Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
Descritores: | CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS REVOGAÇÃO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR | ||
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Data do Acordão: | 07/14/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA | ||
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Sumário: | I - A revogação unilateral, sem justa causa de um contrato de prestação de serviços, faz incorrer o faltoso na obrigação de indemnizar. II – A indemnização tem como medida a diferença entre retribuições que a autora, teria recebido se o contrato atingisse o seu termo normal e os ganhos que obteve por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, designadamente as despesas que faria na execução do mesmo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 181113/10.6YIPRT.E1 Apelação 2ª Secção Tribunal Judicial da Comarca de Loulé – 3º Juízo Cível Recorrente: Condomínio do Complexo .................. Recorrido: G.................- Serviço de Manutenção e Limpeza Unipessoal Lda. * Relatório[1] »A G................. - Serviços de manutenção e Limpeza, Unipessoal Lda, com sede na …………. Cascalheira, intentou a presente injunção contra Condomínio do Complexo …….., com sede no Complexo ................., em Quinta do Lago Almancil, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 29.585,60 bem como taxa de justiça paga no valor de € 76,50. Indica como causa de pedir o contrato de prestação de serviços de limpeza. * Regularmente citada, veio a Requerida deduzir oposição alegando, em síntese, que como o acordado não estava a ser devidamente cumprido, apresentando-se a limpeza insuficiente, foi denunciado o contrato com a requerente e substituído o prestador de serviços. O pagamento das mensalidades até à data da renovação do contrato constituiria um enriquecimento ilegítimo para a A .. Pugna pela improcedência da presente acção» * Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e de seguida foi proferida sentença, julgando a acção procedente e condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 29.585,60, correspondente às prestações que receberia se o contrato se mantivesse até ao seu termo.* Inconformada veio a R. interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões: A. A Recorrente celebrou um contrato de prestação de serviços com a Recorrida em 11 de Março de 2004. B. Na data de 21 de Abril de 2010, denunciou/revogou o contrato com efeitos a partir de 31 de Maio de 2010. C. De acordo com o artigo 1170°, nº1 do CC este foi um meio lícito através do qual a Recorrente se desvinculou do contrato antes celebrado. D. A inexistência de justa causa na revogação unilateral do vínculo contratual pela Recorrente dará eventualmente lugar à indemnização da Recorrida pelo lucro cessante e só por este. E. A pretensão da Recorrida em ser ressarcida de 9 meses de trabalho que não executou, com fundamento apenas na duração do contrato, independentemente da inexistência de quaisquer custos associados à sua prestação de serviços, constitui abuso de direito. F. Acresce ainda que a douta sentença recorrida condenou a Recorrente a pagar o IVA devido pela prestação de serviços que não ocorreram e, por isso, não há qualquer IVA a liquidar. G. O pagamento de tal verba à Recorrida traduzir-se-á no enriquecimento sem causa desta e, por isso, ilegítimo. TERMOS EM QUE: I - Deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser a Sentença Recorrida substituída por outra que condene a Recorrente a pagar à Recorrida apenas e só o montante dos danos por esta sofridos, o que se estima em € 2.958,50 (dois mil novecentos e cinquenta e oito euros e cinquenta cêntimos); II. Em alternativa e se assim não se entender, o que só por hipótese académica se admite, deverá sempre a douta sentença recorrida ser revogada na parte em que condenou a Recorrente a pagar o IVA relativa a uma facturação que não existiu..» * Contra-alegou o recorrido, defendendo a improcedência da apelação.* * Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 685-A e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil). ** Das conclusões acabadas de transcrever, decorre que são duas as questões suscitadas no recurso: -saber se a revogação unilateral do contrato de prestação de serviços confere à A. apenas o direito de ser ressarcidas pelos lucos cessantes, - saber se é devido IVA pela indemnização devida. * Cumpre apreciar e decidir.Dos factos Na primeira instância foram dados como provados os seguintes factos: A) A empresa cuja posição contratual foi transferida para a Requerente e requerida celebraram um acordo para prestação de serviços de limpeza do Condomínio do Complexo ................., em 11 de Março de 2004, o qual na cláusula/artigo nº 5 estipulava a duração mínima de um ano a contra dessa data, renovando-se automaticamente por iguais período se nenhum dos outorgantes o denunciar com a antecedência mínima de 30 dias antes da data aniversário; B) A requerida, através de carta datada de 21 de Abril de 2010, denunciou o acordo referido em A) para o ultimo dia de Maio de 2010; C) O montante mensal a pagar pelo requerido pelo acordado em A) era de € 2.623,00 acrescido de IVA;». * ** Do direito As partes não discordam da natureza jurídica dada ao contrato, na sentença e na qualificação que aí foi feita de que o acordo referido em A), é um contrato de prestação de serviços. Também não existe qualquer dúvida de que o mesmo foi denunciado pela R. para uma data anterior ao termo da renovação que estava em curso o qual só iria ocorrer em 11 de Março de 2011. Na carta de denúncia de fls. 25 , não foi invocado qualquer motivo justificativo, pelo que tal denúncia corresponde a uma revogação unilateral do contrato. Ao referido contrato de prestação de serviços, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras do contrato de mandato (arts. 3º do C. Comercial e 1156 do CC). Ora, nos termos do art. 1170º o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, excepto se for conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro e não existir justa causa de revogação. Para haver interesse comum não basta que o contrato seja oneroso. É necessário um interesse específico ou autónomo, não bastando, para o efeito, o simples facto de a prestação de serviços ser remunerada, uma vez que a mera onerosidade não traduz esse interesse, por parte do prestador, tal como não basta, quanto ao mandatário, a remuneração, porventura devida, pelo exercício do mandato – cfr Ac. STJ de 30-06-2009, Cons. Hélder Roque, in www.dgsi.pt. No contrato em apreço foi estabelecido que ele seria revogável a todo o tempo, «se a outra parte faltar reiteradamente ao cumprimento integral do ora estipulado»… Ou seja se houver justa causa. Tem-se entendido que a justa causa não carece de ser invocada na declaração extintiva do contrato, podendo sê-lo, posteriormente se a parte contrária quiser obter uma indemnização com fundamento em revogação unilateral do contrato[4]. Foi o que fez a recorrente, porém não logrou provar um único facto que pudesse configura uma situação de justa causa para a revogação unilateral do contrato. Pelo que tal revogação não pode deixar de se considerar como injustificada e consequentemente geradora da obrigação de indemnizar, por parte do inadimplente. Prescreve o art. 1172º do CC que: “A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer: a) Se assim tiver sido convencionado; b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação; c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente; d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente”. Em causa nos autos está a situação contemplada na citada alínea c). A ratio da previsão desse normativo é a tutela das expectativas (responsabilidade pela confiança) do mandatário e o seu direito à retribuição. A violação do dever de informação (pré-aviso de revogação) leva a que a confiança depositada na continuação da relação contratual por parte do mandatário seja tutelada por via indemnizatória, traduzindo-se o prejuízo deste na perda de retribuição a que tinha direito, deduzindo-se, todavia, o que obteve em consequência da revogação por outra aplicação do seu trabalho. A indemnização tem por finalidade colocar o mandatário na situação patrimonial que teria se o mandato não tivesse sido revogado – cfr Adelaide Menezes Leitão, Revogação Unilateral do Mandato, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. I, Almedina, pag. 341. A indemnização está, pois, conexionada com o não cumprimento dos requisitos do pré-aviso (é este o facto ilícito). “In casu” as partes convencionaram que o contrato de prestação de serviços se renovaria automaticamente, se não fosse denunciado com pelo menos 30 dias de antecedência em relação à data do aniversário da renovação. A revogação operou-se no dia 31 de Maio de 2010 e o termo da renovação em curso ocorreria em 11 de Março de 2011. É pois este o período a que deve reportar-se o prejuízo da A., traduzido no valor das retribuições devidas, deduzidas dos proveitos que obteve em consequência da revogação e das despesas que teria de suportar com o cumprimento integral do contrato. Como se disse a indemnização destina-se a ressarcir os danos causados e, portanto, a restabelecer o equilíbrio patrimonial. O prejuízo da revogação calcular-se-á em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente no tempo que faltou para o termo do contrato ou seja o lucro cessante do mandatário – A. Varela CC anotado, volume 2º , pag. 814. A indemnização consiste assim na diferença entre o que a autora, teria recebido no período compreendido entre 1 de Junho de 2010 e 11 de Março de 2011, deduzido do que tenha ganho por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, designadamente das despesas que faria na execução do contrato até ao seu termo – neste sentido cfr. Ac STJ de 16-09-2008 relatado pelo Cons. Paulo Sá, in www.dgsi.pt. Assiste pois razão à recorrente ao defender que a indemnização tem como medida os lucros cessantes, pelo que não poderia o tribunal limitar-se a contabilizar o valor das retribuições, sem descontar os proveitos da autora designadamente as despesas que deixou de fazer pela extinção antecipada do contrato. Acontece que os autos não contêm quaisquer elementos, que permitam determinar o valor dos proveitos e despesas a deduzir ao montante da retribuição que a autora teria direito a receber se o contrato vigorasse até ao seu termo normal, pelo que não poderia o tribunal ter condenado em quantia certa como o fez. Antes deveria ter relegado a liquidação da indemnização devida, para o incidente de liquidação. Quanto à questão do IVA, a recorrente não tem razão. Com efeito embora a quantia a pagar tenha natureza ressarcitiva, não há dúvidas de que ela é constituída pelas retribuições devidas pelo cumprimento do contrato e como tal sujeitas a tributação. Concluindo Deste modo e pelo exposto, acorda-se na procedência parcial da apelação e decide-se - revogar a sentença na parte em que condenou a R. a pagar a quantia de € 29.585,60, acrescida do IVA. - Condenar a R. a pagar à A. pela revogação unilateral, sem justa causa do contrato, uma indemnização correspondente à diferença entre as retribuições que a autora, teria recebido no período compreendido entre 1 de Junho de 2010 e 11 de Março de 2011, por força da execução do contrato, deduzidas do que tenha ganho por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, designadamente das despesas que faria na execução do contrato até ao seu termo, e a liquidar em incidente próprio. - condenar a R. a pagar o IVA devido pelas retribuições que se venceriam até ao termo normal do contrato. * Em síntese:I - A revogação unilateral, sem justa causa de um contrato de prestação de serviços, faz incorrer o faltoso na obrigação de indemnizar. II – A indemnização tem como medida a diferença entre retribuições que a autora, teria recebido se o contrato atingisse o seu termo normal e os ganhos que obteve por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, designadamente as despesas que faria na execução do mesmo. Custas a cargo de A. e R. na proporção de 1/5 e 4/5, respectivamente. Registe e notifique. Évora, em 14 de Julho de 2011. -------------------------------------------------- (Bernardo Domingos – Relator) -------------------------------------------------- (Silva Rato – 1º Adjunto) --------------------------------------------------- (Sérgio Abrantes Mendes – 2º Adjunto) __________________________________________________ [1] Transcrito da sentença [2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs. [3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. [4] Ac. da RL de 16-06-2005, C.J. 2005 tomo 3, pag. 108. |