº 2656/06-3, datado de 11.01.2007, disponível em www.dgsi.pt, onde se decidiu que: “o lapso cometido pelo ilustre mandatário duma parte, dirigindo requerimento de interposição de recurso para endereço inexistente, embora muito semelhante ao do Tribunal a quem pretendia dirigi-lo, não configura situação de justo impedimento, por se dever a culpa do próprio mandatário. II - E também não é redutível à figura de erro notório de escrita, reparável nos termos do artigo 249º do Código Civil, pois não estamos perante qualquer declaração constante de peça processual ou documento que a acompanhe, mas antes perante uma situação de endereço de destinatário diverso do pretendido por alegado erro no endereço da missiva, em termos equivalentes ao que se passa com a remessa de uma carta registada para um outro endereço errado. III - A omissão ou o acrescentamento de uma letra, um ponto, ou mesmo um espaço, no âmbito das comunicações via Internet, assume uma relevância extrema (atenta a identificação por simples caracteres) podendo conduzir a que a correspondência eletrónica dirigida a determinado destinatário possa ser entregue a destinatário diferente. Ou seja, o lapso não se caracteriza num erro de declaração, mas sim, por imprevidência, falta de cuidado e de diligência na tarefa de expedição de correio eletrónico, numa verdadeira remessa de correspondência para destinatário e local diverso do pretendido”.

Transpondo o entendimento vertido nos Doutos Acórdãos supra transcritos para o caso dos autos, verificamos que o lapso em que incorreu o Ilustre Mandatário na inserção do destinatário de correio eletrónico do requerimento datado de 08.10.2020, teve como consequência que o mesmo não fosse entregue nos Serviços do DIAP dentro do prazo definido para o arguido requerer a abertura de instrução.

Compulsados, quer o processo eletrónico, quer o processo físico, verifica-se que tal requerimento não deu entrada nos autos por qualquer outra via.

Tal equivale a considerar que estamos perante a omissão da prática, por qualquer das formas legalmente admissíveis, do referido requerimento de abertura de instrução dentro do prazo estipulado para o efeito.

Face a tudo o exposto, não assiste razão ao arguido CACM, não se verificando a nulidade prevista na alínea d) do artigo 119º do Código de Processo Penal.

Notifique”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

Alega-se na motivação do recurso, em breve síntese, e de mais relevante, que, ao contrário do invocado no despacho revidendo (onde se escreve que “o Mandatário do Arguido endereçou o requerimento de abertura de instrução para o endereço de correio eletrónico loule.ministeriopublico@tribunaisorg.pt, ao invés de enviar para loule.ministeriopublico@tribunais.org.pt”), o requerimento de abertura de instrução foi efetivamente enviado para o endereço eletrónico loule.ministeriopublico@tribunais.org.pt.

Cumpre decidir.

Compulsados os autos verifica-se que o recorrente remeteu o seu requerimento para abertura da instrução no dia 08-10-2020, às 14:55 horas, para o endereço eletrónico loule.minsteriopublico@tribunais.org.pt, e não, como se invoca na motivação do recurso (cfr. conclusões 6ª e 7ª extraídas da motivação do recurso), para o endereço loule.ministeriopublico@tribunais.org.pt (conforme resulta da análise do “Documento nº 1”, junto com o requerimento apresentado em 13-11-2020, sob a referência “Citius” … - requerimento em que o ora recorrente invoca a nulidade do agendamento da audiência de julgamento -).

Ou seja: no endereço para onde foi feita a remessa do requerimento para abertura da instrução, a palavra “ministério” continha a omissão de uma letra (escreveu-se “minsterio”, em vez de “ministerio”).

Assim, o requerimento para abertura da instrução foi enviado para um endereço eletrónico que não existe (porquanto nele está omitida uma letra).

Essa circunstância, como acontece nas comunicações por via eletrónica, terá motivado a recusa desse envio, e a notificação, pelo servidor, feita ao remetente, desse facto, informando o mesmo da falta de realização da pretendida comunicação (isto é, da falta de entrega do requerimento para abertura da instrução).

Ora, perante isso, o remetente nada fez, emendando a situação, ou seja, corrigindo o endereço eletrónico e repetindo o “envio” do requerimento para abertura da instrução.

Em consequência, o requerimento para a abertura da instrução em causa nunca chegou ao processo (quer ao processo digital, quer ao processo físico)

Face ao que vem de dizer-se, verifica-se:

- Estamos perante um lapso cometido pelo Ilustre mandatário do ora recorrente;

- O recorrente não invoca, em qualquer momento do processo, a existência de qualquer erro, que pudesse (eventualmente) ser sanado a posteriori, ou de uma eventual situação de “justo impedimento”, insistindo, sempre (como a faz na motivação do presente recurso), que enviou o requerimento para abertura da instrução para o endereço eletrónico correto (o que, como acima dissemos, não corresponde à realidade).

Ora, a nosso ver, não pode deixar de responsabilizar-se (do ponto de vista processual) o Ilustre mandatário do recorrente pela omissão acima detetada (omissão resultante, numa primeira fase, de manifesto lapso, mas que, numa segunda fase, só pode ter ficado a dever-se a conduta descuidada e negligente do Ilustre mandatário em questão).

Assim, o evento em causa (o envio do requerimento de abertura da instrução para um endereço eletrónico errado) é imputável ao sujeito processual, que não procedeu com a diligência normal (a diligência que lhe era exigível).

Com efeito, e conforme bem se assinala no Ac. deste T.R.E. datado de 11-01-2007 (sendo relator Mata Ribeiro - disponível in www.dgsi.pt -), “a Marca do Dia Eletrónica (MDDE) comprova ao emissor que a mensagem foi enviada na data e na hora indicada no respetivo relatório e garante a integridade do conteúdo da mensagem. Todavia, ela não comprova já que a mesma tenha sido entregue ao destinatário. A MDDE garante apenas ao destinatário, caso a mensagem seja recebida por este, a integridade do conteúdo da mensagem e dos ficheiros anexos (cfr. artigos 6º do D.L. nº 290-D/99, de 02 de agosto, e 2º e 3º da Portaria nº 642/2004). Impõe-se ao expedidor do correio eletrónico que verifique os elementos gráficos do endereço do correio eletrónico do destinatário para o qual pretende remeter correio. E, sabido, como é de conhecimento geral, que a simples introdução ou falta de um elemento gráfico inviabiliza a transmissão do correio até ao destinatário eletrónico pretendido, impõe-se ao expedidor que faça essa verificação com cuidado”.

Mais: o ora recorrente limita-se, na motivação do recurso, a alegar que enviou o requerimento para abertura da instrução para o endereço eletrónico correto (o que, como vimos, não corresponde à realidade), não invocando sequer a eventual circunstância de o servidor não o ter notificado, como é usual, de qualquer devolução da mensagem enviada.

Em jeito de síntese:

- O Ilustre mandatário do arguido/recorrente incorreu em lapso na inserção do destinatário de correio eletrónico no requerimento para abertura da instrução que enviou em 08-10-2020 (às 14:55 horas).

- Tal lapso, e não tendo o requerimento para abertura da instrução sido entregue por qualquer outra via (nomeadamente em suporte de papel), teve como consequência que esse requerimento não fosse entregue nos competentes Serviços do Ministério Público dentro do prazo legalmente definido para o arguido requerer a abertura da instrução.

- A falta da realização da instrução deveu-se ao aludido lapso, lapso esse da inteira responsabilidade do Ilustre mandatário do arguido/recorrente.

Posto tudo o que precede, é de concluir que não assiste razão ao recorrente, não se verificando a existência de qualquer nulidade, designadamente a nulidade prevista no artigo 119º, al. d), do C. P. Penal.

Em conformidade, é de manter a decisão revidenda, improcedendo o recurso.

III - DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora decidem negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 22 de junho de 2021

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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Edgar Gouveia Valente)