Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO SERRANO | ||
Descritores: | EXPROPRIAÇÃO JUROS MORATÓRIOS | ||
Data do Acordão: | 07/12/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | 1. O trânsito em julgado da sentença que fixa a indemnização não preclude o direito de os expropriados reclamarem os juros moratórios pelos atrasos ocorridos na fase administrativa da expropriação. 2. Esses juros podem ser pedidos na impugnação da liquidação efectuado pela entidade expropriante, não ficando a coberto do caso julgado daquela sentença, quando não tiverem sido objecto de apreciação. 3.. A inobservância dos prazos legalmente previstos para a fase administrativa, desde a declaração de utilidade pública até à remessa dos autos de expropriação litigiosa a tribunal constitui a entidade expropriante em mora, sempre que os atrasos lhe sejam imputáveis. 4. Nessa fase, os atrasos só deixam de ser imputáveis à entidade expropriante se ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, isto é, se demonstrar que agiu sem culpa, alegando e provando factos concretos de onde se possa concluir que, apesar de agir com toda a diligência, os atrasos se tornaram inevitáveis. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO: No presente processo de expropriação, tramitado ao abrigo do Código das Expropriações (CE) de 1999 (aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro), em que é expropriante «BRISA – Concessão Rodoviária, SA» (que sucedeu, quanto à posição de concessionária no Contrato de Concessão celebrado com o Estado, a «BRISA – Auto-Estradas de Portugal, SA») e é expropriada «AA, Lda.» (anteriormente designada «AA, Lda.»), e no âmbito do recurso da decisão arbitral proferida em sede de processo de expropriação litigiosa, a decorrer no tribunal de 1ª instância, respeitante a uma parcela de terreno pertencente a esta última (a destacar de prédio urbano, denominado «Quinta …», e sito em Quinta … - Palmela), e que foi objecto de declaração de utilidade pública de expropriação, com vista à construção do empreendimento «A2 – Auto-Estrada Sul – Sublanço Coina/Palmela/Nó de Setúbal (Nó A2/A12) – Alargamento e Beneficiação para 2X3 Vias», vem a expropriante interpor recurso da decisão do tribunal de 1ª instância sobre o recurso da decisão arbitral proferida em sede de processo de expropriação litigiosa. A decisão arbitral proferida nos autos, ao abrigo do artº 49º do Código das Expropriações de 1999, fixou a indemnização a atribuir à expropriada em 123.945,00 € (v. acórdão arbitral de fls. 104). Nessa decisão, tomada por maioria, a parcela foi equiparada a «solo apto para construção», mas situado em zona non-aedificandi, que restringe a implantação de edificação, o que determinou o valor obtido. O árbitro vencido considerou a parcela inserida em «Espaço Industrial», com uma restrição non-aedificandi, mas que, pelo seu potencial edificatório, entendeu dever ser avaliada em 225.702,39 €. Por não se conformar com a decisão dos árbitros, a expropriada interpôs recurso dela para o tribunal da comarca da situação do bem expropriado (cfr. fls. 222-236). Sustentou que a expropriante estava obrigada ao depósito prévio no valor da sua proposta (112.963,20 €), até 90 dias após a investidura da posse administrativa, o que não fez, pelo que, tendo a declaração de utilidade pública sido publicada em 7/3/2008, constituiu-se a expropriante em mora a partir de 21/7/2008, a qual apenas cessou com o depósito do valor da arbitragem, em 4/5/2012 (ou seja, num período de 1383 dias), sendo devidos juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, o que perfaz 17.120,19 €. Mais sustentou que houve atraso da expropriante na promoção da arbitragem, por um período de 1148 dias, a que acresceu o atraso na remessa do processo expropriativo para Tribunal, por um período de 48 dias, e o atraso na realização do depósito do valor da arbitragem, por um período de 34 dias, sendo devidos mais juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, o que perfaz 461,82 €. Finalmente, discordou do valor de expropriação atribuído à parcela expropriada e requereu a atribuição de novo valor, que fixou em 251.000,00 €. Na resposta, a expropriante opôs-se à pretensão recursória da expropriada e concluiu pelo acerto da avaliação maioritária efectuada pelos peritos, sustentando a manutenção do valor de 123.945,00 € daí resultante. Efectuada a avaliação obrigatória, prevista nos artos 61º e 62º do Código das Expropriações de 1999, concluíram os peritos por unanimidade em fixar o valor da justa indemnização devida pela expropriação em causa no montante de 182.193,65 €. Depois de várias vicissitudes processuais, e realizado o julgamento, pronunciou-se o tribunal sobre o aludido recurso, proferindo sentença (a fls. 433-443), que julgou parcialmente procedente o recurso, quanto à pretensão de condenação em indemnizações por atrasos, e improcedente na parte restante (referente ao valor da justa indemnização), condenando a expropriante nos seguintes termos: a) a pagar à expropriada a quantia de 182.193,65 €, a título de indemnização pela expropriação da parcela em causa; b) na actualização da indemnização nos termos do artº 24º do CE, a ser efectuada pela expropriante no âmbito das operações previstas no artº 71º do CE, com exclusão da quantia já depositada por aquela; c) a pagar à expropriada a quantia de 17.120,19 €, correspondente aos juros de mora de 1383 dias, calculados à taxa legal de 4% sobre a quantia de 112.963,20 €; d) a pagar à expropriada a quantia correspondente aos juros de mora por 1196 dias de atraso (1148+48 dias), calculados à taxa legal de 4% sobre a quantia indemnizatória fixada em 182.193,65 €; e) a pagar à expropriada a quantia de 461,82 €, correspondente aos juros de mora por 34 dias de atraso, calculados à taxa legal de 4% sobre a quantia indemnizatória depositada nos autos, no valor de 123.945,00 €. Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: concorda-se com os critérios indicados pelos peritos, com unanimidade, pelo que o valor da indemnização deve ser fixado em 182.193,65 €; esse valor será actualizado à data da decisão final, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, nos termos do artº 24º do CE, e será efectuada pela expropriante no âmbito das operações previstas no artº 71º do CE, excluindo-se da actualização a quantia já depositada por aquela; sendo a expropriação urgente, como aqui sucede, a quantia a depositar, atento o disposto nos artos 10º, nº 4, e 20º, nos 6 e 7, do CE, teria de o ser em 10 dias a contar da data da investidura administrativa na posse dos bens, sob pena de serem devidos juros de mora ao expropriado, calculados sobre o montante do depósito, o que não se verificou, já que esse depósito foi feito com atraso de 1383 dias (ocorreu em 4/5/2012 e deveria ter ocorrido em 21/7/2008); conforme o disposto no artº 70º do CE, o expropriado tem direito a ser indemnizado por atrasos imputáveis ao expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso; ocorreram outros atrasos procedimentais (atraso na promoção da arbitragem, que ocorreu em 26/10/2011 e deveria ter ocorrido em 3/9/2008 – 1148 dias; atraso na remessa do processo expropriativo para Tribunal, que ocorreu em 18/5/2012 e deveria ter ocorrido em 31/3/2012 – 48 dias; atraso na realização do depósito do valor da arbitragem, que ocorreu em 4/5/2012 e deveria ter ocorrido em 30/3/2012 – 34 dias) que a expropriada imputou à expropriante, sem que esta tenha impugnado essa imputação ou apresentado justificação para esses atrasos; há uma presunção legal de que há sempre danos causados pela mora, que incumbe à expropriante ilidir, como se tem entendido na doutrina e na jurisprudência (cfr. Salvador da Costa e Ac. STJ de 27/1/2005, Proc. 04B4461), pelo que tinha a expropriante o ónus de provar que os atrasos não lhe eram imputáveis, o que não logrou alcançar; deve assim proceder a pretensão da expropriada de condenação da expropriante no pagamento de juros moratórios nos termos peticionados; as custas foram fixadas na proporção de ¼ para a expropriante e de ¾ para a expropriada, por esta ter decaído no pedido mais substancial, relativo à fixação da justa indemnização. Dessa sentença foi interposto recurso de apelação pela expropriante (apenas quanto à procedência dos pedidos de condenação no pagamento de juros moratórios a que se referem as als. c) e d) do dispositivo da decisão recorrida), cujas alegações culminam nas seguintes conclusões: «I. Contrariamente ao decidido na douta sentença, entrado o processo expropriativo na fase litigiosa, o expropriado terá direito a ser indemnizado pelo atraso da expropriante na realização de qualquer depósito que nessa fase tenha lugar; II. De facto, os juros de mora correspondentes a 1383 dias, no valor total de € 17.120,19, à taxa legal de 4 %, a que a Expropriante foi condenada a pagar, respeitam ao lapso de tempo decorrido entre o depósito do valor da sua proposta (€ 112.963,20) após a investidura da posse administrativa, não são devidos porque respeitam à fase administrativa do processo de expropriação, à qual não é aplicável o estatuído no artigo 70° do CE; III. Porquanto da não efetivação do depósito correspondente aos arts. 10°, n° 4, e 20°, n° 5, não resulta para a entidade expropriante qualquer consequência, atendendo a que se está numa fase administrativa e a lei, o art. 70°, apenas comina a mora no processo litigioso, em relação aos depósitos efetuados nesta fase processual; IV. Quanto aos alegados juros de mora pelo atraso na promoção da arbitragem, após a publicação da DUP (1148 dias), a única consequência prevista no Código das Expropriações pelo atraso na promoção da arbitragem, após a publicação da DUP, é a caducidade da DUP, e não o pagamento de quaisquer juros moratórios – cfr. número 3 do artigo 13° do CE; V. Acresce ainda que o Código das Expropriações é uma lei especial que afasta a aplicação da lei geral, pelo que a não contestação, ao contrário do que acontece no Processo Civil, não implica a confissão de quaisquer factos ou argumentos da expropriada; VI. Pecando, também, quanto a este aspeto a douta Sentença; VII. Estando provado e sobejamente demonstrado que a condenação da Expropriada nos juros de mora constantes da alíneas c) e d) da decisão não são devidos e carecem de fundamento legal.»
* II – FUNDAMENTAÇÃO: O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, que se passam a reproduzir: «1. Por despacho de 21.11.2007 do senhor Vice-Presidente da “EP-Estradas de Portugal, EPE”, relativamente ao sublanço Coina/Palmela/Nó de Setúbal (Nó A2/A12), foram aprovadas as plantas parcelares S1B.A-E-202-13-01 a 09 e S1C.A-E-202-13-10 e respectivos mapas de áreas destinadas à construção deste sublanço. 2. Por despacho de 29.02.2008, publicado no DR, n.º 48, 2.ª Série, de 07.03.2008, o Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações declarou, com carácter de urgência, a utilidade pública da expropriação destas parcelas e autorizou a entidade administrativa a delas tomar posse administrativa. 3. Para efectivação dos trabalhos de construção do sublanço Coina/Palmela/Nó de Setúbal (Nó A2/A12) – alargamento e beneficiação para 2X3 vias tornou-se necessária a expropriação de uma parcela de terreno a destacar do prédio urbano, denominado “Quinta …”, situado na freguesia de Quinta …, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob a ficha n.º …/… e inscrito na matriz cadastral rústica sob o art. …, da referida freguesia: parcela 317/2 – terreno com a área total de 11.767 m2, que se compõe das seguintes subparcelas: a. subparcela n.º 317/2, terreno com a área de 857 m2, a confrontar a Norte com o restante prédio, a Sul com Auto-estrada, Nascente com Vala e a Poente com estrada, b. subparcela n.º 317/2.1, terreno com a área de 4424 m2, a confrontar a Norte com restante prédio, a Sul com Auto-estrada, Nascente com Vala e do Poente com a Vala, e a c. subparcela n.º 317/2.2, terreno com a área de 6486 m2, a confrontar a Norte com restante prédio, a Sul com Auto-estrada, Nascente com restante prédio e do Poente a terminar em bico com Auto-estrada; 4. Em 07.07.2008, foi realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” da parcela, com o teor descrito a fls. 38 e ss., que aqui se dá por reproduzido. 5. Em 21.08.2008, a entidade expropriante tomou posse efectiva da parcela de terreno descrita supra. 6. O Acórdão Arbitral fixou, por maioria, o valor da indemnização pela expropriação da parcela de terreno referida em 3), ao proprietário, no montante de € 123.945,00 (cento e vinte e três mil novecentos e quarenta e cinco euros). 7. Em 04.05.2012, a entidade expropriante depositou à ordem dos autos a quantia de € 123.945,00 (cento e vinte e três mil novecentos e quarenta e cinco euros). 8. O prédio de onde se destacou a parcela, denominada “Quinta ….”, tinha a área total de 1.133.339,00 m2. 9. De acordo com o auto de vistoria de fls. 38 e acórdão arbitral, trata de “uma parcela composta por três subparcelas pertencentes ao logradouro do prédio urbano, com as seguintes características: a. Subparcela 317/2, trata-se de um terreno de configuração irregular que se estende ao longo da auto-estrada, sensivelmente plano e com algum arvoredo e herbáceas de geração espontânea; b. Subparcela 317/2.1, trata-se de uma parcela, irregular, comprida e estreita, situada ao longo da faixa lateral da auto-estrada; c. Subparcela 317/2.1., trata-se de uma parcela de forma irregular, alongada, sensivelmente plana situada junto à faixa lateral da auto-estrada. Segundo a VAPRM na parcela citada, o solo é de natureza arenoso, não tem vestígios de ter sido cultivado, ou de ter tido qualquer tipo de intervenção ultimamente. (…) verificou-se a seguinte ocupação: nas três subparcelas arbustos, árvores e vegetação espontânea. A parcela possui os seguintes elementos arbóreos: um pinheiro com 45 cm, dois com 35 cm, um com 30 cm, quatro de 25 cm, quatro de 20 cm, dois de 15 cm e três oliveiras médias.” 10. Da parcela em análise, está classificada no PDM de Palmela em zona de “Espaços Industriais Existentes” e situa-se em zona “Non aedificandi”. 11. A parcela dispõe de infra-estruturas urbanísticas definidas no Código das Expropriações. 12. Por unanimidade, os peritos concluíram que os solos da parcela a expropriar devem ser equiparados a “solos aptos para construção”, sendo o seu cálculo determinado de acordo com o art. 26.º n.ºs 4, 5 e 6 do CE: € 350,00 X 11767 X 0,6 X 0,25 X 0,2 = € 123.550,00 + € 395,00 (árvores), o que perfaz a indemnização no valor de € 123.945,00. 13. Os peritos nomeados apresentaram relatório de avaliação a fls. 325 e ss., tendo considerado por unanimidade: a. A classificação do PDM é de Espaço Canal, uma vez que a parcela a expropriar foi destinada à construção das terceiras vias, contíguas às vias existentes; b. Pelo facto da parcela estar envolvida a Norte e Sul por espaços classificados no PDM como Espaços Industriais, Existentes e Previstos, integrando perímetro urbano industrial, acrescido de o prédio onde a parcela se insere estar classificado como urbano na matriz, determina que a parcela seja classificada como solo apto para construção, art. 26.º n.º 12 do CE; c. O valor do solo será calculado de acordo com € 350,00/m2 X 0,14 X 0,35 X (1-0,10) = € 15,435/m2 X 11.767 m2 = € 181 623,65 + € 570,00 (árvores) = € 182 193,65; d. Quanto à potencialidade edificativa, as sobrantes não ficarão afectadas, na medida em que a via se confina ao espaço canal que lhe estava destinado e as sobrantes têm dimensão bastante para que possa ser concretizada a sua capacidade edificativa, pelo que não é atribuído qualquer prejuízo à parte sobrante. 14. O prédio original após a expropriação mantém-se uno, sendo a dimensão da parcela, face à dimensão do prédio, na proporção inferior a 1%, não alterando o seu uso futuro. 15. A Câmara Municipal de Palmela informou que a parcela referida em 3) está abrangida por Espaços Industriais Existentes, mas de acordo com a Carta de Condicionantes do PDM, a mesma está abrangida pela rede de infra-estruturas relativas à Rede Rodoviária Nacional e, face à sua localização, em terreno adjacente à AE2, a mesma não tem capacidade de edificabilidade. 16. Posteriormente, a fls. 391, a mesma edilidade informou que “Sem prejuízo do afirmado no ponto antecedente, enquanto a parcela objecto da certidão não for desanexada do prédio originário, a área daquela deve ser contabilizada para determinação da área bruta de construção prevista (como Espaços Industriais Existentes) para o prédio no seu todo, restando, em todo o caso, aferir se a edificabilidade daí resultante não se encontra, face às pré-existências, já esgotada.”. 17. Nos diversos esclarecimentos prestados pelos peritos, não foi alterada qualquer conclusão da avaliação.»
* III – DECISÃO: Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando a sentença recorrida. Custas pela apelante (artº 527º do NCPC). Évora, 12/07/2016 Mário António Mendes Serrano Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto) Mário João Canelas Brás (dispensei o visto) |