Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
434/22.0T9OLH.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: EXECUÇÃO DE COIMAS E CUSTAS
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL
IRRECORRIBILIDADE
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Texto Integral: S
Sumário: I - Não é recorrível o despacho judicial que declara a incompetência do Tribunal, em razão da matéria, para apreciar a execução por coima instaurada pelo Ministério Público (tendo-se considerado caber essa competência à Autoridade Tributária).
II - O entendimento contrário equivale a permitir que, numa fase menos importante do processo contraordenacional - a executiva -, se confira aos intervenientes processuais direitos (nomeadamente, o de recurso) que a fase processual anterior e predominante não consente.
Decisão Texto Integral:


Devendo o recurso ser rejeitado, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do Código de Processo Penal, profere-se

DECISÃO SUMÁRIA

I. RELATÓRIO
O Ministério Público instaurou execução contra (A), para cobrança da quantia de € 251,00 (duzentos e cinquenta e um euros), que ao mesmo foi imposta, a título de coima, no processo de contraordenação n.º 179946/2021 do Comando Distrital de Faro da Polícia de Segurança Pública.
Este ato deu origem aos presentes autos, de execução por coima administrativa que, com o n.º 434/20.0T9OLH, correm pelo Juízo de Competência Genérica de Olhão [Juiz 1] da Comarca de Faro.
E neles, por decisão judicial datada de 27 de maio de 2023, foi declarada a incompetência absoluta em razão da matéria do mencionado Tribunal.
Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1) O Ministério Público promoveu a execução da coima e custas da entidade administrativa, por não terem sido voluntariamente liquidados os valores em dívida por parte do executado.
2) Para o efeito, o Ministério Público submeteu requerimento executivo que deu origem aos presentes autos.
3) Pelo despacho recorrido, o Tribunal a quo decidiu que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a presente ação executiva, considerando que tal competência recai sobre a AT.
4) O legislador não alterou o disposto nos artigos 61.º, 88.º e 89.º, do RCP, mantendo- se a competência para a execução da coima administrativa não paga junto dos Tribunais.
5) Perante a atual redação do artigo 35.º, do RCP, apenas se considera admissível que a AT tenha competência para a execução das custas da entidade administrativa. No que respeita à coima, o legislador não atribuiu essa competência à Autoridade Tributária.
6) Ao julgar que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a ação executiva que deu origem aos presentes autos, com o devido respeito por opinião contrária, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 61.º, 88.º, e 89.º, do RGCO, 35.º, do RCP, e 64.º, do CPC, por força do disposto no artigo 4.º, do CPP.
7) Numa interpretação conforme com o disposto nos artigos antecedentes e demais disposições legais aplicáveis, consideramos que o tribunal recorrido nunca se poderia declarar materialmente incompetente para proceder à execução da coima, por se verificar que o Juízo de Competência Genérica de Olhão, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, é territorialmente e materialmente para apreciar a presente ação executiva, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos.
8) Deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se, consequentemente, que prossiga a presente execução relativamente à coima aplicada pela entidade administrativa e, eventualmente, relativamente às custas aplicadas pela entidade administrativa, caso se entenda que o Tribunal recorrido é igualmente competente para a sua execução.
Vossas Ex.ªs, porém, decidirão como for de
JUSTIÇA !»

O recurso foi admitido.
Não houve resposta.
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer que se transcreve:
«Aderimos à fundada argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância nos termos que seguem.
Como bem decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 7/11/2023 no Processo nº 107/23.6T9OLH.E1, in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579b f005 f0 80b/e923aab4bb689b7f80258a6a003727eb?OpenDocument, é da competência dos tribunais criminais o processamento das ações executivas para cobrança de quantia certa fundadas em condenação administrativa não impugnada que tenha condenado o arguido em coima, não tendo a entrada em vigor da Lei nº 27/2019, de 28 de março, alterado esse paradigma.
No que se refere à cobrança coerciva de custas, a Lei n.º 27/2019, de 28 de março, veio inverter o paradigma preexistente, remetendo para a execução fiscal a cobrança coerciva das custas fixadas em processo judicial, competindo à Administração Tributária proceder à sua cobrança coerciva.
A este propósito, cfr. Diretiva n.º 3/2021, de 15/09, da Procuradora-Geral da República, publicada in DR n.º192, 2ª Série, de 1/10/2021 (Cobrança coerciva de custas aplicadas na fase administrativa de processos de contraordenação - Competência para a instauração de execução) que determina que, no que concerne à competência para a instauração de execução, o legislador eliminou a referência à execução por custas, que constava do artigo 491.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, passando a mesma a ser da competência exclusiva da Administração Tributária.
Acrescentamos ainda que interpusemos recurso extraordinário para fixação de Jurisprudência no Processo nº 319/23.2T9OLH.E1 da Secção Criminal - 2ª Subsecção do Tribunal da Relação de Évora (Processo nº319/23.2T9OLH.E1-A.S1 do Supremo Tribunal de Justiça, autuado em 15/12/2023) propondo a sua fixação com o seguinte sentido:
- Compete aos Tribunais o processamento e decisão de autos de execução respeitantes à cobrança de coima decorrente de decisão de autoridade administrativa.
Pelo exposto, somos de parecer que deve ser julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público quanto à competência para execução da coima aplicada pela autoridade administrativa.»
Efetuado o exame preliminar, entendeu-se ocorrer a situação prevista na alínea b) do n.º 6 do artigo 417.º do Código de Processo Penal.
O que se passa, agora e de forma sumária, a explicitar.

II. FUNDAMENTAÇÃO
O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – nos termos do artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República de 28 de Dezembro de 1995, na 1ª Série A.
Pressuposto de conhecimento do objeto do recurso é a prévia admissibilidade do mesmo – artigos 414.º, n.º 2.
Questão que não pode deixar de se assumir como prévia e cujo conhecimento oficioso se impõe, sendo indiscutível que a decisão de admissão do recurso, em 1.ª Instância, não vincula este Tribunal da Relação – artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

A decisão recorrida tem o seguinte teor [transcrição]:
«Iniciaram-se os presentes autos executivos com requerimento executivo apresentado pelo Ministério Publico, para cobrança de coima, devida à PSP.
Estabelece o atual art.º 35º do Regulamento das custas processuais (após - Lei n.º 27/2019, de 28/03) o seguinte:
1 - Compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.
2 - Cabe à secretaria do tribunal promover a entrega à administração tributária da certidão de liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas.
3 - Compete ao Ministério Público promover a execução por custas face a devedores sediados no estrangeiro, nos termos das disposições de direito europeu aplicáveis, mediante a obtenção de título executivo europeu.
4 - A execução por custas de parte processa-se nos termos previstos nos números anteriores quando a parte vencedora seja a Administração Pública, ou quando lhe tiver sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a execução por custas de parte rege-se pelas disposições previstas no artigo 626.º do Código de Processo Civil.
Com a atual redação da sobredita norma, o Ministério Publico no âmbito da jurisdição criminal junto dos Juízos Locais criminais tem competência unicamente para instaurar execução por multa devida nos processos e indemnizações arbitradas aos ofendidos/vitimas dos processos criminais.
Todos os demais valores são cobrados pela A.T. após emissão da competente certidão de divida no processo.
É aliás este o entendimento vertido no parecer n.º 27/2020, de 04-10 do Ministério Publico.
Fazendo, como se entende, todo o sentido que se o Ministério Publico junto do tribunal não tem competência para cobrar as custas devidas no próprio processo, não poderá executar custas ou coimas devidas em qualquer outro processo de natureza administrativa, junto de qualquer outra entidade.
Em face do exposto, e tendo em conta o objeto da presente execução, constatamos que este Tribunal é absolutamente incompetente, em razão da matéria, para apreciar e a presente ação executiva, a qual entendemos ser da Autoridade Tributária.
A incompetência absoluta em razão da matéria verificada constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso e a todo o tempo, e importa a absolvição do Executado da instância, nos termos do disposto nos artigos 65º, 97º, 98º, 99º e 577º, al. a) do Código de Processo Civil.
Notifique.
Existindo alguma penhora nos autos proceda ao seu imediato cancelamento.
Existindo valores pagos proceda notificação do executado com informação dos respetivos valores.»

Conhecendo.
Tiveram os presentes autos origem em certidão de dívida extraída do processo de contraordenação n.º 179946/2021, para cobrança da quantia de € 251,00 (duzentos e cinquenta e um euros), imposta, a título de coima, pelo Comando Distrital de Faro da Polícia de Segurança Pública.
Porque tal coima foi imposta num processo de contraordenação, o presente processo executivo, que naquele se enxerta, não pode deixar de seguir as regras do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordenações e Coimas.
Em concreto, o que se dispõe no seu artigo 73.º, a pretexto das decisões judiciais que admitem recurso. Dele decorrendo, de forma isenta de dúvida ou querela, só admitirem recurso para os Tribunais da Relação: (i) as decisões judiciais finais do processo - sejam sentença ou despacho que decidem matéria contraordenacional sem audiência de julgamento – que apliquem coima superior a € 249,40 (duzentos e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos);
(ii) as decisões judiciais finais do processo - sejam sentença ou despacho que decidem matéria contraordenacional sem audiência de julgamento – que apliquem sanções acessórias;
(iii) as decisões judiciais finais do processo - sejam sentenças ou despacho que decidem matéria contraordenacional sem audiência de julgamento – que absolvam ou arquivem o processo em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a € 249,40 (duzentos e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos) ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
(iv) as decisões judiciais que rejeitem a impugnação judicial;
(v) as decisões judiciais proferidas nos termos do artigo 64.º do Regime Geral das Contraordenações, quando o recorrente a tal se tenha oposto.
A decisão judicial que suscita a interposição de recurso pelo Ministério Público nos presentes autos, é de incompetência em razão da matéria, proferida por Senhora Juíza do Tribunal de Olhão. E de afirmação da competência da Autoridade Tributária para o processo executivo.
E esta decisão é insuscetível de recurso.
Desde logo face à previsão do artigo 73.º acabado de transcrever.
Depois, porque em processo contraordenacional não é constitucionalmente imposta a consagração da possibilidade de recurso de todas as decisões judiciais – especialmente no que respeita a decisões não condenatórias, como é o caso presente.
E não decorrendo da Constituição a garantia de um grau de recurso em matéria de processos contraordenacionais declarativos, por maioria de razão se deverá entender não decorrer também tal garantia no que respeita à fase executiva das sanções administrativas. – Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 508/2016, de 21 de setembro de 2016 e acessível em www.tribunalconstitucional.pt
Entendimento diverso, como é o propugnado pelo Recorrente, permite que numa fase menos importante do processo contraordenacional – a executiva – se confira aos intervenientes processuais direitos [nomeadamente, o de recurso] que a fase processual anterior e predominante não consente.
Entendo, pois, que a decisão de incompetência material supra referida não consente recurso. Circunstância que determinaria a não admissão do recurso, face ao disposto no artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. E que nesta fase, determinará a sua rejeição, em conformidade com o disposto nos artigos 417.º, n.º 6, alínea b), 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decido rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto pelo Ministério Público.
Sem custas, por o Ministério Público delas estar isento.

Évora, 06 de fevereiro de 2024
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz