Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
620/06.0TBABF.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: APENSAÇÃO DE PROCESSOS
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 11/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - O instituto da apensação de processos (art.º 267º e seguintes do CPC) tem dois desígnios fundamentais: o da economia processual, uma vez que as várias acções apensadas são instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente; e o da uniformidade de julgamento porquanto a instrução, a discussão e o julgamento conjuntos garantem harmonia decisória, seja na matéria de facto, seja no plano do direito.
II - Apesar da unificação da tramitação, as acções mantêm a sua autonomia para os demais efeitos, designadamente no que tange à determinação em cada uma do seu valor , a fixar no momento oportuno.
III - E o momento oportuno poderá ser, como sucedeu, no caso em apreço, o despacho pré-saneador proferido na acção principal (na qual passou a ser efectuada a tramitação de todos os demais apensos).
IV - É certo que da redacção do artº 306º nº1 do CPC resulta que a fixação do valor da causa é feita no despacho saneador.
Porém essa será a regra. A excepção ocorre quando, como sucedeu no caso, é suscitado um incidente de valor da causa que acarreta, na sequência da sua decisão, a incompetência do Tribunal, por esse motivo ( cfr. artº 310º nº1 do CPC).
V- Ter-se-á, por isso, nesses casos de concatenar o disposto naquele e neste normativos com o que estatui o art.º 104º nºs 2 e 3 do mesmo código.
VI -Reconduzindo-se a incompetência em razão do valor (artº 66º) a uma situação de incompetência relativa (artº 102º) , de conhecimento oficioso seja qual for a acção em que se suscite ( artº 104º nº2) , o juiz deve suscitar e decidir a questão da incompetência até ao despacho saneador, podendo a decisão ser incluída neste sempre que o tribunal se julgue competente; não havendo lugar a saneador, pode a questão ser suscitada até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados ( art.104ºnº3).
VII - Assim, se o incidente de valor da causa puder determinar a incompetência do Tribunal em razão do valor (por tal competência passar a ser da instância central ao invés da local) deverá ser decidido antes da prolação do despacho saneador de modo a permitir que este já venha a ser proferido pelo Tribunal competente (por regra na audiência prévia).
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I- RELATÓRIO

AA e OUTROS, autores no processo à margem identificados, inconformados com o despacho que fixou valor para a causa a que se refere o “processo principal” dele interpuseram recurso de apelação, formulando para tanto as seguintes conclusões:
I- O despacho de 09.06.2008 ---fls. 855--- a que se refere o douto despacho recorrido (22.04.2015), determinou a apensação das acções, que ora se mostram organizadas num único processo, cujos articulados, salvo erro ou omissão, findaram (o último) em Março de 2008, há mais de 7 anos;

II- Na pureza dos princípios, só haverá despacho saneador no Apenso A., despacho esse prolatado ainda antes da referida apensação, oportunamente transitado em julgado.

III- Salvo o devido respeito, o douto despacho recorrido ---que foi notificado aos AA. isoladamente--- não terá sido proferido aquando da feitura de um qualquer despacho saneador.
Ou seja e reiterando sempre o devido respeito, o momento deste questionado despacho terá sido desadequado, inoportuno.
IV- A apensação de processos, primacialmente, visa dois objectivos: o da economia processual, e a “coerência ou uniformidade de julgamento”.
Entre o despacho saneador proferido no Apenso A (que está nos autos e que não poderá, como não pode, ser destruído por decisão posterior) e o douto despacho recorrido, a contradição é flagrante (certidão anexa).
V- Todavia o questionado saneador não pode ser írrito no seio do processo constituído pelas acções oportunamente apensadas.
VI- Com efeito, se, no caso, não deverá falar-se de duas decisões transitadas, a verdade é que o douto despacho recorrido sempre colide com o disposto no artº 625º, CPC, quando este dispõe que o princípio previsto no nº 1 se aplica também a todas decisões contraditórias se respeitantes à questão concreta da relação processual (nº 2 citado preceito legal).
VII- E se a situação prevista no nº 1 do artº 625º, CPC, implica nulidade, verificar-se-á também o mesmo vício se a violação respeitar ---como parece ser o caso--- ao nº 2, do citado preceito legal.
VIII- Decidindo como decidiu atenta a disciplina legal sobre apensação de processos, os doutos despachos de 20.04.2015 e 26.05.2015 violaram, no mínimo, o disposto no citado artº 625º, nº 2, CPC, norma esta que devia ser aplicada ao caso sujeito, de tal modo que os autos prosseguissem seus normais termos, considerando-se a questão da fixação do valor da causa por decidida, no âmbito do processo.
Terá violado também o artº 615º, nº 1, al. d), 1ª parte, CPC, o que também se invoca.
TERMOS EM QUE, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências,
Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente e, por isso, revogado(s) o(s) douto(s) despacho(s) recorrido(s) proferindo-se douto acórdão que julgue que o despacho saneador prolatado no âmbito do Apenso A, pelas razões sobreditas deve ser extensivo a todas as acções apensas, como é de JUSTIÇA”.
2. Não foram apresentadas contra-alegações.
3. Foram dispensados os vistos – artº 657º nº4 do CPC.

3. OBJECTO DO RECURSO

Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil - a única questão que importa dirimir consiste em saber se o despacho recorrido que fixou o valor da causa para cada um dos processos alvo de apensação é processualmente inoportuno e viola o caso julgado formal decorrente da fixação de tal valor no saneador proferido no âmbito de um dos processos apensos.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que se deixaram exarados no antecedente relatório e, bem assim, os seguintes face à documentação junta:

A) Em 09/06/2008 foi proferido despacho que determinou a apensação de quatro acções;

B) Em 22.4.2015 foi proferido despacho no qual se decidiu, tendo em conta a decisão antecedente “e o facto das quatro acções se encontrarem na mesma fase processual” “ que “os presentes autos e as acções apenas passem a ter uma tramitação unitária, a ter lugar nestes autos principais, no qual devem ser praticados todos os actos processuais, quer pelas partes de todas as acções apensas, quer pela Secretaria e pelos Magistrados”.

C) Nessa mesma data foi proferido despacho com o seguinte teor : “ Incidente de verificação do valor da causa:

1) Autos principais a apenso A:

Nos presentes autos principais e no apenso A, os respectivos autores, formularam os seguintes pedidos contra a ré BB, Lda.:

a) Declarar-se que o Prédio … ou “Hotel Apartamento …” se acha encerrado por culpa imputável à Ré, decorrendo daí, como consequência directa, a impossibilidade de os autores gozarem os seus DRHP’s.

b) Condenar-se a ré BB, Lda, a repor o dito “Hotel Apartamento” no seu estado normal de funcionamento, para que os autores aí possam gozar plenamente os seus direitos;

c) Condenar-se a ré, além do pedido da al. b) supra – porque o encerramento impede os titulares de exercerem os seus direitos - a facultar-lhes alojamento alternativo, de imediato, ou seja, já nas semanas que se forem “vencendo” – num empreendimento sujeito ao regime de DRHP, de categoria idêntica ou superior, num local próximo do Empreendimento objecto dos contratos (Prédio …);

d) Na eventualidade de não procederem – por uma qualquer razão - os pedidos formulados nas alíneas b) e c), deve a ré ser condenada a pagar a cada um dos autores a(s) quantia(s) liquidada(s) no artigo 194.º da PI da acção principal, e no artigo 110.º da PI, na acção que constitui o apenso A;
e) Condenar-se a ré a reconhecer que os autores, logo após a celebração do competente contrato, e mesmo antes de lhes serem entregues os certificados Prediais, passaram a usar/gozar as suas semanas, os seus “DRHP’s”, isto é, que houve, em todos os casos, a “tradição do objecto do contrato prometido”;
f) Condenar-se a ré ao pagamento dos juros vincendos, a incidir sobre a indemnização devida a cada um dos autores, desde a citação até efectivo reembolso;
g) Declarar-se, por via do reconhecimento pedido na al. e) supra que aos autores, para garantia dos respectivos créditos indemnizatórios, assiste o direito de retenção, sobre as correspondentes unidades de alojamento/ fracções temporais, direito de retenção que abrange também e necessariamente as áreas de uso comum do prédio em causa.

Os autores desta acção principal e os autores da acção que constitui o Apenso A indicam, como valor das respectivas causas, o montante de € 14963,95, invocando o disposto nos arts. 306.º, n.º 3, 2ª parte e 312.º, 2ª parte, do antigo CPC, na redacção vigente à data de apresentação de petição inicial.

Em ambas as acções (acção principal e apenso A), na sua contestação, a ré BB, Lda. impugna o valor da causa indicado pelos autores, alegando que existindo uma situação de coligação, o valor da causa há-se ser o respectivo valor determinado à luz da 1.ª parte do n.º 1 do art. 306.º do CPC, que não do n.º 3 do mesmo preceito legal, ou seja, o valor da causa deve corresponder à soma de todas as quantias liquidadas no artigo 194.º da PI, ou seja, o valor de € 435171,17, no caso da acção principal e, à soma de todas as quantias liquidadas no artigo 110.º da PI, no caso do apenso A, ou seja, neste último caso, o valor de € 106902,36.

Em ambas as acções (acção principal e apenso A), na respectiva réplica, os autores respondem no sentido de terem sido formulados pedidos subsidiários, pelo que o valor a atender será unicamente o valor do pedido formulado em primeiro lugar. Mais dizem os autores que, pela via principal, pretendem que o “Hotel Apartamento …” seja reaberto e restituído ao seu estado normal de funcionamento e que, no entretanto, lhes seja facultado um espaço onde possam gozar os seus direitos. Defendem, assim, os autores que ao gozo de um direito não parece ser possível atribuir-lhe um valor pecuniário, pois visa realizar um interesse não patrimonial: a fruição de férias, de lazer, de descanso.

Cumpre apreciar e decidir:

Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, devendo tal fixação realizar-se aquando da elaboração do despacho saneador, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.

Efectivamente, como é alegado pelos autores, de acordo com o disposto no artigo 297.º, n.º 3, do CPC, na fixação do valor da causa, no caso de pedidos subsidiários, atende-se unicamente ao pedido formulado em primeiro lugar. E tal regime não é afastado pela existência de um litisconsórcio activo como sucede nos presentes autos.

Analisados os pedidos principais formulados pelos autores contra a ré, quer na acção principal, quer na acção que constitui o apenso A, verifico que os autores pretendem a condenação da ré a repor o “Hotel Apartamento” no seu estado normal de funcionamento para que possam gozar plenamente os seus direitos reais de habitação periódica.

Desta forma, os autores pretendem, com as acções que intentaram, fazer valer os seus direitos reais de habitação periódica (DRHP), condenando-se a ré a desenvolver as acções necessárias para que aqueles possam gozar livremente os seus direitos.

Ora, os DRHP são verdadeiros direitos reais, sendo o próprio legislador que assim os qualifica desde a sua criação através do DL n.º 355/81 de 31/12 (cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 5.ª ed. págs. 513 e segs.).

Ao contrário do que defendem os autores, ao gozo de um direito real, pode e deve ser atribuído um valor pecuniário, conforme se encontra expressamente previsto no artigo 302.º do actual CPC. Nos termos do disposto no n.º 1 desse artigo, se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa. Nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, tratando-se de outro direito real, como sucede no caso em apreço, atende-se ao seu conteúdo e duração provável.

Também de acordo com a regra geral de fixação do valor da causa, nos termos do disposto no artigo 297.º, n.º 1, do CPC, se pela acção se pretende obter um benefício diverso do que uma quantia certa em dinheiro, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.

Ora o benefício que os autores pretendem obter na presente acção consiste no gozo pleno dos seus DRHP, pelo que o valor da causa deve corresponder ao valor monetário desses mesmos direitos.

Na petição inicial desta acção principal e na petição inicial do apenso A é indicado o valor pelo qual cada um dos autores adquiriu à ré os referidos DRHP, valor esse que corresponde a metade dos valores indicados no artigo 194.º da PI da acção principal e a metade do valor indicado no artigo 110.º do apenso A, uma vez que os respectivos autores peticionam, a título subsidiário, a condenação da ré no pagamento de uma indemnização correspondente ao dobro daquilo que prestaram.

Desta forma, atendendo aos factos alegados nas referidas petições iniciais, o valor da causa deve corresponder ao valor de aquisição dos referidos DRHP que os autores pretendem fazer valer na presente acção, o que corresponde ao montante total de € 217585,59, no caso da acção principal, e ao valor de € 53451,18, no caso da acção que constitui o apenso A, revelando-se, por isso, incorrecto o valor inicialmente indicado pelos autores de ambas as acções.

Pelo exposto, nos termos das disposições legais acima referidas:

a) Fixa-se o valor desta acção principal em € 217585,59 (duzentos e dezassete mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e nove cêntimos);

b) Fixa-se o valor da acção que constitui o apenso A em € 53451,18 (cinquenta e três mil, quatrocentos e cinquenta e um euros e dezoito cêntimos). Custas do incidente relativo à acção principal pelos respectivos autores (arts. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).

Custas do incidente relativo ao Apenso A pelos respectivos autores (arts. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.). (…)

D) Nesse mesmo despacho foi ainda fixado o valor da causa da acção que constitui o Apenso B nos seguintes termos: “No apenso B, os autores identificados a fls. 2 desse apenso formularam os seguintes pedidos contra a ré BB, Lda.:

a) Declarar-se que os autores celebraram com a ré BB, Lda., contratos-promessa válidos e eficazes, devendo, por isso, serem reconhecidos como titulares de DRHP’s a que os respectivos contratos-promessa respeitam;

b) Por força do reconhecimento pretendido na alínea anterior e, em cumprimento da legislação aplicável, condenar-se a ré BB, lda., a entregar a cada um dos autores, o(s) competente(s) certificado(s) predial(ais);

c) No caso da ré não proceder à predita entrega (alínea imediatamente anterior), deve ser proferida sentença que produza os mesmos efeitos, designadamente, ordenando a emissão de uma 2ª via do(s) competente(s) Certificado(s) Predial(ais);

d) Declarar-se que o Prédio … ou “Hotel Apartamento …” se acha encerrado por culpa imputável à Ré, decorrendo daí, como consequência directa, a impossibilidade de os autores gozarem os seus DRHP’s.

e) Condenar-se a ré BB, Lda, a repor, de imediato, o dito “Hotel Apartamento” no seu estado normal de funcionamento, para que os autores aí possam gozar plenamente os seus direitos;

f) Condenar-se a ré, além do pedido da al. e) supra – porque o encerramento impede os titulares de exercerem os seus direitos - a facultar-lhes alojamento alternativo, de imediato, ou seja, já nas semanas que se forem “vencendo” – num empreendimento sujeito ao regime de DRHP, de categoria idêntica ou superior, num local próximo do Empreendimento objecto dos contratos (Prédio …);

Se assim não for entendido, subsidariamente, pedem os autores que:

g) Seja declarada a resolução dos contratos-promessa ajuizados e, consequentemente, a ré condenada a pagar a cada um dos autores as quantias liquidadas nos arts. 58.º a 62.º da PI;

h) Condenar-se a ré, no caso de improcedência do pedido principal (pretensões das alíneas a) a f) ao pagamento dos juros legais vincendos, a incidir sobre a indemnização devida a cada um dos autores, desde a citação até efectivo reembolso;

i) Condenar-se a ré a reconhecer que os autores (por si e/ou antepossuidores), logo após a celebração do competente contrato-promessa, passaram a usar/gozar as suas semanas, os seus “DRHP’s”, isto é, que houve, em todos os casos, a “tradição do objecto do contrato prometido”;

j) Declarar-se, no caso de procedência da pretensão contida na alínea g), que os autores, para garantia dos respectivos créditos indemnizatórios, assiste o direito de retenção, sobre as correspondentes unidades de alojamento/ fracções temporais, direito de retenção que abrange também e necessariamente as áreas de uso comum do prédio em causa.

Os autores indicam, como valor da causa, o montante de € 19602,76.

Na sua contestação, a ré não impugna o valor da causa indicado pelos autores.

Cumpre apreciar e decidir:

Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, devendo tal fixação realizar-se aquando da elaboração do despacho saneador, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.

De acordo com o disposto no artigo 297.º, n.º 3, do CPC, na fixação do valor da causa, no caso de pedidos subsidiários, atende-se unicamente ao pedido formulado em primeiro lugar.

Analisados os pedidos principais formulados pelos autores contra a ré, verifico que os autores pretendem o reconhecimento de validade de contratos-promessa, bem como a execução específica desses mesmos contratos, proferindo-se sentença que produza os mesmos efeitos, designadamente, ordenando a emissão de uma 2ª via do(s) competente(s) Certificado(s) Predial(ais). A título principal, os autores pedem também a condenação da ré a repor o “Hotel Apartamento” no seu estado normal de funcionamento para que os autores possam gozar plenamente os seus direitos reais de habitação periódica.

Desta forma, na acção que constitui o apenso B, considerando os pedidos principais, está em causa a apreciação da validade e do cumprimento de contratos-promessa, pelo que, nos termos do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPC, deve atender-se ao valor desses contratos determinado pelo respectivo preço.

Os autores também pretendem fazer valer os seus direitos reais de habitação periódica (DRHP), condenando-se a ré a desenvolver as acções necessárias para que os autores possam gozar livremente aqueles direitos.

Ora, os DRHP são verdadeiros direitos reais, sendo o próprio legislador que assim os qualifica desde a sua criação através do DL n.º 355/81 de 31/12 (cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 5.ª ed. págs. 513 e segs.).

Sendo os DRHP um verdadeiro direito real, pode e deve ser atribuído um valor pecuniário conforme se encontra expressamente previsto no artigo 302.º do actual CPC. Nos termos do disposto no n.º 1 desse artigo, se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa. Nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, tratando-se de outro direito real, atende-se ao seu conteúdo e duração provável.

Também de acordo com a regra geral de fixação do valor da causa, nos termos do disposto no artigo 297.º, n.º 1, do CPC, se pela acção se pretende obter um benefício diverso do que uma quantia certa em dinheiro, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.

Ora o benefício que os autores pretendem obter na presente acção consiste no gozo pleno dos seus DRHP, pelo que o valor da causa deve corresponder ao valor monetário desses mesmos direitos.

Desta forma, atendendo aos pedidos principais, deve atender-se ao preço convencionado nos contratos-promessa que constitui também o valor dos DRHP que os autores pretendem fazer valer.

O valor da causa indicado pelos autores corresponde à soma dos preços convencionados nos contratos-promessa em causa nestes autos, nos termos referidos nos artigos 59.º a 62.º da PI, pelo que entendemos ser correcto o valor indicado.

Pelo exposto, nos termos das disposições legais acima referidas, fixa-se o valor da acção que constitui o Apenso B em € 19602,76 (dezanove mil, seiscentos e dois euros e setenta e seis cêntimos).(…)” :

E) Foi, por fim, fixado o valor da causa da acção que constitui o Apenso C nos seguintes termos: “Na acção que constitui o apenso C, a autora CC, formulou os seguintes pedidos contra a ré BB, Lda.:

a) Declarar-se que o Prédio … ou “Hotel Apartamento …” se acha encerrado por culpa imputável à Ré, decorrendo daí, como consequência directa, a impossibilidade de a autora gozar o seu DRHP.

b) Condenar-se a ré BB, Lda, a repor o dito “Hotel Apartamento” no seu estado normal de funcionamento, para que a autora aí possa gozar plenamente o seu direito;

c) Condenar-se a ré, além do pedido da al. b) supra – porque o encerramento impede a autora de exercer os seus direitos - a facultar à autora alojamento alternativo, de imediato, ou seja, já nas semanas que se forem “vencendo” – num empreendimento sujeito ao regime de DRHP, de categoria idêntica ou superior, num local próximo do Empreendimento objecto dos contratos (Prédio …);

d) Na eventualidade de não procederem – por uma qualquer razão - os pedidos formulados nas alíneas b) e c), deve a ré ser condenada a pagar à autora a quantia liquidada no artigo 94.º da PI do Apenso C;

e) Condenar-se a ré a reconhecer que a autora (por si e/ou antepossuidores), logo após a celebração do competente contrato-promessa, e mesmo antes de lhe ser entregue o Certificado Predial, passou a usar/gozar a sua semana, o seu “DRHP”, isto é, que houve, no caso, a “tradição do objecto do contrato prometido”;

f) Condenar-se a ré, no caso de improcedência do pedido principal, ao pagamento dos juros legais vincendos, a incidir sobre a indemnização devida à autora, desde a citação até efectivo reembolso;

g) Declarar-se, por via do reconhecimento pedido na al. e) supra que à autora, para garantia do respectivo crédito indemnizatório, assiste o direito de retenção, sobre a correspondente unidade de alojamento/ fracção temporal, direito de retenção que abrange também e necessariamente as áreas de uso comum do prédio em causa.

A autora da acção que constitui o Apenso C indica, como valor da causa, o montante de € 14963,95, invocando o disposto nos arts. 306.º, n.º 3, 2ª parte e 312.º, 2ª parte, do antigo CPC, na redacção vigente à data de apresentação de petição inicial.

Neste apenso C, na sua contestação, a ré BB, Lda. não impugna o valor da causa indicado pela autora.

Foi admitida a intervenção principal provocada da Massa Falida de DD, SA, que, depois de citada, também não impugnou o valor da causa.

Cumpre apreciar e decidir:

Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, devendo tal fixação realizar-se aquando da elaboração do despacho saneador, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.

De acordo com o disposto no artigo 297.º, n.º 3, do CPC, na fixação do valor da causa, no caso de pedidos subsidiários, atende-se unicamente ao pedido formulado em primeiro lugar.

Analisados os pedidos principais formulados pela autora contra a ré, na acção que constitui o Apenso C, verifico que a autora pretende a condenação da ré a repor o “Hotel Apartamento” no seu estado normal de funcionamento para que possa gozar plenamente o seu direito real de habitação periódica (DRHP).

Desta forma, a autora pretende, com a acção que intentou, fazer valer o seu DRHP, condenando-se a ré a desenvolver as acções necessárias para que possa gozar livremente o seu direito.

Como acima já se referiu a propósito da fixação do valor da causa dos outros apensos e da acção principal, os DRHP são verdadeiros direitos reais, sendo o próprio legislador que assim os qualifica desde a sua criação através do DL n.º 355/81 de 31/12 (cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 5.ª ed. págs. 513 e segs.). Ao gozo de um direito real, pode e deve ser atribuído um valor pecuniário, conforme se encontra expressamente previsto no artigo 302.º do actual CPC. Nos termos do disposto no n.º 1 desse artigo, se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa. Nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, tratando-se de outro direito real, como sucede no caso em apreço, atende-se ao seu conteúdo e duração provável.

Também de acordo com a regra geral de fixação do valor da causa, nos termos do disposto no artigo 297.º, n.º 1, do CPC, se pela acção se pretende obter um benefício diverso do que uma quantia certa em dinheiro, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.

Ora o benefício que a autora pretende obter na presente acção consiste no gozo pleno do seu DRHP, pelo que o valor da causa deve corresponder ao valor monetário desse mesmo direito.

Na petição inicial do Apenso C é indicado no artigo 79.º o valor pelo qual a autora adquiriu à ré o referido DRHP, valor esse que ascendeu a € 6499,34.

Desta forma, atendendo aos factos alegados na referida petição inicial, o valor da causa deve corresponder ao valor de aquisição do referido DRHP que a autora pretende fazer valer na presente acção, o que corresponde ao montante de € 6499,34, revelando-se, por isso, incorrecto o valor inicialmente indicado pela autora.

Pelo exposto, nos termos das disposições legais acima referidas, fixa-se o valor da acção que constitui o apenso C em € 6499,34 (seis mil, quatrocentos e noventa e nove euros e trinta e quatro cêntimos).

Custas do incidente relativo ao apenso C pela respectiva autora (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.). (…)”.

D) Foi, na sequência do novo valor da causa da acção principal, declarada a incompetência do Tribunal ( Instância Local) e determinada a remessa dos autos à Instância Central.

E) No seguimento de requerimento dos ora apelantes acerca do despacho antecedente, de 22.4.2015, foi proferido um outro, datado de 26.5.2015, com o seguinte teor:

“(…) Os autores no processo principal e no apenso A vieram, por requerimento de fls.. 1212 e 1213, solicitar esclarecimentos e invocar nulidade do despacho que fixou o valor da causa proferido em 22/04/2015.

Notificada desse requerimento a parte contrária nada veio dizer ou requerer.

Cumpre apreciar e decidir:

No que respeita ao apenso A, assiste total razão aos autores, porquanto, compulsados esses autos, verifica-se que nos mesmos foi proferido despacho saneador e decidido o incidente de valor da causa, por decisão datada de 15/05/2007 constante de fls. 529 a 531 do referido apenso A.

O Tribunal foi induzido em erro pelo facto de ter sido proferido nesse apenso A em 12/03/2014, o despacho a ordenar o cumprimento do art. 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, o que apenas deveria ter tido lugar nas acções que se encontrassem na fase dos articulados aquando da entrada em vigor do Código de Processo Civil, o que, verificamos agora, não ser o caso do apenso A, no qual, quando o novo Código entrou em vigor, em 01/09/2013, já tinha proferido despacho saneador a fls. 529 a 531 desses autos.

Assim, por lapso de que nos penitenciamos, o Tribunal acabou por fixar o valor da causa do apenso A, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, em violação do despacho proferido naqueles autos em 15/05/2007, que constitui caso julgado formal (art. 620.º, n.º 1 do CPC), Existe, assim, um manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável porquanto, em obediência ao referido artigo 620.º, n.º 1, do CPC e à força de caso julgado fornal da decisão que apreciou o valor da causa no apenso A, não deveria ter sido fixado um novo valor, devendo respeitar-se o valore previamente fixado que ascende a € 14963,95.

Desta forma, justifica-se a reforma do referido despacho nos termos constantes do artigo 616.º, n.º 1, al. a), do CPC aplicável por via do artigo 613.º, n.º 3, do mesmo Código. Verifica-se também a causa de nulidade do despacho prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) porquanto o Juiz conheceu de uma questão - a fixação do valor da causa no apenso A – de que não podia tomar conhecimento, em virtude do caso julgado formal do despacho proferido no apenso A em 15/05/2007.

Quanto ao processo principal, não existe qualquer razão aos autores desses autos, inexistindo qualquer nulidade, ambiguidade ou obscuridade da decisão que fixou o valor da causa, nem qualquer intempestividade de tal despacho.

Pois, como os próprios autores referem, no processo principal, antes da prolação do despacho de 22/04/2015, não tinha sido proferido despacho saneador, nem tinha sido proferida decisão sobre o incidente de fixação do valor da causa.

Na verdade, o despacho a ordenar o cumprimento do disposto no artigo 5.º, n.º 4 da Lei n.º 41/2013 deve acontecer quando a fase dos articulados se encontre terminada, mas antes de ser proferido despacho saneador, no qual deve ser fixado o valor da causa – artigo 306.º, n.º 2, do CPC.

Ora, se no processo principal ainda não foi proferido despacho saneador, nem tinha sido decidido o incidente de fixação de valor da causa, não se vislumbra como podem os autores alegar que este último incidente já não poderia ser conhecido atenta a prolação de despacho a ordenar o cumprimento do disposto no artigo 5.º, n.º 4 da Lei n.º 41/2013.

Também não se vislumbra como podem os autores deste processo principal afirmar que estes autos se encontram a aguardar a marcação de julgamento se ainda nem sequer foi realizada a audiência prévia, elaborado o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Acresce que, ainda que tivesse sido proferido despacho saneador nestes autos principais, o mesmo só constituiria caso julgado quanto às questões concretamente apreciadas – artigo 595.º, n.º 3, do CPC. Ora se o incidente de fixação do valor da causa não tinha sido apreciado antes da prolação do despacho de 22/04/2015, não se alcança como pode esse mesmo despacho ser considerado intempestivo, carecendo, em absoluto tal argumentação de base legal.

Pelo exposto, nos termos das disposições legais acima mencionadas:

a) Procedo à reforma do despacho proferido em 22/04/2015, na parte que procede à fixação do valor da causa relativo ao apenso A, determinando que esse valor deve corresponder ao valor fixado pela decisão datada de 15/05/2007 constante de fls. 529 a 531 do referido apenso A, concretamente, ao valor de € 14963,95, ficando sem efeito qualquer obrigação de pagamento de remanescente de taxa de justiça referente a esse apenso A;

b) No mais, indefiro o pedido de esclarecimentos formulado pelos autores deste processo principal, mantendo a decisão relativa à fixação do valor da causa destes autos.

Custas do incidente pelos autores destes autos principais, fixando-se a taxa de justiça em 1 U.C. (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 7.º, n.º 4, e tabela II, do R.C.P.).

Notifique. (…)”.

2. Cuidemos então do mérito do recurso.
Como é consabido, o instituto da apensação de processos (art.º 267º e seguintes do CPC) tem dois desígnios fundamentais: o da economia processual, uma vez que as várias acções apensadas são instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente; e o da uniformidade de julgamento porquanto a instrução, a discussão e o julgamento conjuntos garantem harmonia decisória, seja na matéria de facto, seja no plano do direito.

Apesar da unificação da tramitação, as acções mantêm a sua autonomia para os demais efeitos, designadamente no que tange à determinação em cada uma do seu valor[1], a fixar no momento oportuno.

E o momento oportuno poderá ser, como sucedeu, no caso em apreço, o despacho pré-saneador proferido na acção principal (na qual passou a ser efectuada a tramitação de todos os demais apensos).

É certo que da redacção do artº 306º nº1 do CPC resulta que a fixação do valor da causa é feita no despacho saneador.

Porém essa será a regra.

A excepção ocorre quando, como sucedeu no caso, é suscitado um incidente de valor da causa que acarreta, na sequência da sua decisão, a incompetência do Tribunal, por esse motivo ( cfr. artº 310º nº1 do CPC).

Ter-se-á, por isso, nesses casos de concatenar o disposto naquele e neste normativo com o que estatui o art.º 104º nºs 2 e 3 do mesmo código.

Reconduzindo-se a incompetência em razão do valor (artº 66º) a uma situação de incompetência relativa (artº 102º) , de conhecimento oficioso seja qual for a acção em que se suscite ( artº 104º nº2) , o juiz deve suscitar e decidir a questão da incompetência até ao despacho saneador, podendo a decisão ser incluída neste sempre que o tribunal se julgue competente; não havendo lugar a saneador, pode a questão ser suscitada até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados ( art.104ºnº3).

Assim, se o incidente de valor da causa puder determinar a incompetência do Tribunal em razão do valor (por tal competência passar a ser da instância central ao invés da local) deverá ser decidido antes da prolação do despacho saneador de modo a permitir que este já venha a ser proferido pelo Tribunal competente (por regra na audiência prévia).

Por conseguinte, foi totalmente oportuno o momento processual escolhido pelo Tribunal a quo para conhecer do incidente de valor da causa uma vez que o suscitado no processo principal desencadeou a decisão de incompetência em razão do valor.

A questão do caso julgado formado no apenso A relativamente ao valor aí fixado, já foi objecto de apreciação pelo Tribunal a quo que procedeu à reforma do despacho proferido em 22/04/2015, nessa parte “determinando que esse valor deve corresponder ao valor fixado pela decisão datada de 15/05/2007 constante de fls. 529 a 531 do referido apenso A, concretamente, ao valor de € 14963,95, ficando sem efeito qualquer obrigação de pagamento de remanescente de taxa de justiça referente a esse apenso A.”.

Portanto, o recurso é nesta perspectiva inútil.

E, como é evidente, não é a mera circunstância de nesse apenso se ter decidido o incidente de valor da causa de uma determinada maneira que obstaculizaria a que nos demais processos apensos o mesmo fosse apreciado nos moldes em que o foi.

Como dissemos anteriormente, para efeitos de valor da causa cada processo apensado mantém a sua autonomia.

Além de que não foi a fixação do valor da causa no apenso A que determinou a decisão de incompetência do Tribunal em razão do valor mas a concernente ao processo principal.

3. O recurso não pode, pois, ser provido.

III- DECISÃO

Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma na íntegra a decisão recorrida subsequentemente reformada.
Custas pelos apelantes.
Évora, 30 de Novembro de 2016
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Bernardo Domingos

__________________________________________________
[1] Assim, Ac.S.T.J. de 9.3.2010 consultável na base de dados do IGFEJ.