Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
60/10.6PBPTM.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA INDIRECTA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PENA DE EXPULSÃO
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1. Para que o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, na modalidade de venda, se consuma, não é imprescindível prova de que resulte a identificação de compradores.
2. Verificando-se os fundamentos para a aplicação da pena acessória de expulsão previstos no art. 151.º da Lei n.º 23/2007, de 04.07, cabe ao arguido a prova da circunstância de que tem efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal, no sentido de lograr obviar a essa expulsão.
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 60/10.6 PBPTM-E1
N.º 493

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório

1.1 - No Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º 60/10.6PBPTM, do 1° Juízo Criminal, da Comarca de Portimão, o arguido, A, foi julgado e condenado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo n.º 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22.1, com referência à Tabela 1-B, anexa a este Diploma, na pena de oito anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de dez anos.

1.2 O arguido inconformado, com esse acórdão, dele recorreu tempestivamente, apresentando, na sua motivação, as conclusões seguintes:
“i) Quantos às Motivações de facto
1. Das motivações resulta evidente que não foi feita prova bastante da culpa do arguido;
2. Não tendo sido provados os pormenores elencados em II. 5;
3. E enfermando a Douta Decisão recorrida de várias contradições;
4. Nomeadamente quanto ao volume de vendas, o qual não se provou;
5. E porque o Tribunal a quo não tomou conhecimento de factos de que deveria ter tomado, como se alega supra em II. 9 a 15;
6. Por isso não é possível ter sido dado como provado - como foi - que o arguido vendia cerca de 50 saquetas por dia;
7. Mesmo, quanto ao peso, a quantidade não tem correspondência na qualidade, revelada por exame pericial;
8. Não se podendo condenar por um único testemunho, que pode ter sido induzido em erro;
ii) Quanto às motivações de Direito
a) da pena de prisão
1. Não se provou a elevada ilicitude e a gravidade do tráfico (a havê-lo), pelo que, a ser condenado, o arguido só podia sê-lo ao abrigo do arfo. 25°. e não do art.º 21°/1 do D. L. 15/93, de 22 de Janeiro;
2. Não tendo sido aplicado o principio "in dubio pro reo", como argumentado em II. 21, violando assim um princípio transcendente da Lei Fundamental, pelo que se evoca a inconstitucionalidade da decisão;
3. Pelo que deve ser o arguido absolvido;
b) da pena acessória de expulsão
1. Na exposição supra está amplamente demonstrado que o arguido deveria ter sido absolvido: assim sendo, não havendo pena, também não há pena acessória;
2. De todo o modo, não foi feita prova da não existência da efectiva dependência prevista no art°. 135°/b) da Lei n°. 23/2007, de 4 de Julho;
3. Temos, então, que esta pena deve ser revogada;
PELO QUE SE PUGNA PELO PROVIMENTO DO PRESENTE RECURSO, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS.:
A) Pela anulação do Acórdão recorrido, devendo o arguido ser ABSOLVIDO, quer da pena de prisão quer da pena acessória de expulsão;
Contudo, não sendo esse o entendimento de V. Exas.:
B) Que a ser condenado, o arguido o seja pela aplicação do art.º 25 e não do art.º 21°/1 do D.L. 15/93 de 22 e Janeiro;
Ou ainda:
C) Que a Douta Sentença recorrida seja anulada pelas nulidades e irregularidades e que, em consequência:
D) Seja repetida a Audiência De Discussão e Julgamento.
Assim decidindo, farão V. Exas., a costumada JUSTIÇA, ”

1.3 - O Magistrado do Ministério Público apresentou a sua resposta aos recursos, concluindo:
1ª – O recorrente, em todo o caso, não deu cumprimento ao artigo 412º nºs 3 e 4 do CPP, exigência imprescindível para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto levando, por isso, a que a sua omissão impeça a apreciação, pelo Tribunal ad quem, do recurso nesta perspectiva, permitindo tão só a impugnação com fundamento na existência de qualquer dos vícios do artigo 410º nº 2 do CPP.
2ª – Não havendo lugar à reapreciação da prova gravada não tem cabimento o prolongamento do prazo normal de 20 dias, por mais 10 dias e assim o prazo terminou em 09-01-2012 - eventualmente em 12-01-2012, com a multa do artigo 145º do CPC - pelo que quando deu entrada a Motivação em 18-01-2012 já há muito havia expirado o referido prazo, pelo que o recurso deve ser REJEITADO, nos termos do disposto nos artigos 420º nº 1 alínea b) e 414º nº 2, ambos do CPP.
Sem prescindir
3ª – O recorrente ao questionar unicamente a sua culpa por entender que não ficaram provados os preços por que a vendia, os locais da venda e a identidade das pessoas a quem vendeu não põe em causa a venda de cocaína a que procedia ou seja o tráfico e esta actividade ficou claramente demonstrada pela testemunha de acusação ouvida em julgamento ao referir que o mesmo o fazia quase diariamente, que vendia cerca de 50 saquetas por dia e que não tinha outro modo de vida.
4ª – O Tribunal ao dar como não provado que o recorrente antes de Julho de 2010 procedesse à venda de droga está a delimitar o período de tempo face ao que constava da acusação, pois deu como provado que só entre aquela data e Outubro de 2010 traficou; por outro lado o Tribunal quando refere que o recorrente se dedica há vários anos ao tráfico de estupefacientes não se está a referir a este período mas às condenações que sofreu por tráfico de droga como consta do CRC pelo que sendo realidades distintas não se podem contradizer.
5ª – A referência feita no Acórdão ao preço de 20 €/saqueta de cocaína não é a dar esta afirmação como facto provado, que sempre seria irrelevante, antes a caracterizar a conduta do arguido, sendo este um item, nada mais que isso.
6ª – Esta irrelevância transmite-se às consequências do depoimento das testemunhas, salvo na parte do eventual depoimento das mesmas que pudessem incriminar o condenado que neste caso não tem interesse em agir e o Tribunal ad quem não deve conhecer, em todo o caso não descortinamos o interesse do recorrente em que as testemunhas estivessem presentes, tanto mais que não as apresentou e sempre se dirá que a matéria importante e decisiva para a decisão consta, dos factos provados e não provados como constam do Acórdão.
7ª – O número de 50 saquetas de cocaína que o recorrente vendia diariamente com intervalos de 2 ou 3 dias é uma estimativa resultante da conjugação do modo de acondicionamento da droga que o recorrente levava consigo no dia da detenção e da respectiva quantidade e do que era dado a observar à testemunha no tocante à actividade do recorrente, exactamente porque a testemunha referiu que não o podia fazer em concreto dado o carácter não seguido das suas observações.
8ª – Quanto à crítica do recorrente que não se pode condenar por um único testemunho que pode ser induzido em erro é a mesma uma revivescência do princípio testis unus testis nullus afastado pelo princípio da livre convicção do Tribunal consagrado no artigo 127º do CPP.
9ª – O facto provado sob o nº 1 aliado ao facto de o recorrente não trabalhar exclui uma ilicitude da conduta consideravelmente diminuída, afastando, assim, de modo inexorável a integração da conduta do recorrente na previsão do artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.
10ª – O tribunal não teve qualquer espécie de dúvida quanto à culpabilidade e conduta do recorrente pelo que não faz sentido apelar à violação de algo que não existiu e como tal insusceptível de violar o que quer que fosse, nomeadamente o princípio in dubio pro reo, nem de conduzir à absolvição do recorrente.
11ª – O ónus de provar que tinha filhos efectivamente a seu cargo a residir em Portugal competia ao recorrente e não o tendo feito não cai a sua situação na alçada da alínea b) do artigo 135º da Lei nº 23/2007 de 4 de Julho, mas sim do seu artigo 151º com a consequência de nada obstar à pena de expulsão.
Termos em que deve ser corrigido o nome do recorrente e REJEITADO o Recurso ou, se assim não for doutamente entendido, deve ser-lhe negado provimento Confirmando-se o douto Acórdão Recorrido
Com o que se fará JUSTIÇA EM NOME DO POVO”

1.4 - Neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer concluindo:
“Acompanhamos a resposta apresentada pelo Ministério Público na lª instância, a cujos argumentos nada mais Se nos oferece acrescentar, com relevo para a apreciação e decisão do presente recurso.
Termos em que e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, se emite parecer no sentido da improcedência do recurso.
.
1.5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º do C.P.P..

1.6 - Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação.

2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que interessa, é o seguinte:
“Procedeu-se à audiência de julgamento com observância de todo o formalismo legal e, discutida a causa, provou-se que:
Desde Julho de 2010 e até ao início do mês de Outubro do mesmo ano e em Portimão, o arguido dedicou-se à venda de cocaína a consumidores dessa droga, o que fazia diariamente, por vezes com intervalos de 2 ou 3 dias, procedendo por fim à venda de cerca de 50 saque tas de cocaína por cada jornada;
Agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a venda de cocaína é proibida;
O arguido foi condenado em 14.5.2003 na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução (suspensão que foi revogada em 19.10.2004, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, cometido em 31.5.2002. Em 18.6.2004 foi condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes e de detenção de arma proibida, cometidos em 2003. Foi condenado em 24.2.2006, em pena de multa, pela prática de crime de ofensa à integridade física, cometido em 8.9.2003. Em 23.6.2010 foi condenado em pena de multa, pela prática de crime de falsificação de documento, cometido em 26.5.2010;
Em audiência negou os factos que cometeu;
O arguido é natural de Cabo Verde, onde cresceu inserido numa família numerosa semelhança de sete dos 11 irmãos, o arguido tomou a iniciativa de emigrar. Nunca regularizou a residência;
No país de origem mantinha uma actividade como comerciante e estabeleceu diferentes relacionamentos afectivos dos quais nasceram 10 filhos. Viajou para Portugal em 2002, alguns meses depois de ter vivido em França. Aqui residiu na Cova da Moura e trabalhou, conjuntamente com familiares, na construção civil;
Passados apenas 3 meses da permanência em Portugal, foi preso pela primeira vez. Condenado como se disse, numa pena de 3 anos de prisão com execução suspensa, por tráfico de produtos estupefacientes, o arguido manteve-se em meio livre apenas durante 40 dias, tendo sido novamente preso e condenado pelo mesmo crime;
Manteve-se novamente em meio prisional entre 25.6.2003 e 11.8.2009. Saiu em situação de liberdade condicional apenas aos 5/6 da pena, já que no seu percurso prisional foi notória não só uma atitude de desresponsabilização face aos factos por que foi condenado, como ocorrências disciplinares relacionadas com a prática do mesmo tipo de crime;
Os factos relativos ao seu envolvimento no presente processo ocorreram ainda em período de liberdade condicional;
Em Portugal observou o mesmo padrão de vários relacionamentos afectivos vigente no país de origem. Aqui nasceram mais dois filhos;
Nunca chegou a regularizar a residência, nem a organizar-se numa situação laboral definida. Preso preventivamente no EP de Silves desde 2.10.2010 o arguido revela um comportamento ajustado. Particularmente atento à resolução da sua situação processual, é um indivíduo que não se envolve em problemas interpessoais. Procura a inserção preferencial no grupo de reclusos africanos. É atento e aparentemente cooperante com o sistema. Beneficia de um apoio familiar efectivo, com visitas regulares nomeadamente da irmã e da namorada, embora as mesmas residam na região de Lisboa.
-- / / -- / / --
E (….), ainda se prova que:
Em 1.10.2010, cerca das 1745 horas, na rua, mais concretamente, na Rua Cruz da Pedra, em Portimão, o arguido colocou-se em fuga ao avistar elementos da PS.P, de Portimão, tendo deitado ao chão um embrulho em plástico que trazia na mão;
Recolhido o embrulho, no seu interior encontravam-se 49 saquetas, contendo o peso líquido global de 4,642 gramas de cocaína;
Com o arguido foram ainda encontrados dois telemóveis (de marca "Nokia"), um "iPhone" (ao que tudo indica, sem marca) e a quantia de 141,45 euros;
-- / / -- / / --
E ainda (…), se prova que:
Com o arguido foi encontrado um titulo de residência em nome de Ubirajara Nunes Ferreira;
O número do processo onde foi decretada a sua liberdade condicional é o 8471/04 TXLSB do Tribunal de Execução de Penas de Évora;
O arguido previu e quis agir da forma descrita, tendo-se dedicado à venda de produto estupefaciente durante o refendo período de tempo;
Tinha absoluto conhecimento da natureza e da composição do sobredito produto estupefaciente que destinava à venda a terceiros;
Agiu livre e conscientemente, sabendo que tal comportamento constitui um crime.
-- / / -- / / --
Não se provaram outros factos, nomeadamente:
Que o arguido se dedicasse à venda de estupefacientes antes de Julho de 2010 (ou que tivesse fixado residência em Portimão a partir do fim de 2009);
Outros pormenores relativos à actividade de venda do arguido, designadamente sobre os preços praticados, locais de venda e identidade dos clientes do arguido, (logo e para quem o queira perceber, que vendesse heroína, que vendesse as "muchas" de cocaína por 10 euros cada, que procedesse às vendas no "Kizornba' ou outros estabelecimentos comerciais conotados com a prática de qualquer actividade ilícita, nem que tivesse vendido heroína ou cocaína a B, C ou D) ;
Que a droga trazida pelo arguido em 1.10.2010 servia para 15 doses individuais.
*****
A convicção do tribunal quanto aos factos nucleares provados (e bem assim quanto ao episódio que levou à detenção do arguido em 1.10.2010) formou-se com base no testemunho isento e revelando conhecimento de E, agente da PSP, de Portimão que no exercício das suas funções foi observando as actividades de vendas de droga do arguido, bem como o seu modo de vida, tendo-as caracterizado em audiência, nomeadamente (quanto à sua duração, à falta de actividade laboral do arguido e à sua dedicação diária à venda de estupefacientes (ainda que com alguns intervalos de 2 ou 3 dias),
O seu testemunho é plenamente harmónico com o teor dos autos de apreensão efectuados, bem como com os exames periciais realizados, sendo ainda plenamente confirmado pelo teor do relatório social no (que respeita à relação elo arguido com os estupefacientes e a sua falta de ocupação útil. Repare-se ainda que as suas declarações coincidem até com o relatório social, na parte em que ali se esclarece que o arguido, depois de ter beneficiado de liberdade condicional se instalou cm Carnaxide e depois na Buraca (logo, não veio para Portimão na altura referida na acusação).
Merece assim e a este propósito todo o crédito o testemunho de E, não tendo o mesmo adiantado qual a número das vendas diárias do arguido, dando a entender que as suas observações nunca se prolongavam pelo tempo necessário a poder precisar aquele pormenor. Mas a forma de acondicionamento da droga apreendida, do mesmo passo que revela a sua finalidade, denuncia aquele ponto, juntamente com o mais trazido pelo arguido. Na ocasião da sua detenção, trazia consigo prontas para a venda 49 saquetas de cocaína (que como é sabido são vendidas nas ruas a 20 euros), tendo já arrecadado mais de 140 euros, de onde se extrai, com certeza, que naquele dia se tinha preparado para a venda de pelo mais de 50 saquetas daquela droga.
A totalidade da prova revela o quadro geral de forma nítida.
Temos um indivíduo que se dedica há longos anos à venda de drogas duras e que procede à sua venda diária directa aos consumidores, durante cerca de três meses nesta última vez, como forma de subsidiar os seus gastos, por isso, não desempenhando qualquer ocupação útil.
Os demais pormenores apurados resultam do CRC. do arguido, bem como do relatório social.
(…)
Note-se que, legalmente, os meios de obtenção de prova são: exames, revistas, buscas, apreensões e escutas telefónicas (art.º 171º e seguintes do Código de Processo Penal).
Assim, acabou por se tratar dos meios de prova também no local indevido, mas sempre sem que a necessariamente diversa redacção corresponda a qualquer tipo de alteração relevante, nesta fase processual.
Em face de apuramento do quadro geral relativo a actividade de tráfico de estupefaciente do arguido, o episódio da sua detenção, por si só e nestas circunstâncias, nenhuma importância tem, ao nível factual.
Se, como sucede, através das provas validamente produzidas em audiência (pericial, por apreensão e testemunhal), se consegue caracterizar com precisão aquela actividade ao longo de cerca de três meses, de nula relevância se mostra a caracterização de parte de um dia daquela mesma actividade, pois será uma parcela ínfima do quadro geral, isto é, da verdade.
Diversa seria a situação, caso nada mais se soubesse, ou seja, que sem qualquer enquadramento factual mais alargado, tivesse o agente sido surpreendido numa ocasião com droga.
Mas ainda aqui, os meios de prova não passariam por isso a factos, pois estes seriam constituídos pela circunstância do agente ter consigo determinada quantidade de estupefaciente (o facto) e não pelo mesmo lhe ter sido apreendido (a prova).
(…)
É verdade que as provas são imprescindíveis. Ninguém o disputará.
(…)
Provando-se que um qualquer cidadão, durante cerca de 3 meses se dedicou à venda de cocaína a consumidores dessa droga, o que fazia diariamente, por vezes com intervalos de 2 ou 3 dias, procedendo por fim à venda de cerca de 50 saquetas de cocaína por dia, que interesse tem já saber se em determinado dia, integrado naquele período, se preparava para vender cerca de 50 saquetas de cocaína?
Nenhum.
Diferente seria se determinado cidadão tivesse consigo, em determinado dia, cerca de 50 saquetas de cocaína, nada mais se apurando relativamente à sua actividade que fosse relacionado com drogas.
(….)
Não deixa por isso mesmo de ser puro facto a afirmação de que alguém se dedica à venda dos mesmos, como à de heroína (ou de outro tipo de estupefaciente).
Trata-se, não obstante a coincidência dos conceitos legal e corrente e por isso mesmo, de simples e puro facto.
Mas também de facto já por si só penalmente relevante.
Convirá, sem qualquer margem para dúvida, descrever a actividade em ordem a averiguar a correspondente responsabilidade, tão precisamente quanto possível, no que a investigação e a acusação se deverão focar.
Caberá, por prova directa, indirecta ou mesmo por posterior avaliação crítica dos factos obtidos (portanto, se necessário, no corpo da sentença destinado ao enquadramento legal) caracterizar o mais possível o volume de estupefaciente traficado ou vendido, os preços praticados e o lucro visado, a clientela envolvida e o lugar do agente na rede de traficância, por forma a se evitar a dúvida sobre semelhantes circunstâncias, cujo desconhecimento, de resto, apenas se poderá ter em favor do acusado, tomando-se pelo mínimo possível, algo bem diverso da atitude niilista de ter como indemonstrado o facto principal, apurando-se tão somente algumas das suas manifestações - justamente as que resultam de prova directa, ou o que vai dar no mesmo, dos meios de prova "provados", normalmente coincidentes com aquelas meras manifestações.
O secretismo compreensivelmente utilizado por quem se dedica a semelhantes condutas, aliado ao muro de medo e silêncio sobre as mesmas por parte de quem delas tem o melhor conhecimento, conduziriam à obnubilação do quadro geral se o julgador apenas se focasse no que em determinada ocasião foi visível, correndo sério risco de cometer erro judiciário ao não levar em consideração a visão global de todo o material factual ao seu dispor (afirmando, por exemplo, que é importante enumerar a quantidade de saquetas detidas pelo agente cm determinado dia de uma actividade que durou meses ou anos).
(…)
A preocupação do tribunal na rigorosa selecção e melhor especificação da factualidade alegada (e apenas desta) tem pois este fito, pelo que a referência a "imperada omissão nos surge como deslocada, até porque aquela é, pelo contrário e como se sabe, bem mais trabalhosa e exigente.
(…).
*
Quanto aos factos não provados e para além do que já se referiu, cumpre dizer que tal se fica a dever à circunstância de sobre os mesmos não ter sido produzida qualquer prova, sendo ainda evidente que o arguido trazia a droga dividida por 49 doses individuais e não 15 (a menos que se trate do resultado de um qualquer enquadramento Jurídico, caso em que, por isso mesmo, não constituirá facto algum).
Também aqui se especificou mais, constatando-se, infelizmente sem surpresa, a falência de sábia e antiga jurisprudência, segundo a qual a síntese dos factos não provados que sejam essenciais ou dos quais outros dependam ou sejam decorrência ou consequência, prejudicará os demais, pois é óbvio que ao referir-se que "não se provaram outros factos nomeadamente outros pormenores relativos à actividade de venda do arguido, designadamente sobre os preços praticados, locais de venda e identidade dos clientes do arguido", a outra realidade não se podia estar a mencionar que não as aludidas a tal propósito na acusação. (…). ”

2.2 - Houve registo magnetofónico da prova. Normalmente, quando ocorre a documentação da prova, o recurso além de sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente o pretenda e dê cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P., o que não ocorre, pois o recorrente, A, não impugnou, devidamente, a matéria de facto, invocando, apenas, o erro na sua apreciação, para além de nulidades e outras questões) aprecia as questões de direito avançadas pelo recorrente (Cfr. art. 428º, do mencionado compêndio adjectivo) e faz a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas.
Nestes casos, o recurso aprecia as questões de direito avançadas pelo recorrente e faz a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas. E, dentro destes parâmetros, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
As conclusões nada têm de inútil ou de meramente formal.
Constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

2.3 - Feita esta introdução de âmbito geral e analisadas as conclusões de recurso, () dir-se-á que sendo o objecto de um recurso penal delimitado pelas conclusões da respectiva motivação - art. 403º, n.º 1 e 412°, ns.° 1 e 2, do CPP., com a restrição supra dita - no caso dos autos, dado o conhecimento oficioso dos vícios indicados no art. 412º n.º 2, do C.P.P., as questões que o recorrente coloca são as seguintes:
a) - Pretensão de contestar a matéria de facto, por verificação de erro de julgamento;
b) - A douta Decisão recorrida padece de várias contradições e insuficiências, nomeadamente quanto ao volume de vendas, o qual não se provou, sendo nula;
c) - Não tendo sido aplicado o principio "in dubio pro reo", violou-se, assim, um princípio transcendente da Lei Fundamental, pelo que se evoca a inconstitucionalidade da decisão;
d) - A sentença sob recurso incorreu em errónea subsunção dos factos ao direito, devendo a factualidade assente sob provada ser enquadrada na previsão do art. 25º, a), do DL nº 15/93, e não na previsão do art. 21º, pois não provou a elevada ilicitude e a gravidade, existindo, em concreto, uma diminuição da ilicitude;
e) - No que à pena acessória respeita, não foi feita prova da não existência da efectiva dependência prevista no artigo 135°. /b), da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, pelo que esta pena deve ser revogada.

2.4 - Conhecimento das questões do recurso
2.4.1 - Primeira questão - pretensão de impugnação da matéria de facto.
Não pode esquecer-se que para permitir que no recurso se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, prevêem os arts. 363º e 364º, do C.P.P., a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência.
Ora, da simples leitura da acta de audiência de julgamento verifica-se que se procedeu à documentação por súmula, através de registo magnetofónico da prova.
Não houve, portanto, renuncia ao recurso da matéria de facto - art. 428º n.º 1, do C.P.P.- conhecendo este Tribunal, de facto e de direito, sem prejuízo do preceituado no art. 410º ns. 2 e 3, do citado C.P.P..
No caso “sub judice” foi suscitada a discussão sobre matéria de facto.
Este tribunal tem poderes de intromissão nos aspectos fácticos, nos termos constantes do citado art. 410º n.º 1, podendo, normalmente, sindicar o processo global da valoração da prova feita pelo tribunal “a quo”, pois existe nos autos transcrição daquela (prova). Portanto, a apreciação da prova, baseada nas regras da experiência comum e na livre convicção feita pelo tribunal de 1ª instância pode ser censurada por este tribunal, quando existe documentação das declarações prestadas no decurso da audiência de discussão e julgamento.
No que respeita, no caso sub judice, ao objecto de recurso sobre a questão de facto, a apreciação da prova, baseada nas regras da experiência comum e na livre convicção feita pelo tribunal de 1ª instância poderia ser censurada por este tribunal, pois existe documentação das declarações prestadas no decurso da audiência de discussão e julgamento.
Nos termos do disposto no artigo 428º, do C.P.P., o Tribunal da Relação, em fase de recurso, pode apreciar da matéria de facto e de direito, nos termos retro apontados.
Contudo, é necessário verificar se aquele recorrente deu cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P..
O n.º 3, deste preceito legal - 412º, do C.P.P. estabelece que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto - no caso em análise é dúbio que o tenha feito - deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e bem assim as provas que impõe decisão diversa da recorrida.
O n.º 4, refere que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do ar. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.”.
A lei é exigente relativamente a essa impugnação.
O julgamento efectivo foi realizado no Tribunal da 1ª instância.
Neste Tribunal de recurso o que releva é a apreciação da regularidade do julgamento e não a realização de um efectivo e verdadeiro segundo julgamento. Tanto assim é que a própria lei, no art. 430º, do C.P.P., só permite a renovação da prova quando se verifiquem os vícios do art. 410º n.º 2, do referido compêndio adjectivo, portanto, quando do teor do texto da decisão judicial decorra a verificação de qualquer dos vícios aí apontados, insuficiência, contradição ou erro.
O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.
E tal exigência é dada, como é referido nos Acs. desta Relação Ns. 2542/01 e 2870/02, pelas seguintes imposições:
Especificação, e não mera referência, dos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, sendo necessário precisar com clareza o ponto que se tem por erroneamente apurado;
Especificação das provas, não sendo suficiente a menção genérica de toda a prova e dos depoimentos das testemunhas, etc.;
Indicação concreta das provas que impõem decisão diversa.
Especificação dos suportes técnicos, da prova documentada, com vista a facilitar a sua localização.
O recorrente não deu cumprimento cabal ao preceituado nos citados ns. 3 e 4 daquele preceito. Desde logo, tendo em conta que as provas foram gravadas, não são feitas as especificações previstas nas als. b) e c), do primeiro número apontado, por referência ao consignado na acta, não indicando o recorrente, concretamente as passagens em que funda a impugnação. O mesmo limita-se a questionar pontos de facto que considera, na sua óptica, incorrectamente julgados, tecendo comentários sobre a valoração da prova feita pelo Tribunal, argumentando com considerações todas elas, apenas e exclusivamente, relativas a uma apreensão diversa da prova, valorando-a, de modo diverso, colocando dúvidas e interrogações, sem contudo, conseguir fundamentar e concretizar as provas que impõem decisão diversa.
Como já referido, o que a lei pretende ao vincular o recorrente à indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, formular uma outra versão da prova produzida.
A apreciação da prova constante do acórdão ou sentença, por imposição do art. 374º n.º 2, do C.P.P., não basta ser dúbia ou duvidosa, é necessário que seja, de modo óbvio, errónea impondo-se a qualquer homem ou cidadão mediano e fundamenta a existência do vícios a que alude o art. 410º n.º 2, al. c), do aludido compêndio adjectivo, ou não. Neste caso, deve cumprir-se as regras de impugnação supra mencionadas.
No nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127° do CPP, que estatui" salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada seguindo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.". A este propósito salienta o Sr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, v. I, Coimbra Editora, Lda., 1981, pág. 202: " Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada" verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de se, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo..."
E adianta, o Cons. Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, " Meios de Prova", Livraria Almedina, pág. 227/228.: " Por outro lado, livre convicção ou apreciação não poderá nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação das decisões que conheçam a final do processo de modo a permitir-se um controlo efectivo da sua motivação".
Sobre esta questão, o Prof. Marques da Silva, In “ Curso de Direito Processual Penal, vol. II, pág. 126 e 127 refere:" O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente de imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente aplicáveis (v.g. a credibilidade eu se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as interferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.".
Maia Gonçalves, in "Código de Processo Penal, anotado", 9.ª ed., pág.322, refere "... livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e de lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica... ".
Como já referido, a convicção do julgado há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ".
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes planos.
Em primeiro lugar trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova).
Seguidamente, na valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
E, tal como se refere no Ac. desta Relação de 29/03/2000 – Rec. N.º 180/2000: “Dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise dos textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim, através de contacto com as pessoas, é evidente que o tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal “a quo”.
Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I, 1974, ed.ª de 1974, pág. 204, adianta que existe sempre um determinado cunho pessoal, originando uma convicção pessoal, pois ela é condiciona não só pela actividade puramente cognitiva, mas também por factores inexplicáveis, racionalmente.
Esta doutrina, com a qual concordamos, leva a concluir que os julgadores, no tribunal de recurso, a quem está vedada a imediação e a oralidade em toda a sua extensão, perante duas ou mais versões dos factos, só podem afastar-se do juízo feito pelo julgador da primeira instância, naquilo que não tiver origem nestes dois princípios (oralidade e imediação), ou seja, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.° 374º n.º 2, do citado compêndio adjectivo.
Mesmo estando a prova documentada, não se pode deixar de considerar que os mencionados princípios de imediação e da oralidade facultam e permitem ao julgador percepcionar e apreciar, de modo distinto, de quem, como o tribunal de recurso, apenas contacta com a transcrição dos depoimentos gravados, ou mesmo até com a audição do registo magnetofónico.
Ora, não é suficiente especificar, de forma sectorial, algum ou outro, elemento da prova. Só a especificação de todos eles, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.
E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida. Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.
Outra observação é a da relevância dos pontos da matéria de facto para a decisão. É inócuo impugnar este ou aquele pormenor factual quando eles, mesmo que se verifique um menor rigor de valoração, não alterem, na sua essência, a estruturada e complexa matéria fáctica.
Analisando o acórdão recorrido verifica-se que o mesmo se baseou numa apreciação critica e global de toda a prova produzida – testemunhal (depoimento de E, agente da PSP, de Portimão), documental (autos de apreensão e relatório social efectuado e CRC) e pericial (os exames periciais realizados) – no seu conjunto, principalmente, “no testemunho isento e revelando conhecimento de E, agente da PSP, de Portimão que no exercício das suas funções foi observando as actividades de venda de droga do arguido, bem como o seu modo de vida, tendo-se caracterizado em audiência, nomeadamente (quanto à sua duração, á falta de actividade laboral do arguido e á sua dedicação diária à venda de estupefacientes (ainda que com alguns intervalos de 2 ou 3 dias),
O seu testemunho é plenamente harmónico com o teor dos autos de apreensão efectuados, bem como com os exames periciais realizados, sendo ainda plenamente confirmado pelo teor do relatório social no (que respeita à relação elo arguido com os estupefacientes e a sua falta de ocupação útil. Repare-se ainda que as suas declarações coincidem até com o relatório social, na parte em que ali se esclarece que o arguido, depois de ter beneficiado de liberdade condicional se instalou em Carnaxide e depois na Buraca (logo, não veio para Portimão na altura referida na acusação).
Merece assim e a este propósito todo o crédito o testemunho de E, não tendo o mesmo adiantado qual a número das vendas diárias do arguido, dando a entender que as suas observações nunca se prolongavam pelo tempo necessário a poder precisar aquele pormenor. Mas a forma de acondicionamento da droga apreendida, do mesmo passo que revela a sua finalidade, denuncia aquele ponto, juntamente com o mais trazido pelo arguido. Na ocasião da sua detenção, trazia consigo prontas para a venda 49 saquetas de cocaína (que como é sabido são vendidas nas ruas a 20 euros), tendo já arrecadado mais de 140 euros, de onde se extrai, com certeza, que naquele dia se tinha preparado para venda de pelo mais de 50 saquetas daquela droga.”
A totalidade da prova revela o quadro geral de forma nítida descrito e provado.
Essas provas revelaram-se sérias e isentas, já que a única testemunhal, não deixou de ser determinante para a convicção do tribunal, como explicado, por a muito ter assistido, no que respeita à dedicação do arguido à venda de cocaína, durante um período de cerca de três meses, tendo o seu depoimento sido considerado seguro, convincente e objectivo, dado que sedimentado pelo conteúdo doa autos de apreensão, exames periciais e relatório social.
Portanto, o Tribunal a quo fundou a sua decisão em elementos de prova dos autos, designadamente a prova pericial, documental e testemunhal apresentada.
Da conjugação de todos estes elementos de prova foram dados como provados os factos em causa e, em consequência, foi este condenado.
O problema equacionado reconduz-se ao da apreciação da prova por parte do tribunal recorrido de que trata o art.° 127°, conforme já afirmado.
Ora, reafirmamos que os julgadores, no tribunal de recurso, a quem está vedada a imediação e a oralidade em toda a sua extensão, perante duas ou mais versões dos factos, só podem afastar-se do juízo feito pelo julgador da primeira instância, naquilo que não tiver origem nestes dois princípios (oralidade e imediação), ou seja, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.° 374º n.º 2.
O recorrente pretende que se dê credibilidade às suas declarações, em detrimento do depoimento da aludida testemunha, que pretende descredibilizar, por ser a única, esquecendo as restantes provas, designadamente da documental. Isso é que é inaceitável, sendo reminiscência do princípio testis unus testis nullus rejeitado pelo mencionado princípio da livre convicção do Tribunal reconhecido no citado artigo 127º do CPP.”
Pois que, atenta a fundamentação da convicção feita pelo tribunal, colocar em causa a valoração da prova feita, sem concretizar devida e especificadamente matéria relevante para esse fim, e mencionar determinados depoimentos que, ou não serviram de base á fundamentação da convicção do tribunal, ou não concorreram para ela, em detrimento de outros que foram relevantes para a convicção da matéria fáctica, provada o não provada, não pode ser considerado como impugnação da matéria de facto.
Mas revertendo para o caso concreto, dir-se-á que a questão básica da critica à matéria facto provada resulta, na óptica do recorrente, da falta de elementos probatórios que serviam de base à atribuição da culpa dos factos criminosos - tráfico de estupefacientes - ao arguido/recorrente, por não ficaram provados os preços por que a vendia, os locais da venda e a identidade das pessoas a quem vendeu
Vejamos!
Afirma-se, desde já, que não é imprescindível que se identifiquem compradores para que se comprove a venda, nem é imprescindível esta para que se consuma o crime de tráfico de droga p. p. no art.º 21º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/1.
E, tal como é afirmado na resposta ao recurso “O recorrente ao questionar unicamente a sua culpa por entender que não ficaram provados os preços por que a vendia, os locais da venda e a identidade das pessoas a quem vendeu não põe em causa a venda de cocaína a que procedia ou seja o tráfico e esta actividade ficou claramente demonstrada pela testemunha de acusação ouvida em julgamento ao referir que o mesmo o fazia quase diariamente, que vendia cerca de 50 saquetas por dia e que não tinha outro modo de vida.”.
Entende ainda o recorrente que o tribunal não tomou conhecimento de factos que devia ter tomado, como seja o facto de considerar no Acórdão e relativamente às 49 saquetas de cocaína que as mesmas na rua são vendidas a 20 € a unidade e que no inquérito duas testemunhas referiram que o preço é de 10 € e as sobreditas testemunhas não compareceram em julgamento não tornou possível fazer essa prova e obstou a que o Tribunal tomasse conhecimento de um facto do qual deveria ter tomado o que constitui a nulidade da sentença.
A referência feita no Acórdão ao preço de 20 € como correspondendo ao preço da saqueta de cocaína não é a dar esta afirmação como facto provado, que sempre seria irrelevante, antes a caracterizar a conduta do arguido, sendo este um item, nada mais que isso.
Esta irrelevância transmite-se ás consequências do depoimento das testemunhas, salvo na parte do eventual depoimento das mesmas que pudessem incriminar o condenado e como tal não tem interesse em agir e o Tribunal ad quem não deve conhecer, em todo o caso não descortinamos o interesse do recorrente em que as testemunhas estivessem presentes, tanto mais que não as apresentou e sempre se dirá que a matéria importante e decisiva para a decisão consta, dos factos provados e não provados como constam do Acórdão.
Diz ainda o recorrente que não é possível ter sido dado como provado – como foi – que o arguido vendia cerca de 50 saquetas por dia; mesmo, quanto ao peso, a quantidade não tem correspondência na qualidade, revelada por exame pericial; Não se podendo condenar por um único testemunho, que pode ter sido induzido em erro.
O número de 50 saquetas de cocaína que o recorrente vendia diariamente com intervalos de 2 ou 3 dias é um número aproximado, uma estimativa resultante da conjugação do modo de acondicionamento da droga que o recorrente levava consigo no dia da detenção e da respectiva quantidade e do que era dado a observar à testemunha no tocante à actividade do recorrente, exactamente porque a mesma referiu que não o podia fazer em concreto dado o carácter não seguido das suas observações.”
Assim, da conjugação do depoimento prestado em julgamento, pela testemunha E, com o teor do auto de detenção, onde se mostra descrito todo o circunstancialismo ocorrido, nesse momento, designadamente, modo de acondicionamento da droga que o recorrente levava consigo no dia da detenção e da respectiva quantidade e do que era dado a observar à testemunha no tocante à actividade do recorrente, bem como da documentação existente nos autos, entendemos que o Tribunal à quo fez uma interpretação adequada da prova produzida e decidiu em conformidade com essa prova, motivando de forma exemplar o percurso que conduziu à decisão.
Pois que, no caso “sub judice”, tal como se mostra mencionado, resulta da fundamentação da matéria de facto que, o tribunal “a quo” na análise e fixação da matéria de facto, baseou-se na observação de conjunto de provas, legalmente válidas e interpretou-as, de forma livre, mas não arbitrária.
A utilização de prova indirecta pelo Tribunal, que constitui meio de prova absolutamente legítimo e conforme com o dispositivo legal estabelecido no artigo 127º, expressamente consagra o princípio da livre apreciação da prova. Nos casos de prova indirecta o que está em causa é «o tribunal inferir racionalmente a prova dos factos a partir da prova indirecta ou indiciária desde que seja seguido um processo dedutivo baseado na lógica e nas regras de experiência comum (recto critério humano e correcto raciocínio) – cf. Ac. R. Coimbra de 2008 proferido no proc. 495/002. A prova indirecta, sendo um meio de prova absolutamente legítimo, pode ser livremente utilizada e valorada pelo Tribunal, em todas as circunstâncias que entender como útil à sua utilização, assumindo relevância especifica em circunstâncias de défice da prova directa, seja por virtude de inexistência, seja pela sua debilidade valorativa. Nesse sentido «a prova indirecta ou indiciária pode ser valorada preferencialmente pelo julgador e, só por si, conduzir à sua convicção, tal qual a prova directa», cf. Ac. RC 26.11.2008 proc. 341/06 in www.dgsi.pt.
“Na valoração individual da prova examina-se a fiabilidade de cada uma das provas em concreto reconhecendo-se que toda a prova, antes de provar deve ser provada. No decurso do processo analítico efectuado não pode prescindir-se da perspectiva conjunta do modo como cada uma das provas é integrada no quadro probatório global. Se cada um dos elementos de prova tem de exigir uma disponibilidade para ser avaliado como se realmente «tivesse sido o único disponível», a articulação das provas entre si e a sua avaliação conjunta permitem o conhecimento global dos factos que, por sua vez se irá reflectir no resultado da totalidade da prova atendível, sendo por isso reciprocamente necessários os dois momentos de valoração.
Da análise probatória global, efectuada igualmente pelo tribunal ad quo não pode de todo concluir-se por uma errada apreciação da prova em termos de julgamento pelo tribunal.
O princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.
O mesmo é orientado pelo princípio da descoberta da verdade material.
Ora, conforme foi referido, o Tribunal no caso concreto, para chegar à sua decisão, valorou um conjunto diverso de provas utilizando exactamente as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência. Daí que não se vislumbra qualquer vício no seu modo de decidir e valorar essas provas que ponha em causa o principio da livre apreciação da prova.” (vide, Ac. R C, de 25/11/2009, proferido no Proc. N.º 219/05.8GBPCV.C1).
Revertendo ao caso concreto, verifica-se que o tribunal recorrido apreciando criticamente todas aquelas provas (ainda que nalguns pontos com base em “factos indiciários típicos”, devidamente explicitados, com efectiva possibilidade de serem contraditados, o que nada impede, legalmente, mesmo em processo penal, a sua utilização como meio de prova legal) conjugando-as e confrontando-as, como se fez constar, de forma detalhada, da respectiva fundamentação.
A conjugação desses elementos probatórios serviu para a convicção do tribunal “a quo” na forma vertida no acórdão recorrido.
Ora, o tribunal recorrido apreciando criticamente o depoimento e conjugando-o com, a demais prova produzida, como se fez constar da respectiva fundamentação, não se afastou do ónus imposto pelo referido art.° 374° n.º 2.
No entanto, analisada a prova gravada, dela resulta, manifestamente, que o depoimento prestado e os documentos analisados são claros, sem dúvida, quanto ao que é essencial para a decisão.
Portanto, no caso, em análise, a conjugação de toda a prova aponta no sentido vertido do acórdão recorrido.
Não nos podemos esquecer que ao julgador não é permitido formular um juízo de " non liquet" sobre a prova produzida e que só a ele é exigida objectividade, podendo ser, e sendo-o muitas vezes, diferente a perspectiva com que a prova é entendida e avaliada, o que origina, a final, que se possam obter resultados díspares ou pelo menos não coincidentes.
Portanto, face a essa fundamentação da convicção feita pelo tribunal colectivo, colocar em causa a matéria de facto por se entende que há contradição entre depoimentos, cujo conteúdo não se mostra devidamente especificado, em matéria relevante, e mencionar determinados depoimentos que, ou não serviram de base à fundamentação da convicção do tribunal, ou concorreram para ela, em detrimento de outros que foram relevantes para a convicção da matéria fáctica, não pode ser considerado como passível de impugnação da matéria de facto.
Assim, não se modifica tal matéria de facto, nos termos preceituados no art. 431º n.º 1 al. b), do C.P.P..
A matéria fáctica apurada é a que se mostra supra descrita.
É manifesta a improcedência, desta parte, do recurso interposto pelo recorrente em causa.

2.4.2 - Violação do princípio" in dubio pro reo".
Relativamente este princípio "in dubio pro reo", cremos que este apenas se coloca no âmbito da matéria de facto, e apenas se verifica quando do texto da decisão recorrida resulte que o tribunal, na dúvida optou por decidir contra o arguido (ac. do STJ de 28.01.99), sendo certo também que de haver prova divergente não significa que estejamos perante uma dúvida séria e honesta.
Ora, como já afirmado, o que o recorrente alega no fundo é uma diversa interpretação/valoração da prova.
O invocado princípio só seria de atender se resultasse do acórdão, principalmente da respectiva fundamentação, que o tribunal recorrido, num estado de dúvida insanável sobre a autoria do tráfico de “cocaína” tivesse optado por entendimento desfavorável ao arguido.
Ora, não é isto que ocorre no caso vertente, sendo patente, da fundamentação do acórdão, que o tribunal não teve qualquer dúvida sobre a ocorrência dos pontos em causa, tráfico de estupefacientes praticado pelo arguido/recorrente, dado o conhecimento, por este, da situação em causa, o que na óptica do recorrente não devia ter sido dado como provado.
Nem se mostra violado o art.º 32º, da CRP.
A presunção de inocência é, igualmente, uma regra basilar para na apreciação da prova, que coadjuva o princípio in dubio pro reo, pois que, um non liquet na questão da prova, tem de ser sempre valorado a favor do arguido. Na dúvida sobre a culpabilidade do acusado, o princípio político-jurídico da presunção de inocência impõe a sua absolvição.
O que está em causa não é uma qualquer dúvida subjectiva, mas sim uma dúvida razoável e insanável, que seja objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida, de modo a que seja racionalmente sindicável.
E, reafirmamos, no texto do acórdão não se vislumbra que o Julgador tenha tido dúvidas (e muito menos dessa natureza) sobre a prova dos factos impugnados pelo recorrente, e, devido às mesmas, o acórdão recorrido contenha qualquer erro notório na apreciação dos factos ou na valoração da prova produzida.
Como já referido, nomeadamente, no ponto 4.2.1, para o qual se remete, o tribunal “a quo” procedeu à indicação dos meios de prova em que o tribunal baseou a sua convicção, esclarecendo, de forma compreensível e lógica, as razões pelas quais concluiu que o recorrente praticou os factos que lhes eram imputados.
Concluindo, é óbvio, da simples leitura da fundamentação da decisão recorrida que o tribunal não teve qualquer dúvida acerca dos pontos de factos que deu como assentes, dúvidas que este tribunal de recurso, depois da leitura dos depoimentos transcritos, mesmo sem acesso à imediação e à oralidade, também não vislumbra.
Portanto, manifestamente, não resulta do texto do acórdão que o tribunal tenha violado o princípio" in dubio pro reo".
Improcede, também, nesta parte, esta pretensão do recurso.

2.4.3 - A decisão recorrida não padece de nenhum dos vícios expressos no n.º 2, als. a) a c), do art. 410º, do CPP.
Efectivamente, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
Não ressalta “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se deu com o provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis” (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques - Recursos em Processo Penal/ 4ª edição/74);
Nem a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, tornando-se necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Todos os factos alegados, úteis, necessários e não superfulos, alegados quer pela acusação, quer pela defesa foram tomados em conta. E não se vislumbra que outros factos essenciais não tenham sido considerados;
Nem, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre fundamentos invocados. Pois quem a matéria de facto dada como provada nos pontos permite perfeitamente efectuar o raciocínio seguido no acórdão recorrido.
O recorrente refere, tal ccmo é mencionado na resposta ao recurso “que o Acórdão enferma de várias contradições nomeadamente dar como não provado que o recorrente antes de Julho de 2010 não traficasse e depois condená-lo pelo artigo 21º por considerar que é devida ao tempo decorrido e sobretudo pelo volume de vendas e que se diga que é um individuo que se dedica há longos anos à venda de drogas duras e que procede à sua venda diária directa aos consumidores.
O Tribunal ao dar como não provado que o recorrente antes de Julho de 2010 procedesse à venda de droga está a delimitar o período de tempo face ao que constava da acusação pois deu como provado que só entre aquela data e Outubro de 2010 o fez e por outro lado quando refere que se dedica há vários anos ao tráfico de estupefacientes não se está a referir a este período mas às condenações que sofreu por tráfico de droga como consta do CRC pelo que sendo realidades distintas não se podem contradizer.
De salientar que o Tribunal ao referir que o recorrente se dedica há vários anos ao tráfico de droga não tira qualquer ilação quanto à ilicitude mas sim para a determinação da medida da pena.”
Portanto não se vislumbra a existência de contradições entre a fundamentação e a decisão,

2.4.4.- Acresce que, no caso concreto, o Tribunal fundamentou suficientemente, tendo enumerado os factos provados e não provados, fez uma exposição concisa, dos motivos, de facto e direito, que fundamentaram a decisão, indicou e examinou criticamente das provas que serviram para formar a sua convicção. O exame crítico fê-lo de forma adequada e suficiente.
Portanto, o acórdão não padece de nulidade por omissão de pronúncia, pois que a exigência legal, de menção, na decisão, dos factos provados e não provados respeita, apenas, aos que são essenciais à caracterização do crime e às suas circunstâncias juridicamente relevantes, excluindo os factos inócuos ou irrelevantes para a verificação ou qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, ainda que descritos na acusação, na contestação, ou resultante de documentos juntos.
Neste mesmo sentido, o Ac. STJ, de 14 de Fevereiro de 2001, proc. N.º 2836/00-3ª, sastj, N.º 48, 53, refere: “Os factos provados e não provados que devem constar da sentença são os que se configuram como essenciais para as questões enunciadas no n.º 2, do art. 368, do CPP.”.
O acórdão recorrido, como já afirmado nos pontos anteriores, para os quais se remete, baseando-se numa apreciação critica e global de toda a prova produzida no seu conjunto (os elementos probatórios, em que se baseou, revelaram-se sérios e isentos, tendo o depoimento da mencionada testemunha sido considerado seguro, convincente e objectivos) consignou, apenas, os factos provados e não provados essenciais à caracterização do crime e às suas circunstâncias juridicamente relevantes, excluindo os factos inócuos ou irrelevantes para a verificação ou qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, ainda que descritos na acusação, na contestação, ou resultante de documentos.
Assim, são necessários e suficientes, para a decisão, os factos provados e os não provados, consignados no acórdão recorrido, entre eles, os vertidos na matéria de facto, e não outros, como pretende o recorrente.
Carece, também, neste segmento, de razão o recorrente.

2.4.5 - Erro na qualificação jurídica dos factos/errada qualificação jurídica.
O arguido/ recorrente nas conclusões do seu recurso entende que houve uma errada subsunção dos factos ao direito aplicável, pois o crime que lhes deve ser imputado é o previsto no art. 25º, do DL n.º 15/93, de 22/1.
Refere, designadamente, que o acórdão recorrido violou, prima facie, o disposto no artigo 25º, alínea a), do D.L.15/93, de 22/01, já que, atenta a matéria de facto dada como provada era neste tipo privilegiado que deveria ter enquadrado a actuação deste arguido, e não no artigo 21º do mesmo diploma legal. Por tudo o que foi alegado em sede de fundamentação, a ilicitude do facto mostra-se consideravelmente diminuída. Circunstâncias decisivas são: não se ter provado o volume das vendas, a pequena quantidade de droga apreendida e a ilicitude ser consideravelmente diminuta, entre outras. Justificava-se uma pena de prisão inferior.
Vejamos às disposições legais:
Art. 21º, do DL n.° 15/93, de 22/1 (tráfico e outra actividades ilícitas).
“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”
Art. 25º (tráfico de menor gravidade).
“Se nos casos dos art. 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;
b) Prisão até dois anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”
O art. 21º, do DL n.º 15/93 define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime.
Trata-se de um crime de perigo, abstracto ou presumido, pelo que, para a sua consumação, não se exige a verificação de um dano real e efectivo. O crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido (a saúde pública, na dupla vertente física e moral), como patenteiam os vocábulos definidores do tipo fundamental - «cultivar», «produzir», «fabricar», «comprar», «vender», «ceder», «oferecer», «detiver».
O crime em causa não exige que a detenção se destine à venda, bastando a simples detenção ilícita ou a acção de a proporcionar a outrem, ainda que a título gratuito; basta que o estupefaciente não se destine, na sua totalidade, ao consumo do próprio, para tal crime estar perfectibilizado. Cfr., neste sentido, os Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-11-99 (Proc. 937/99) e de 1-7-2004 (Proc. 04P2035), in www.dgsi pt. Neste mesmo sentido, os Acs. do STJ. de 12/7/89, BMJ. 389/501; de 11/7/90, CJ. T 4, 8; de 2/5/90, BMJ. 397/128; de 11/10/95, BMJ. 450/110; de 13/4/00, CJ. T2, 157; de 21/6/01, CJ. T2, 235, conforme já supra mencionado.
Como já afirmado não é imprescindível que se identifiquem compradores para que se comprove a venda, nem esta é imprescindível para que se verifique o crime de tráfico de droga p. p. no art.º 21º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/1.
O art. 24º prevê o tipo agravado de tráfico, com a enumeração taxativa das circunstâncias que têm essa virtualidade.
Por sua vez, os arts. 25º e 26º, do mesmo DL n.º 15/93, estabelecem os tipos privilegiados de tráfico.
O citado art. 25º, cuja normação vem avocada pelos recorrentes, refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração conjunta dos diversos factores, alguns dos quais o preceito enumera, a titulo exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados) - e assim, tal como não basta para se configurar este tipo privilegiado de crime a constatação de que a detenção era de uma dose diminuta, será suficiente, para que se não verifique, que tenha ocorrido uma única circunstância especialmente censurável.
«Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do art. 25º, do DL n.º 15/93, haverá de se proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras» Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 7-12-99 (Proc. 1005/99).
«A tipificação do art. 25º, do DL n.º 15/93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar» Acórdão, do Supremo Tribunal de justiça, de 15-12-00 (Proc. 912/99).
Vale por dizer, muito em síntese, que a previsão contida no art. 25º, do DL n.º 15/93, representa um tipo privilegiado relativamente ao tipo-de-ilícito figurado no art. 21º, do mesmo DL, e o que privilegia o delito é a diminuição sensível, ponderosa, da ilicitude, revelada em factos relativos, por exemplo, aos meios utilizados, à modalidade e circunstâncias da acção, à qualidade ou à quantidade do produto empossado.
A conduta do arguido não pode ser integrada no art. 25º (tráfico de menor gravidade), nem no art. 26 (Traficante-consumidor).
Com efeito, na presente situação estamos perante um facto típico que tutela o bem jurídico saúde pública, cujo grau de ilicitude se situa num grau elevado (basta considerar a destruição de famílias derivado ao consumo de drogas).
O recorrente alega que não se provou a elevada ilicitude e a gravidade do tráfico (a havê-lo), pelo que, a ser condenado, o arguido só podia sê-lo ao abrigo do artigo 25° e não do artigo 21°/1 do D. L. 15/93 de 22 de Janeiro.
O Tribunal deu como provado que o recorrente traficou cocaína desde Julho até Outubro de 2010, que o fazia diariamente, por vezes com intervalos de 2/3 dias, sendo que por fim vendia cerca de 50 saquetas diárias aliado ainda ao facto de o recorrente não trabalhar tudo afasta exclui uma ilicitude da conduta consideravelmente diminuída, afastando, assim, de modo inexorável a integração da conduta do recorrente na previsão do artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.
A ilicitude do facto não se mostra consideravelmente diminuída face aos meios utilizados e a modalidade e as circunstâncias da acção. Para que os arguidos fossem punidos apenas pelo crime p. p. nos termos do artigo 25º do DL. 15/93, era necessário - para além do imperioso cumprimento do disposto no art.º 358º, n.º 1 e 3 do CPPenal (cf., p. ex., Ac. da RC. de 16/2/00, CJ. T 1, 59) - que a ilicitude dos factos se mostrasse consideravelmente diminuída, o que não é o caso.
Efectivamente, se bem que o preceito não se refira agora a quantidades diminutas, manda aferir a ilicitude do facto tendo em conta, designadamente, a quantidade da substância apreendida. E se é certo que foram apreendidas as mencionadas 4,642 gramas, de cocaína, acondicionadas em 49 saquetas, é, também, fundamental e necessário não esquecer que a actuação do arguido revela já uma composição e ponderação sobre os meios utilizados, tendo em vista a prossecução do objectivo final - a venda -, sendo que a quantidade apreendida era suficiente para chegar a um número considerável de consumidores, permitindo ainda a obtenção de lucro.
Portanto, não são insignificantes as quantidades de “Cocaína” apreendida com efeitos altamente perniciosos para a saúde pública.
O tráfico de estupefacientes que efectuavam destinava-se a obter proventos económicos.
Assim, a factualidade, dada como provada, revela que a actuação do arguido/ recorrente não se enquadra numa ilicitude consideravelmente diminuída.
Pelo que fica dito, os factos praticados pelo arguido só podem enquadrar-se na previsão do art. 21º do DL n. ° 15/93, de 22/1 (tráfico e outras actividades ilícitas).
Inexistem causas de exclusão da ilicitude e/ou da culpa.
É portanto, incontroverso, que o arguido/recorrente é autor do aludido crime de tráfico de estupefacientes.
Improcede pois, neste segmento, a argumentação do recorrente.

2.4.6 - Entende finalmente o recorrente que relativamente à pena acessória não foi feita prova da não existência da efectiva dependência prevista no artigo 135°. /b) da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, pelo que esta pena deve ser revogada.
O recorrente rejeita a imposição da pena acessória de expulsão por não ter sido feita prova da não existência da efectiva dependência prevista no artigo 135º alínea b) da lei nº 23/2007 de 4 de Julho, ou seja, que não tenha efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal.
Este preceito estabelece que: “Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:
a) Tenham nascido em território português e aqui residam;
b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;
c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação;
d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.
A matéria de facto provada não permite integrar a situação do arguido em nenhuma destas alíneas, nomeadamente, na b), pois que a vida afectiva e familiar do arguido tem sido instável, estando a quase totalidade dos seus filhos em Cabo-Verde já que: “No país de origem mantinha uma actividade como comerciante e estabeleceu diferentes relacionamentos afectivos dos quais nasceram 10 filhos. Em Portugal observou o mesmo padrão de vários relacionamentos afectivos vigente no país de origem. Aqui nasceram mais dois filhos”.
O que tem sido constante é a sua dedicação ao tráfico de estupefacientes, apesar do cumprimento de penas de prisão, nunca chegando a regularizar a residência, nem a organizar-se numa situação laboral definida.
O que demonstra que, apesar da expulsão constituir “uma ingerência na vida da pessoa expulsa, e pressupor, sempre, uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade, de fair balance entre o interesse público, a necessidade da ingerência e a prossecução das finalidades referidas no artigo 8.º n.° 2 da Convenção Europeia, e os direitos do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e nas relações familiares, que podem sofrer uma séria afectação com a expulsão, especialmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece os laços com o país de origem.”, no caso em análise, a mesma justifica-se, melhor, é imposta por necessidades sociais imperiosas, que, na ponderação de proporcionalidade, sobrelevem os interesses individuais”( Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 9 de Junho de 2006, disponível in www.dgsi.pt.).
Portanto, no caso em apreço, os factos provados não nos permitem afirmar que a “vida do arguido e as relações familiares, podem sofrer uma séria afectação com a expulsão, especialmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece os laços com o país de origem
Como se refere na resposta ao recurso, “o ónus de provar que tinha filhos efectivamente a seu cargo a residir em Portugal competia ao recorrente e não o tendo feito não cai a sua situação na alçada do artigo 135º referido com a consequência de nada obstar à pena de expulsão.”
Portanto a situação concreta do arguido/recorrente mostra-se integrada no art. 151º, da mesma Lei que, sobre a epígrafe “Pena acessória de expulsão”, preceitua:
1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses.
2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.
4 - Sendo decretada a pena acessória de expulsão, o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que estejam cumpridos dois terços da pena de prisão.
5 - O juiz de execução das penas pode decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, em substituição da concessão de liberdade condicional, logo que julgue preenchidos os pressupostos desta e desde que esteja cumprida metade da pena de prisão.”
Concluindo, improcedem, assim, a totalidade das pretensões do recorrente, não se mostrando verificada qualquer nulidade ou violação de preceitos legais, nomeadamente, os invocados arts. 135°./b) da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, 21º e 25º, do D.L. 15/93 de 22 e Janeiro.

III - Decisão

Em face do exposto, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, pelos fundamentos indicados, acordam em declarar improcedente o recurso interposto.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça, devida em quatro UCs
(Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas - art. 94 n.º 2 do CPP -).

Évora, 24/04/2012
Maria Isabel Alves Duarte
José Maria Martins Simão