Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3239/12.2TBSTB.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
JUROS MORATÓRIOS
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. O trânsito em julgado da sentença que fixa a indemnização não preclude o direito de os expropriados reclamarem os juros moratórios pelos atrasos ocorridos na fase administrativa da expropriação.
2. Esses juros podem ser pedidos na impugnação da liquidação efectuado pela entidade expropriante, não ficando a coberto do caso julgado daquela sentença, quando não tiverem sido objecto de apreciação.
3.. A inobservância dos prazos legalmente previstos para a fase administrativa, desde a declaração de utilidade pública até à remessa dos autos de expropriação litigiosa a tribunal constitui a entidade expropriante em mora, sempre que os atrasos lhe sejam imputáveis.
4. Nessa fase, os atrasos só deixam de ser imputáveis à entidade expropriante se ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, isto é, se demonstrar que agiu sem culpa, alegando e provando factos concretos de onde se possa concluir que, apesar de agir com toda a diligência, os atrasos se tornaram inevitáveis.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I – RELATÓRIO:

No presente processo de expropriação, tramitado ao abrigo do Código das Expropriações (CE) de 1999 (aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro), em que é expropriante «BRISA – Concessão Rodoviária, SA» (que sucedeu, quanto à posição de concessionária no Contrato de Concessão celebrado com o Estado, a «BRISA – Auto-Estradas de Portugal, SA») e é expropriada «AA, Lda.» (anteriormente designada «AA, Lda.»), e no âmbito do recurso da decisão arbitral proferida em sede de processo de expropriação litigiosa, a decorrer no tribunal de 1ª instância, respeitante a uma parcela de terreno pertencente a esta última (a destacar de prédio urbano, denominado «Quinta …», e sito em Quinta … - Palmela), e que foi objecto de declaração de utilidade pública de expropriação, com vista à construção do empreendimento «A2 – Auto-Estrada Sul – Sublanço Coina/Palmela/Nó de Setúbal (Nó A2/A12) – Alargamento e Beneficiação para 2X3 Vias», vem a expropriante interpor recurso da decisão do tribunal de 1ª instância sobre o recurso da decisão arbitral proferida em sede de processo de expropriação litigiosa.

A decisão arbitral proferida nos autos, ao abrigo do artº 49º do Código das Expropriações de 1999, fixou a indemnização a atribuir à expropriada em 123.945,00 € (v. acórdão arbitral de fls. 104). Nessa decisão, tomada por maioria, a parcela foi equiparada a «solo apto para construção», mas situado em zona non-aedificandi, que restringe a implantação de edificação, o que determinou o valor obtido. O árbitro vencido considerou a parcela inserida em «Espaço Industrial», com uma restrição non-aedificandi, mas que, pelo seu potencial edificatório, entendeu dever ser avaliada em 225.702,39 €.

Por não se conformar com a decisão dos árbitros, a expropriada interpôs recurso dela para o tribunal da comarca da situação do bem expropriado (cfr. fls. 222-236). Sustentou que a expropriante estava obrigada ao depósito prévio no valor da sua proposta (112.963,20 €), até 90 dias após a investidura da posse administrativa, o que não fez, pelo que, tendo a declaração de utilidade pública sido publicada em 7/3/2008, constituiu-se a expropriante em mora a partir de 21/7/2008, a qual apenas cessou com o depósito do valor da arbitragem, em 4/5/2012 (ou seja, num período de 1383 dias), sendo devidos juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, o que perfaz 17.120,19 €. Mais sustentou que houve atraso da expropriante na promoção da arbitragem, por um período de 1148 dias, a que acresceu o atraso na remessa do processo expropriativo para Tribunal, por um período de 48 dias, e o atraso na realização do depósito do valor da arbitragem, por um período de 34 dias, sendo devidos mais juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, o que perfaz 461,82 €. Finalmente, discordou do valor de expropriação atribuído à parcela expropriada e requereu a atribuição de novo valor, que fixou em 251.000,00 €.

Na resposta, a expropriante opôs-se à pretensão recursória da expropriada e concluiu pelo acerto da avaliação maioritária efectuada pelos peritos, sustentando a manutenção do valor de 123.945,00 € daí resultante.

Efectuada a avaliação obrigatória, prevista nos artos 61º e 62º do Código das Expropriações de 1999, concluíram os peritos por unanimidade em fixar o valor da justa indemnização devida pela expropriação em causa no montante de 182.193,65 €.

Depois de várias vicissitudes processuais, e realizado o julgamento, pronunciou-se o tribunal sobre o aludido recurso, proferindo sentença (a fls. 433-443), que julgou parcialmente procedente o recurso, quanto à pretensão de condenação em indemnizações por atrasos, e improcedente na parte restante (referente ao valor da justa indemnização), condenando a expropriante nos seguintes termos: a) a pagar à expropriada a quantia de 182.193,65 €, a título de indemnização pela expropriação da parcela em causa; b) na actualização da indemnização nos termos do artº 24º do CE, a ser efectuada pela expropriante no âmbito das operações previstas no artº 71º do CE, com exclusão da quantia já depositada por aquela; c) a pagar à expropriada a quantia de 17.120,19 €, correspondente aos juros de mora de 1383 dias, calculados à taxa legal de 4% sobre a quantia de 112.963,20 €; d) a pagar à expropriada a quantia correspondente aos juros de mora por 1196 dias de atraso (1148+48 dias), calculados à taxa legal de 4% sobre a quantia indemnizatória fixada em 182.193,65 €; e) a pagar à expropriada a quantia de 461,82 €, correspondente aos juros de mora por 34 dias de atraso, calculados à taxa legal de 4% sobre a quantia indemnizatória depositada nos autos, no valor de 123.945,00 €.

Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: concorda-se com os critérios indicados pelos peritos, com unanimidade, pelo que o valor da indemnização deve ser fixado em 182.193,65 €; esse valor será actualizado à data da decisão final, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, nos termos do artº 24º do CE, e será efectuada pela expropriante no âmbito das operações previstas no artº 71º do CE, excluindo-se da actualização a quantia já depositada por aquela; sendo a expropriação urgente, como aqui sucede, a quantia a depositar, atento o disposto nos artos 10º, nº 4, e 20º, nos 6 e 7, do CE, teria de o ser em 10 dias a contar da data da investidura administrativa na posse dos bens, sob pena de serem devidos juros de mora ao expropriado, calculados sobre o montante do depósito, o que não se verificou, já que esse depósito foi feito com atraso de 1383 dias (ocorreu em 4/5/2012 e deveria ter ocorrido em 21/7/2008); conforme o disposto no artº 70º do CE, o expropriado tem direito a ser indemnizado por atrasos imputáveis ao expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso; ocorreram outros atrasos procedimentais (atraso na promoção da arbitragem, que ocorreu em 26/10/2011 e deveria ter ocorrido em 3/9/2008 – 1148 dias; atraso na remessa do processo expropriativo para Tribunal, que ocorreu em 18/5/2012 e deveria ter ocorrido em 31/3/2012 – 48 dias; atraso na realização do depósito do valor da arbitragem, que ocorreu em 4/5/2012 e deveria ter ocorrido em 30/3/2012 – 34 dias) que a expropriada imputou à expropriante, sem que esta tenha impugnado essa imputação ou apresentado justificação para esses atrasos; há uma presunção legal de que há sempre danos causados pela mora, que incumbe à expropriante ilidir, como se tem entendido na doutrina e na jurisprudência (cfr. Salvador da Costa e Ac. STJ de 27/1/2005, Proc. 04B4461), pelo que tinha a expropriante o ónus de provar que os atrasos não lhe eram imputáveis, o que não logrou alcançar; deve assim proceder a pretensão da expropriada de condenação da expropriante no pagamento de juros moratórios nos termos peticionados; as custas foram fixadas na proporção de ¼ para a expropriante e de ¾ para a expropriada, por esta ter decaído no pedido mais substancial, relativo à fixação da justa indemnização.

Dessa sentença foi interposto recurso de apelação pela expropriante (apenas quanto à procedência dos pedidos de condenação no pagamento de juros moratórios a que se referem as als. c) e d) do dispositivo da decisão recorrida), cujas alegações culminam nas seguintes conclusões:

«I. Contrariamente ao decidido na douta sentença, entrado o processo expropriativo na fase litigiosa, o expropriado terá direito a ser indemnizado pelo atraso da expropriante na realização de qualquer depósito que nessa fase tenha lugar;

II. De facto, os juros de mora correspondentes a 1383 dias, no valor total de € 17.120,19, à taxa legal de 4 %, a que a Expropriante foi condenada a pagar, respeitam ao lapso de tempo decorrido entre o depósito do valor da sua proposta (€ 112.963,20) após a investidura da posse administrativa, não são devidos porque respeitam à fase administrativa do processo de expropriação, à qual não é aplicável o estatuído no artigo 70° do CE;

III. Porquanto da não efetivação do depósito correspondente aos arts. 10°, n° 4, e 20°, n° 5, não resulta para a entidade expropriante qualquer consequência, atendendo a que se está numa fase administrativa e a lei, o art. 70°, apenas comina a mora no processo litigioso, em relação aos depósitos efetuados nesta fase processual;

IV. Quanto aos alegados juros de mora pelo atraso na promoção da arbitragem, após a publicação da DUP (1148 dias), a única consequência prevista no Código das Expropriações pelo atraso na promoção da arbitragem, após a publicação da DUP, é a caducidade da DUP, e não o pagamento de quaisquer juros moratórios – cfr. número 3 do artigo 13° do CE;

V. Acresce ainda que o Código das Expropriações é uma lei especial que afasta a aplicação da lei geral, pelo que a não contestação, ao contrário do que acontece no Processo Civil, não implica a confissão de quaisquer factos ou argumentos da expropriada;

VI. Pecando, também, quanto a este aspeto a douta Sentença;

VII. Estando provado e sobejamente demonstrado que a condenação da Expropriada nos juros de mora constantes da alíneas c) e d) da decisão não são devidos e carecem de fundamento legal.»


A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das alegações da expropriante apelante resulta que a matéria a decidir se resume a apreciar do acerto da decisão recorrida, quanto à parte impugnada da mesma, que se refere à condenação da expropriante no pagamento à expropriada de juros moratórios concernentes a atrasos no depósito prévio do valor da arbitragem [al. c) do dispositivo: de 1383 dias, no valor de 112.963,20 €] e na promoção da arbitragem e na remessa do processo expropriativo para Tribunal [al. d) do dispositivo: de 1196 dias (1148+48 dias, respectivamente), a liquidar, à taxa legal de 4%, com base no valor da indemnização fixada em 182.193,65 €].

Cumpre apreciar e decidir.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO:

O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, que se passam a reproduzir:

«1. Por despacho de 21.11.2007 do senhor Vice-Presidente da “EP-Estradas de Portugal, EPE”, relativamente ao sublanço Coina/Palmela/Nó de Setúbal (Nó A2/A12), foram aprovadas as plantas parcelares S1B.A-E-202-13-01 a 09 e S1C.A-E-202-13-10 e respectivos mapas de áreas destinadas à construção deste sublanço.

2. Por despacho de 29.02.2008, publicado no DR, n.º 48, 2.ª Série, de 07.03.2008, o Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações declarou, com carácter de urgência, a utilidade pública da expropriação destas parcelas e autorizou a entidade administrativa a delas tomar posse administrativa.

3. Para efectivação dos trabalhos de construção do sublanço Coina/Palmela/Nó de Setúbal (Nó A2/A12) – alargamento e beneficiação para 2X3 vias tornou-se necessária a expropriação de uma parcela de terreno a destacar do prédio urbano, denominado “Quinta …”, situado na freguesia de Quinta …, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob a ficha n.º …/… e inscrito na matriz cadastral rústica sob o art. …, da referida freguesia: parcela 317/2 – terreno com a área total de 11.767 m2, que se compõe das seguintes subparcelas:

a. subparcela n.º 317/2, terreno com a área de 857 m2, a confrontar a Norte com o restante prédio, a Sul com Auto-estrada, Nascente com Vala e a Poente com estrada,

b. subparcela n.º 317/2.1, terreno com a área de 4424 m2, a confrontar a Norte com restante prédio, a Sul com Auto-estrada, Nascente com Vala e do Poente com a Vala, e a

c. subparcela n.º 317/2.2, terreno com a área de 6486 m2, a confrontar a Norte com restante prédio, a Sul com Auto-estrada, Nascente com restante prédio e do Poente a terminar em bico com Auto-estrada;

4. Em 07.07.2008, foi realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” da parcela, com o teor descrito a fls. 38 e ss., que aqui se dá por reproduzido.

5. Em 21.08.2008, a entidade expropriante tomou posse efectiva da parcela de terreno descrita supra.

6. O Acórdão Arbitral fixou, por maioria, o valor da indemnização pela expropriação da parcela de terreno referida em 3), ao proprietário, no montante de € 123.945,00 (cento e vinte e três mil novecentos e quarenta e cinco euros).

7. Em 04.05.2012, a entidade expropriante depositou à ordem dos autos a quantia de € 123.945,00 (cento e vinte e três mil novecentos e quarenta e cinco euros).

8. O prédio de onde se destacou a parcela, denominada “Quinta ….”, tinha a área total de 1.133.339,00 m2.

9. De acordo com o auto de vistoria de fls. 38 e acórdão arbitral, trata de “uma parcela composta por três subparcelas pertencentes ao logradouro do prédio urbano, com as seguintes características:

a. Subparcela 317/2, trata-se de um terreno de configuração irregular que se estende ao longo da auto-estrada, sensivelmente plano e com algum arvoredo e herbáceas de geração espontânea;

b. Subparcela 317/2.1, trata-se de uma parcela, irregular, comprida e estreita, situada ao longo da faixa lateral da auto-estrada;

c. Subparcela 317/2.1., trata-se de uma parcela de forma irregular, alongada, sensivelmente plana situada junto à faixa lateral da auto-estrada.

Segundo a VAPRM na parcela citada, o solo é de natureza arenoso, não tem vestígios de ter sido cultivado, ou de ter tido qualquer tipo de intervenção ultimamente.

(…) verificou-se a seguinte ocupação: nas três subparcelas arbustos, árvores e vegetação espontânea. A parcela possui os seguintes elementos arbóreos: um pinheiro com 45 cm, dois com 35 cm, um com 30 cm, quatro de 25 cm, quatro de 20 cm, dois de 15 cm e três oliveiras médias.”

10. Da parcela em análise, está classificada no PDM de Palmela em zona de “Espaços Industriais Existentes” e situa-se em zona “Non aedificandi”.

11. A parcela dispõe de infra-estruturas urbanísticas definidas no Código das Expropriações.

12. Por unanimidade, os peritos concluíram que os solos da parcela a expropriar devem ser equiparados a “solos aptos para construção”, sendo o seu cálculo determinado de acordo com o art. 26.º n.ºs 4, 5 e 6 do CE: € 350,00 X 11767 X 0,6 X 0,25 X 0,2 = € 123.550,00 + € 395,00 (árvores), o que perfaz a indemnização no valor de € 123.945,00.

13. Os peritos nomeados apresentaram relatório de avaliação a fls. 325 e ss., tendo considerado por unanimidade:

a. A classificação do PDM é de Espaço Canal, uma vez que a parcela a expropriar foi destinada à construção das terceiras vias, contíguas às vias existentes;

b. Pelo facto da parcela estar envolvida a Norte e Sul por espaços classificados no PDM como Espaços Industriais, Existentes e Previstos, integrando perímetro urbano industrial, acrescido de o prédio onde a parcela se insere estar classificado como urbano na matriz, determina que a parcela seja classificada como solo apto para construção, art. 26.º n.º 12 do CE;

c. O valor do solo será calculado de acordo com € 350,00/m2 X 0,14 X 0,35 X (1-0,10) = € 15,435/m2 X 11.767 m2 = € 181 623,65 + € 570,00 (árvores) = € 182 193,65;

d. Quanto à potencialidade edificativa, as sobrantes não ficarão afectadas, na medida em que a via se confina ao espaço canal que lhe estava destinado e as sobrantes têm dimensão bastante para que possa ser concretizada a sua capacidade edificativa, pelo que não é atribuído qualquer prejuízo à parte sobrante.

14. O prédio original após a expropriação mantém-se uno, sendo a dimensão da parcela, face à dimensão do prédio, na proporção inferior a 1%, não alterando o seu uso futuro.

15. A Câmara Municipal de Palmela informou que a parcela referida em 3) está abrangida por Espaços Industriais Existentes, mas de acordo com a Carta de Condicionantes do PDM, a mesma está abrangida pela rede de infra-estruturas relativas à Rede Rodoviária Nacional e, face à sua localização, em terreno adjacente à AE2, a mesma não tem capacidade de edificabilidade.

16. Posteriormente, a fls. 391, a mesma edilidade informou que “Sem prejuízo do afirmado no ponto antecedente, enquanto a parcela objecto da certidão não for desanexada do prédio originário, a área daquela deve ser contabilizada para determinação da área bruta de construção prevista (como Espaços Industriais Existentes) para o prédio no seu todo, restando, em todo o caso, aferir se a edificabilidade daí resultante não se encontra, face às pré-existências, já esgotada.”.

17. Nos diversos esclarecimentos prestados pelos peritos, não foi alterada qualquer conclusão da avaliação.»


B) DE DIREITO:

1. Como vimos, pretende a expropriante impugnar a sua condenação no pagamento à expropriada de juros moratórios constante das als. c) e d) do dispositivo da sentença recorrida: no primeiro caso, por atraso no depósito prévio do valor da arbitragem (exigido pelas disposições combinadas dos artos 10º, nº 4, e 20º, nos 1, al. b), 6 e 7, do CE, a efectuar no prazo de 10 dias a contar da data da investidura administrativa na posse dos bens); no segundo caso, por atrasos na promoção da arbitragem (em desconformidade com o disposto no artº 42º, nº 2, al. b), do CE, que concede um prazo máximo de 90 dias para o efeito) e na remessa do processo expropriativo para Tribunal (imposta pelo artº 51º, nº 1, do CE, que fixa para tanto um prazo de 30 dias).

Sustenta a expropriante, em sede de recurso, não serem devidos tais juros de mora, com argumentação que se resume ao seguinte: no primeiro caso, por esse depósito prévio dever ter lugar ainda em fase administrativa do processo de expropriação, ao qual não seria aplicável o artº 70º do CE, que prevê a aplicação de juros de mora em relação a depósitos a efectuar já na fase litigiosa do processo; e, no segundo caso, por aquele atraso na promoção da arbitragem apenas ser sancionado com a caducidade da declaração de utilidade pública, nos termos do artº 13º, nº 3, do CE, e não com aplicação de juros de mora. Note-se que nada se argumentou de específico em relação ao atraso na remessa do processo expropriativo para Tribunal, embora a expropriante tenha usado um argumento adicional, fundado na natureza de lei especial do CE, que impediria a aplicação nos processos de expropriação do regime de confissão ficta do processo civil geral (em contraponto à afirmação do tribunal a quo de que a expropriante não impugnou os factos alegados pela expropriada, não ilidindo a presunção de culpa pelos atrasos ocorridos) – argumento esse que parece pretender-se seja abrangente em relação a qualquer dos atrasos verificados.

Analisemos a argumentação em presença.

a) Quanto à questão do depósito prévio previsto no artº 20º, nº 1, al. b), do CE, tenha-se em atenção a normação associada a essa disposição legal, sendo certo que a actualmente em vigor foi introduzida pela Lei nº 56/2008, de 4/9. Por um lado, estabelece-se um regime especial para as expropriações urgentes (como é a dos presentes autos – cfr. ponto de facto nº 2 supra), que contempla a sua dispensa, mas sem prejuízo de esse depósito dever ser efectuado com um outro prazo (10 dias a contar da data da investidura administrativa na posse dos bens), conforme o disposto no artº 20º, nº 6, al. a), do CE. E, por outro lado, acrescenta-se que, nesses casos, a falta de depósito no prazo assim fixado importa o vencimento de juros moratórios a favor do expropriado, nos termos do artº 20º, nº 7, do CE.

No confronto destes preceitos com o artº 70º, nº 1, do CE (que prevê o pagamento de juros moratórios por «atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso»), verifica-se que o uso naquele da expressão «depósito no processo litigioso» afastaria, na sua literalidade, a aplicação desse preceito ao depósito prévio do valor da arbitragem previsto no artº 20º, nº 1, al. b), do CE, por este ter lugar ainda na fase administrativa (não litigiosa) do processo. E isso terá levado o legislador à introdução do actual artº 20º, nº 7, do CE, para assim esclarecer a dúvida suscitada pela letra do artº 70º, nº 1, do CE – e, desse modo, deixar expressa a intenção do legislador fazer aplicar juros moratórios ao atraso no referido depósito prévio e, de igual modo, pôr cobro à querela doutrinária e jurisprudencial que a versão originária do CE de 1999 gerara neste ponto particular.

Com efeito, antes da introdução do actual artº 20º, nº 7, do CE (pela Lei nº 56/2008) dividiam-se as opiniões sobre se eram ou não devidos juros moratórios por atraso no depósito do valor da arbitragem a efectuar na fase administrativa. A título de exemplo, refira-se: LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, perante a circunstância de «o artº 20º não fixa[r] as consequências da omissão ou do atraso na realização do depósito», defendia «ser de aplicar por analogia o que dispõe o nº 1 do artigo 70º para a fase litigiosa da expropriação» (Código das Expropriações Anotado, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 84); e, por todos, v. Ac. RP de 10/10/2013, em que se sustenta que, já na redacção originária do CE de 1999, «impunha-se, pois, a interpretação extensiva do referido nº 1 do artigo 70º, na redacção do qual o legislador não tinha atentado em que também na fase pré-litigiosa recaía sobre o expropriante a obrigação de depósito» e que «com a Lei nº 56/2008, pretendendo-se corrigir tal falha, acrescentou-se um nº 7 ao artigo 20º, prescrevendo que também aí o atraso no depósito tinha por consequência o pagamento ao expropriado de juros moratórios» (Proc. 10.033/06.8TBMTS.P1., in www.dgsi.pt; mas, em sentido contrário, também por todos, cfr. Ac. RP de 1/4/2014, Proc. 1073/07.0TBMAI.P1, idem).

Estando hoje resolvido o dissenso enunciado, com a solução inscrita no actual artº 20º, nº 7, do CE, tendemos a considerar que, para as situações de atraso anteriores (ou iniciadas anteriormente) à entrada em vigor desse preceito (no dia seguinte ao da publicação da Lei nº 56/2008, conforme seu artº 5º – ou seja, em 5/9/2008) deve valer igual solução, que seria já a mais conforme às regras gerais do Código Civil sobre mora do devedor e que garante coerência sistémica e tratamento de maior igualdade e justiça de situações idênticas, independentemente da sua ocorrência temporal – o que reforça a percepção de haver uma intenção legislativa de estabilização clarificadora de uma solução que havia sido imperfeitamente expressa. Ao dar a nossa concordância ao entendimento de que já na vigência da redacção originária do CE de 1999 se impunha a penalização, com juros moratórios, de atraso na realização do depósito prévio do valor da arbitragem na fase administrativa do processo (na linha da doutrina e jurisprudência citadas), somos levados a concluir que, no caso dos autos, serão devidos juros de mora pela expropriante à expropriada, não só desde 5/9/2008 (por aplicação directa e para futuro da norma do artº 20º, nº 7, do CE, introduzida pela Lei nº 56/2008, cuja vigência se iniciou nessa data), mas logo desde 21/7/2008, data em que se iniciou o concreto atraso no depósito do valor da arbitragem na fase administrativa do processo.

Com este enquadramento interpretativo, impõe-se, pois, a nossa adesão ao sentido da decisão recorrida no segmento em apreço (constante da al. c) do dispositivo da sentença), assim confirmando a condenação da expropriante apelante a pagar à expropriada a quantia de 17.120,19 €, correspondente a juros de mora por atraso no depósito do valor da arbitragem na fase administrativa do processo (de 1383 dias, entre 21/7/2008 e 4/5/2012), calculados à taxa legal de 4% sobre a quantia de 112.963,20 €.

b) Quanto às questões da promoção da arbitragem e da remessa do processo expropriativo para Tribunal, ao abrigo, respectivamente, dos artos 42º, nº 2, al. b), e 51º, nº 1, do CE, cremos merecerem ambas solução conjunta.

Trata-se, aqui, de fazer uma singela aplicação do artº 70º, nº 1, do CE, que, como vimos, rege quanto aos «atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo», sem fazer qualquer distinção entre fases administrativa e litigiosa do processo e sem que dele decorra qualquer necessidade de interpretação restritiva em função da fase do processo ou da existência de outras consequências processuais concomitantes (como poderia ser a invocada consequência prevista no artº 13º, nº 3, do CE).

O segmento normativo em causa é muito claro: contempla-se o direito do expropriado a juros moratórios desde que (e sempre que) ocorram atrasos na tramitação processual imputáveis ao expropriante, sem que haja qualquer restrição quanto à espécie de atrasos. E teve o legislador o cuidado de fazer reportar essa tramitação simultaneamente ao procedimento expropriativo e ao processo expropriativo – o que sugere ter-se pretendido não deixar dúvidas que aquela penalização através do vencimento de juros de mora vale tanto na fase administrativa do processo (a que se referirá a expressão «procedimento»), como na fase litigiosa do mesmo (para que se terá reservado a expressão «processo»).

Ao aplicar-se aquele artº 70º, nº 1, do CE independentemente da fase do processo a que respeite o atraso, forçoso é concluir que serão devidos juros moratórios sempre que ocorra tal atraso. Trata-se de entendimento recorrente na jurisprudência, de que constitui relevante exemplo o Ac. RP de 10/2/2016, que analisa precisamente situações de atrasos na promoção da arbitragem e na remessa do processo ao tribunal (como as aqui em apreço e com solução de procedência) e onde se afirma que «(…) a inserção sistemática do supra transcrito art.º 70.º faz concluir que o legislador pretendeu cominar com mora todos os atrasos da entidade expropriante no processo expropriativo, uma vez que esse normativo surge no Título V, intitulado “Do pagamento das indemnizações”» e que «a questão do direito aos juros moratórios, quer na fase administrativa, quer na judicial, parece-nos pacífica face ao disposto no n.º 1 do citado art.º 70.º» (Proc. 1103/10.9TBVNG.P1, idem).

Apenas exige esse artº 70º, nº 1, do CE que esses atrasos sejam imputáveis à entidade expropriante – e, neste ponto, é preponderante o entendimento de que se deve considerar haver uma presunção de culpa do expropriante, que só não funcionará em caso de ilisão de tal presunção. Com efeito, é recorrentemente invocada na jurisprudência a opinião de SALVADOR DA COSTA, para quem a indemnização por juros moratórios decorrente de omissões processuais «tem por presumido o dano (…), cabendo à entidade beneficiária da expropriação a prova de que o referido atraso não lhe é imputável» (Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores Anotados e Comentados, Almedina, Coimbra, 2010, p. 417). E são inúmeros os arestos que acolhem as premissas de que «à mora da entidade expropriante são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os artigos 804º, 805º e 806º do Código Civil» e de que o artº 70º, nº 1, do CE tem ínsita uma presunção de culpa da entidade expropriante, de que destacamos novamente o citado Ac. RP de 10/2/2016, onde se pode ler o seguinte: «Existindo esta presunção, o ónus da prova da culpa deixa de pertencer ao lesado, como seria segundo a regra geral (cfr. art.os 342.º, n.º 1 e 487.º, n.º 1, ambos do Código Civil), para recair sobre o lesante, ficando, assim, os expropriados dispensados dessa prova (art.º 350.º, n.º 1, do mesmo Código), assistindo ao expropriante a faculdade de, mediante prova em contrário, demonstrar que agiu sem culpa (n.º 2 deste último artigo)».

Afigura-se-nos plenamente sustentável a orientação que vimos de expor, que encontra forte arrimo na doutrina e jurisprudência indicadas – o que nos conduz, no caso dos autos, à conclusão de que são devidos juros moratórios pela expropriante, quer em relação ao atraso na promoção da arbitragem, quer em relação ao atraso na remessa do processo expropriativo para Tribunal, ao abrigo do artº 70º, nº 1, do CE. Atenta a mencionada presunção de culpa da expropriante, incumbiria a esta ilidir tal presunção, o que não logrou alcançar (nada alegou de relevante neste domínio, como reconheceu o tribunal a quo).

Neste ponto merece ainda uma breve referência a argumentação da apelante fundada numa suposta aplicação do regime processual geral de confissão ficta (aqui num sentido amplo ou impróprio, que incluiria a admissão por acordo, devido a falta de impugnação especificada). Certamente por força da expressão usada pelo tribunal a quo (quando afirmou que «a expropriante em momento algum impugnou estes factos alegados pela expropriada, pelo que também não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia»), interpretou a apelante que esse tribunal estaria a aplicar a regra do artº 574º, nº 2, do NCPC («Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (…)»). Porém, em bom rigor, não pretendeu o tribunal a quo convocar esse regime, mas antes aludir ao regime do ónus de prova, que faz recair sobre a parte onerada a necessidade de alegar em conformidade com aquela oneração – pelo que, ao não cumprir esse ónus (como sucedeu in casu), não poderia deixar de reverter contra a expropriante essa falta, e foi a mera constatação dessa não-ilisão que o tribunal a quo fez precipitar na sua mencionada afirmação. E, por aí, perde relevância a alegação da apelante fundada na natureza especial da legislação sobre expropriações.

Atentas todas as anteriores considerações, é inevitável a nossa adesão ao sentido da decisão recorrida no segmento em apreço (constante da al. d) do dispositivo da sentença), assim confirmando a condenação da expropriante apelante a pagar à expropriada quantia correspondente a juros de mora por atraso na promoção da arbitragem (de 1148 dias, entre 3/9/2008 e 26/10/2011) e por atraso na remessa do processo expropriativo para Tribunal (de 48 dias, entre 31/3/2012 e 18/5/2012), calculados à taxa legal de 4% sobre a quantia indemnizatória fixada em 182.193,65 €.

2. Acolhem-se, assim, os fundamentos da decisão recorrida (quanto à matéria impugnada no presente recurso) e não se vislumbra, pois, qualquer razão para alterar o que foi decidido na 1ª instância. E, como tal, deverá improceder integralmente a presente apelação.

Em suma: não merecem censura os juízos decisórios formulados na sentença recorrida e aqui sob impugnação, constantes da sentença recorrida (nas als. c) e d) do respectivo dispositivo), assim improcedendo integralmente o recurso em apreço.

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III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela apelante (artº 527º do NCPC).

Évora, 12/07/2016
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto)
Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)